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Author: RFI Português

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De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.

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Nesta quarta-feira, o Museu do Louvre em Paris, reabriu as suas portas, após três dias de encerramento para dar tempo à investigação de recolher todos os dados sobre o espectacular assalto de que foi alvo no domingo. O que se sabe para já é que  indivíduos invadiram pelo exterior a galeria onde se encontravam as jóias da Coroa de França. Para tal, utilizaram um elevador de carga, cerraram uma das janelas da sala, partiram os mostruários, levaram as jóias e fugiram de lambreta. Tudo isto em sete minutos. Até ao momento, não se conhece o paradeiro dos assaltantes e muito menos das jóias avaliadas em 88 milhões de Euros mas cujo valor patrimonial é considerado "inestimável". Tanto o Presidente da República como o próprio governo ordenaram o reforço da segurança deste museu que apesar da sua importância e apesar do número impressionante de visitantes -9 milhões em 2024- mostrou as suas fragilidades. Esta problemática, aliás, mereceu recentemente um relatório interno e as autoridades estavam cientes de que existiam falhas na segurança. Philippe Mendes, galerista luso-francês em Paris, considera que apesar do seu carácter espectacular, o assalto de domingo não foi tão minuciosamente preparado como parece à primeira vista. RFI: O que se pode dizer sobre o assalto ao Museu do Louvre no domingo? Philippe Mendes: Em termos de rapidez, eu acho que foi um assalto bem organizado, embora me pareça que não é de grande banditismo. Tenho a impressão que foi mais um roubo de bandidos mais básicos. Sabem que têm que ser muito rápidos porque os seguranças e a polícia, em menos de dez minutos, podem chegar. Portanto, eles fizeram isso muito rápido. Mas ao mesmo tempo, há muitas coisas que mostram que não são aqueles bandidos, tipo CNN. Toda a gente pensou que isto foi um roubo tipo Arsène Lupin. Não foi. Deixaram cair uma coroa importantíssima. Ao fugir, deixam os elementos que utilizaram para poderem entrar, a serra para o vidro, não conseguiram deitar fogo ao elevador que usaram para os levar até lá acima. Isto tudo mostra um bocadinho que isto está desorganizado. Foi pensado, mas não foi organizado. Eu acho que foi mesmo um assalto, um roubo de oportunidade. Sabiam que ao domingo há pouco trânsito em Paris, era muito fácil de fugir. Sabiam que havia falhas, porque isto já foi comunicado várias vezes nos jornais franceses. A presidente do Louvre, ela mesmo -acho que foi o grande erro dela- há um ano ou dois, alertou, mas alertou publicamente sobre as falhas, sobre os problemas de segurança no Louvre. Tendo feito isso, claramente que indicou a quem poderia pretender um dia a fazer um assalto ao Louvre, que era o momento. Devia ter alertado claramente o Ministério da Cultura, devia ter alertado a Procuradoria de Paris, mas não devia ter alertado, indo aos jornais, e fazer uma coisa pública, porque isso aí era o sinal que eles podiam lá ir e que havia várias falhas. E claramente que aquela janela da galeria de Apollon era um dos pontos fracos do Louvre. É uma janela que dá para aquela rua que ao domingo não tem trânsito. Sabia-se mais ou menos que as jóias estavam todas ali, que era o primeiro andar. Não é assim tão alto, portanto tinha ali tudo mais ou menos certo para eles. Portanto, nesse aspecto, acho que foi um assalto pensado mas pouco organizado. Conseguiram. Agora o que é gravíssimo é que atacaram não só o património francês ou a história de França. Atacaram não só o Louvre, mas atacaram também todos os franceses. Ao roubar o Louvre, roubaram a França. RFI: Isto acontece no Louvre, que é um dos mais conhecidos e prestigiados museus a nível mundial. É uma espécie de montra da França, praticamente ao mesmo título que Notre-Dame. O que é que isto significa para a França? Philippe Mendes: O Louvre, como Notre-Dame, é um dos monumentos principais de Paris, de França e um dos mais conhecidos no mundo. Portanto, falando do Louvre, estamos a falar ao mundo inteiro. Toda a gente sabe o que é o Louvre e o que é Notre-Dame. Portanto, claramente que é muito mais sensível e que o mundo inteiro está atento ao que se passa em monumentos como este, que é o maior museu e o mais visitado do mundo. Claramente que choca. O choque é muito maior e tem uma repercussão internacional muito forte e dá um mau sinal claramente do que se está a passar no património francês e a nível da cultura em França. Isso é uma pena, mas podia ter acontecido noutro museu qualquer. Os museus agora são muito vulneráveis. Eu acho que este roubo dá para reflectir sobre uma coisa muito importante: é que a economia internacional está mal, vai haver cada vez mais assaltos deste tipo e claramente que, por exemplo, na Praça Vendôme, em Paris, onde estão todas as grandes lojas de joalharia mais importantes, eles têm um sistema de alarme de segurança muito mais forte e bem organizado do que os museus franceses que não apostaram completamente na segurança, porque não têm meios para isso. Porque embora a França tenha um Orçamento de Estado para a cultura importante, não é assim tão importante como isso para ter a segurança que pretendia. Portanto, é muito mais fácil atacar um museu hoje em dia do que atacar uma joalharia em Paris. Foi o que aconteceu, porque estamos agora a falar do Louvre. Mas não se esqueça que há um ano e meio foram roubadas e falou se muito menos, sete ou oito caixas de rapé do Museu Cognacq-Jay, que é um museu não muito longe do Louvre. Duas delas pertenciam ao Louvre, outras duas, à Coroa Real inglesa, e foram roubadas por quatro pessoas, exactamente com o mesmo método. Quatro homens entraram mascarados em pleno dia, partiram os mostruários e fugiram com as caixas. Não houve tanta repercussão nos jornais internacionalmente, porque o museu, embora seja um muito um bom museu em França, não tem aquele impacto que teve o Louvre. Mas isto mostra que os museus são muito frágeis e são vulneráveis e são atacados regularmente. Foi atacado (no mês passado) o Museu de História Natural de Paris, onde roubaram pepitas de ouro. Desapareceram, foram derretidas. Claramente que agora nunca mais as vamos encontrar. Foram roubadas do Museu de Limoges, há alguns meses, porcelanas chinesas de grande valor que certamente foram -desta vez- uma encomenda para a China. Portanto, há assaltos regularmente nos museus, porque os museus não têm essa protecção, como devia ser. RFI: Disse-o há pouco, apesar da própria directora do Louvre ter alertado publicamente que havia falhas na segurança e apesar de ter havido inclusivamente um relatório interno referindo que o facto de se prescindir de 200 funcionários, nomeadamente na área da segurança, sobre um efectivo de 2000 funcionários nestes últimos 15 anos no Louvre, podia também representar um problema para a segurança do museu e apesar de as próprias autoridades terem sido alertadas, nada foi feito e só agora é que está a pensar em reforçar a segurança do Museu do Louvre. Philippe Mendes: Sim, já devia ter sido feito. Depois, só agora é que se está a pensar. Sim, mas é sempre assim. Agora estamos a falar porque houve um assalto. Mas imagine que amanhã há uma inundação em Paris e o Louvre fica inundado. Vai se criticar porque não foi feito nada antes para proteger o Louvre das inundações e outros. Embora haja um plano, eu acho que ele não é o melhor. Há sempre razões para criticar a falta de fundos para isso. Mesmo que houvesse mais guardas no Louvre, os guardas não podem intervir. Portanto, o que é que eles poderiam ter feito? Não sei bem se é uma questão só de falta de pessoal no Louvre. Acho que não. Eu acho que se podia pensar melhor na segurança do Louvre, a nível de organização, menos humana, mas mais técnica. RFI: Estão a monte três ou quatro assaltantes com jóias estimadas em 88 milhões de Euros e sobretudo com um valor patrimonial "inestimável". As jóias são conhecidas, as fotografias destas jóias andam por todo o lado, no mundo inteiro. O que é que eles vão fazer com essas jóias? Philippe Mendes: Eu acho que a única possibilidade que eles têm é de desfazer as jóias todas e vender diamante por diamante, safira por safira. Não podem vender as jóias tal e qual como obra de arte, porque em si elas têm um valor de 88 milhões de Euros, porque são obras que ainda por cima foram compradas pelo Estado para o Museu do Louvre nos últimos 30 anos. Portanto, tinham já um valor de mercado. Mas entrando no Louvre, têm um valor inestimável histórico, agora patrimonial. Portanto, esse valor de 88 milhões de Euros no mercado de arte é zero, porque as peças tal e qual não podem ser vendidas, ninguém vai comprar. Portanto, eles vão desfazer completamente peça por peça e vão tentar vender no mercado. RFI: Está prestes a abrir mais uma edição da Feira Internacional de Arte Contemporânea de Paris (a Art Basel no final da semana). Como é que se pode avaliar o ambiente em que decorre este evento este ano? Philippe Mendes: Tendo acontecido o que aconteceu, vão certamente reforçar a segurança à volta deste evento. É um evento que acaba por ser equivalente a um dos maiores museus do mundo, durante os dias de abertura, com obras de uma importância financeira muito, muito, muito alta. Mas quem é que se vai atrever a entrar agora num assalto no Museu do Grand Palais? Ninguém. Eu acho que não é propriamente um problema nesse nível. Recordo-me que há três ou quatro anos, na Tefase, em Maastricht (nos Países Baixos), a feira internacional mais importante do mundo onde eu participei, houve um assalto, ainda por cima num stand da joalharia. Foi exactamente a mesma coisa. Eram quatro mascarados. Entraram em pleno dia. Chegaram, roubaram as jóias, fugiram e nunca mais apareceram. Nos dias seguintes, nunca houve um problema na Tefase. Foi um roubo de oportunidade. A Tefase reforçou a segurança e nunca mais houve nenhuma preocupação até agora a esse nível. Portanto, eu acho que vai correr muito bem a Feira Internacional de Arte Contemporânea, a Art Basel em Paris. Não é porque houve um assalto no Louvre que Paris está fragilizada a este nível. Acho que não. Não pode
O antigo Presidente Nicolas Sarkozy foi encarcerado esta manhã numa prisão em Paris. Para Rafael Lucas, professor catedrático na Universidade Bordéus III, tratou-se de um “espectáculo lamentável”, mas justificado já que se trata da democracia a funcionar.   Uma multidão esperava esta manhã o antigo Presidente Nicolas Sarkozy, à saída da sua casa, no exclusivo 16º bairro de Paris, para o verem uma última vez antes da sua entrada na prisão de la Santé, a apenas alguns quilómetros de distância também na capital francesa. Entre gritos de apoio da multidão e lágrimas dos filhos, o antigo líder francês escreveu nas redes sociais que a justiça estava a prender não um antigo Presidente, mas sim um inocente.  Estas imagens mantiveram os franceses agarrados aos ecrãs na manhã desta terça-feira, já que muitos pensavam não ser possível ver um antigo Presidente a ir para a prisão. Para Rafael Lucas, professor catedrático na Universidade Bordéus III, tratou-se de um “espectáculo lamentável”, mas justificado já que se trata da democracia a funcionar. "Tive duas sensações muito fortes. Primeiro, é a primeira vez que eu vejo um um Presidente ou o responsável supremo do Estado a entrar na prisão como um delinquente. De qualquer maneira, há um choque, uma comoção ver isto. Então, por um lado, é um espetáculo lamentável. Às vezes até tenho certa compaixão pela situação do alto responsável assim encarcerado. Mas por outra parte, é a democracia na mesma, porque já se vivemos num regime monárquico ou num regime autoritário, isto seria impossível", explicou o académico. Logo após a sentença, há cerca de duas semanas, numa sondagem para a televisão, 72% dos franceses disseram-se chocados com a possibilidade de ver um antigo Presidente na prisão, mas estavam divididos quanto ao facto de a sua condenação ser justa. Na prisão, Nicolas Sarkozy vai ficar sozinho na cela, devido ao seu estatuto, e poderá sair todos os dias para o pátio. A prisão de la Santé, em Paris, é conhecida por acolher figura de relevo no panoramo político e mediático em França. A condenação de um Presidente aliada à "crise generalizada" vivida no país, leva muitos analistas a questionarem o papel do Presidente e se não seria benéfico rever o sistema presidencialista gaulês, em que o Presidente detém muitos dos poderes, incluindo a escolha do primeiro-ministro. "Este regime presidencial à francesa, em que o Presidente é como um monarca republicano porque há um primeiro ministro, mas que é como um chefe de gabinete, é muito diferente das democracias modernas, em que o primeiro ministro assume a direcção e a responsabilidade do Governo e o Presidente tem mais um papel simbólico honorífico, como é o caso em em Portugal e em vários países. Em França, não. O presidente é o chefe [...] A França está a chegar a um ponto de esgotamento e a França vai ter que fazer aceitar uma espécie de revolução institucional para fazer como outros países, como Alemanha, por exemplo, em que eles já adquiriram uma cultura de coligação, em que não há uma figura tutelar assoberbando o resto da paisagem política, como é o caso com os presidentes franceses", concluiu Rafael Lucas.
