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Author: Rosacruz Áurea

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Logon é a revista online da Escola da Rosacruz Áurea. LOGON explora uma nova perspectiva do desenvolvimento do ser humano e das mudanças na sociedade do século 21, que emergem na arte, na ciência e na religião. Visite nosso site: ww.logon.media/pt-br
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RECIPROCIDADE — FILOSOFIA EM TEMPOS DE TRIBULAÇÃO Durante séculos, a humanidade tem sido guiada pela conhecida "regra de ouro", que faz parte da lei natural do nosso Logos: Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você.A regra também é conhecida como "princípio da reciprocidade". Quando um aluno perguntou a Confúcio: "Mestre, existe uma palavra que pode nos dar apoio durante toda a vida?", ele respondeu imediatamente: Shu. Em uma tradução livre, significa reciprocidade! O autor romano Sêneca traduziu essa reciprocidade como amor: “Você quer ser amado? Então ame!”No entanto, se observarmos a calamidade ecológica que a humanidade provocou em si mesma nas últimas décadas, de acordo com o autor norueguês Jostein Gaarder (1952), essa regra de ouro universal já não pode ter apenas uma dimensão horizontal, ou seja, ser sobre um "nós" e um "eles". No livro Nós somos o mundo ele argumenta que o princípio da reciprocidade deve necessariamente ter uma dimensão vertical: trate a próxima geração como você gostaria de ser tratado pela geração anterior.É simples assim. Ame seu próximo como a si mesmo. E, é claro, isso deve incluir as próximas gerações. Deve incluir absolutamente todos os que viverão neste planeta depois de nós.Não temos o direito de deixar a Terra em um estado pior do que quando passamos a viver nela, argumenta Gaarder com entusiasmo. Menos peixes no mar. Menos água potável. Menos alimentos. Menos floresta tropical. Menos ar puro. Menos recifes de coral. Menos espécies de plantas e animais.  Menos beleza! Menos glória e alegria! Muito mais pessoas! É por isso que ele propõe a elaboração de uma carta global sobre os deveres do homem em relação às gerações futuras. Isso está em analogia com a Declaração dos Direitos Humanos (1948). Indubitavelmente uma ideia sensata, mas essa moralidade formulada globalmente só ganha força de fato quando o homem percebe que vive na Terra para se tornar uma pessoa inspirada pelo Espírito. Dessa forma, ele também pode contribuir para a conscientização e a renovação espiritual geral.Isso não acontecerá sem luta. O homem deve se retirar do centro do cosmo e se tornar subserviente ao planeta Terra.Nas palavras do livro A Voz do Silêncio:Ajude a natureza e coopere com ela, e a natureza o considerará um de seus criadores e se curvará diante de você. (...) Não cobice nada. Não se oponha ao carma nem às leis imutáveis da natureza. Mas lute apenas com o pessoal, o transitório, o fugaz e o efêmero.Essa "mudança climática" interior pode conduzir a um novo nível de consciência a ser alcançado graças à energia de origem supranatural. Essa energia permite que a pessoa se reconcilie novamente e de forma amorosa com a Terra. É a essa harmonia restaurada que Lao Zi se refere quando faz do amor uma condição e o vê como uma espécie de passaporte para a participação neste mundo:O mundo só pode ser confiado àqueles que amam seu próprio corpo como se fosse o mundo inteiro.Karl von Eckartshausen (em: As forças misteriosas da natureza) desenvolve essa ideia. Suas perspectivas esperançosas e amplas são exaltadas muita acima de qualquer desastre:O homem pode penetrar no mais íntimo da natureza; ele pode investigar profundamente sua oficina "secreta"; pode usar seus princípios para manifestar novas criações. Hermes (citado em: Asclepius X) diz:Se o homem assume plenamente o cuidado para com a criação, então ele é um ornamento para o cosmos, e também considera o cosmos uma joia; então, com base na harmonia de suas partes constituintes, ele é um mundo em si mesmo, um microcosmo. Ele conhece a si mesmo e também conhece o cosmos, com o entendimento de que percebe o que é adequado ao papel que desempenha, o que pode usar e ao que deve se submeter.Karl von Eckartshausen, em O Fogo Purificador da Alquimia Divina, explica queO primeiro homem, Adão, recebeu uma bela vestimenta de luz concentrada e forças elementares. (...) Quando o homem perdeu essa vestimenta, o ser de luzretirou-se para o nosso ser mais íntimo como uma pequena centelha de luz, um grão de semente, e essa pequena centelha de luz espera um dia possuir mais uma vez possuir a vestimenta completa de luz, quando, pelo fogo purificador da alquimia divina, a reversão tiver sido alcançada.Photo: Marek Piwnicki on Unsplash CCO
“Que é isso que me oprime o peito?Minha alma quer sair ao infinitoou a alma do mundo quer entrar em meu coração?”(Rabindranath Tagore – Pássaros Perdidos, verso 168)Qual é a nossa real vocação?Com o quê despendemos nossa energia nesse mundo?Em nossa existência, desde muito cedo aprendemos a “lutar” pela vida: estudar, trabalhar, produzir…Aprendemos que é preciso ser independente, responsável, socialmente engajado, contribuir para a melhoria deste mundo etc.Na verdade, na maior parte do nosso tempo, vivemos correndo, assoberbados, estressados. E os maiores esforços da nossa vida são empregados apenas para “garantir” a sobrevivência.Sim, é preciso sobreviver, atender as condições estabelecidas pelo mundo. Mas, vivemos apenas para isto? Ou podemos viver outra vida?Uma vida em que a liberdade seja total, a igualdade seja uma realidade e a fraternidade sempre prevaleça… Uma vida em que o Amor possa ser realmente experimentado!Estas nossas aspirações não podem ser atendidas no contexto da vida material, não é mesmo? E o nosso dia a dia comum não tem muita conexão com estas aspirações. Mas, se este problema nos fustiga, por que não utilizamos nossa energia para buscar uma solução?A vida “normal” é preenchida por obrigações. Sim, certo; mas também por muitas distrações, planos e projetos da nossa personalidade totalmente individualizada, egocêntrica. Assim, vamos levando nossa vida.Nós nos deixamos levar pelo “destino” à espera de que a vida nos proporcione boas coisas e que, em algum momento futuro, encontremos a felicidade.Neste roteiro, quando sobrevêm as dificuldades inevitáveis da vida, é comum apelarmos para soluções místicas, metafísicas ou religiosas, as quais são normalmente representadas pela palavra Deus. Nestes momentos, procuramos pela verdade ou queremos desesperadamente entender qual o real significado da nossa vida.Neste sentido, apresentamos uma reflexão de Jiddu Krishnamurti:“A pergunta sobre se Deus, a verdade ou realidade – chame como quiser – existem jamais será respondida pelos livros ou pelos sacerdotes, filósofos ou salvadores. Nada nem ninguém pode responder a esta pergunta, somente você mesmo, e essa é a razão por que você precisa se conhecer. Só é imaturo quem desconhece totalmente a si mesmo. A compreensão de si próprio é o começo da sabedoria” (do livro Liberte-se do Passado).Então, como ficamos?Há um vasto mundo além daquilo que existe no nosso dia a dia comum. Se queremos algo além desta vida material é a isto que devemos dar atenção. E se este desejo fundamental está presente, tudo pode ser resolvido, pois damos o primeiro e decisivo passo!O desejo autêntico de buscar a saída é que nos indica o caminho.E o caminho começa pelo autoconhecimento. Conhecimento que podemos acessar diretamente, sem intermediários ou mestres.A nossa vida, a nossa realização, não depende mais das mudanças exteriores, que não podemos controlar, por mais que nos esforcemos. O fundamental é mudar a nós mesmos. Esta é a nova realidade que se abre diante de nós.Apesar do medo, da ansiedade e da preocupação, conscientes do que realmente importa, não somos mais os mesmos, pois há uma nova perspectiva em nossa vida.E o autoconhecimento começa pela capacidade de auto-observação, de olharmos realmente quem somos, sem nenhum julgamento. É algo simples, mas desafiador, pois vivemos no “piloto automático”, sendo orientados por uma consciência muito individualizada, egoísta. O mundo está lá fora, no exterior, apartado de nós. E vivemos em autodefesa, lutando contra tudo que nos ameaça… A auto-observação exigirá silêncio. Não somente aquele do não falar, mas um silêncio profundo, que abre um espaço dentro de nós, dentro da nossa consciência.Todos nós já experimentamos isso em algum momento da vida. São momentos que vem sem avisar, que acontecem quando estamos “distraídos”, livres da prisão da nossa consciência individualizada, limitada. Nestes momentos, acessamos outra forma de consciência que também fala dentro de nós. Uma consciência universal, que não separa, que não está no espaço, que se comunica com tudo e todos ao mesmo tempo. A percepção desta consciência é um grande passo para a liberdade, para conhecermos, de primeira mão, a verdade. Passamos a nos conectar com o mundo. É o sentimento que está expresso nos versos do poeta Tagore: “Minha alma quer sair ao infinito ou a alma do mundo quer entrar em meu coração?”.Sentimos isto com uma revelação, experimentamos a verdade. E queremos ir ao coração do mundo… levados pela compreensão que emana dessa consciência universal.Esta descoberta é arrebatadora. É um caminho sem volta, que preencherá toda a nossa vida.É uma grande alegria verificar também que não estamos sozinhos nesta jornada, pois a busca por uma saída para os sofrimentos da humanidade é um desejo de todos. E os que despertam, e trilham este caminho, têm consciência de que é preciso auxiliar os irmãos que estão à procura.Passamos a viver uma vida dupla. Exteriormente, temos uma vida normal, cumprindo nossas obrigações com este mundo material; mas, dentro, passamos a empregar nosso tempo e nossa energia para a compreensão do sentido da vida, do mundo… para buscar o espiritual.Não é esta a nossa verdadeira vocação?Foto: By ornaW from Pixabay CCO
Um presente para uma celebração. Um dia, todos nós o reconheceremos.Estamos muito acostumados a pensar que tudo em nós, tudo ao nosso redor, nos pertence. Todas as coisas são “nossas”, nós as possuímos, somos responsáveis por elas. Mas há outra parte de nós que não está de acordo com esse sentimento de pertencimento, de ser “nosso” — uma parte que já estavapresente antes de nascermos e que permanece conosco ao longo da vida. É invisível, desconhecida, mas está lá. Presente. Não provém de nós, nem da Terra. Foi-nos dada como um presente, um presente muito vital, colocado no cerne do nosso ser, dentro do nosso coração. Um tesouro interior, de um reino que não é deste mundo.A menos que tenhamos sido muito sensíveis quando crianças ou tenhamos tido a grande sorte de terpais com inclinação espiritual, ninguém jamais nos falou sobreesse presente, pelo menos não de uma maneira que tenha sido reconhecida pela nossa consciência. Provavelmente, sua presença nunca nos tenha sido revelada. No entanto, tal presente revela a si mesmo,de forma silenciosa e sutil, porque está sempre presente. Na maior parte do tempo, provavelmente nem onotamos.Por não termos a sensação de “possui-lo”, porque foi dado de presente, não podemos determiná-lo ou controlá-lo. Não é nossa prerrogativa fazer isso. Mas pode chegar um dia... um dia em que ele comece a revelar sua presença e nós o notemos talvez pela primeira vez. E se isso acontecer, o que faremos?Reconheceremos sua presença? Na maioria das vezes, não. Estamos muito ocupados com a vida. Com nossa infância, educação, crescimento para a idade adulta, família, carreira, enfim, com todas as necessidades da vida que não podem ser ignoradas. Estamos ocupados com todas as alegrias, dramas, considerações e estresses consequentes. Mas chega um dia, de alguma forma, em que dizemos “basta”, que começamos lenta ou rapidamente, dependendo das circunstâncias individuais de nossa vida, a ficar desiludidos, a nos afastar, a procurar algo mais, algo diferente, algo melhor. E começamos a buscar.Procuramos e procuramos em tudo e em todos os lugares. Isso toma muito tempo, muito esforço e muitaenergia. Desapontamentos, distrações, revelações imperfeitas. Em Iugar algum encontramos o objeto ainda não revelado de nossa busca. Apesar disso, algo ainda nos impulsiona a continuar. No momento dedesistir, reconhecendo que o objetivo impreciso não pode ser encontrado em Iugar algum desta terra — nós nos entregamos — olhamos no único Iugar que ainda não havíamos explorado, onde esse algo melhor pode ser encontrado. Começamos a olhar para dentro. Nós nos viramos, afastando-nos do mundoexterior. Começamos a descobrir algo mais, que silenciosamente esperava dentro de nós. Um pontocrucial, um reconhecimento.O presente que reside dentro de nós celebra essa experiência, ganha vida após um período paciente emuitas vezes longo de espera, de aparente dormência, e começa a habitar alegremente o espaço que abrimos dentro de nós mesmos. Ele começa a revelar sua presença, talvez pela primeira vez. E nós, pornossa vez, começamos a reconhecer o verdadeiro objeto de nossa busca, começamos a nutri-lo, permitimos que ele cresça. Ao fazer isso, descobrimos um caminho, um caminho através da vida, individual para cada um de nós e, no entanto, ao refletirmos, um caminho que é, de alguma forma, o mesmo. Um caminho que nos distancia dos velhos modos de vida e nos leva a um novo e maravilhoso e estado de realidade! Uma realidade transcendente experimentada interiormente. Uma realidade além das palavras.Não é isso verdadeiramente um presente para celebrar?Photo: Joshua Fuller on Unsplash CCO
#135 Um novo caminho