Em Luanda, um grupo de activistas e defensores dos direitos humanos convoca uma vigília para este 17 de Outubro ao fim do dia, no Jardim de São Domingos, para apelar à libertação dos presos políticos em Angola. Estes últimos foram indiciados pelos crimes de "rebelião, vandalismo e apologia terrorismo". A activista Laura Macedo aponta que, com a entrada das férias judiciais, as detenções arbitrárias vão se prolongar.    Em entrevista à RFI, Laura Macedo, uma das subscritoras da carta de convocação à vigília em solidariedade com os presos políticos, apela à mobilização de todos os angolanos no país ou na diáspora.  Laura Macedo: Desde que eles foram presos que nós queremos que eles saiam. Porque não vemos motivo para indivíduos que têm família, têm mulher, têm filhos, serem presos porque dizem a verdade. O facto de dizerem a verdade é que os leva para a prisão. Neste momento há uma grande preocupação da nossa parte. Vêm as férias judiciais. O sector da justiça só reabre em Março. Portanto, os processos vão ficar parados, e não há necessidade de ficarem detidos. Podiam ser mandados para casa com termo de identidade e residência, como como aconteceu com o Gonçalves Frederico, que já está em casa. Porque é que aos outros lhes foi negado este direito? RFI: De momento, quanto presos políticos se encontram encarcerados e qual é a situação deles? As condições da cadeia são más e eu conheço-as, infelizmente. Já tive o prazer de as conhecer na ala feminina do Comando Provincial de Luanda (CPL). Não há água! As senhoras que não tem família têm que apanhar a água na descarga das latrinas! Como é que será na prisão dos homens? Eles não aceitam comer as comidas que lhes dão na cadeia. Não há nenhuma arca frigorífica para conservar a comida na cadeia, e quando chega lá já está feita há dias. RFI: Quantos presos políticos actualmente, sabemos? Não temos o número exacto. Até porque há muitos meninos presos também, que foram presos no âmbito das confusões à volta das manifestações. Eu não faço distinção entre os activistas e estes jovens desconhecidos que foram recolhidos na via pública. Muitos foram presos sem provas.  RFI: São acusados de vandalismo? Sim. São presos e acusados de vandalismo. São também presos políticos. Nós não podemos deixá-los de fora. RFI: Tudo isto no âmbito dos protestos que foram organizados em Julho para protestar contra o aumento dos preços e, nomeadamente dos combustíveis, certo? Sim, o próprio Osvaldo Caholo está preso neste âmbito. RFI: Osvaldo Caholo, é um dos organizadores dos protestos contra o aumento dos combustíveis em Julho. Ele escreveu recentemente uma carta a partir da cadeia, anunciando a prolongação da sua prisão preventiva, devido nomeada a estas férias judiciais. Na carta, Osvaldo Caholo escreve que "os juízes julgam por suborno" e que "qualquer pessoa que ameace o status quo do MPLA será condenado". Como é que reage a isto? Suborno não se faz apenas com pagamento em dinheiro. Nós temos o suborno intelectual, o suborno mental, que é muito pior. Neste caso, é o próprio procurador aceitar condenar, mesmo vendo que as coisas não estão correctas, querer agradar ao chefe. Por exemplo, nós ouvimos dizer que quando o Gonçalves Frederico foi levado ao juiz de garantia, o juiz interrogou longamente e o Fred explicou tudo direitinho. E no fim, o juiz tirou um papel e leu a sentença. Ele já vinha com o papel, nem sequer tinha ouvido ainda o Frederico. Quer dizer, a decisão já estava escrita no papelote. RFI: Todos estes detidos políticos estão indiciados por "rebelião, apologia ao crime, vandalismo e terrorismo". São acusações graves? São acusações muito graves, sim. O problema em Angola é que não precisamos de prova para condenar. Esse é que é o grande problema. RFI: Estes detidos arriscam-se a passar longos anos em detenção? Sim, acho que sim. Se não fizermos pressão, se não estivermos aqui a contrapor, se a sociedade não se levantar contra isto, amanhã estamos todos na cadeia. Prendem-me a mim porque não gostaram do batom que pus nos lábios. Prendem outro porque não se sentou correctamente como eles queriam. Hoje, tudo pode ser considerado um acto de terrorismo e de vandalismo. RFI: E por isso mesmo lhe pergunto em relação à vigília que é organizada hoje à noite, temem alguma repressão? Não têm porque reprimir. Nós cumprimos a lei. Não recebemos nenhuma carta do governo da província, a quem escrevemos. Então, quem cala consente. A própria lei assume que quem cala consente. RFI: A 14 de Outubro, Angola foi eleita membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU, com 179 votos favoráveis e três abstenções. Que mensagem é que a comunidade internacional está a passar com esta eleição? A comunidade internacional continua a passar a mesma mensagem de que onde eles ganham, ninguém mexe. Angola é um país que lhes dá frutos, pese embora não dê frutos aos seus cidadãos, mas dá frutos a muitos países. Há muitas empresas internacionais e a única coisa que lhes interessa é manterem este governo que lhes permite estar de seringa a sugar o sangue. Eles sabem que com um governo sério não faziam metade das maracutaias que estão a fazer aqui. RFI: Que apelo deseja fazer aos cidadãos angolanos? Quero fazer um apelo à comunidade em Angola que compareça na vigília, à comunidade angolana no exterior que nos apoie, e a toda a comunidade internacional, que olhe para nós. Que obriguem os seus governos a rever as suas políticas com Angola. Porque são estas políticas que os governos têm com Angola que fazem perigar o nosso bem estar.
A UNESCO lança hoje três novos volumes d'A História Geral de África, efectuados com recurso a mais de 60 académicos em 28 países diferentes e de forma a aproximar este conhecimento sobre o continente africano dos mais jovens, a organização lança ainda um jogo de vídeo sobre a vida de 10 figuras de destaque em África, incluindo a rainha Nzinga. A UNESCO lança hoje na sua sede, em Paris, os volumes IX, X e XI d'A História Geral de África que começou a ser publicada em 1965, de forma a restabelecer e actualizar a história do continente africano vista e contada pelos africanos. Estes novos volumes vão incidir sobretudo sobre a história revisitada de África, com as mais recentes actualizações sobre este continente como berço da civilização, um outro volume é dedicada às diásporas africanas no Mundo e um último é consagrado aos mais recentes avanços no continente. Para acompanhar a publicação destes novos volumes, a UNESCO lança também um jogo de vídeo que estará disponível para iOS, Google Play ou ainda Xbox sobre o percurso extraordinário de 10 figuras africanas incontornáveis. Lídia Brito, antiga ministra moçambicana e actualmente sub-directora geral da UNESCO para as Ciências Exactas e Naturais falou na importância de serem os africanos a escrever a sua própria história. "Para a preparação destes novos volumes da UNESCO. Adoptou, como o fizemos antes, uma abordagem amplamente consultiva, organizando workshops, reuniões de especialistas e sessões ampliadas do Comité Científico que incluíram outros especialistas do continente e da diáspora. Este processo, a nosso ver, permitiu que investigadores de diferentes formações linguísticas, culturais disciplinares trocassem perspectivas e construíssem uma narrativa partilhada sobre o passado recente de África e das suas diásporas e os seus desafios contemporâneos. Como é sabido, os volumes anteriores concentraram-se principalmente na reconstrução da história africana, que por muito tempo foi negada ou distorcida, ou mesmo, eu diria, se calhar, falsificada. Tratou-se de um compromisso de uma geração inteira determinada a reconstruir a história das sociedades africanas em bases sólidas. Neste novo esforço, nestes três novos volumes, além de actualizar a colecção, eles mapeiam e analisam a história das diásporas africanas em todo o mundo. Estes volumes também expandem a narrativa do continente até ao período contemporâneo, explorando o papel de África na globalização, a vitalidade das suas diásporas e as transformações sociais, políticas e culturais que moldam o seu futuro. Em resumo, eu diria que esta iniciativa reafirma com força o princípio fundamental que os africanos devem ser os principais intérpretes da sua própria história", disse Lidia Brito. De forma a chegar aos mais jovens, a UNESCO lança também nesta sexta-feira um jogo, "African Heroes" ou "Heros Africains", contando o percurso extraordinário de 10 figuras africanas, incluindo a rainha Nzinga, símbolo da resistência em Angola. "É extremamente importante que os jovens africanos estudem a sua história a partir das perspectivas africanas. E, sem dúvida, que isso cria uma autoestima e desenvolve uma identidade africana. E é por isso que nós também decidimos, para além de trabalhar com os ministérios de Educação, com os manuais de como incluir a história geral da África no currículo, nós também decidimos que era importante encontrar os jovens onde eles estão e, portanto, desenvolvemos este este jogo que é que um experiência piloto, sobre heróis africanos. Através dos jogos e de maneira lúdica, os jovens podem conhecer a sua própria história naquilo que pensamos que é uma forma extremamente envolvente, acessível a todos", concluiu Lidia Brito.
“África-Europa: Acabar com a Dependência Estrutural: o Momento da Verdade face à Auto-ilusão” é o novo livro do economista guineense Carlos Lopes, que ocupou o cargo de Alto Representante da União Africana para as Parcerias com a Europa. A obra aborda a dependência estrutural nas relações entre África e Europa, propondo uma reflexão sobre a auto-ilusão e a necessidade de mudanças nas abordagens de ajuda e desenvolvimento. No livro, fala sobre a dependência estrutural nas relações entre África e Europa. De que forma se pode acabar com essa dependência? Essa dependência não pode ser explicada apenas com factos políticos ou com teoria económica. Necessita de mais profundidade para se poder entender que as narrativas foram construídas através de uma história muito complexa, dos dois lados, e que leva a que haja um determinado número de condicionalismos que fazem crescer uma mentalidade difícil de mudar. Tive de recorrer à psicologia para poder explicar alguns destes fenómenos. É por isso que o título do livro inclui a expressão "auto-ilusão", um fenómeno estudado na psicologia: quando as pessoas enfeitam a realidade e utilizam técnicas manipuladoras para que essa "verdade" construída seja a que prevalece. Infelizmente, encontrei esse defeito, se assim lhe podemos chamar, dos dois lados da equação: tanto do lado dos europeus, como do lado dos africanos. Por razões diferentes, evidentemente, mas ambos confortáveis com esta forma de interpretação das relações, o que impede a tal transformação estrutural. Fala na fragmentação das abordagens africanas, que têm sido estrategicamente exploradas pela Europa nas negociações. Como se pode ultrapassar essa divisão interna e criar uma posição mais forte entre os países africanos? Essa divisão dos africanos já é uma consequência. O principal problema é a ideia de que se pode, com altruísmo e uma certa forma de compensação pelos erros do passado, tirar os países africanos da sua condição de menos desenvolvidos. É essa a justificação ideológica da ajuda ao desenvolvimento. Pensa-se que, através dessa ajuda, se podem operar grandes modificações. Na realidade, essa ajuda insere-se num sistema que não permite mudanças estruturais, a não ser em casos muito excepcionais. Defende uma diplomacia africana mais proactiva. O que tem impedido os países africanos de adoptarem essa postura mais assertiva nas negociações com a União Europeia? O que impede é o facto de, devido às características que mencionei, a União Europeia conseguir escolher facilmente os interlocutores que falarão como gostaria de ouvir. Portanto, há auto-ilusão. Escolhem-se os países para determinados tipos de reuniões, conferências, eventos, dando-se atenção àqueles que se comportam "bem", para usar uma linguagem simples. As pessoas pensam que, ao fazerem aquilo que lhes pedem, vão receber compensações: mais ajuda, mais acesso, mais visibilidade, mais protagonismo. Este jogo faz com que África apareça sempre dividida. É evidente que os africanos poderiam ter o à-vontade político para superar isto, mas é preciso ver que estas divisões têm raízes históricas muito profundas, que descrevo em detalhe no livro, e que são difíceis de mudar. O conceito de “auto-ilusão” é central no livro. Pode explicar o impacto dessa “auto-ilusão” nas decisões políticas no continente africano e como se reflecte nas relações com a Europa? Esse conceito faz com que os europeus não mudem a sua postura em relação a África, e, portanto, estejam a perder terreno. Outros parceiros do continente, que não têm esse tipo de dificuldade nem esse “pedigree” histórico, abordam as coisas de forma diferente. No lado africano, como a Europa continua a ser o principal doador, o bloco com mais comércio e onde existe mais investimento (em termos de stock, não necessariamente em novos investimentos), a falta de uma relação clara e transparente com a Europa afecta também as relações com os outros parceiros. Essa é, digamos, a perenidade do problema. Temos de o superar através de várias formas de negociação, que tentei introduzir enquanto Alto Representante da União Africana, mas falhei. Por isso, senti a obrigação de explicar as razões mais profundas. Daí a ideia do livro. Estas razões passam também pelo legado colonial, tema presente no livro. De que forma as narrativas colonialistas moldam ainda hoje as relações entre os dois blocos, sobretudo em matéria económica? Sobretudo em matéria económica. Por exemplo, temos a teoria das vantagens comparativas, que é conhecida dos economistas, mas que no caso africano é usada para perpetuar a ideia de que as vantagens comparativas africanas são a exportação de matérias-primas, exactamente o modelo colonial. Mantém-se uma estrutura económica colonial que se traduz em várias práticas: em matéria de transportes, os investimentos mais importantes continuam a ser os que facilitam a exportação de matérias-primas para os portos, e não para servir a economia doméstica; as políticas macroeconómicas visam sobretudo garantir o cumprimento das obrigações internacionais e não necessariamente reduzir a pobreza da população. Acabamos por ser reféns de uma ideia colonial, apenas com uma nova roupagem. Critica a ajuda internacional e sugere que ela perpetua o subdesenvolvimento. Quais seriam, na sua opinião, os mecanismos mais eficazes para que a ajuda se torne uma força real para o desenvolvimento sustentável? Para mim, é relativamente fácil dizer onde a ajuda poderia ser importante, transformadora e significativa: na regulação internacional. Por exemplo, em matéria de comércio: os países africanos são penalizados de várias formas. A “Rodada de Doha”, aprovada há 17 anos na OMC, visava fazer do comércio um instrumento de desenvolvimento, mas nunca foi implementada, em parte por oposição de países europeus. Outro exemplo: a regulação financeira. Os países africanos enfrentam avaliações de risco que não condizem com a realidade. Comparando os dados macroeconómicos de África com os da América Latina ou da Ásia, vemos que as taxas de juro para os empréstimos africanos são muito mais elevadas, apesar de os indicadores africanos, por vezes, serem melhores. Também em matéria de investimento: o retorno sobre o investimento em África é dos melhores, segundo a Organização do Comércio das Nações Unidas. Mas isso não se traduz em mais investimento. Este ano, por exemplo, as projecções do Banco Mundial e do FMI indicam que África será o continente que mais crescerá, pela primeira vez, ultrapassando a Ásia. Mas esta não é a percepção generalizada. A França tem tido influência sobre muitos países africanos e é muitas vezes acusada de manter dinâmicas neocoloniais. Como vê actualmente a posição da França em relação a África? Vejo uma posição de perda de influência. Numa altura em que a França se dá conta de que deveria mudar a sua postura ,por ser considerada excessivamente marcada por uma visão neocolonial, fá-lo de forma atabalhoada, o que provoca o efeito contrário: um afastamento ainda maior. É um lugar-comum, mas os jovens africanos vêem a atitude francesa como demasiado intrusiva nos processos políticos dos seus países. Lamentavelmente, a França está em perda. E nos sistemas políticos não existe vácuo, esse espaço é rapidamente ocupado por outros. Mas existe espaço para uma mudança genuína na abordagem da França? Existe. Claro que sim. Bastava, por exemplo, que os bancos franceses mais importantes vissem em África como os turcos, chineses, vietnamitas ou indianos estão a ver: uma oportunidade de expansão. Mas, em vez disso, os bancos franceses estão a retirar-se. Isso revela uma percepção de risco contrária à tendência mundial. Sugere que África deveria explorar o seu potencial em comércio, tecnologia e ambiente. Quais são os obstáculos actuais para o continente afirmar-se internacionalmente? Antes de mais, é preciso reconhecer que, em qualquer das megatendências mundiais, demográfica, climática ou tecnológica, o mundo precisa de África. Demografia: o envelhecimento da população mundial favorece o crescimento do consumo em África, onde a população continua a crescer. O Clima: em energias renováveis e minerais críticos, África é essencial para a transição ecológica; Tecnologia: apesar da inovação não estar centrada em África, a complexidade crescente das tecnologias torna-as mais difíceis de absorver por populações envelhecidas. Ora, os nativos digitais do futuro estão em África. Em 2050, um em cada dois jovens no mundo será africano. Temos de repensar o conceito de risco. Este ainda é avaliado com base em parâmetros ultrapassados pelas megatendências actuais. Enquanto isso não mudar, continuaremos a negligenciar o papel central que África terá no futuro. Qual seria, a seu ver, o maior passo a ser dado pelos líderes africanos e europeus para garantir que as futuras gerações não herdem estas dinâmicas de poder desigual que ainda dominam estas relações? Acabar com a auto-ilusão. E isso começa por ter a noção de que a maioria dos conceitos que utilizamos hoje para interpretar o processo de desenvolvimento está errada. São conceitos que devem ser cada vez mais ancorados nas experiências recentes, nomeadamente nas transições bem-sucedidas dos países da Ásia, do Sudeste Asiático e, mais recentemente, da Índia. Temos, portanto, um corpo de conhecimento que nos permite sair da auto-ilusão com factos reais. Como foi possível, por exemplo, que um país como o Vietname se transforme num colosso exportador, como é hoje? Como foi possível que um país com índices de pobreza muito elevados, como o Laos, consiga alcançar, digamos, patamares aceitáveis de desenvolvimento? Como é que um país como Bangladesh, que era um dos países com maior densidade populacional entre os menos desenvolvidos, seja hoje uma potência industrial? Portanto, temos exemplos concretos. E esses exemplos, infelizmente, não são frequentemente encontrados em África.