#135 Um novo caminho

2024-03-1205:09

O início do caminho que nos guia para casa UM NOVO CAMINHOVamos nos aventurar em um passeio pelo caminho da vida, tanto da vida individual quanto a da humanidade. Um passeio não apenas por esta vida atual como a vivenciamos, mas também pelas muitas vidas que nos precederam e deixaram suas marcas em nosso campo de vida.Esta jornada pode ser longa e tediosa, estendendo-se por muitas vidas. Tempos bons alternando com ruins, momentos alegres alternando-se com momentos tristes. Uma infinidade de experiências de vida. Neste momento estamos cheios de gratidão atingindo o pico de uma montanha. De lá enxergamos outros topos de montanhas, ao longe, que só poderão ser alcançados se descermos e iniciarmos nova subida. Agora já estamos diante de um vale verdejante e avançamos por ele. Todos os vales serão diferentes, assim como as montanhas que subimos.  Às vezes, encontraremos vales em nossa jornada que podem ser desertos, sombrios e monótonos, e sentiremos desânimo, sentiremos que já não poderemos perseguir nosso objetivo.Qual é o nosso objetivo?  Partimos à descoberta de um novo caminho, anteriormente não percorrido, que aparentemente está em algum lugar distante, mas na realidade está mais próximo do que nossas mãos e pés. Na verdade, é um caminho dentro de nós, apenas ainda não podemos percebê-lo. Mudamos nossas roupas e, assim, a nossa aparência externa muda de acordo com a temperatura, clima e altitude, mas não olhamos nossa aparência interior. Nosso corpo envelhece, nossa saúde se deteriora, mas seguimos em frente.  Um dia percebemos que cada pico da montanha nos leva a um lugar mais alto do que o anterior e que, no processo de chegar lá, precisamos nos desfazer aos poucos da nossa carga, abandonando muito no caminho. Pensamentos, ideias, emoções são descartadas conforme caminhamos.Subimos cada vez mais e notamos que as descidas são cada vez menores, a paisagem vai ficando mais parecida com um planalto apesar de continuar se elevando. No ponto mais alto, o planalto abre-se para uma bela planície, calma e serena, envolvida por uma paz que ultrapassa toda a imaginação, para além de todas as experiências que tivemos anteriormente. Continuamos nesta planície, neste novo reino, e percebemos que já não temos nenhum apego ao que deixamos para trás. Aparentemente continuamos pisando como antes neste caminho de vida, mas percebemos que estamos, ao mesmo tempo, em outro lugar.  De fato, uma experiência estranha, que a princípio é um tanto alarmante. Porém, ainda mais alarmante é voltar atrás, como tendemos a fazer ao descobrirmos que o caminho que percorremos já não é evidente.  Corremos o risco de cair em um abismo, tomando consciência das profundezas em que a humanidade caiu e que agora deixamos para trás.  Uma grande tristeza nos envolve pelo estado em que está toda a humanidade, mas também uma profunda paz e um imenso anseio pela nova realidade, o novo caminho que agora percorremos.E assim prosseguimos neste lugar pacífico, avançando à medida que aprendemos, inclusive com os erros que ainda cometemos em nossa vida, aprendendo a não nos enredarmos nos resquícios da vida em que ainda estamos. Na verdade, há um novo caminho pela frente, com um destino ainda não percebido.Seguimos em frente, descobrindo gradualmente um novo sentimento de liberdade, novas percepções, novas sensibilidades. Agora podemos nos mover livremente, não mais sobrecarregados pelas coisas que nos prendiam, que deixamos para trás. De tempos em tempos elas tentam nos levar de volta, mas não há como voltar atrás, e nós temos uma nova habilidade e força para repeli-las.  Vemos as coisas de uma nova maneira; na verdade, estamos em um espaço diferente agora, numa realidade totalmente nova. Nossas interações com companheiros de viagem (e descobrimos que há muitos) mudam, reconhecemos uma nova capacidade de percebê-los e entendê-los. Há uma sensação de paz interior e de harmonia com tudo ao nosso redor nesta realidade incrivelmente diferente, mas também a consciência de que é apenas um começo, um começo completamente novo.  Um novo caminho que nos leva para casa.Photo: Lili Popper on Unsplash CCO
#134 Espírito e Tempo

#134 Espírito e Tempo

2024-03-0503:18

“O tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece”, observa Caetano Veloso. Nessa mesma música, ele vê um menino correndo, e assim vê o tempo brincando...Sem que o tempo lhe permita parar, vê uma mulher preparando outra pessoa. E comprova: o sol atravessa essa estrada que nunca passou.Vê que quem conhece o jogo das coisas que são ‘é o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão’.E uma força estranha o leva a cantar... Magnífica poesia!Será o Espírito dado ao homem como o tempo?O caminho de um, o reflexo do outro?O tempo usa como veste a matéria; o Espírito também, diferenciando-se apenas em nível vibratório.E o homem, quem ele é? O homem acumula vivências; as lições ficam. O tempo seria para o homem como uma floresta, um emaranhado de experiências, e o Espírito como uma clareira, a liberdade da plena luminosidade. “Existirmos: a que será que se destina?” pergunta Caetano, em outra composição.É seguro dizer: o destino do homem é abandonar a floresta e abrir mais e mais a clareira.Seria o tempo para o homem uma prisão provisória?Pois quando chega a morte, ele começa a se desfazer de roupas usadas, para, em seguida, ganhar roupa nova. Assim, gira de uma vida para outra. Nisso reside o mistério da vida e da morte, sempre a desafiar a compreensão humana.É possível escapar dessa roda, vencendo a morte?Sim! Justamente mediante a “força estranha” mencionada por Caetano, o Espírito torna-se novamente ativo, a saudade que leva à união do humano com o divino.O Espírito, passo a passo, aproxima-se e conecta-se com o homem errante, que, assim, liberta-se da prisão no tempo e cumpre finalmente o seu destino.Imagem: Filho Garoto Dragão O Vôo do - Cocoparisienne -Pixabay
Agni, o Deus do Fogo, é o deus mais antigo e reverenciado da Índia. Durante a minha visita a Agnisala, o templo a ele dedicado em Patan, Nepal, experimentei uma manifestação especial e poderosa de inteligência espiritual, que nos chama, no caminho para fora da limitação temporal, para retornar à casa do Pai, ao Nirvana. Agnisala: Visita a um templo do fogo – Sobre o Mistério do Fogo Os Vedas pertencem a tradições religiosas muito antigas da humanidade. Eles se originam da religião dos arianos, que migraram para a Índia por volta de 1500 a. C.. Quando a Bíblia fala do fogo divino (por exemplo, em Hebreus, capítulo 12: “o nosso Deus é um fogo consumidor”), isso significa a preservação e continuação de uma antiga herança humana. Hoje, em nossa época, há indícios de uma influência renovada e poderosa do fogo divino. Altas vibrações espirituais estão descendo do supratemporal para o temporal. Somos receptivos a elas? Podemos experimentá-las em nossas almas, como os antigos podiam? Eles realçaram e personificaram a eficácia do fogo.Agni (Sânscrito m., अग्नि) , o Deus do Fogo do (Rig) Veda, é o deus mais antigo e reverenciado da Índia. Ele é uma das três grandes divindades védicas: Agni, Vayu e Surya e também todas as três (em uma), pois é o triplo aspecto do fogo: no céu como o sol (Surya), na atmosfera ou no ar como um relâmpago (Vayu), na terra como fogo comum. Agni pertencia ao início da Trimurti Védica[1], antes de Vishnu receber um lugar de honra e antes de Brahma e Shiva aparecerem como divindades[2].Ouvi falar de um templo antigo extraordinário na antiga cidade de Patan, no Nepal, o Agnisala, onde os sacrifícios védicos de fogo ainda são celebrados ao pôr do sol e ao nascer do sol e em várias fases lunares. Resolvi procurar esse templo e, se possível, participar de um ritual.Devo me curvar profundamenteMinha caminhada antes do nascer do sol até Agnisala me leva pelas ruas estreitas da antiga cidade real de Patan. O caminho parece terminar em uma árvore que cresceu no beco, a Baruna Brikhyas[3] (Árvore Baruna). Devo me curvar profundamente para passar sob a árvore, que faz parte do complexo de Agnisala, bem como através do portão baixo de entrada que leva a um pátio simples e limpo. Dizem as lendas que a árvore cresce no pátio do Agnisala desde o período Rigveda (ou seja, há mais de 3.000 anos).Depois de passar pelo portão, uma atmosfera de calma e serenidade me envolve, visivelmente diferente da agitação dentro e ao redor dos outros templos do Nepal. Através de uma janela posso ver o interior do Agnisala e distinguir várias lareiras na fumaça do fogo latente, bem como um jovem sacerdote sentado no chão, absorto em murmurar antigas escrituras sânscritas. Ele está preparando o ritual de invocação de Agni ao nascer do sol. As mulheres (raramente os homens) montam, numa plataforma em frente ao edifício, suas placas de oferendas. Estas contêm todas as oferendas comuns a outros templos do Nepal, como flores, arroz, incenso, especiarias e um pequeno feixe de varas de madeira, uma característica especial da oferenda de Agni, que são usadas para acender o fogo de Agni. O sacerdote interrompe a leitura dos textos, recebe as oferendas, abençoa-as e devolve o prato de oferendas com prasad, pétalas de flores consagradas, que os ofertantes colocam nos cabelos. Os sacrificadores entregam a si mesmos seu ticka, o ponto vermelho na testa, de uma tigela de espera e se despedem sem palavras.Lembro-me da invocação de Agni no início do Rigveda[4]:A ti, dissipador da noite, ó Agni, dia após dia, com oração trazendo-te reverência, nós viemos, governante dos sacrifícios, guardião da Lei eterna, radiante, crescendo em tua própria morada. Seja para nós de fácil abordagem, assim como um pai para seu filho: Agni, esteja conosco para a salvação. Agni incorpora luz e calorEssa invocação de Agni mostra o seu significado no mundo das divindades dos Vedas e do hinduísmo: Agni, que incorpora luz e calor, está presente em todos os seres criados e não criados. Ele é a essência primordial do universo e é adorado por todos os deuses e humanos. No hinduísmo medieval, Agni geralmente se tornava Vishnu, e poucos locais especiais de sacrifício de Agni sobreviveram naquela época. No entanto, a invocação de Agni e os sacrifícios a ele ainda são parte integrante do ciclo de vida hindu. Desde os sacrifícios antes e após o nascimento de uma criança, passando por vários estágios de desenvolvimento, até o casamento e a queima (Agni!) de cadáveres. O fogo da lareira, que se mantém aceso em todas as famílias (tradicionais), desempenha um papel especial. Os sacrifícios ao pôr do sol e ao nascer do sol são um ritual diário nos locais de sacrifício de Agni e em muitos lares hindus. No ritual do pôr do sol, Agni é invocado e solicitado a proteger o sol em sua passagem (invisível) pela escuridão da noite. No ritual do nascer do sol, agradece-se a Agni porque o sol novamente ilumina, aquece e irradia pelo mundo[5]. Ao lado desse aspecto cósmico está a adoração de Agni como um mensageiro entre os humanos e os deuses, a quem se pode recorrer com pedidos e desejos pessoais.Agni atua em todos os mundosEnquanto pondero sobre o significado e as origens de Agni e ainda permaneço na contemplação das oferendas, do templo e do pátio, mergulho na serenidade sobrenatural do lugar e na oferenda murmurada do sacerdote. O fogo brilhante na lareira de Agni me traz de volta à realidade. O sacerdote empilhou os gravetos de madeira sacrificiais na lareira quadrada e acendeu-os nas brasas do fogo “eterno”. Posso perceber dois processos ocorrendo simultaneamente: o sacrifício impessoal e a ação de graças a Agni, por um lado, e os rituais de puja focados nas necessidades terrenas dos sacrificadores, por outro, e sentir sua diferença. Dois outros jovens sacerdotes acendem o fogo sacrificial nas outras duas lareiras, enquanto o sacerdote principal senta-se novamente em frente ao fogo consagrado a Agni e continua o ritual lendo as orações em sânscrito. Meus pensamentos tentam captar e compreender as duas realidades do sacrifício ou adoração de Agni como fogo espiritual divino (o Agni invisível, abrangente, mas nunca totalmente compreensível) e os pujas focados na vida e aspiração terrenas. Claramente, vejo diante de mim, nos movimentos do fogo físico, nosso mundo sujeito a mudanças, e ao mesmo tempo sinto dentro de mim a grandeza intangível e incognoscível de Agni, o fogo espiritual do reino que não é “deste mundo”. Perdido em pensamentos, saio silenciosamente do pátio de Agnisala. Lá fora, “no mundo”, vejo uma mulher, agachada no chão com uma lamparina de manteiga na mão, celebrando seu ritual matinal diário na pedra de sacrifício colocada em frente a todas as casas nepalesas. Meus pensamentos giram em torno de questões sobre o significado e a posição do Agnisala e seus rituais. Este lugar é um dos antigos e ainda preservados templos do fogo de que falam todas as religiões e esotéricos? Representa uma “escada para o céu” (como aconteceu com Jacó) em seu aspecto espiritual, ou é uma bela e antiga tradição que foi reduzida a rituais formais ao longo dos séculos? Quem sou eu para dar respostas a essas perguntas?Minha intuição me diz que o Agnisala é uma manifestação especial e poderosa de inteligência espiritual que nos chama ou quer nos chamar no caminho de saída da limitação temporal para retornar à casa do Pai, ao Nirvana. Vejo, como numa imagem, três círculos ou espirais subindo do Agnisala. Primeiro, há o sacrifício no próprio interesse, o pedido de bens mundanos, saúde, etc., que Agni supostamente leva aos deuses através da fumaça do fogo sacrificial. Outro círculo mais estreito mostra-me como os sacrificadores fazem perguntas sobre o significado e o propósito das suas vidas e do mundo. Agni é solicitado a dar respostas às grandes questões da humanidade. A fumaça dos fogos sacrificiais também carrega esses pedidos e perguntas para o universo incomensurável. A parte mais interna da minha imagem, parece-me, mostra a onipresença do fogo em suas inúmeras formas, a onisciência, conectada com tudo o que é criado e incriado, Agni, o Deus do Fogo. A Imersão do FogoLi sobre o mistério do fogo nas explicações de Jan van Rijckenborgh:Há um fogo incognoscível e dele emerge um fogo reconhecível. O fogo incognoscível é o Espírito Virgem. E o fogo reconhecível é o Espírito que entra em contato com a substância astral. Todo discípulo [no caminho espiritual] conhece teoricamente o caminho para a imersão do Espírito, o caminho para transformar o fogo incognoscível em fogo reconhecível. Os rosacruzes clássicos chamavam isso de “arte de fazer ouro”. Os fabricantes de ouro originais eram os irmãos e irmãs que trilharam o caminho do Espírito, de acordo com o qual souberam como trazer à existência o Fogo Dourado, a Chama Dourada.A adoração do fogo era originalmente adoração do Espírito. O culto ao sol é um culto espiritual. Porém, não se deve permanecer com tal culto, com a adoração do Espírito […]. O que é importante é a realização do próprio fogo, a produção do próprio ouro. […]Como humanidade, estamos novamente na fase do derramamento do Espírito Santo. Novamente, o fogo pentecostal está aceso. […] Significa aprender a lidar com a força mais poderosa do universo, a trabalhar com ela e a responder-lhe. […] O contato entre o Espírito e o campo astral do discípulo provoca uma chama de fogo, uma luz constantemente ardente, como um campo respiratório, como um campo de vida. O candidato tornou-se então um filho, um filho do fogo. Ele possui o “corpo do Espírito”. Assim, o corpo-alma vivo foi construído em esforço laborioso e luta no caminho, mas o corpo espiritual surgiu como um relâmpago.[6] [6]Fica claro para mim: existe um ensinamento universal sobre a relação entre o homem e Deus. Ele revela-se quando percorremos o caminho até as profundezas do nosso próprio ser, as profundezas onde estão ancoradas as raízes da existência humana.[1] Trimurti (sânscrito त्रिमूर्ति Trimūrti; “três formas”) é um conceito do h
UMA ILUSÃO GLOBALIZADATalvez a confusão esteja em acreditar que, ao pensar ou dizer algo em voz alta, já o fizemos. Mas há um longo caminho entre dizer algo e realmente fazê-lo. Há um esforço.Aparentemente somos motivados pela pressa em alcançar a felicidade e a realização eternas, mas ao mesmo tempo ficamos confusos. A sociedade atual substituiu o sentido da vida por sensações; estamos imersos na estimulação constante dos sentidos, somos escravos do imediatismo e fugimos do silêncio.Essa fuga responde ao medo de enfrentar o nosso vazio interior, à sensação de ter perdido o rumo e de não ter nenhum propósito real na vida. Buscamos a felicidade como se fosse uma pérola, como se encontrá-la dependesse da sorte de chegarmos ao estado perfeito. Todos nós queremos a receita secreta. Todos nós queremos que esse mantra, essas três afirmações e aqueles dois jeitinhos sejam capazes de nos tornar pessoas realizadas e acabar com essa inércia que nos alimentou com sua força por tantos anos, talvez por toda a nossa vida.Se parássemos para analisar cada pensamento nosso, perceberíamos que a grande maioria das reclamações são proporcionais ao medo com que vivemos as nossas vidas: quanto mais medo há, mais nós nos fechamos, menos vemos e mais reclamamos.É difícil enfrentarmos esse sentimento de incerteza, por isso nos protegemos dele, disfarçando-o de vitimismo ou buscando um acúmulo de sensações que acalmem o vazio. Procuramos pelo barulho, por coisas a acontecer, porque o silêncio nos aproxima de nós mesmos e isso pode parecer um abismo.A realidade é que a única saída é a honestidade que devemos ter conosco mesmos.  Devemos começar por abrir os olhos, mesmo que às vezes seja desconfortável, e abandonar as nossas expectativas de “como as coisas deveriam ser”.  A principal diferença é, portanto, a confusão. Muitas práticas fazem que nos sintamos bem, mas espiritualidade nos faz conscientes, e às vezes ser consciente não é tão agradável.Ter consciência de algo significa assumir a responsabilidade pelo que você é e pelo que faz, com tudo o que isso acarreta. Significa entrar no mundo das causas e deixar de justificar ou embelezar os seus efeitos.É por isso que o desenvolvimento espiritual requer compromisso, humildade, coragem e ousadia. Não conseguimos enxergar a imensidão da qual fazemos parte, e às vezes nos deparamos com provações que nos obrigam a romper com nossas crenças e reconhecer nossos limites, e mesmo que não pareça, este é o primeiro passo, porque implica a vontade de abrir mão de tudo e se abrir para algo novo.Imagem: by NEOM on Unsplash CCO
#131 Enigma