Madagáscar vive uma fase de instabilidade política com a saída de Andry Rajoelina, forçada por três semanas de protestos da geração Z. O coronel Michael Randrianirina, 51 anos, crítico do antigo Presidente, assume esta sexta, 17 de Outubro, a liderança da “Refundação da República”, legitimado pelo Tribunal Constitucional. Promete governo de transição civil, referendo constitucional e eleições em até dois anos. A União Africana (UA) suspendeu esta quarta-feira, 15 de Outubro, Madagáscar por considerar a mudança política anti-constitucional, enquanto a União Europeia apela ao diálogo e ao respeito pelas regras democráticas, evitando classificar os acontecimentos como golpe de Estado. Para analisar a situação política em Madagáscar falámos com o professor de Ciência Política da Universidade de Rovuma, em Nampula, no norte de Moçambique, Arcénio Cuco, que contextualiza a crise malgaxe à luz de dinâmicas mais amplas do continente africano. Questionado sobre o facto de o exército afirmar responder às reivindicações populares, mas historicamente também ter desempenhado papéis de poder. Até que ponto é que este movimento pode ser considerado uma ruptura com o passado ou uma repetição de ciclos políticos malgaxes, o investigador responde ser preciso analisar a situação "olhando para eventos anteriores. Temos de nos lembrar que a chegada de Rajoelina ao poder também se deveu a uma reivindicação das massas em Madagáscar, e isso forçou a deposição de Ravalomanana.” Segundo Arcénio Cuco, os acontecimentos não podem ser lidos de forma isolada: “A outra questão fundamental é olharmos para os eventos que estão a acontecer nos últimos anos em África. Fica evidente que os africanos já não se revêem nos governos que estão no poder, justamente pela incapacidade em responder às demandas sociais e económicas dos seus países, e isso leva à reivindicação das populações. O exemplo do que estou a dizer é o que se assistiu no Sahel nos últimos anos e em Moçambique em particular, com manifestações violentas em 2023 e 2024. Aliás, mesmo com esses sinais, os governos não têm sido capazes de responder às ansiedades dos seus povos”. Essa incapacidade gera convulsões recorrentes, acrescenta. “Os nossos governos africanos não estão a conseguir responder às ansiedades dos seus povos, e isso leva a convulsões na maior parte dos países. Como aconteceu com Ravalomanana, que também fugiu para a África do Sul após ser deposto, e como se sente hoje com a União Africana a não reconhecer a chegada dos militares ao poder em Madagáscar. Mas a grande questão é o significado da presença militar no poder em África: em que medida isto será benéfico ou perigoso para os africanos?”, questiona. Os protestos das últimas três semanas foram marcados pela mobilização da geração Z. Para Arcénio Cuco, o fenómeno merece reflexão: “O que é que os movimentos que se levantaram durante a Primavera Árabe produziram em termos de resultados significativos para a transformação social e económica? Essa pergunta é fundamental também em relação a estas novas ondas de golpes em África: será que as pessoas que chegam ao poder através desses movimentos estarão em condições de responder às ansiedades daqueles que os apoiaram, como a geração Z em Madagáscar, ou estaremos a caminhar para a implantação de ditaduras no continente?” A saída de Andry Rajoelina do país contou com apoio logístico francês, facto que provocou reacções internas e externas. O académico considera problemática essa associação: “É uma questão delicada vincular a França à protecção de Rajoelina, porque entraríamos outra vez na discussão sobre a expulsão da própria França dos países do Sahel que passam por situações similares. Não sei se não deveríamos repensar a política externa francesa para África. Qual deve ser a posição da França em relação aos países africanos, sobretudo no que diz respeito aos interesses dos malgaxes em particular? Quando falo dos malgaxes, refiro-me também ao Níger, ao Burkina Faso. É preciso que a França se questione sobre a sua posição em África”, sublinha. A suspensão de Madagáscar pela União Africana pode, segundo Arcénio Cuco, revelar-se um erro estratégico: “É uma questão muito complicada porque poderíamos dizer que é uma reedição do que aconteceu quando a CEDEAO criticou e sancionou países que introduziram governos militares. Talvez a melhor medida não fosse a suspensão, mas sim criar-se uma comissão para entender melhor o que está a acontecer em Madagáscar. Dá a impressão de que as instituições multilaterais e regionais não trabalham no sentido de satisfazer os interesses dos povos, limitando-se a aplicar sempre as mesmas medidas: suspensão e tentativa de repor dirigentes depostos”. Em comparação, a resposta da União Europeia é vista, pelo investigador, de forma mais positiva. “Eu penso que sim, que é prudência. Esta posição da União Europeia é a que a União Africana deveria ter tomado. A prudência neste momento é necessária, como a UE está a demonstrar, procurando compreender porque é que a geração Z se levantou contra o governo e porque é que os militares colaboraram na deposição de Rajoelina. São questões fundamentais”, defende. Michael Randrianirina prometeu eleições no prazo de dois anos, mas o académico moçambicano mostra-se céptico: “É um pouco complicado. Temos de olhar para a experiência africana em contextos de golpes. Os militares quase sempre prometem eleições, mas, no fundo, percebemos que é uma promessa que depois não se cumpre. O Sahel é um exemplo inequívoco. Se os militares malgaxes cumprirem a promessa, será algo inédito e positivo, sobretudo no que diz respeito à devolução do poder a civis. Mas a experiência obriga a desconfiar”, concluiu.
Angola foi eleita, nesta terça-feira, 14 de Outubro, membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o triénio 2026-2028, durante a 18.ª reunião plenária da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. O país obteve 179 votos favoráveis e três abstenções, alcançando a quarta presença no órgão composto por 47 Estados-membros. As autoridades angolanas referem que esta eleição resulta do “reconhecimento dos avanços institucionais e do compromisso do país com a dignidade humana”, comprometendo-se a reforçar os mecanismos multilaterais e proteger os direitos das pessoas mais vulneráveis. David Boio, sociólogo angolano, mostrou-se surpreso com a eleição de Angola para esta organização e diz que "o país não respeita os direitos humanos". Angola foi eleita, nesta terça-feira, 14 de Outubro, membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o triénio 2026-2028, durante a 18.ª reunião plenária da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. O que representa esta eleição para o país e para os angolanos? Talvez, para o Governo, seja uma boa notícia em termos de imagem. Mas para o país, não. Porque o mais importante para o país não é Angola ser eleita para este tipo de organizações, mas sim que houvesse, de facto, respeito pelos direitos humanos e que as pessoas vivessem num país onde estes são efectivamente respeitados. E não é esse o caso. Qual será o papel de Angola enquanto membro deste Conselho? Eu não faço ideia de qual deve ser, ou qual poderá ser, o papel de um país que não respeita os direitos humanos numa organização como essa. É uma contradição. A eleição ocorre num momento em que o país enfrenta críticas internas e internacionais pela deterioração das liberdades civis e pela descida significativa em indicadores globais de direitos humanos e democracia. Esta eleição mostra que a ONU já não tem em conta estes indicadores quando se trata de eleger um país para integrar a comissão dos direitos humanos? Sim, penso que sim. A própria ONU também tem estado sob uma série de críticas. Questiona-se o papel do Conselho de Segurança da ONU, se ainda faz sentido tal como está hoje, no século XXI. Cinquenta anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, a própria organização encontra-se, infelizmente, num contexto de descredibilização. E nomear um país que não respeita os direitos humanos para um órgão como este vem, mais ou menos, solidificar a ideia de que a ONU é, cada vez mais, uma organização não credível. De acordo com o World Human Rights Index, Angola caiu várias posições devido a restrições à liberdade de imprensa, detenções arbitrárias, censura e repressão a manifestações pacíficas. Esta nomeação poderá, de alguma forma, exercer pressão sobre as autoridades? [As autoridades] não vão, de forma alguma, recuar na sua natureza autoritária por causa desta nomeação. Esse tipo de nomeação apenas legitima, internacionalmente, a forma autocrática como governam. O Governo não vai mudar por estar num órgão das Nações Unidas. Por isso é que eu disse que o estranho é, de facto, Angola ser eleita, ou algo do género, por essa organização. No passado mês de Julho, o Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu progressos em Angola, mas fez recomendações, nomeadamente quanto à actuação das Forças Armadas. Era também nesse sentido que lhe fazia a pergunta: o país poderá vir a respeitar essas recomendações? Não vai. Teria de existir algo mais profundo, uma mudança da natureza do regime. O Governo angolano actual não faz, nem tem feito, nada nesse sentido. Aliás, aproximamo-nos de um período eleitoral e aquilo que se espera é que o Governo se feche ainda mais, ou seja, que a sua natureza autocrática se aprofunde. O país está a viver uma profunda crise económica, com muita insatisfação da população, e a forma como o Governo lida com essas questões é sempre com o braço mais forte, e não com liberalização. Seria contra a natureza do regime. É também esta a posição dos activistas, que consideram que a nomeação de Angola contrasta com a realidade vivida no país. Um grupo de cidadãos da sociedade civil está a organizar uma vigília pela libertação dos presos políticos, marcada para sexta-feira, 17 de Outubro. É também este o seu sentimento – que a nomeação de Angola contrasta com a realidade do país? Mais do que um sentimento, é mesmo uma observação. Teremos de ter um outro regime. Enquanto o país continuar a ser governado por este regime do MPLA, que prefere o exercício autoritário do poder, a situação não vai mudar. A única coisa que fazem é recorrer a estas instituições para criar uma imagem de legitimidade internacional. Mas, localmente, internamente, as coisas não mudam. Aliás, estas organizações, ou, neste caso, as Nações Unidas, acabam por chancelar a natureza autoritária do regime. Isso não contribuirá positivamente para a situação dos direitos humanos internos. Não vai – e nós sabemos, infelizmente, que estas organizações têm estas particularidades de hipocrisia. Mas, para o país, nada mudará. Tivemos pessoas que foram mortas. Como é que um país, onde as forças policiais assassinaram várias pessoas e onde há presos políticos, pode ser eleito para esta organização? Isso diz mais sobre as Nações Unidas do que sobre Angola.
O Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau confirmou esta terça-feira, 14 de Outubro, a exclusão da candidatura presidencial de Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC e apoiado pela coligação PAI Terra Ranka, alegando falta de validade legal numa decisão considerada definitiva e sem recurso. À RFI, Domingos Simões Pereira rejeita a legitimidade do anúncio, afirma não reconhecer a decisão e garante ter cumprido todos os requisitos para ser candidato. A exclusão baseia-se no entendimento de que a coligação PAI Terra Ranka não teria legitimidade para apoiar a candidatura, uma vez que o PAIGC não concorreu de forma isolada às últimas eleições legislativas. Esta interpretação deixa Domingos Simões Pereira fora da corrida presidencial marcada para 23 de Novembro. Em entrevista à RFI, o dirigente do PAIGC contestou a legitimidade da decisão, declarando que não reconhece a entidade que falou em nome do Supremo Tribunal, já que, "não houve reunião plenária oficial dos juízes conselheiros". Recordou ainda que uma plenária foi convocada para analisar reclamações, o que, na sua leitura, significa que "a lista definitiva de candidaturas ainda não foi publicada". Domingos Simões Pereira afirmou ter cumprido todos os requisitos legais exigidos, incluindo "documentos de identificação, registo criminal e cartão de eleitor", sublinhando que já concorreu em 2019 "com a mesma documentação". Criticou a forma inédita de comunicação do Supremo Tribunal de Justiça, que optou por "conferências de imprensa em vez de notificações formais". “O que sabemos é que as decisões devem ser tomadas em plenária e publicadas oficialmente. Isso não aconteceu”, denunciou o candidato, garantindo não ter recebido qualquer notificação formal sobre a rejeição da sua candidatura. O líder do maior partido da oposição sublinhou ainda que, caso a via judicial lhe seja fechada, vai recorrer aos instrumentos políticos: “Se nos fecharem a porta da justiça, a porta da política vai continuar aberta e falaremos com o povo guineense para exigir o respeito pelos nossos direitos e liberdades”, defendeu. Questionado sobre se considera estar a ser alvo de perseguição política, Domingos Simões Pereira respondeu que essa pressão já existe “há muito tempo”. Acrescentou que vai continuar a assumir responsabilidades em nome do partido e da coligação, que descreveu como “fachos de esperança para muitos guineenses”. O dirigente do PAIGC garantiu que aguarda pela reunião plenária prevista no Supremo Tribunal de Justiça, onde devem ser analisadas todas as reclamações apresentadas. Segundo os advogados do PAIGC, a lista divulgada é ainda provisória e só depois dessa sessão pode ser confirmada ou não a exclusão definitiva. Recorde-se que Domingos Simões Pereira foi escolhido pelo Comité Central do PAIGC, com o aval dos restantes partidos da coligação PAI Terra Ranka. A RFI tentou obter reacção do porta-voz do Supremo Tribunal, Mamadu Embaló, que preferiu remeter para o comunicado oficial e para a conferência de imprensa realizada esta terça-feira, 14 de Outubro, em Bissau.
A cerca de um mês das eleições gerais aumentam as tensões na Guiné-Bissau. O Supremo Tribunal de Justiça divulgou a lista dos candidatos à presidência, na qual se nota a ausência de um dos candidatos, Domingos Simões Pereira, sem que haja - até ao momento - qualquer comunicação oficial sobre o assunto. Entretanto, a 14 de Outubro, a lista foi tornada "definitiva". Da sociedade civil surgem apelos a manifestar, apesar da proibição de manifestações desde 2024 e, nas ruas de Bissau, observadores notam o aumento da presença de membros das forças armadas junto às residências de opositores, assim como nas principais artérias da capital.  O Supremo Tribunal de Justiça divulgou a 13 de Outubro a lista dos candidatos à eleição presidencial. Dos 15 candidatos, um desistiu: Nuno Gomes Nabiam (APU-PDGB), e duas candidaturas foram rejeitadas. Na lista das doze candidaturas admitidas, não consta o nome de Domingos Simões Pereira (DSP), que apresentou no entanto a candidatura à presidência, apoiado pelo PAIGC.  A 14 de Outubro, o porta-voz do Supremo Tribunal de Justiça, Mamadu Embaló, disse à imprensa guineense que "a decisão é definitiva e sem possibilidade de recurso".  RFI: Como é que interpreta a ausência do nome de Domingos Simões Pereira na lista dos candidatos à Presidência divulgada a 13 de Outubro pelo Supremo Tribunal de Justiça?  Para autorizar [uma candidatura], o Supremo Tribunal necessita de alguma orientação superior. Há a uma mão que está a controlar tudo isso. O Supremo Tribunal simplesmente reteve o nome de DSP por falta de argumentos objectivos. Também temem as consequências desta decisão, feita à revelia da lei. Precisam de alguma garantia de segurança de que a esta decisão, contrária à lei, será protegida.  O comportamento do regime em relação à preparação deste processo eleitoral faz-se à margem da legalidade. Mas existem outros meios políticos de pressão.  RFI: Quais?  Os que não sejam violentos. As autoridades estão a ser amparadas por parceiros. Sem o crivo desses parceiros, o processo não será legitimado. Então é necessária a intensificação dessas actividades junto destes parceiros. E mesmo a nível social, estão a surgir pressões, cartas abertas, apelos à unidade... E é necessário continuar a informar, porque a população vê que não se está a fazer justiça. Há muita preocupação. Inclusive devido ao aumento das forças de defesa e segurança nas ruas de Bissau. RFI: Nota-se o aumento da presença das forças de defesa e segurança? Sim, nas principais artérias e junto às casas de alguns dirigentes da sociedade civil e dos partidos políticos ligados ao PAIGC. RFI: Devido aos apelos a manifestar que têm sido lançados?  Exactamente. Mas não são realmente apelos a manifestar. É porque houve um "ultimato" feito ao Supremo Tribunal para decidir até hoje sobre a candidatura de DSP. Este ultimato está a ser interpretado como um alerta, um risco de manifestação. E, claro, há uma intimidação a ser feita contra as pessoas em relação a esta eventualidade de manifestação.  RFI: Houve intimidações contra membros do Movimento Pó di Terra, que apelou a manifestar pacíficamente no dia 1 de Novembro e apelou às Forças Armadas para que se coloquem do lado do povo, garantindo o respeito pela legalidade e pela soberania popular. Houve actos de intimidação. Houve aquelas atitudes de dizer que se vai cumprimentar o fulano tal, e durante esses encontros, são dirigidas palavras de ameaça a quem pretender sair às ruas. Depois, os activistas ligados ao regime estão nas redes sociais a atacar pessoalmente alguns indivíduos ligados ao movimento. E para além destes activistas, existem órgãos de comunicação social ligados ao regime, em que jornalistas professam mensagens de violência contra a oposição. RFI: No caso de haver uma manifestação popular, com cidadãos que saiam às ruas para protestar, qual será a resposta das autoridades? A ideia é para não sair, porque não há equilíbrio em termos forças, e pretendemos que não haja vítimas. Está se a pensar em outras estratégias, para evitar espancamentos e banhos de sangue. Eles estão dispostos a tudo, porque mesmo que as pessoas não saiam às ruas ruas, vão na calada da noite, encapuçados, para atacar e raptar as pessoas. Então, se fazem isso, imagine quando houver uma manifestação pública. As pessoas estão com medo. Mesmo revoltadas. E este medo está a ser instrumentalizado. De notar que a campanha eleitoral começa oficialmente no dia 1 de Novembro, terminando vinte dias mais tarde. Depois de um dia de pausa para reflexão, as eleições estão marcadas para dia 23 de Novembro. 
O Hamas libertou esta segunda-feira, 13 de Outubro, todos os reféns israelitas vivos da Faixa de Gaza. Em contrapartida, Israel compromete-se a libertar cerca de 2 mil prisioneiros palestinianos. A operação resulta de um acordo que pretende acabar com dois anos de guerra na Faixa de Gaza e acontece no mesmo dia em que decorre, em Charm el-Cheikh, no Egipto, a cimeira internacional dedicada ao futuro de Gaza, co-presidida pelo chefe de Estado egípcio, Abdel Fattah al-Sissi, e o homólogo norte-americano, Donald Trump. Em entrevista à RFI, Vítor Gabriel Oliveira, analista político e secretário-geral da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social da Europa, admite que se trata de um dia importante para ambos os lados, defendendo que a paz continua a ser um grande desafio. O que representa esta troca de reféns e prisioneiros para a paz entre Israel e Gaza? É enorme, porque era um dia esperado há bastante tempo. Neste momento, o que temos de perceber é o que será um Estado palestiniano nos próximos meses e, depois, nos próximos anos. Qual é a perspectiva que o Estado palestiniano quer realizar? E as relações que irá ter com Israel? Mas também perceber qual é a perspectiva e qual é a expectativa de Israel, nomeadamente em relação ao Hamas. Israel veio dizer que os prisioneiros palestinianos seriam libertados a partir do momento em que todos os reféns estivessem em território israelita. É quase como se a vida dos israelitas tivesse mais importância do que a vida dos palestinianos? Trata-se de uma questão de grau de confiabilidade. Aliás, o Hamas disse várias vezes que cumpriria o acordo e depois acabou por não libertar a totalidade dos reféns. E Israel continua a atacar Gaza… Sim, continua a atacar Gaza. Esta troca resulta de um plano de Donald Trump para Gaza. A seu ver, este plano tem condições para continuar? Temos de perceber aquilo que foram as pressões diplomáticas a nível internacional, nomeadamente no reconhecimento do Estado da Palestina. Uma das premissas era que o Hamas, reconhecido como um grupo terrorista, não faria parte do futuro do Estado da Palestina. Porém, o Hamas quer participar nesse futuro e não se conhece um calendário sobre a questão da entrega de armas, se isso acontecerá na totalidade ou não. Há também, dentro do Hamas, líderes que não vêem isso com bons olhos. O Hamas disse este fim-de-semana que está fora de questão depor as armas. O que isto implica concretamente? Numa negociação diplomática, tem de haver elementos de intercessão. Esses elementos de intercessão passam por haver mais fiabilidade de forma a permitir que um acordo favorável possa vir a ser respeitado. Se os Estados Unidos e os parceiros internacionais para o reconhecimento do Estado palestiniano puseram como condição que o Hamas não participe no futuro do Estado da Palestina, mas o Hamas não depõe as armas, então voltamos a Israel, que diz: "Nós só entregamos os reféns palestinianos quando nos entregarem a totalidade", ou seja, um grau de desconfiança de parte a parte. Primeiro, porque o Hamas, no dia 7 de Outubro, fez o atentado terrorista dentro de Israel. Depois, porque Israel defende-se, perante o direito internacional, numa primeira fase, e depois ultrapassa largamente as linhas vermelhas. Benjamin Netanyahu ultrapassou várias linhas vermelhas. Isso, claro, para todos. Talvez pela pressão que teve dentro do governo, apoiado por partidos de extrema-direita. Aqui, o elemento diferenciador é o Presidente dos EUA, Donald Trump, que é realmente a pessoa com mais proximidade de Netanyahu e com mais poder sobre o primeiro-ministro israelita. O Hamas diz que está fora de questão desarmar-se e Israel diz que, se isso não acontecer, voltará a atacar Gaza. É real a possibilidade de Israel voltar a atacar Gaza? Com aquilo que me está a dizer, acho que é fácil de prever que sim. Se me pergunta se é justa ou não, numa guerra perde-se o significado de parte a parte, quando se passam todas as linhas vermelhas, tanto de um lado como do outro. Se uma parte dos países que reconheceram o Estado da Palestina colocou como condição a não interferência do Hamas e a deposição das armas e o Hamas diz que não, o Estado de Israel não pode conviver ao lado de uma organização terrorista que o pode atacar a qualquer momento. Quando se fala da governação de Gaza, fala-se da Autoridade Palestiniana. Que legitimidade tem esta entidade para governar Gaza, quando se sabe que há muitos palestinianos que continuam do lado do Hamas? Temos de começar por algum lado. Isso é a primeira questão. Neste momento, fala-se de uma força de paz internacional, com alguns países da região e com outros fora do Médio Oriente, que possam ter forças de paz nessa região. Não se sabe ainda, está-se a construir a solução de governo, de liderança. Falava-se que essa força poderia contar com Tony Blair [antigo primeiro-ministro britânico]. Um nome que foi, desde logo, criticado… É preciso ir ajustando. A administração americana tem estado a fazer o trabalho possível. Não é fácil para quem defende Israel ou quem defende o lado palestiniano. Aqui são fundamentais as intercessões e as cedências de parte a parte. Só assim se poderá resolver uma questão destas. É impossível, e tem de haver bons intermediários. Sabemos que o Egipto, o Qatar e outros intermediários estão a fazer o seu trabalho. E a Turquia… E a Turquia também teve um grande papel. Mas é importante perceber que isso leva a um aumento da confiança. Se realmente Donald Trump conseguir a pacificação naquela região, leva a um aumento da confiança entre o mundo ocidental, liderado pelos Estados Unidos, e o mundo árabe. Isso é importante para a paz a nível mundial e para a paz naquela região. É isso que está em cima da mesa na cimeira internacional dedicada ao futuro de Gaza, que decorre em Charm el-Cheikh, no Egipto, e que conta com a presença de Donald Trump e com uma série de líderes mundiais. Acredita que a paz está hoje mais próxima? Neste momento existem várias desconfianças. O Hamas diz que não vai depor as armas e Israel garante que, nesse cenário, voltará a atacar Gaza. Isto é um choque directo e leva-nos a antever que, assim que os reféns israelitas forem entregues e depois forem cumpridas as entregas dos palestinianos, poderemos partir para um novo conflito. Nesta cimeira, Donald Trump terá que conseguir evitar esse cenário. Muitos dos países que estão à volta de Israel não reconhecem o Estado de Israel. E uma das condições do plano de Gaza passa também pelo reconhecimento, por parte desses países, e o Estado palestiniano tem que reconhecer o Estado de Israel. Mas para isso precisa de haver um Estado da Palestina… A Turquia não classifica o Hamas como um grupo terrorista. Este posicionamento pode trazer implicações para estas negociações? Numa negociação, quando há intermediários, tem de haver intermediários que estão mais próximos ou menos próximos. A Turquia, ao não classificar o Hamas como um grupo terrorista, consegue mais facilmente estar do lado do Hamas e criar condições para abrir canais comunicantes, conseguindo negociar com os líderes do Hamas. Alguns deles não estão sequer em Gaza. Estão nos outros países à volta, como o Qatar. A ausência de Israel e do Hamas nesta reunião pode ser visto como um sinal negativo para o sucesso desta cimeira? Não acredito que o Hamas e Israel não tenham, pelo menos, representantes indirectos. Não é possível ter a certeza de que o acordo vai resultar. Portanto, é preciso fazer um jogo de parte a parte até chegar ao caminho final de intercessão.
Quase 10 milhões de eleitores podem, no próximo domingo, 12 de Outubro, participar nas eleições autárquicas portuguesas. Em disputa, a escolha de 308 presidentes de câmaras municipais, os seus vereadores e assembleias municipais, bem como 3259 assembleias de freguesia. Apesar de as eleições serem autárquicas, os grandes temas como a habitação, saúde, educação e emigração estiveram sempre presentes nos debates.  Depois do grande crescimento que a extrema-direita, representada pelo partido Chega, conseguiu nas Legislativas do ano passado, a questão que muitos comentadores políticos têm colocado é se a extrema-direita vai conseguir afirmar-se no poder local. A RFI falou com Tcherno Amadú Baldé, formado em Ciência Política e Relações Internacionais, é Gestor de Projectos Educativos, considera que, na hora de votar, “é importante que a esperança fale mais alto do que o medo”. O guineense e cidadão português, começa por realçar como seria importante que todos aqueles que residem em Portugal pudessem participar nas eleições autárquicas. Tcherno Amadú Baldé: Eu tenho o direito de participar porque também sou cidadão português. Porque, no caso da Guiné-Bissau não existe o acordo de reciprocidade que permite aos cidadãos guineenses que não tenham a cidadania portuguesa que possam participar e votar ou serem eleitos, como acontece, por exemplo, no caso do Cabo Verde. Isso até era uma boa questão a ser debatida. Temos comunidades imigrantes grandes que estão a viver em Portugal, que não têm cidadania portuguesa, seja porque ainda não completaram o número de anos que são necessários para poderem fazer esse pedido ou porque simplesmente não querem, mas que trabalham, estão integrados neste país, contribuem para este país. Portanto, a questão da participação política acaba por ser muito importante porque influencia diretamente as nossas vidas. E estas eleições são relevantes, todas as eleições são importantes, mas estas, sobretudo, tendo em conta todo o ambiente político e social que está a ser vivido no país. Neste momento, infelizmente, os imigrantes estão a ser o bode expiatório praticamente para tudo o que corre mal, e o que corre mal afeta também os imigrantes. Se há problema na habitação, em vez de pensarmos na solução para esses problemas, começamos a apontar a quem vem de fora. Há problemas em termos de vagas nas escolas, nas creches, no pré-escolar, em vez de procurarmos soluções para estes problemas, apontamos para os imigrantes ou os seus filhos, que estão a tirar lugar aos portugueses.  Mas, quer dizer, quem está aqui tem os seus direitos e esses direitos têm que ser salvaguardados. O filho de imigrante que está na escola está lá porque é um direito que tem, não está, apesar de todo o discurso que é feito nesse sentido, não está a tirar lugar a ninguém. O que se tem que fazer, e o Governo e o Estado no seu todo, é procurar respostas para que ninguém fique de fora, seja ele português ou imigrante, seja ele português de origem ou português que tenha adquirido a nacionalidade portuguesa.  Portanto, (participar nas eleições) é importante também para os próprios imigrantes e combater o extremismo. RFI: Reside no Conselho de Sintra, onde há uma grande comunidade imigrante. O que é que percepciona dos contactos com os outros habitantes do Conselho? Tcherno Amadú Baldé: Sintra é dos conselhos mais interessantes, ou seja, nestas eleições, também porque estas eleições estão a acontecer a muito pouco tempo de distância das últimas eleições legislativas, onde no concelho de Sintra, salvo erro na área metropolitana de Lisboa, foi o único concelho onde o partido extremista, o Chega, ganhou, ficou na primeira posição.  Então, tendo em conta isso tudo, está a ter também um grande destaque porque ninguém sabe o que poderá acontecer em termos de mudanças. Mudanças vão acontecer, com certeza, porque o presidente que lá está, já está no limite do mandato. Agora, pronto, não sabemos o que irá acontecer.  Mas há esta preocupação, não é? Para que lado é que os sintrenses vão olhar nestas eleições? Se é olharmos e focarmos na esperança ou se vamos focar no medo. Com o medo, elegermos o extremismo, que não nos vai trazer solução nenhuma, só vai colocar-nos todos uns contra os outros. Ou então pensarmos em soluções democráticas de esperança e que nos responsabilize a todos, coletivamente, para procurarmos soluções e respostas para os desafios que todos nós enfrentamos, que todos nós sentimos. RFI: É facilmente constatável, nestas eleições autárquicas, a ausência de pessoas com raízes no estrangeiro, com raízes em África. A ausência dessas pessoas das listas de candidatos, a que é que se deve? Tcherno Amadú Baldé: Sim, pelo menos assim, com posições de maior destaque, como aconteceu nas outras eleições. Não existem, mas existem, em algumas listas, candidatos a cargos de variação, ou nas assembleias municipais ou de freguesias. Existem, mas deveria haver mais. Penso que, eventualmente, poderá também ser porque a ausência, vai acabar por reforçar e continuar a alimentar as ausências. Isso é importante, porque tem a ver também com a questão da identificação. Será que isto é para mim? Será que este espaço é para mim? Por isso é que o dar destaque ao que há também é importante, no sentido de chamar a atenção e convidar os outros também a se envolverem. Ou, às vezes, também tem a ver com a questão da integração, que muitas vezes não está completa. E aí, existe uma responsabilidade, também, das próprias organizações de imigrantes, no sentido de trabalhar isso, mas também e, sobretudo, da própria sociedade de acolhimento, para promover esta integração plena e que permita, também, a participação plena, para que os imigrantes, sobretudo aqueles que já têm a cidadania portuguesa, não fiquem só como meros espectadores. E tentarmos participar, também, no debate público. Todos têm responsabilidade nisso. Os partidos têm responsabilidade. A comunicação social tem uma grande responsabilidade, por exemplo, agora, nas questões das migrações. O tema central acaba por ser os imigrantes, mas que, muitas vezes, estão ausentes desses debates. RFI: Como guineense e, neste caso, como eleitor em Portugal, vai votar nas eleições autárquicas. É importante essa participação? Tcherno Amadú Baldé: Os votos têm sempre impacto nas nossas vidas.  Por isso, é importante participarmos, exercermos esse direito. Estamos a exercer por nós, estamos a exercer pelos outros, que não podem, mas estamos a exercer por toda a sociedade. Porque, se a sociedade portuguesa for boa, é boa para todos nós que estamos aqui. É que, muitas vezes, a forma como o debate é feito, como se os imigrantes não quisessem o bem-estar. Se escolhemos Portugal para viver, é porque apostamos nesse país e nós queremos tirar proveito da sociedade no sentido das oportunidades que a sociedade oferece para todas as pessoas que vivem nela, mas também contribuirmos para a própria sociedade, como, de resto, tem acontecido. Porque, se não, é má para todos nós e, depois, partimos daqui todos à procura de uma coisa que seja melhor. E, agora, o apelo generalizado, que também é importante, que não seja só para os imigrantes, mas para todos nós, enquanto sociedade portuguesa, a participação, primeiro, é importante e é importante que a esperança fale mais alto do que o medo. É muito importante porque o medo não nos vai levar ao lado nenhum, só nos vai colocar uns contra os outros e, se estivermos de costas viradas, não há cooperação e, sem cooperação, não há sociedade melhor.