#131 Enigma

2023-12-1301:28

ENIGMADe onde vem o Amor?Do coração do não-ser para o coração do ser.E onde vive o não-ser?Vive no coração do Mundo e imbricado no coração do ser.E o coração do Mundo, onde é?Em todo lugar!Isto não está claro?Sim, mas é misterioso mesmo, inacessível ao intelecto.Como desvendar este mistério?Desejando, ardendo em chamas, gritando silenciosamente.Como assim?Como uma jornada sem um caminho definido.Como saber se isto é verdade?Olhe para dentro.Siga seu coração mais interior, escute sua intuição.O perguntar traz a resposta.Não tenha medo
ESPÍRITO E MATÉRIAO objetivo da alquimia é levar espírito e matéria a uma relação viva. Ela foca unificar o conhecimento religioso, a pesquisa científica e a arte de refinar a matéria.A alquimia pode ser comparada a fazer malabarismos com três bolas, com uma delas sempre no ar. Com o início do Iluminismo, esse delicado equilíbrio foi quebrado e o desenvolvimento da ciência dos materiais tomou um rumo diferente. Pensar em mente e matéria num contexto unificado tornou-se, assim, impossível por um tempo. Isso mudou com a física quântica.Desde o início da Idade Média, a alquimia tornou-se uma ciência secreta. Muitos príncipes de governos europeus mantinham os seus próprios laboratórios, nos quais empregavam alquimistas. Diversas invenções importantes, como a porcelana ou os remédios espagíricos, tiveram origem nesses laboratórios. O que havia de especial na alquimia era a sua estreita ligação entre o conhecimento espiritual e a pesquisa material. Com o início da era moderna, quando as ciências naturais deram início ao seu avanço triunfante, a alquimia retrocedeu, e a estreita ligação entre o espírito e a matéria desapareceu lentamente na cultura europeia.No início da era moderna, a ciência substituiu a supremacia da religião e tornou-se o guia de uma nova visão do mundo. Enquanto a religião anteriormente dominava a ciência, a ciência tornou-se agora o catalisador de uma nova visão do mundo. A imagem do ser humano sóbrio e esclarecido estava diante dos seus olhos. O mundo se tornaria “explicável”. As descobertas no campo da mecânica mudaram o dia a dia das pessoas. A disponibilidade da mecanização levou a uma prosperidade material que empurrou cada vez mais as questões sobre o significado da vida para fora da consciência do homem. A firme convicção que motivou muitos cientistas a uma conquista maior foi o sonho de um dia poder desvendar todos os segredos da natureza pelo uso de métodos científicos e, assim, finalmente abrir o mundo desconhecido à compreensão humana. No início do século XX, a abordagem peculiar da alquimia regressou à ciência por meio do desenvolvimento da física quântica.A separação entre espírito e matériaCom a ruptura radical entre ciência e religião, a alquimia também perdeu sua função nas cortes dos príncipes. O homem perdeu a capacidade de ver a interação entre espírito e matéria e, assim, servir como terreno fértil para uma visão abrangente do mundo. O que havia de especial na alquimia era seu equilíbrio entre a busca espiritual e a pesquisa material. Os métodos alquímicos começaram a ser usados por charlatães, causando danos à reputação da alquimia, dos quais ela nunca se recuperou.No entanto, as abordagens da alquimia regressaram na forma da física quântica, num esforço para reconectar o espírito e a matéria. A física quântica pode ser vista como uma irmã moderna da alquimia, pois colocou a questão da interação entre mente e matéria de uma nova maneira. Werner Heisenberg, um dos grandes pioneiros da física quântica, ainda jovem procurou saber o que mantém o mundo unido em sua essência. Talvez ele não tenha percebido na época que sua busca estava prestes a colocar os fundamentos da ciência em uma base completamente nova. Até então, os cientistas estavam essencialmente interessados na estrutura da matéria, que investigavam até o nível microscópico. A questão era: como seriam as menores partículas invisíveis que tornam a matéria visível?A questão de Werner Heisenberg não buscava a forma, mas o efeito da força. Com essa mudança de direção, ele e outros físicos encontraram o paradoxo do “dualismo onda-partícula”. O que havia de especial nos cientistas da física quântica era que, desde o início, eles não rejeitaram a presença do divino. Em seus tratados filosóficos sobre física quântica, eles frequentemente buscavam respostas que lançassem mais luz sobre a conexão entre espírito e matéria. Para que fosse possível perguntar sobre a “conexão interna”, primeiro a profunda ruptura entre a ciência e a filosofia religiosa teve de ser superada.Max Planck, o fundador da física quântica, presumiu que por trás de tudo que ele poderia medir e experimentar como físico, deveria haver uma força fundamental que gera toda a vida. Para obter resultados inequivocamente reprodutíveis na sua investigação, foi necessário incluir novamente o conceito de “vida”, que a ciência tinha consistentemente eliminado das suas questões, até então. A vida é um efeito vivenciado do espírito, a partir do qual geramos a nossa realidade dual, que até então era objeto da ciência. Por trás da vida está o espírito como uma força ativa potencial. Nesse nível existe uma realidade com potencial de se tornar Realidade.A matéria é espírito coaguladoA questão da realidade é altamente abstrata e aberta à experiência individual. Percebemos muito rapidamente, quando interagimos com outras pessoas, que a “realidade” não é comunicável. Uma troca de experiências é possível; um acordo pode ser alcançado se o interlocutor tiver experiências semelhantes e confirmar: isto ou aquilo é verdade. Mesmo assim, ele não entende o que está sendo vivenciado pelo seu interlocutor naquele momento, mas há uma ressonância com a sua própria experiência que torna compreensíveis as palavras do interlocutor.Então, se quisermos comunicar algo sobre a “realidade” a alguém, devemos primeiro nos tornar essa realidade. Se somos o que dizemos, então uma ressonância é criada, na qual a informação é transferida para o ouvinte. Mais precisamente, os dois interlocutores ressoam então na mesma realidade. Para que essa troca de informações se torne frutífera, o efeito do espírito puro deve tornar-se uma realidade viva para eles num processo inicial de coagulação. C.G. Jung falou de arquétipos nesse contexto. Os arquétipos são um primeiro processo de coagulação que contém uma vitalidade espiritual dificilmente imaginável para uma pessoa fortemente apegada à matéria.O físico quântico Hans-Peter Dürr diz: “A matéria é espírito coagulado”. Esse processo de coagulação está sempre associado a uma perda de espírito e de “vivacidade”. Pode progredir em etapas e finalmente terminar num estado puramente material. Então chegamos à matéria morta. Os alquimistas falavam do caput mortuum. Essa é a parte da matéria não mais transformável. Mas talvez só nos pareça morto porque a sua taxa de mudança se tornou tão inconcebivelmente pequena que já não o percebemos. As mudanças também devem ocorrer sempre na matéria, porque a matéria também é um aspecto do espírito e o espírito está sempre em movimento criativo. Hans Peter Dürr descreve nas suas palestras que esse “processo de coagulação” é irreversível, ou seja, não reversível, e que a matéria já não participa na evolução nesse nível.Essa visão da materialização do espírito provavelmente precisa ser observada mais atentamente, uma vez que um processo irreversível significaria que existem processos de criação que têm um fim.O surgimento das leis da naturezaA física quântica, “física holística”, é uma forma completamente nova de compreender o mundo. Hans-Peter Dürr chama a física quântica de holística porque assume que por trás de tudo o que é visível e mensurável existe um campo que tudo conecta, cuja força ativa ele chama de “potencialidade”. Esse campo é pura vitalidade e está em constante mudança. Visto dessa forma, o espírito é vida e criatividade e, portanto, tem certa polaridade com a matéria. Quando o espírito gera movimento, não há nele nada mais do que um pressentimento, uma “difusão de algo”, mas ainda não é um pensamento. Esse campo de potencialidade contém pressentimentos e é capaz de formar hábitos. Hábitos muito abrangentes, fundamentais, formam as leis da natureza. Os hábitos são, portanto, a formação de certas formas pelas quais o espírito se move.Há uma pequena história sobre a descoberta da mecânica quântica. Max Planck tentou imaginar como a energia se move dentro da matéria. Ele teve a ideia de que esse não é um fluxo direto e constante, mas que pacotes de força ou luz, chamados quanta, movem-se juntos ou buscam um caminho comum. Isso pode ser comparado a uma vidraça contra a qual caem gotas de chuva. Quando um número suficiente delas se junta, forma-se um fio de água na vidraça. Esse gotejamento segue primeiro um caminho específico. Depois que ele se forma, a água flui sempre pelo mesmo caminho. No início, ninguém sabe por que segue esse caminho específico e nenhum outro. Algo como um “hábito de fluxo” se desenvolve. Pode-se dizer agora que a água seguirá sempre esse caminho. Essa forma típica com a qual a energia desenvolve estruturas habituais é o que a física clássica chama de leis naturais.Numa próxima etapa, o espírito coagula-se em matéria nesses caminhos. Esse processo de coagulação leva-o ao fim da sua capacidade de mudança. Com isso, o espírito materializado sai da evolução. É a morte térmica do cosmos, que ocorre porque a matéria finalmente chega ao seu nível de energia mais baixo, onde falta mais energia para qualquer mudança. Aqui é descrito um estado que, no entanto, não pode representar significativamente um ponto final, mas mitologias, filosofias ou religiões descrevem apenas metade de um ciclo. Sob os termos “renascimento da água e do espírito” na tradição cristã, a “transfiguração” dos rosacruzes, ou o retorno dos budistas ao Nirvana, é descrito um caminho que, através de uma regeneração estrutural da substância atómica, reverte seu processo de coagulação e restaura a coerência original. Talvez os físicos quânticos também soubessem dessa possibilidade, o que fez Werner Heisenberg, por exemplo, passar a vida em busca de uma fórmula mundial.Imagem: Disc by Manuel on Pixabay
A ARTE DA VIDA REAL O ser humano sempre buscou na arte uma transcendência que vai muito além de sua pessoa ou sociedade – e sempre teve auxílio para encontrá-la. Segundo J. van Rijckenborgh e Catharose de Petri [1], historicamente essa interação entre o abstrato e o concreto conhece três fases.Na primeira, a transcendência atua em favor da humanidade. É quando o ser humano inicia seu processo de transformação da consciência com base em informações externas percebidas por sua consciência concreta.Na segunda, ele trabalha com a humanidade. Ele passa por uma experiência de intenso trabalho intuitivo e cria sua identidade.Na terceira, realiza-se a eternidade no tempo por meio da humanidade. Adquire-se uma consciência superior abstrata que permite ao ser humano atuar no mundo com transcendência. Este é o caminho de conexão com o divino, a dimensão espiritual.A vida de cada um de nós passa por esses três estágios de forma não linear, a todo momento, e desejamos firmemente conquistar esse estado que nos transforma de seres do tempo em seres da eternidade. Em outras palavras: buscamos a Arte Real, ou a Alquimia Espiritual – o processo que transforma o chumbo (a consciência superficial da realidade) em ouro (a consciência de uma realidade superior). Assim é possível chegar à Pedra Filosofal, ponto culminante da Grande Obra: o casamento alquímico da Alma e do Espírito. É por isso que, assim como a arte se renova em vários movimentos, estamos constantemente voltando nossos olhos para experiências anteriores, visando tomar fôlego para ir em frente e descobrir novos caminhos.Fazendo um paralelo da criação artística com nosso estado de consciência pessoal, podemos dizer que somos nossa própria criação, nossa própria obra de arte.Nos primeiros passos de nossa caminhada espiritual, muitas vezes nos apegamos à concretude e nos deixamos levar por guias e fatores externos, ou pelo autoconhecimento narcísico. Inseguros, repetimos o que vemos, o que pensamos que vemos, e o que os outros querem que vejamos. É como se fôssemos artistas meramente representativos, copiando o que vemos no exterior, seguindo técnicas já conhecidas.Em um segundo momento, passamos a repensar nossa criação. Queremos mostrar nossas impressões e expressões. Ainda nos utilizamos de fontes externas, mas já as transformamos com base em nossa percepção interior. É o início da busca pela Arte Real. É como se estivéssemos iniciando uma alquimia ainda terrena, mas um pouco mais profunda. Depois de termos vários insights, experimentamos diversas possibilidades, em busca de autoconhecimento mais elevado. É uma fase turbulenta, quando percebemos que começamos a nos repetir, a nos autocopiar. Chegamos a um estado de saturação. Então, queremos ultrapassar nossa própria obra: o próprio ego já não está contente consigo próprio. Percebemos que precisamos “sair de nós mesmos”, renovar-nos, renascer.Em nossa experiência de vida, todas as nossas emoções nos fazem questionar a noção de efêmero. Como em um quadro barroco, o medo da morte faz-nos ver o conflito entre trevas e luz e enxergar o grotesco e desmesurado dentro de nós. O tempo que se escoa traz para nossa alma grande urgência espiritual. De repente, todas as perspectivas se misturam. O surrealismo é tal que, mesmo nos voltando para dentro, continuamos em um estado de meia sonolência, vivenciando sonhos fantásticos e fantasiosos.Até que um dia, cansados de tanta agitação, buscamos o silêncio – e ele toma conta de nossas almas como uma tela em branco. Na quietude, passamos para o terceiro estágio. De repente, a descoberta de uma nova perspectiva mostra-nos que há inúmeros pontos de vista, e que cada um de nós, com sua identidade própria, tem responsabilidade por suas escolhas. Depois de intenso trabalho intuitivo, vemos emergir em nós um novo ser, que deseja trabalhar na Grande Obra da alquimia interior, a serviço do mundo e da humanidade. Baseados em nossos constantes renascimentos e novos e criativos insights, fartos de nosso drama barroco, por fim nos rendemos.Em meio a tantas transformações, devido ao nosso trabalho conscientemente ativo, ocorre em nós a transfiguração alquímica, a transformação de “chumbo em ouro” – pois, como dizem os alquimistas, é preciso praticar o solve et coagula (= dissolve e solidifica). Solve, para dissolver tudo o que nos impede de transcender; e coagula, para manifestar concretamente uma consciência plena, abstrata e eterna.É assim que, num dia muito esperado, finalmente passamos a ser um canal da Arte da Vida Real, recebendo o auxílio da inspiração e expirando, radiantes, do interior para o exterior.[1] van Rijckenborgh, Jan et Petri, Catharose: A veste de luz do novo homem, in Coleção “O apocalipse da nova Era” volume I, capítulo 3, Pentagrama Publicações, Jarinu-SP, 1ª edição Versão e-book 2017.Imagem: “Criação Artística: Sonia Bassalobre”