Após dois anos de conflito, Israel e o Hamas anunciaram esta quinta-feira, 09 de Outubro, um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, inserido no plano de Donald Trump para o Médio Oriente. O acordo prevê a troca de reféns israelitas por prisioneiros palestinianos. Marcos Farias Ferreira, especialista em relações internacionais, sublinha que o acordo pode vir a permitir a entrega de ajuda humanitária à população de Gaza, todavia ressalva a necessidade de olhar para este documento com cautela. Após dois anos de conflito, Israel e o Hamas anunciaram esta quinta-feira, 09 de Outubro, um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, inserido no plano de Donald Trump para o Médio Oriente. O acordo, considerado a primeira fase do plano, prevê a troca de reféns israelitas por prisioneiros palestinianos. Marcos Farias Ferreira, especialista em relações internacionais, sublinha a necessidade de olhar para este documento com cautela. "O que foi anunciado é a implementação da primeira fase do plano apresentado por Trump na semana passada. Existe um acordo para trocar reféns israelitas por prisioneiros palestinianos, sendo que actualmente há mais de 10.000 prisioneiros palestinianos nas prisões israelitas, o número mais alto em décadas. Este é um ponto importante porque, também, permite uma desescalada das pressões de Israel, traduzindo-se em algum alívio para a população palestiniana. É limitado, mas é o que as partes conseguiram acordar até agora". Para o especialista, a libertação dos reféns israelitas não implica necessariamente uma perda de influência do Hamas, uma vez que considera que o grupo tem agora pouco a ganhar em prolongar a situação, após a ofensiva militar israelita intensa que debilitou as capacidades do grupo. "As pressões internas da população palestiniana e externas, especialmente do Qatar e outros Estados árabes, fazem com que o Hamas perceba que pouco ganha em prolongar essa estratégia, abrindo espaço para negociações políticas futuras". Marcos Farias Ferreira alerta, contudo, que permanece a incógnita sobre se Israel, com este acordo, procura única e exclusivamente a libertação dos reféns, sem cumprir os restantes compromissos do plano. "Netanyahu provavelmente quer apresentar a libertação dos reféns como uma vitória e manter o apoio político interno. A questão é se haverá pressão externa suficiente para que Israel avance nas demais fases do plano. Historicamente, os Estados Unidos, seja sob Trump ou Biden, não sancionaram Israel quando acordos anteriores foram torpedeados". Apesar de Israel continuar a contar com o apoio dos Estados Unidos, Farias Ferreira aponta mudanças na dinâmica regional: "Os ataques israelitas ao Qatar foram um desastre diplomático, forçando Trump a equilibrar a influência entre Israel e os Estados árabes. Essa pressão externa aumentou a possibilidade de que futuras fases do plano avancem, incluindo a retirada de Israel, o desarmamento do Hamas e a entrada de ajuda humanitária". O impacto humanitário do cessar-fogo também é destacado, uma vez que "o acordo representa um alívio para os palestinianos, podendo facilitar corredores humanitários e entrada de ajuda. Porém, a ajuda humanitária não deveria jamais ser usada como moeda de troca. Israel tem controlado água, alimentos e infra-estruturas civil em Gaza como ferramenta de pressão, o que, segundo o Direito Internacional Humanitário, é uma violação de regras básicas", adverte Marcos Farias Ferreira. Uma das críticas apontadas ao plano de Trump é a ausência dos palestinianos na equação, "o plano não coloca os palestinianos ao volante das decisões e cria um comité internacional para supervisionar a implementação, controlando investimentos e reconstrução. Isso viola a ideia de autodeterminação e democracia". A isto acrescenta-se a Cisjordânia, muitas vezes esquecida nos acordos de Gaza: "A ocupação israelita e os colonatos comprometem a viabilidade de um futuro Estado palestiniano".
Há oito anos, o norte de Moçambique, mais especificamente a província de Cabo Delgado, rica em gás, tem sido palco de ataques terroristas. Esta semana, o Governo classificou como esporádicas as recentes incursões na região, contradizendo a versão das Nações Unidas, que alerta para o aumento da violência em Cabo Delgado e aponta para a possibilidade de um recorde de ataques em 2025. O cientista político moçambicano Justo Nauva considera que o executivo tem adoptado um discurso "eufemista" sobre a situação, que está actualmente fora de controlo. O Governo moçambicano classificou, esta semana, como esporádicas as recentes incursões na região de Cabo Delgado, contradizendo a versão das Nações Unidas, que alerta para o aumento da violência no norte do país e aponta para a possibilidade de um recorde de ataques em 2025. Como se explicam estas duas narrativas? Penso que o Governo tem tido um discurso “eufemístico” em relação ao fenómeno de Cabo Delgado. Mas, no fundo, o que nós estamos a constatar é que o conflito, em Cabo Delgado, está a ganhar uma dimensão que, em algum momento, no início, não se esperava que pudesse chegar a estas proporções, que vão até, digamos assim, aos impactos dos deslocamentos internos, da insegurança humana, entre outros factores. E, por outro lado, temos a perspectiva das Nações Unidas que, por ser um órgão internacional, lida com relações interestatais e relações com outros Estados. Existe, portanto, uma ideia vital relativamente a esta dinâmica de evolução do conflito. O Governo quer enviar uma mensagem de que o país está estabilizado para garantir que os investidores regressem ao norte do país? Isto quando a empresa francesa TotalEnergies veio dizer que só regressaria ao país quando as condições de segurança estivessem reunidas… Este discurso governamental deve ser compreendido como um mecanismo de justificação de acções de interesse do próprio Governo, face às dinâmicas de investimento e face aos diversos actores que estão interessados, digamos assim, na exploração dos recursos naturais naquela região. Esse é um ponto de partida. O outro ponto de partida é compreender, também, a securitização do Estado naquela zona, que, muitas das vezes, está ligada ao controlo, particularmente da zona que alberga os próprios recursos. Zona que é rica em gás… Exactamente. Então, muitas das vezes, a actuação das Forças Armadas de Moçambique e das forças ruandesas tem sido muito mais de acção quando se identifica, digamos assim, o actor adverso, no contexto do combate ao conflito em Cabo Delgado. É preciso compreender que Moçambique está numa situação bastante complicada, sob o ponto de vista de resposta estratégica face a este conflito. E esta fase complicada e de crise não se resolve com a suavização do discurso governamental de estabilização. A realidade é outra em Cabo Delgado. Todo o mundo sabe disso. Quando nós acompanhamos, quando vamos ao terreno, percebemos que as coisas estão complicadas. As Nações Unidas avançam que, desde o mês de Agosto, os testemunhos dão conta da expansão da urgência do norte para o sul de Cabo Delgado. Ancuabe, Chiúre e Balama têm sido alvos preferenciais dos insurgentes. Neste momento, as forças moçambicanas, apoiadas pelas forças ruandesas, lutam contra o terrorismo. O que é que tem falhado? É preciso que se compreenda que, diante desta instabilidade, é necessário que o Governo comece a pensar em estratégias, respostas específicas e claras em relação ao conflito em Cabo Delgado. Existe aqui uma problemática que diz respeito à forma como se actua concretamente para fazer face a este conflito. Talvez a grande questão que se deve colocar é: como é que tem sido a nossa acção de segurança? Como é que tem sido a acção de combate ao terrorismo, ao movimento jihadista que opera em Cabo Delgado? Só depois se poderá definir uma estratégia clara. Que estratégias seriam essas? Essas estratégias devem estar aliadas às políticas de segurança em Moçambique e em Cabo Delgado. Perceber as falhas de segurança no norte do país. O que é que falhou para que um grupo terrorista se tenha instalado? O fenómeno de Cabo Delgado é um fenómeno que lida com a segurança, que lida com a questão da militarização. Penso que existe uma profunda fragilidade institucional de segurança, sob o ponto de vista da actuação das nossas Forças Armadas em Moçambique. E, quiçá, por mais que nós tenhamos o apoio da força ruandesa, há uma fragilidade do ponto de vista material, bélico, e de outros recursos transversais que possam fazer face a este fenómeno. Numa entrevista ao canal de televisão Al-Jazira, o Presidente de Moçambique, Daniel Chapo, voltou a admitir a possibilidade de dialogar com as lideranças do grupo terrorista. De que forma poderia ser viabilizado este diálogo? E com a ajuda de quem? É necessário que se identifiquem as lideranças, as pessoas desses grupos terroristas, para que se possa conversar, negociar. Porque, partindo do pressuposto da forma como nós saímos da guerra de 16 anos, em que tínhamos dois beligerantes identificados na história de Moçambique, a FRELIMO e a RENAMO, que conseguiram, digamos assim, colmatar uma espécie de diálogo e chegaram a um processo de pacificação, por um lado. Por outro lado, temos um grupo que se militarizou em Cabo Delgado e o Governo, desde o final de 2017, não foi capaz de mostrar uma estratégia concreta de negociação com este grupo. A questão que mais me preocupa é: se pretendemos negociar com este grupo, é preciso que se identifique o espaço geográfico do grupo. Esta é a primeira questão. Depois, há outra questão: com quem é que nós queremos negociar? Porque é um grupo específico que demonstra ter lideranças que comandam, que dão uma certa autoridade para operações militares. O embaixador da Rússia, em Maputo, declarou a disponibilidade do país para partilhar a experiência com Moçambique, para travar a insurgência armada na província de Cabo Delgado, garantindo ter nomes dos terroristas para partilhar com as autoridades. Que conhecimento pode dar a Rússia a Moçambique? E que interesses tem a Rússia nesta zona? É expectável que tenhamos diversos actores, numa perspectiva de ajuda, por um lado, mas também numa perspectiva de interesses desses actores em relação ao Governo de Moçambique e à região, nomeadamente interesses económicos. Mas também devemos recordar que as relações entre Moçambique e a Rússia remontam aos tempos da luta de libertação nacional. Já tivemos, também, um grupo específico que operou entre 2017 e 2018 em Cabo Delgado. O grupo Wagner… O fenómeno do terrorismo não poderá ser apenas resolvido pelas autoridades moçambicanas. Intervenientes de outras esferas globais poderão apoiar na luta contra este fenómeno em Cabo Delgado. A União Europeia, por exemplo. Portugal também se veio mostrar disponível para ajudar e cooperar com o Governo moçambicano no fortalecimento das Forças Armadas… Quando temos o Governo a justificar que o conflito de Cabo Delgado se trata de um problema de terrorismo, assume-se a ideia de que não se pode resolver apenas a partir de um Estado nacional. É necessário o envolvimento de outros intervenientes externos, organizações, Estados de cooperação. Não só Portugal, mas a União Europeia tem vindo a fazer um trabalho, desde o início do conflito até cá, no apoio ao Governo de Moçambique, entre outros intervenientes. Temos essa abertura do mundo para ajudar Moçambique.