“Não há nada de nobre em ser superior ao próximo; a verdadeira nobreza é ser superior ao seu antigo eu.” Ernest HemingwayPOR QUEM OS SINOS DOBRAMSim, peguei emprestado o título de um grande escritor. Mas não creio que ele se importaria, pois também o pegou emprestado [1]. Basear-se no trabalho uns dos outros é algo bom: leva as coisas a uma revelação mais elevada. Nenhum homem é uma ilha. Ernest Hemingway foi uma grande figura da literatura inglesa e um homem corajoso. Dedico este artigo a algo que ele disse: “Não há nada de nobre em ser superior ao próximo; a verdadeira nobreza é ser superior ao seu antigo eu.”Quando se trata do nosso antigo eu, algo que existiu mas já não existe, então o sino é um sino fúnebre. Podemos ouvir o nosso próprio sino da morte e viver? Sim. Quando falamos de mudança, de transformação de consciência, então ouvir o sino do nosso próprio funeral é algo positivo.A morte é um assunto assustador. Está associado a perda, doença, dor, vazio e solidão. Por causa do nosso medo, não aceitamos a morte. Mesmo sendo a única certeza da vida, ela fica distante de nós como se não nos dissesse respeito. É claro que nos noticiários vemos pessoas falecidas todos os dias, mas não deixamos a realidade entrar. É como se estivéssemos olhando para outro mundo, até que a morte atinja o nosso círculo próximo. Então as coisas mudam. Negar a realidade funciona apenas por um curto período. Os aspectos indesejados da vida nos alcançam e destroem nosso mundo ilusório. Isso é difícil e, em geral, precisamos de tempo para recuperar e aceitar a situação real.A grande questãoEste artigo não pretende ser um texto pesado e sombrio, pelo contrário! É por isso que faço imediatamente a grande pergunta: Podemos superar a morte? Podemos eliminar a morte? É uma questão tão antiga quanto a humanidade.Visto de uma perspectiva abstrata, existem duas abordagens para esse problema. Na primeira, há a tentativa de melhorar e aperfeiçoar a antiga situação. Na segunda, existe o caminho da transformação, de morte e renascimento, de transformar chumbo em ouro. A primeira abordagem é amplamente praticada e onipresente, a segunda é rara e oculta. É por isso que também são chamados de caminho largo e caminho estreito.Do ponto de vista natural, o caminho largo é lógico e normal. A consciência eu-centralizada sempre se toma como ponto de partida. Não temos uma visão global porque temos de cuidar das nossas necessidades e proteger-nos dos perigos que nos rodeiam. Isso torna o mundo assustador. Sempre precisamos correr em direção a algo ou fugir de alguma coisa. Estamos sempre sob pressão. Temos de fazer o impossível: criar um lugar seguro para nós.Enquanto percorremos o caminho largo, é difícil parar. Na verdade, só podemos parar a nós mesmos. Ainda não vimos o problema fundamental e estamos cheios de sonhos: colonizaremos Marte, transferiremos a nossa consciência para um cérebro robótico, iremos… Continuamos a sonhar e a tecnologia parece transformar nossos desejos em realidade.RetornarMas a questão é: na natureza nunca vamos a lugar algum, nunca nos tornamos o que quer que seja. Nós apenas andamos em círculos. É apenas a ilusão que projetamos na natureza que dá a convicção de estarmos progredindo, de estarmos no caminho certo para o nosso objetivo.Lao Tse diz: “Todas as coisas nascem juntas; eu as vejo retornar novamente”. [2] Esta pequena frase reflete a essência da natureza. Os elementos são agregados em formas vivas, a morte os separa novamente. As coisas voltam ao ponto de partida e o processo se repete. Claro que somos livres para continuar a tentar, a repetir nossa tentativa, mas a observação de Lao Tse permanece a mesma: “Vejo-as regressar novamente”.No final, essas repetições intermináveis, o curso circular da natureza, abre uma janela em nós. Vendo a impossibilidade da maneira antiga, nossa consciência entende que deve haver mais na vida do que a rotina robótica. Então descobrimos que existe outro caminho, o caminho estreito.Morte, amor e vidaO caminho estreito é, em muitos aspectos, o oposto do caminho largo. Para uma consciência eu-centralizada, é muito difícil ver o mérito da porta estreita. Esse obstáculo fundamental está relacionado com a noção de morte. Quando digo “morte”, não me refiro ao fim físico, mas à morte interior, psicológica: a morte da consciência eu-centralizada.Krishnamurti diz, numa conversa chamada “Morte, vida e amor são indivisíveis”: “Viver é morrer. E o amor está essencialmente morrendo para mim. (…) Viver, amar e morrer são indivisíveis.”.Como viver pode ser morrer? Parece muito estranho e contraditório. Como pode o que é mais desejado e o que é mais indesejado ser algo indivisível?O caminho estreito é sobre vencer a morte. O que é a morte? Tudo na natureza se move em círculos. A essa mudança sem fim, a esse regresso ao ponto de partida, podemos chamar morte. O inverno morre, a primavera nasce. O sol se põe, a noite nasce. Morremos no mundo material, nascemos na vida após a morte, na terra além do véu. Mais tarde também morremos nesta esfera de reflexão e começa uma nova vida na terra.Em geral, temos medo dessas mudanças e da insegurança que elas trazem. Mas é esse medo e o apego a coisas transitórias que nos torna vítimas da morte. Como desarmamos a morte? Caminhamos na direção oposta, em direção à morte. O caminho estreito nos ensina a nos entregarmos voluntariamente à morte. Não fisicamente, mas interiormente, psicologicamente.Quando nos desapegamos de todas as coisas terrenas, nos libertamos das nossas âncoras. Devolvemos tudo o que tiramos da terra. Não é que não possamos ter certas coisas, mas interiormente estamos desapegados, livres delas. Não é apenas o desapego dos objetos materiais, mas também dos nossos objetivos e ambições, desejos, ideais, conhecimento, religião, autoridades, opiniões, e assim por diante. Interiormente não vamos a lugar algum, não nos tornamos alguém. Isso é muito assustador para a pessoa comum. Numa palavra, é “terrível”, porque isso é morrer.É aterrorizante, mas apenas porque não entendemos as qualidades da morte interior. O que a sepultura interior nos traz? Silêncio e clareza. Quando toda a névoa desaparecer, todas as opiniões, todos os conflitos, todas as pequenas preocupações humanas, então o céu estará limpo. Nenhuma nuvem à vista. A consciência é clara como cristal, silenciosa como um lago na montanha. Agora entendemos a vida, agora vemos a verdade. No túmulo do nosso eu tolo encontramos silêncio, clareza e paz.A verdadeNesse espaço interior aberto, a “sepultura” aberta, a verdadeira Vida pode manifestar-se. A Verdade sempre esteve lá, apenas estava coberta pela enorme pilha de ignorância humana. Agora entendemos por que morrer e viver são uma coisa só. Morremos para a nossa tolice, para a nossa ignorância e ganância, e vivemos na Verdade.Mestre Eckhart diz: “O amor é tão forte quanto a morte, tão duro quanto o inferno. A morte separa a alma do corpo, mas o amor separa todas as coisas da alma.”. [3]Ele transmite o mesmo que Krishnamurti. Quando morremos no sentido comum, nosso corpo se separa de nossa alma, de nossa consciência. Mas quando morremos interiormente, psicologicamente, porque procuramos a Verdade, então o nosso amor pela Verdade separa todas as coisas da alma. O fogo do amor purifica nossa consciência. Esse fogo transforma nossa consciência, transforma-nos em almas verdadeiramente vivas. Agora entendemos por que a morte, o amor e a vida são indivisíveis.Quando resumimos os dois caminhos, vemos a seguinte estrutura esquemática:O caminho estreito: Amor (pela Verdade) traz morte, traz clareza, traz Vida.O caminho largo: Amor (pela vida comum) traz morte, traz repetição, traz experiência.É a experiência, a sensação contínua de ganho e perda, que nos abre interiormente à possibilidade de um novo caminho, o caminho da porta estreita.ReconciliaçãoRecentemente estive num túmulo romano em Hisarya. Embora os livros digam que é romano, tem características típicas do Egito[4]. Para entrar no túmulo existe um corredor descendente que leva até ele. Quando cheguei à porta do túmulo tive que me ajoelhar, a entrada era bastante baixa. Esta reverência à morte também é expressa na Grande Pirâmide de Gizé. É o corredor descendente que leva à câmara subterrânea e à passagem sem saída. O que essa porta estreita nos diz? Temos de ajoelhar diante da morte para encontrar a Vida. Aceitar a morte, chegar a um acordo com a morte, é a porta através da qual podemos alcançar uma nova vida, um estado transformado de consciência.É tudo uma questão de reconciliação. Tiramos muitas coisas da terra e isso nos torna devedores. Se não virmos isso, seremos os seres humanos orgulhosos que pensam que conquistaram a terra. Em nossa ignorância, permanecemos de cabeça erguida e não podemos entrar na tumba. Ainda não pagamos nossas dívidas. Mas, no final, o peso das nossas dívidas nos traz autoconhecimento.O verdadeiro autoconhecimento é importante porque nos faz aceitar a nós mesmos e à morte. Em essência é a mesma coisa. A vida na natureza e a morte estão completamente interligadas. O veredicto da natureza é indiscutível. Se não vemos isso, vivemos numa ilusão e lutamos contra a morte. É uma luta que não podemos vencer, mas somos livres para tentar. Um dia, quando estivermos cansados e ansiando por redenção, compreenderemos que não podemos permanecer de cabeça erguida em eu-centralização e viver verdadeiramente. O relativo e o Absoluto não andam juntos. Paramos com nossa tentativa de aperfeiçoar o relativo e nos aceitarmos, inclusive a morte. Aceitamos a realidade. Curvamo-nos diante da morte, ajoelhamo-nos diante da entrada estreita e a morte nos deixa passar. Entramos no túmulo interior onde encontramos clareza e paz. Chegamos a um acordo conosco mesmos.MistérioParece o fim, mas o mistério do homem é muito mais profundo. A morte não era o fim, nem o inimigo, era apenas o porteiro. Ela não nos deu passagem porque as ilusões não podem ser aceitas no caminho para a verdadeira Vida. A ignorância
As histórias podem ser lidas a partir de vários níveis de compreensão. Podemos reconhecer no “nobre cervo” a natureza de Buda, o núcleo interno de luz em seu coração, no qual a mente fala de unidade. CONEXÃO CRIA LIBERDADE Reconheça nos sonhos do rei o desejo da alma, no rei e em seu império ”veja” a si mesmo, e isso se tornará sua história. O que todos nós estamos buscando em nossas vidas? Em uma floresta remota, protegida por árvores gigantes, muitos animais viviam livres de perigo, em grande liberdade. No entanto, quando um novo rei assumiu o poder no país, essa situação pacífica acabou. Esse rei amava a caça acima de tudo. Assim que o sol nasceu, ele montou em seu cavalo e saiu em uma caçada desenfreada por campos e pastos, florestas e vales. E não parou até o sol se pôr. Então as carruagens levaram-no de volta para o palácio, carregados de cervos, javalis, faisões, macacos, leopardos, tigres, ursos e leões. E o rei estava satisfeito.Seus súditos viram os campos pisoteados pela caça real, o estrago que a caça havia causado, e elaboraram um plano simples. Nas profundezas da selva, construíram uma cerca e levaram dois rebanhos de cervos para dentro. “Deixe-o caçar lá até que seu coração esteja satisfeito”.Os animais encurralados procuravam uma saída, mas não havia. Um dos rebanhos era o de cervos de Bengala. A luz do sol dançava sobre sua grande galhada e ele dizia: “Acima de nós está o céu azul, a nossos pés cresce a grama. Aguardem! Eu vou encontrar uma saída!”.De repente, o rei veio e esticou seu arco. Os animais enlouqueceram. Correndo descontroladamente, feriram uns aos outros com seus chifres e cascos enquanto tentavam escapar da chuva mortal de flechas. O rei dos cervos de Bengala disse ao líder do outro rebanho, balançando tristemente os chifres: “Irmão, fiz de tudo para encontrar uma saída, mas está tudo fechado. O sofrimento de nossos súditos é insuportável. Vamos fazer uma espécie de loteria. Todos os dias, o cervo sobre o qual o destino cair deverá se sacrificar como presa. É uma solução terrível, mas pelo menos assim evitamos que muitos cervos sejam feridos desnecessariamente”.O líder do outro rebanho concordou. E assim foi feito.A princípio, o rei não sabia o que estava acontecendo. Ali estava um cervo trêmulo à sua frente, mas com a cabeça erguida. Logo ele entendeu. “Eles escolheram deixar um cervo morrer em nossa caçada, em vez de todos os cervos sofrerem. Os reis cervos são sábios.” Um peso desceu sobre o coração do rei. Ele ordenou que apenas um cervo fosse abatido e retornou silenciosamente ao palácio. Naquela noite, o rei estava inquieto em sua cama. Um cervo radiante apareceu em seus sonhos.Certo dia, o destino caiu sobre uma fêmea grávida. Ela foi até seu rei e pediu: “Eu sofrerei meu destino quando meu filhote nascer, mas me poupe até então.” “Lei é lei”, disse ele, “o destino caiu sobre você, não posso mudar isso.” Em desespero, ela correu para o cervo de Bengala. Ele entendeu sua preocupação com o filhote e lhe devolveu a liberdade. Ao perceber que não poderia enviar outro cervo, decidiu substituí-la ele mesmo.O rei chegou com uma capa esvoaçante e viu o cervo de Bengala de pé com orgulho. O rei cervo e o rei humano olharam um para o outro por um longo tempo. “Nobre cervo, eu o conheço. Eu vejo você flutuar pelas florestas nos meus sonhos todas as noites. Vou libertá-lo da minha caçada!” “Grande rei”, respondeu o cervo de Bengala, “que governante pode ser livre se seu povo sofre?” E ele contou a história da corça prenhe. Um fardo foi tirado do coração do rei humano. “Nobre cervo, você está certo. Seu sacrifício hoje me ensina uma lição. Em troca, darei a você um presente: liberdade para todo o seu rebanho.”“Grande rei, esse é realmente um presente nobre. Mas eu não posso ir. Isso significaria que o cervo do outro rebanho teria que sofrer o dobro. Dê-lhes liberdade também!”O rei dos homens ficou atordoado. “O quê?”, ele exclamou. “Você gostaria de arriscar sua própria liberdade e a de seu rebanho pelos outros?” Imagine o sofrimento deles, rei, deixe-os irem livres também.” O rei hesitou, pensou e sorriu. “Nunca encontrei tamanha generosidade, e seu desejo será realizado. Você pode ir em paz agora? “Não, oh não, rei, não posso fazer isso, posso falar mais? “Fale, nobre cervo.” Penso em todas as criaturas de quatro patas, poderoso rei, tenha piedade delas. Não pode haver paz a menos que eles também sejam livres.” As palavras do cervo de Bengala lentamente fizeram sentido para o rei.Era verdade, ele compreendeu. Não há paz real a menos que se aplique a todos. “Você está certo, nobre cervo, em meu império já não haverá caça às criaturas de quatro patas. Você está tranquilo agora?” “Não, rei, ainda não consigo encontrar paz. Deixe os pássaros indefesos e os peixes silenciosos livres também. Como posso ser livre e ter paz enquanto eles vivem com medo e em perigo?” “Oh, você, ser generoso”, disse o rei dos homens, “nunca fui levado a pensar dessa maneira, mas agora digo que todos serão livres. Em meu império, todos os seres serão considerados súditos amados.” E, voltando-se novamente para o cervo de Bengala: “Você tem paz agora?” “Sim”, disse o cervo de Bengala, pulando de alegria como um filhote no ar. Foi um salto de pura alegria!  A semente da compaixão e da conexão havia encontrado terreno fértil em um coração humano.A escravidão do rei aos seus impulsos e desejos foi transformada na compreensão da conexão viva com tudo o que existe.É preciso um esforço considerável de nossa parte para libertar nossa compreensão da natureza do Buda de limitações, estruturas fixas de nosso pensamento e  nossos hábitos.Quando a nobreza da mente desperta em nossos corações e sutilmente se torna conhecida, podemos começar a ouvir. A conversa interior com a mente universal e abrangente mostra o que nos atrapalha, e encoraja-nos a deixar de lado o que prende nossa atenção e a vincula à terra.A conversa nos eleva e mostra o valor do esvaziamento do ego, das expectativas, dos vínculos de interesse próprio, a interromper a caça obstinada e deixar o espírito universal da vida, do amor e da sabedoria, da conexão e da coerência, mergulhar mais fundo no coração. A dar sempre um próximo passo.Em última análise, a ser “auto-evidente”, a experimentar a leveza transparente da liberdade e dar liberdade aos outros. Como diz Lao Tse.Aquele que submete o eu animado ao espiritual pode manter sua vontade focada no Tao. Ele não se dividirá. Ele governará o império com amor e será completamente o wu wei.Um rei que usa sua coroa com dignidade. Um homem que é a gloriosa coroação da criação.Foto: by 12019 on Pixabay CCO
#126 Autoconhecimento

#126 Autoconhecimento

2023-11-0709:28

Quem sou eu?A essa pergunta, alguém poderia responder:Sou o senhor X, a senhora Y. Tenho essa e essa formação, tal idade. Tenho esses atributos, aqueles defeitos, essas características. Sou brasileiro, afrodescendente, argentino, o que for...Porém sempre permanece a indagação: qual é a verdadeira identidade do meu ser? Quem sou eu?Já em tenra idade começaram a surgir em mim sentimentos, pensamentos e desejos. Não lembro exatamente quando comecei a ter convicções sobre as coisas, a entender que acreditava ou não em determinadas ideias e por que eu tinha a necessidade de me sentir seguro em algum grupo por meio das roupas e das linguagens que usava, principalmente com amigos e pessoas dos meus círculos de convivência.Quando veio a adolescência, não estava claro o motivo pelo qual resolvi assumir aquela aparência, nem quando passei a buscar tais ou tais prazeres, ou o que me trazia as dores e as raivas que sentia.Não consigo dizer bem quando comecei a ter dúvidas sobre o que era realmente aquilo com o que me identificava.Procurava em mim mesmo as razões de dizer certas coisas, de me interessar ou não por determinadas situações. Era tudo muito confuso para mim.Veio, então, uma fase mais madura da juventude, fase na qual comecei a ter contato com diferentes correntes de pensamentos, a elaborar minha expressão verbal e a me identificar com professores, autores, filósofos, artistas, pessoas da política. Lembro-me bem de que comecei a buscar respostas convincentes, até mesmo para me firmar nos meus círculos e afirmar para mim mesmo quem eu realmente era. Mas ainda eram reflexões muito nebulosas. Eu queria, de fato, me conhecer num nível mais profundo.O QUE É AUTOCONHECIMENTO?Então, em minhas reflexões, me deparei com o termo “autoconhecimento” como se fosse uma sinalização mágica. Senti necessidade de compreender sua ação em mim, quase como uma necessidade intransferível. Busquei na filosofia, na psicologia, na literatura.Foi quando, numa conversa com jovens, ouvi de alguém muito especial:“O autoconhecimento é fundamental na busca interior, mas não é algo advindo de estudos de livros, orientações intelectuais bem-organizadas em que aprendemos sobre o nosso eu. Tudo isso tem importância relativa. Autoconhecimento é uma certeza íntima e pessoal que nasce da presença da força do Espírito em nosso sistema interno e inteiro, no sangue e na alma. É a presença viva de uma força circulante do Espírito na própria alma, como uma posse fundamentada e reconhecida”.Comecei, então, a entender. Autoconhecimento não é um atributo automatizado na consciência do ser humano, porém uma força viva que impulsiona e possibilita um aprendizado constante sobre si mesmo, sobre a estrela pessoal, o que verdadeiramente se é, sem rótulos, sem imagens falsas sobre si mesmo, sem autodesvalorização ou supervalorização.Quando buscamos o conhecimento verdadeiro sobre nós mesmos precisamos empreender uma observação profunda, íntima, sobre o nosso verdadeiro estado, sobre nossa índole, nossos desejos mais íntimos, sobre as intenções por detrás de nossas ações, sobre nosso real caráter e, a partir dessa constatação, gerar uma honesta avaliação do que realmente somos.Quando observamos nossos pensamentos e as verdades que se escondem por trás de tudo que pensamos a respeito de nós mesmos, a respeito dos nossos semelhantes, a respeito das pessoas de nosso círculo mais próximo e íntimo, podemos constatar que há toda uma série de imagens sobre nós mesmos, sobre os outros, sobre a sociedade, sobre o mundo, sobre a humanidade. Essas imagens são construídas nos campos férteis de nossa imaginação, por meio de conceitos e ideias, cujas origens desconhecemos.Elas nascem sem que tenhamos clareza de sua natureza, de sua base concreta. Vamos simplesmente aceitando o que vem de fora pela cultura natural, e construindo, sem questionamento, ideias a partir de nossas próprias experiências.E todo esse mar de ideias vai-se conformando em imagens e autoimagens, que concluímos sermos nós mesmos ou os outros.A consciência egocêntrica se faz sem aprofundamento. Constrói pseudoverdades, acredita nelas, confia de forma incauta. Somos crédulos inocentes do mundo interior que deixamos crescer e tomar conta de nós. Esse arcabouço vem sendo organizado por nós mesmos ao longo da vida. Classificamos, aos poucos, aquilo que parece mais real e verdadeiro.Tudo isso porque o que nosso ser mais deseja é segurança. E, no desejo de segurança, vamos formando uma imagem de nós mesmos, que cremos ser a mais real e possível.Mas é tudo verdade mesmo?O mundo que se constrói, nosso tipo, nossa herança familiar, nossa ideia de povo e pátria estão mesmo baseados em verdades inquestionáveis?Não há nenhuma dúvida sobre tudo isso?Somos mesmo a personalidade que acreditamos ser?Na insegurança transcendental de nossas vidas, lançamos mão de toda sorte de pequenas e frágeis verdades para conseguirmos calar a voz mais forte dentro de nós: a incerteza da vida e o medo da morte.Então, nossa psique, nosso “eu sou” agarra-se a uma frágil narrativa de ser alguém, de se ser um “eu”.Mas a pergunta permanece: o que, realmente, sei sobre mim?Essa pergunta só pode ser respondida quando já não estabelecermos como verdade interior o mundo de imagens, ideias e conceitos autocriados; quando conseguirmos limpar tudo isso e abrir um espaço de silêncio em nós mesmos, para descermos até a base do nosso sentir, até as raízes de nosso caráter, de nosso coração, onde está o centro daquilo que mais profundamente somos.E, quando conseguirmos abrir esse espaço de silêncio, onde já não estão presentes a confusão de ideias, os conceitos e as imagens dos desejos, conseguiremos, por conseguinte, alcançar a serenidade própria da base central do que somos. E certamente ficaremos surpresos ao constatar que o que somos não representa nenhuma postura, nenhuma forma de autoproteção para a natureza do nosso ser.Então estaremos livres, porque o eu original, puro e verdadeiro, não está comprometido com nenhum pensamento, com nenhuma relação, com nenhuma ideia.Poderemos, então, afirmar que o verdadeiro autoconhecimento não é conteúdo, nem ideia, nem conceito abstrato.O verdadeiro conhecimento de nós mesmos não tem nome nem identificação com coisas efêmeras e exteriores. É silêncio, calma, e nenhum compromisso.Imagem: Gerd Altmann on Pixabay CCO
Que caminho de auto-redenção deste mundo demoníaco teria imaginado Hieronymus Bosch?A pesquisadora escocesa Lynda Harris(²) acredita que é plausível que o pintor holandês Hieronymus Bosch tenha sido fortemente influenciado por ideias de inspiração gnóstica e dualista dos bogomilos e cátaros. Surpreendentemente, existem pistas a este respeito.Tomemos, por exemplo, A Morte do Avarento, uma pintura que descreve amplamente a escolha que a alma enfrenta.Em um estudo preliminar encontramos nele uma cruz antropomórfica cátara, que foi omitida na versão final da pintura. É uma cruz que retrata o mal do mundo abraçado com amor pelo bem.O quadro A Extração da Pedra da Loucura também oferece pistas. A obra mostra um tema retirado de uma história popular, segundo a qual um tolo é persuadido por um charlatão a ter a "pedra da loucura", ou a tolice, removida de sua cabeça. Isso é esclarecido pela inscrição no quadro: "Mestre, tira-me depressa essa pedra, meu nome é Lubbert Das". O nome é sinônimo de simplório, portanto, da pessoa que é enganada.Extrair a pedra da loucura era um costume medieval para voltar à saúde plena. O que se deduz é o que os cristãos convencionais consideravam uma loucura, uma espécie de exorcismo, algo para o qual não existe lugar na igreja estabelecida: o potencial espiritual do ser humano. Na pintura não se vê uma pedra sendo extraída, mas sim uma flor, uma espécie de botão de lótus, antigo símbolo de consciência espiritual, do núcleo primário divino do ser humano.O botão ainda está muito fechado e Lubbert manda que seja removido pelos representantes da igreja.Digno de menção é a típica roupa cátara da mulher com o evangelho de João na cabeça, mulher que é, no entanto, completamente ignorada. Vemos também a mesa redonda apoiada em uma espécie de cogumelo, muito similar à pedra redonda e plana que se usava na cerimônia cátara do Consolamentum.Em um estudo preliminar do tríptico que ilustra este artigo, O Carro de Feno, vemos uma cruz tradicional. Mas do lado de fora há uma cruz de Luz universal que representa um caminho de salvação. Uma cruz luminosa quase idêntica adorna as lápides dos bogomilos em Sarajevo e em Radimlja, na Bósnia. Os monumentos funerários dos bogomilos muitas vezes são interpretados como a ressurreição do imperecível. Não se pode descartar que Bosch se referisse a isso pela cruz de luz.Na bela pintura São Cristovão, o gigante Réprobo leva a uma criança em perigo para o outro lado das águas turbulentas.No meio do caminho, sua tarefa se torna mais leve quando descobre que é Jesus quem está carregando. O gigante Réprobo torna-se o portador de Cristo. Mais uma conexão de Bosch entre dois mundos. Mesmo que a criança venha de uma paisagem bonita, se vê ao longe, e quase invisível, uma aldeia em chamas. Réprobo/Cristóvão leva o menino para um lugar seguro, apoiando-se em seu cajado (símbolo de sua fé em ascensão, que é uma fé viva, testemunhada pela vegetação verde de seu bastão), e guiado pelo peixe sangrento nele. Em grego, peixe (ichitus) é geralmente usado como símbolo de Cristo. Para os primeiros cristãos, era o núcleo da mensagem bíblica – Jesus, Cristo, Deus, Filho, Salvador.A escolha de Cristóvão também pode ser encontrada nas lápides dos bogomilos. No simbolismo bíblico topográfico destes, o neófito tinha de cruzar com segurança o sempre tempestuoso lago da Galileia: o lago representava a última turbulência da vida a ser superada. Somente então se podia chegar a Cafarnaum, a cidade do Consolador, do outro lado do lago. Bosch e os bogomilos tiveram de ocultar suas percepções e apresentá-las em símbolos que somente seriam entendidos por espíritos afins.O fato de Bosch ter oferecido à humanidade atormentada visões não dissimuladas pode ser mais bem visto no belo fragmento que representa a ascensão da alma purificada e personificada até a Luz insondável. Através de um tubo em forma de árvore, a alma é conduzida pelo anjo ao céu. Por meio de um tubo similar a um eixo, a alma – em postura de oração – é conduzida ao paraíso por um anjo.Vemos a mesma atitude de oração no tríptico dos Santos Eremitas, representado no “pilar da glória” onde a alma transcende os níveis do universo para chegar à porta da Terra da Luz. Esse processo de ascensão da alma é descrito na Visão de Isaías, que se diz ter sido escrita em um mosteiro bogomilo na Macedônia.Não é tão importante saber com certeza se Hieronymus Bosch era um cátaro ou um bogomilo “tardio”. Que ele foi um iniciado, é indiscutível. Nenhum artista do passado pode reivindicar o título de mago ou iniciado mais do que ele. Mas seu maior mérito é que, mesmo depois de 500 anos, ainda incentiva a autorreflexão e o autoconhecimento. E com isso ele nos conecta a uma verdade clássica e universal:Quem se conhece, conhece o Todo.Imagem: Tela central de Tríptico de Hieronymus Bosch
Ninguém deve se surpreender que Hieronymus Bosch seja considerado um artista contemporâneo, mesmo que tenha vivido aproximadamente de 1450 a 1516. As poucas obras desse talentoso pintor do sul da Holanda muitas vezes desvendam o que lamentavelmente ocorre em todos os tempos: o medo de que a vida interior se revele completamente vazia, a percepção de que tudo é irremediavelmente temporário e o conhecimento de que o desejo humano, pela intoxicação desenfreada, nos transforma em monstros.Não é de se estranhar que um dos analistas mais conhecidos do artista observe:Bosch é um pessimista nato que prevê que Deus, no final dos tempos, decepcionado, fecha o Livro da Criação!Mas, será?Esta conclusão pessimista ignora as características espirituais, ricas em perspectiva, da obra de Bosch. Em suas pinturas, muitas vezes estranhas, o esforço do espírito e a luta que o buscador tem com ele na vida cotidiana estão presentes de forma velada em quase todos os lugares. Isso tem confundido muitos especialistas. Eles tropeçam uns nos outros, por assim dizer. Diz-se que ele foi um mago, um católico devoto, um adamita, um cátaro e um rosacruz. Qualquer que seja a verdade, uma coisa é incontestável: Bosch nos conduz para o nosso interior. Observando suas obras, experimentamos o que o famoso místico flamengo do século XIV, Jan van Ruusbroec, expressou uma vez:Vemos o que somos; somos o que vemos.De fato, depois de uns minutos observando uma obra de Bosch, você suspira involuntariamente:Hieronymus, isto não é sobre mim?Hieronymus ou Jeroen Bosch, como é chamado pelos holandeses, nasceu como Jheronimus van Aken em torno de 1450 em uma cidade do sul da Holanda chamada coloquialmente de Den Bosch. Nunca abandonou sua cidade natal. Sentindo o calor da Inquisição no seu pescoço, viveu e trabalhou ali até sua morte, em 9 de agosto de 1516.Por volta de 1500, começou a usar Bosch — seu lugar de residência — como sobrenome. Sabemos pouco sobre ele. Foi membro da Irmandade do Cisne e mais de uma frase escrita por ele foi conservada, como esta que provavelmente era o que o mestre pintor desejava transmitir aos seus alunos:É um espírito pobre que parte sempre do que se inventou e nunca do que ainda há de inventar.A Irmandade do Cisne era um prestigiado clube de dignitários que todas as terças-feiras ao anoitecer iam juntos aos cultos na capela e depois participavam de longos jantares. É notável que Bosch fosse parte da elite laica urbana e religiosa! Afinal, ele rejeitava os prelados eclesiásticos e as autoridades. Sabemos disso, com certeza, quando olhamos de perto As Tentações de Santo Antão. O quadro mostra um sacerdote adornado com um focinho de porco, lendo um livro azul mágico sobre venenos, enquanto a inspiração para o seu sermão é sugerida por demônios.Um enxame de insetos sai de seu abdômen inferior. Um buraco em seu manto revela sua verdadeira forma: um esqueleto sangrento e pútrido. Como é possível que o Hieronymus Bosch nunca tenha sido preso pela Inquisição?A visita semanal de Bosch à fraternidade local parece ter sido uma maneira de manter-se economicamente em seu mundo como um cripto-católico e fazer negócios. Isso não era tão incomum. Gnósticos do século II até os bogomilos do século XV assistiam a todas as reuniões com a igreja dominante externamente, mas professavam sua verdadeira fé e crenças em reclusão noturna. Hieronymus Bosch tinha a paz de seu estúdio, onde podia encontrar-se e desenvolver seu verdadeiro ser no silêncio de seu coração.Volte finalmente para casaAgora voltamo-nos para algumas de suas obras, começando pelo tríptico do Carro de Feno. O mundo está fundamentalmente doente e isso se torna claro à primeira vista. Do painel esquerdo, Eva sabe que está nua e olha perplexa para o feno. O mundo como Bosch o vê aqui é controlado pela ganância, desejo por riqueza e luxúria.O feno dourado é símbolo de dinheiro, posses, matéria. Dignas, mas cheias de cobiça, as autoridades seguem o carro de feno: o Papa em seu cavalo branco e o Imperador em seu cavalo marrom. Eles não sabem que seu caminho os leva ao inferno, pois a carroça é puxada por demônios. E, no inferno, no painel direito, fazem horas-extras. Há muitas construções e ampliações em andamento. Na parte superior do carro de feno alguns cantam e tocam alaúde. No bosque há um casal de amantes. O diabo, presente como sempre, usa a tiara do Papa. E ninguém repara em Deus, que observa ociosamente… exceto aquele anjo!– Quando o tríptico Carro de Feno está fechado, encontramos O Vendedor Ambulante (figura abaixo). Vemos um homem um pouco cansado, com a roupa puída e um pacote nas costas. Parece que Bosch quer manter-nos ante um espelho quando olhamos para o quadro. Esse olhar… parece que aquele vendedor ambulante está hesitante, vê-se seu desespero. “Será que estou agindo bem?”, parece perguntar-se. Atrás dele há um bordel e uma mulher. O homem se apoia num bastão e caminha sem olhar para frente. Não é esse bastão – como costuma acontecer – um símbolo de fé em si mesmo e em seu futuro? Acaso o vendedor quer deixar para trás seu tempo de devassidão terrena?Ele usa dois sapatos diferentes: um que lhe permite sair pelo mundo e outro para a atmosfera acolhedora de casa. “Volte finalmente para casa”, parecem dizer. Deve ser alguém rico em experiência, dado seus cabelos grisalhos. O vendedor ambulante não é o próprio Hieronymus Bosch? Não sou eu mesmo? Um ser humano na encruzilhada, um peregrino da vida, como você e eu. Um buscador que fez um balanço da própria vida e agora enfrenta o próximo e decisivo passo.(continua na parte 2)Imagem: temptation-St-Anthony - Hieronymus Bosch
Uma vez tive um pesadelo.Estava em frente a um amplo terreno que se estendia em todas as direções e eu não podia ver seus limites.Havia um sol abrasador, que brilhava impiedosamente, tornava a vida insuportável e a água escassa. Mas havia também uma escuridão profunda, de uma noite sem estrelas e sem luar, que tudo engolia em trevas.Esse espaço sem fim era coberto por areia e pedras, cardos e espinhos, parca e retorcida vegetação. Era abrigo de serpentes, escorpiões, aranhas e lacraias que espreitavam nas sombras e caçavam insetos e pequenos roedores.A topografia era extremamente irregular, com amontoados de rochas, cujos cumes afiados cobiçavam as alturas. Súbitos precipícios se apresentavam, com fendas e grotas que prometiam desvendar as entranhas da terra.Eu deveria atravessar esse espaço solitariamente, caminhando sob o sol causticante e tateando na noite escura. A caminhada nesse deserto e vale das sombras prenunciava-se dolorosa, suscetível a arranhões, quedas e espinhos na carne. Nas frestas e esconderijos, os animais venenosos planejavam ferroadas.Percebi que à frente seguia, calmamente, uma centelha de luz. À sua passagem, as serpentes escondiam suas presas, as próprias rochas arredondavam suas arestas e os espinhos transformavam-se em flores perfumadas. As aranhas, os escorpiões e as lacraias vinham saudá-la, em comunhão com os pequenos animais, seguindo a trilha de orvalho abençoado que a luz deixava atrás de si.Reconheci imediatamente a esperança que deveria seguir e lembrei-me da palavra sagrada que falava de um pastor, com um cajado, que consolaria a todos. Nada me faltaria, eu estaria em campos verdejantes e uma água maravilhosa refrigeraria minha alma. A bondade e a misericórdia habitariam comigo e eu nunca mais teria sede ou fome. E, quando eu caminhasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum.No entanto, como caminhar por terreno tão abrupto e não temer mal algum? Como andar titubeante por elevações e precipícios, agarrando-se às bordas rochosas e aos cactos, e não temer mal algum? Como suportar a luz ofuscante e as trevas impenetráveis?Tal caminhada exigia uma profissão de fé completa, absoluta e incondicional. Mas como manifestar essa confiança inabalável?Enquanto minha mente se debatia na busca de uma resposta, meu coração se congelou com a possibilidade de perder a centelha de luz de vista. No entanto, por mais que ela caminhasse, continuava ao alcance das minhas mãos e dos meus pés.Esforçava-me por solucionar o enigma quando uma esfinge passou e me disse, zombeteira: “Decifra-te ou devoro-te”. Naquele lugar improvável, passei um tempo indefinido e angustiante refletindo sobre a fé verdadeira.Subitamente, a compreensão brilhou como um relâmpago interior e entendi que deveria atravessar o vale das sombras com os olhos fechados, pois não haveria fé maior que essa.Ao fechar meus olhos para dar o primeiro passo, encontrei, dentro das minhas pálpebras, os campos verdejantes. A água viva transbordava do meu coração e o amor me sorria. Acordei do pesadelo e saí do deserto ilusório da minha existência; as trevas dos meus medos e da minha ignorância se afastaram. Encontrei o caminho interior, iluminado pela luz cintilante e imperecível, de onde emanam a fé, a esperança e o amor absolutos. Esse caminho leva ao oásis do coração, onde a Eternidade nos aguarda.Imagem: PublicDomainPictures on Pixabay
Quem é a minha alma? Que relação tenho com minha alma? Será que eu a conheço? Sem conhecê-la, posso realmente conhecer-me? Eu tentava compreender meu ser como um corpo animado pelo pensamento e pela psique, mas descobri que há mais riqueza interior do que eu pensava. Sim, meu corpo é animado, animado por uma alma. Mas quem é ela? Ela é mais profunda, mais vivificante do que eu poderia supor. Ao querer conhecer a mim mesmo explorando meu passado, minha herança, meu inconsciente, minha psique, gravitei em torno de seu mistério. Mas há várias camadas, como uma cebola que descascamos. Posso alcançar o seu centro? Encontrarei nele o gérmen da planta vindoura, ou o da minha realidade profunda?E mesmo o meu corpo, o corpo hoje tão bem “cartografado” graças aos dispositivos modernos, meu corpo que nem sempre é plenamente capaz de se regenerar, será que eu o conheço bem? Será que conheço o seu íntimo, o funcionamento daquilo que ocorre a cada minuto em meu interior, e que possibilita a minha vida? E minha vida? O que compreendo dela?Os estratos dessas questões me fazem perceber que essa curiosa forma de sentir e pensar que o ser humano possui oculta-lhe, na verdade, dados essenciais sobre si mesmo. Sim, o meu pensar habitual, tal como se articula com meus sentimentos, não me informa de maneira suficientemente objetiva sobre mim mesmo e sobre a realidade, e menos ainda sobre a minha vida. Quero libertar-me dessa limitação e encontrar uma abordagem de mim mesmo mais próxima da realidade. Será que eu consigo me perceber de outra forma?Esta alma em mim se revela de um modo completamente distinto do que eu esperava. Ela possui várias dimensões. Uma é o aspecto imaterial dos fenômenos corporais que determinam a minha vida. Sim, ela anima meu corpo. Ela é a minha vida biológica em seu movimento, sua fluidez, sua energia sutil, sua animação encarnada (in carne = na carne). Ela é também a minha vida, e por sua qualidade, sua maneira de ser, ela é minha qualidade de ser, minha singularidade. Minhas forças e minhas fraquezas, minha unicidade.Ela se interessa pela realidade, pela sensação, anima minha interface corporal com o mundo, com meus pares. Ela corre em direção à realidade superior, em direção a céus imensos, sobre a qual meus sentidos não me falam. Então ela é tensão, impotência, carência. Ela se choca contra os muros do meu corpo, da minha reatividade, contra os limites do meu pensamento que não capta a sua essência real. Mais serena, ela me propõe outros caminhos, outros modos de perceber, de ser.Apesar de sobrecarregada, encapsulada nas emoções, nos humores, nas preocupações que meu pensamento alimenta ou que alimentam os meus pensamentos, ela tem a possibilidade de ascender à uma realidade mais flamejante. Quando sua luz «própria» individual é irrigada por uma luz mais poderosa, mais universal, por uma vida superior, sua natureza é transformada.Eu percebo, eu constato que, nutrida, “conectada” à dimensão espiritual, ela adquire por si mesma características mais universais. Isso repercute na minha vida. Sem dúvida, a alma é um órgão, tem a qualidade de quem a porta, e esse órgão tem uma vocação mais essencial.Eu descubro que essas perguntas tinham um propósito: impulsionar-me para seu devir consciente.A alma tem seu próprio devir no âmago da minha vida. Iniciando como uma alma biológica, se destina a ser uma alma consciente e vivente. E todos os ideais com os quais tinha afinidade adquirem sentido em torno de sua aspiração absoluta: liberdade, autonomia, perfeição, potência, conexão com os outros, beleza, compartilhamento, colaboração ideal, amor…Essa necessidade que não é evidente no decorrer da vida, mais ardente para uns do que para outros, muito além das necessidades de sobrevivência do corpo, é dela que esse ideais se originam. Especificidade do ser humano que aspira ao que não pode ser. Quanto mais a consciência se aprofunda na descoberta de suas necessidades que se tornam imperativas, mais sensível se torna tudo o que delas nos separa.E percebo que é um caminho espiritual, e que isso não tem nada de místico, obscuro ou fácil. A alma vivente é uma realidade ao alcance da alma, mas não ao alcance do corpo. E, contudo, eu sei cada vez mais claramente que é na vida, no presente do corpo, que tudo acontece. Essa ligação a uma força superior que percebo no âmago da minha vida, no âmago do meu ser, é a ligação de minha alma com a sua realidade. É um pré-requisito para dar um passo adiante. E o meu corpo resiste. Minha maneira de apreciar ou desaprovar, de acolher ou rejeitar, e por conseguinte, reforçar minha ligação com meus aspectos mais reativos, o meu modo de confirmar a mim mesmo a realidade do ego, está em contradição com uma possibilidade da alma. Esse paradoxo, eu não o previ. Ele se torna crucial, insolúvel, conflito, renegociação interior do aceitável e do confortável. Negação e descoberta. Crescimento, deslumbramento e recusa. Descobertas e decepções, e todas as modalidades do ser tecidas ao longo dos dias da história de uma vida, de seus episódios.À medida que ocorrem estes desencontros entre a alma, a personalidade, o ego, eu apreendo o lugar, o papel de cada um. No decorrer do tempo desses movimentos, dessa ordenação, dessa articulação, surge um novo elemento: a alma não está só. Em essência, ela é o oposto da individualidade. E todas essas perguntas, incluindo as relativas à solidão, ao sentimento de abandono, à busca por amor, tomam forma em uma realidade unificada: para a alma nada está separado. Sua trama de ser constitui outra modalidade de vida. Agora ela sabe como me fazer experimentá-la. E essa realidade de ser não me pertence. Para aceitar a ausência dos limites, é preciso renunciar ao ego. Imagem: Photo: Estelle Amsel
Em uma bela aldeia africana, perto de Kalenda Bay Way, onde as borboletas e passarinhos voam em liberdade rumo ao sol nascente, vivia um grupo de caçadores. Eles tinham orgulho de sua atividade, que era a principal de sua comunidade. Realmente, eram eles que alimentavam toda a aldeia em tal harmonia e unidade que era bonito de ver todos juntos e alegres, partilhando ao mesmo tempo a comida e a amizade: mães e pais lado a lado, com seus filhos no colo.É por isso que os caçadores sempre foram acolhidos com muita alegria pela comunidade, com cantos e danças. Mas era bem verdade que, nos últimos tempos, eles estavam quase sempre discutindo entre eles e até a brigar pela posse de suas presas. Essa desunião foi piorando tanto a ponto de impedir que o grupo cumprisse sua missão de trazer alimento para os habitantes da aldeia._“Seus corações são prisioneiros do orgulho, da vaidade, e principalmente do imenso egoísmo de vocês!”, advertiu o sábio conselheiro da comunidade, com voz firme e poderosa.Então, ele os convidou para, antes da caça, fazerem um ritual de confissão em volta da árvore da purificação e união dos caçadores, a Tshinkunku sanga bilebi, que ficava no centro da floresta. Assim foram caminhando até o anoitecer. Reunidos ao redor da árvore sagrada, depois de um silêncio pesado, o conselheiro começou a pronunciar algumas palavras de encorajamento:_“Bravos caçadores de nossa tribo! Vocês que sabem manejar seus arcos com tanta precisão e atirar suas flechas ligeiras no ar, imaginem agora um arco de Luz e flechas bem precisas de autoconhecimento e mirem seus corações feridos! Matem aí, dentro de vocês, as feras selvagens do egocentrismo! É por causa disso que às vezes acontecem acidentes e surpresas perigosas, como quando aparece do nada uma cobra perigosa. É preciso dizer para vocês que esta caça exige grande coragem: seus corações partidos vão se esvaziar até a última gota! Agora, quero ouvir o que desune vocês, para poder ajudar a unir seus corações!”  _“Eu menti para minha mulher”, disse alguém, em voz baixa.Musas’s, com os olhos cheios de lágrimas, confessa :_“Eu roubei meu vizinho!”Mutomb’, por sua vez, quase chorou, arrependido, dizendo:_“ Eu desuni minha família!”Um após o outro, todos viram a noite sombria chegar.Mas desta vez um silêncio ao mesmo tempo profundo e leve toma conta de seus corações.Por fim, o sábio conselheiro diz:_“Agora que seus corações foram esvaziados de todas as feras malfeitoras do ego, quero ouvir as qualidades de cada um de vocês: os tesouros ocultos que estão aí dentro de vocês e que podem ser oferecidos para a comunidade”.Então, uma grande alegria tomou conta de todos. Como um grupo verdadeiramente unido, eles começam a sondar as profundezas de suas almas, observando todos os seus dons mágicos. Por fim, eles trocam suas experiências mais secretas e elegem Kamuz como porta-voz do grupo. Então, muito emocionado mas firme, ele diz:_“Nós queremos oferecer nossa alma, nosso corpo, nosso coração, nossa cabeça, e toda a nossa vida ao mundo e a toda a humanidade, por amor a Deus!”_“Mas quem será nosso Mwene ditu, nosso Mukaleng, o Chefe da Floresta?” – pergunta Musas´s, cheio de emoção e de entusiasmo._“ O Chefe da Floresta é o coração de vocês: corações humildes e sinceros, unidos em um só coração! Um coração que está muito acima do bem e do mal, acima de todas as nossas limitações. Um coração aberto para a Luz, que nos transforma em verdadeiros seres humanos: os seres humanos que nós éramos antigamente, quando vivíamos no coração de Deus!” – responde o conselheiro.Nesse momento, eles sentem em suas almas um grande amor e uma imensa esperança, e tem a certeza de que sua missão será coroada de êxito.Depois, todo mundo se calou. Era um silêncio doce e caloroso, como um coração cheio de Luz, flutuando lá no alto, muito acima da floresta sombria.Foto: By jplenio from pixabay
Comecei como cristão, me descobri como hindu e voltei como budista, sem, no entanto, deixar de ser cristão PERMITIR QUE O OUTRO SEJA — A VISÃO DE RAIMON PANIKKAR Raimon Panikkar nasceu em Barcelona em 1918. Sua mãe era catalã, de fé católica, com uma forte aptidão para acolher as necessidades do novo século, especialmente no campo da participação na vida civil e dos direitos das mulheres; seu pai era um aristocrata hindu indiano próximo dos círculos de Gandhi. A vida do jovem Panikkar foi repleta de estudos e graduações nos campos filosófico, científico e teológico, o que o levou a trabalhar como professor autônomo e palestrante em muitas universidades da Europa e dos Estados Unidos. Aos 36 anos, quando se mudou para Varanasi, na Índia, para aprofundar o estudo das tradições filosóficas e religiosas indianas, já era um padre católico. Passou o resto da sua vida principalmente entre a Índia, a Califórnia e Tavertet, uma aldeia montanhosa ao pé dos Pirineus, último local da sua peregrinação de constante estudo e meditação. O diálogo dialógico“Diálogo é a vida. Se o diálogo é rompido, tudo se rompe.” (R. Panikkar em Paz e Desarmamento Cultural).A pluralidade da circulação de pessoas e mercadorias, das trocas de todo tipo, materiais e imateriais (informação), dos diferentes estilos de vida forçados a conviver pelas correntes da globalização, não corresponde em termos de relações humanas à pluralidade harmoniosa que pode se desenvolver em um diálogo. Muitas vezes ainda vemos “…o entrelaçamento estéril de monólogos” (La mística en el siglo XXI, Madrid 2002).Segundo Panikkar, a chave para uma relação viva entre os seres humanos é o diálogo "dia-lógico". O que é isso? Todos os dias vemos nos chamados diálogos apenas a dialética competitiva, a alternância de opiniões, fato que sugere a ideia ilusória de uma pluralidade; mas a ilusão continua e muitas vezes é muito decepcionante.Transformar o diálogo em uma relação autêntica, para além das barreiras de ideias pré-concebidas, significa superar a dialética e acionar a criatividade, um lugar ativo onde o próprio diálogo ocorre. O que acontece neste lugar? É criada uma "terceira via" que une as duas sem aniquilá-las brutalmente. Além da forma, o logos, descobrimos o mito, a história que está por trás do discurso, a história na qual quem está falando realmente acredita. E assim aparecem os véus das crenças, dos símbolos que alimentam as crenças — mas também os preconceitos. Nesse ponto, as armas de combate são contundentes, e só resta o autoconhecimento percebido através do olhar do outro.Esse processo requer confiança; não do tipo formal ou politicamente correto, mas uma confiança verdadeira. No nível filosófico, superam-se tanto a visão monista quanto a dualista para chegar a um todo (holismo) no qual os processos, os relacionamentos e as formas são a própria vida; o todo não é a soma das partes. No nível da convivência social, desde os lugares de formação escolar até os de educação para escuta adequada, pode-se compreender o quão fundamental é o próprio processo para esse diálogo.A visão cosmoteândrica"O divino, o humano e o terrestre — como quisermos chamá-los — são as três dimensões irredutíveis que constituem a realidade" (R. Panikkar em Realtà Cosmoteândrica). Panikkar usa a língua grega para falar do Mundo, do Criador e das criaturas, três estágios da existência que, no decorrer do tempo, conheceram infinitas variações terminológicas. Certamente não para descobrir uma nova fragmentação, mas para testemunhar sua visão dos três em uma relação dinâmica inesgotável, nunca sendo separados nem anulados um pelo outro. Uma "secularidade sagrada", como ele mesmo a chama. Uma visão bastante incômoda para certas lógicas de dominação e empobrecimento da consciência. Panikkar redescobre essas ideias cosmoteândricas graças ao estudo dos textos védicos. No entanto, uma tradição semelhante também está presente no Ocidente. Basta pensarmos nos conceitos plurimilenares de inspiração hermética antes de seu ressoar durante o Renascentismo em Pico della Mirandola com sua coroa de possíveis relações entre o Homem, o Cosmos e o Espírito.Cristofania“A identidade de Cristo não é a identificação que fazemos dele". Essas palavras de Panikkar — formado em Teologia com uma tese sobre Cristo mal interpretado pelo hinduísmo — vêm de sua própria vivência e abrem um horizonte comparável aos dos textos do cristianismo dos primeiros séculos de nossa era, felizmente redescobertos no deserto egípcio em 1945 e conhecidos como Biblioteca de Nag Hammadi:“Não há palavra capaz de expressá-la, não há olho capaz de vê-la, não há corpo capaz de segurá-la, por sua grandeza inacessível, sua profundidade infinita, sua altura além de qualquer medida, sua largura incompreensível…” (Trattado Tripartido, 54, vv. 13 e sgg). Aqui ele fala, ou tenta não falar, da Fonte mais interior, do Alfa e Ômega.Com a sua habitual perspicácia profunda, Panikkar compreende, no seu discurso sobre Cristo, o aspecto histórico e também o cósmico: “... a plenitude da humanidade, a plenitude da divindade, a plenitude da corporeidade e da matéria. Cristo é o símbolo do que em uma certa linguagem chamamos de absoluto: símbolo da realidade" (R. Panikkar em Ecosofia: La nuova saggezza). A aplicação dessas reflexões que o próprio Panikkar propõe diretamente aos cristãos do terceiro milênio é a "Cristofania" (ainda em grego): o mistério da encarnação e a presença despertada do divino no ser humano.Permitir que o outro sejaO encontro "dialógico" acontece em um nível profundo e que desconhecemos: é o nível do “não-saber” que, porém, ultrapassa qualquer saber que possamos colocar em ação. É a estratégia do desarmamento cultural, como o chama Panikkar, um caminho que traz consigo a própria essência da paz. O método é tríplice. As formas de determinada visão do mundo (por exemplo, a cristã), devem se tornar explicadas, sem que nada seja dado como certo; então, devem ser colocadas no espaço e no tempo, não para justificar os horrores e os erros do passado — que não devem ser esquecidos — mas para descobrir o que nos impede de dialogar, nossa prontidão para receber e compartilhar. É a atual vestimenta do medo que se apodera da comunidade ocidental, sufocando o desejo genuíno de compreender o Outro, de compreender a Natureza, de se abrir ao autoconhecimento.“A transformação da qual falamos não é um processo individual: devemos distinguir entre isolamento e solidão. O isolamento sufoca, é mortal, é egoísta; a solidão, ao contrário, oferece espaço para a liberdade para que, ainda sendo eu mesmo, possa comunicar aos outros essa parte que lhes falta, que na verdade sou eu mesmo, e vice-versa... Tenho que procurar cúmplices, grupos, movimentos, sociabilidade, “pólis”, igreja, polêmicas, grupos grandes ou pequenos... Esse é o elemento purificador. Assim que alguém se fecha em um grupo, a linguagem se degenera. Quando alguém de fora a ouve é imediatamente chamado de infiel. A razão para isso é simples: sempre falamos uns com os outros... é assim que se geram as culturas, que depois se tornam culturas de guerra, como conhecemos tão bem"(R. Panikkar em Ecosofia: la nuova saggezza).Foto: Maria Galantino (Italy)Wikipedia
#119 O Pulsar da Vida

#119 O Pulsar da Vida

2023-08-3103:42

O PULSAR DA VIDA Você já parou para ouvir seu coração? Quando ouve suas batidas, o que percebe?A primeira resposta que pode vir à cabeça é: estou vivo!Sim, enquanto estiver pulsando, esse músculo incansável que continuamente garante o bombeamento do sangue para as diferentes partes do corpo nos manterá vivos.No entanto, o coração está além de sua imprescindível funcionalidade corpórea. Ele é muito mais do que um músculo: é uma porta para a verdade. Seu pulsar é um chamado.Ele utiliza uma linguagem que não é da imaginação, mas da realidade do Todo em si. Está sempre nos convidando para nos unirmos e nos ligarmos à verdade que nele se encontra. Além disso, ele entrega vida a cada pulsar.O coração nos chama. A vida em seu fluxo pulsa continuamente como um chamado a todos, indistintamente, sem induzir ou forçar nada: como o sol, que não escolhe a quem oferecer sua luz.E, para aqueles que estão atentos ao desconhecido que sempre existiu no centro de seu próprio ser, ele, o coração, impulsiona a busca por algo além do que pode ser visto, ouvido e percebido externamente – e o faz sussurrando amorosamente. Esse sussurrar é um movimento e um som que se destaca dentre os outros, pois é interno, vem de dentro. É o som da verdade, da permanência.Como já disse Beto Guedes em sua música Sol de Primavera: “A lição sabemos de cor (de coração): só nos resta aprender”.Quando nos dispomos a sair do lado inverso em que vivemos, insinua-se o caminho para nosso interior, onde escutamos os versos do coração. A cada vez que nos voltamos a esse estado, nossa mente tende a se ligar e a aprender com o centro do coração: o mesmo centro que se encontra em todo o cosmo. Desde o núcleo das estrelas e planetas até os frutos com suas sementes e as células com seus núcleos, tudo contém em sua base a força do Centro.Nele – no centro do nosso coração – há a semente da verdadeira vida: a semente da eternidade, do Amor Real. Voltar-se para esse Real é enxergar e ouvir além da razão, que tenta entender a vida com a mente. Como Antoine de Saint-Exupéry nos diz: “só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”.Sejamos aqueles que se voltam para o amor verdadeiro e essencial, que pulsa em nós, que ama pelo amor tão somente, e que declara a verdadeira vida em si, ao invés de insistir em não ouvi-la nem reconhecê-la.Voltemo-nos para esse amor tão sublime e presente no peito, que ilumina o caminho de volta, que se encontra dentro de cada um.Imagem: Coração sangrando por Bru-nO em Pixabay
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