Assinalam-se dois anos do ataque do Hamas no sul de Israel, que causou mais de 1.000 mortos e cerca de 200 reféns - hoje reduzidos a 48. A resposta de Israel na Faixa de Gaza provocou, segundo o Ministério da Saúde - controlado pelo Hamas — mais de 67.000 mortos, muitos deles crianças, e deixou a população confrontada com a fome e a destruição. Esta terça-feira, 7 de Outubro, os familiares dos reféns israelitas pedem o fim da ofensiva, para que estes possam regressar a casa. O escritor e jornalista Rui Neumann fala de um grande cansaço dos israelitas face a esta guerra, sublinhando que a paz parece estar mais difícil de se reconstruir. Dois anos depois, o que pensam os israelitas desta guerra? Há um grande cansaço por parte dos israelitas relativamente à guerra. Mas a primeira preocupação geral é que este é um sentimento, independentemente do quadrante político, ou seja, seja da direita ou da esquerda. A prioridade é, antes de mais, o regresso e a libertação dos 48 reféns restantes do massacre de 7 de Outubro. Mas há um trauma muito profundo na sociedade israelita. Relativamente à tragédia humanitária que se vive em Gaza, qual é o sentimento dos israelitas? Há uma certa sensibilidade relativamente à tragédia humanitária. No entanto, para Israel, o primeiro ponto é a sua própria segurança. O que aconteceu há dois anos não pode repetir-se. Porquê? Porque as primeiras vítimas do 7 de Outubro foram a jovens israelita de tendência esquerda, que até defendia a causa palestiniana. E esses foram os primeiros alvos que estavam no famoso e dramático concerto Nova. Isto moldou-se. Podemos dizer que a população israelita se tornou muito desconfiada em relação à população palestiniana. O sentimento de ódio aumentou dos dois lados?  Não podemos dizer que há um sentimento de ódio, mas sim de uma desconfiança muito, muito grande. E sim, isso está muito patente. Quebrou-se o sentimento que existia de que seria possível estabelecer um caminho para a paz com os palestinianos, que neste momento está muito fragilizado. Estão muito céticos. Os israelitas, relativamente a se é possível construir esse caminho. A paz parece mais longe? Verdadeiramente, a paz parece estar mais difícil de se reconstruir. Sim, de um ponto de vista realista, é preciso criar mecanismos quase mais tecnocráticos para uma coexistência pacífica, mais do que para a paz. A paz é algo muito utópico. Os israelitas esperam, neste momento, uma situação de não conflito, o que é completamente diferente. Muitos israelitas deixaram o país e com o aumento dos actos anti-semitas, outros acusam o primeiro-ministro de Israel de colocar em risco a vida dos israelitas. Benjamin Netanyahu, acusado de crimes de guerra, de usar a fome como método de guerra e que, de certa forma, está actualmente refém da extrema-direita, deixou de representar os interesses dos israelitas? E faço esta pergunta quando estamos a um ano de eleições e é provável que Netanyahu continue com ambições políticas… Benjamin Netanyahu continua a ter ambições políticas, mas o 7 de Outubro foi um grande trauma, não só para além das fronteiras israelitas, mas também nas comunidades judaicas no mundo. Houve uma multiplicação de erros e indiferença, face aos alertas que foram lançados pelo Shin Bet, os serviços de informação interior, até mesmo pela inteligência militar – AMAN. Essa multiplicação de erros resultou nas proporções do massacre do Hamas, quase dando o sentimento aos judeus de que, afinal, Israel não é uma terra que protege os judeus. Por outro lado, com a ofensiva levada a cabo em Gaza e a determinação de Benjamin Netanyahu de eliminar completamente o Hamas multiplicou um militantismo fora de Israel, contra Israel e contra o chamado anti-sionismo, que entra muito na esfera do anti-semitismo. E aí, sim, muitas populações judaicas e muitas comunidades judaicas responsabilizam Benjamin Netanyahu. Quanto às suas ambições para 2026, no caso de não haver eleições antecipadas, ainda não estão garantidas. Benjamin Netanyahu poderá vir a ser julgado no futuro pelos crimes de que é acusado? Poderá vir a ser julgado em Israel, isso sim, acredito. Israel já deu provas, noutros casos, de julgar os seus próprios líderes políticos. As responsabilidades e os erros cometidos a 7 de Outubro. Começaram no Egipto as negociações entre as delegações de Israel e o Hamas, que afirmou estar disponível para iniciar a troca de reféns se Israel terminar a ofensiva em Gaza. Israel está disposto a dar este passo? Israel está disposto porque o Hamas não tem grandes vias. Em termos da ala militar, o Hamas está em praticamente derrotado. O que subsiste ainda é a ala política. E no Egipto, quem está a negociar é exactamente essa ala política que tenta, de certa forma, manter a organização à tona, embora esteja muito fragilizada. Israel está disposto a dar o passo no chamado plano Trump. É preciso dizer que o plano de Donald Trump para Gaza não é uma garantia de estabilidade para Gaza, nem para Israel e nem para a própria Cisjordânia, onde as organizações palestinianas quase que não participam nesse plano. O problema aqui é que o Hamas é, de facto, a principal organização política palestiniana em Gaza, mas não é quem detém a maior parte dos 48 reféns. Existem organizações mais radicais, como o Jihad Islâmico, que não estão dispostas a ter qualquer acordo com Israel, nem a reconhecer Israel. E, de forma quase insignificante, o FLP, que também detém reféns. O Hamas, para fazer um acordo global de rendição, que é a condição que lhe é imposta, tem que ter o alinhamento destas duas pequenas organizações. O plano de Donald Trump tem 20 pressupostos. O 19.º diz o seguinte: À medida que o processo de reconstrução de Gaza avança e o programa de reformas da Autoridade Palestiniana é fielmente executado, as condições poderão finalmente estar reunidas para o caminho credível rumo à autodeterminação e à criação de um Estado da Palestina. Benjamin Netanyahu já se veio a pôr essa possibilidade. Neste contexto actual, um Estado da Palestina é possível? Neste momento, Israel, na cena política internacional, já está muito isolado. Há vários países que ainda apoiam Israel, o primeiro, sem dúvida, os Estados Unidos. Há outros países com uma posição ambígua, como vários países europeus, que, por um lado, reconhecem o Estado da Palestina e, por outro, apoiam Israel, mas não quer isto dizer que apoiam as políticas de Benjamin Netanyahu. Mas a criação de um Estado palestiniano, neste momento, é extremamente complexa, porque antes da criação do Estado, é preciso definir que fronteira vai ter esse Estado, que governo vai ter esse Estado e quem será a autoridade. Qual é o organismo palestiniano que vai assumir essa chefia de Estado? A Autoridade Palestiniana não tem legitimidade? A Autoridade Palestiniana, neste momento, tem que se reformar completamente. Quando houve o reconhecimento do Estado da Palestina, não houve a imposição de se definir as regras do jogo para que um Estado tenha que existir, porque, senão, o que podemos estar a antecipar é a criação de um Estado quando que não tem condições para existir, e isso pode levar a uma guerra civil palestiniana. Todavia, há uma camada da população israelita que defende e considera quase inevitável a criação de um Estado palestiniano. Agora, o que ninguém compreende é quais vão ser essas regras, quais vão ser as fronteiras, a política do próprio Estado. E é aqui que também precisa de ser ouvida a população palestiniana. Principalmente a população palestiniana. Para criar um Estado palestiniano, eles têm que ter a primeira voz. São os palestinianos.
O Primeiro-ministro francês Sébastien Lecornu apresentou a sua demissão nesta segunda-feira de manhã, 6 de outubro, poucas horas após a nomeação, no domingo à noite, dos membros do novo governo. Este é o governo mais curto da Vª República, com uma duração de apenas doze horas, e a terceira queda de governo desde as eleições legislativas de 2024. O presidente Emmanuel Macron aceitou a demissão de Lecornu, e o povo francês, com um sentimento de déjà-vu, volta a questionar-se sobre os cenários futuros: irá o Presidente nomear um novo chefe de Governo? Convocará novas eleições legislativas? Ou, ainda, apresentará a sua própria demissão?  Sébastien Lecornu foi primeiro-ministro durante menos de um mês, tendo sido nomeado a 9 de Setembro, após o chumbo de uma moção de confiança para o governo do seu antecessor, François Bayrou. Durante a primeira parte do seu mandato, Lecornu liderou um governo demissionário, até à nomeação de uma nova equipa governamental, anunciada este domingo. Este novo governo não durou mais de doze horas, um recorde na Va República.   Face às críticas sobre a composição do governo e instabilidade política crescente, Lecornu apresentou a sua demissão nas primeiras horas desta segunda-feira. Um gesto prontamente aceite pelo Presidente Emanuel Macron.  Vítor Ramon Fernandes, professor-adjunto na Sciences Po Aix-en-Provence, identifica três factores principais que explicam a decisão de Sébastien Lecornu. O primeiro prende-se com a composição do novo governo anunciado no domingo: "A tal renovação anunciada não se verificou na composição do novo governo [12 ministros do governo anterior foram reconduzidos para outras pastas]. Os nomes que apareciam vinham de governos passados. É o caso de Elizabeth Borne [antiga Primeira-ministra e ministra da educação] e de Bruno Le Maire [antigo ministro da economia, reconduzido para a pasta das Forças Armadas]."  Bruno Le Maire é visto, especialmente pela direita, como responsável pelo fracasso orçamental e pela degradação económica do país. Ministro da Economia nos últimos anos, Le Maire foi membro de sucessivos governos de Emmanuel Macron, durante os quais tanto o défice orçamental como a dívida pública aumentaram. Por outro lado, Vítor Ramon Fernandes aponta que "existe em França uma dificuldade histórica para alcançar compromissos a nível político". E, por fim, o professor sublinha que as eleições presidenciais de 2027 deixam pouco espaço para consensos. O Presidente ainda não se pronunciou. No entanto, Emmanuel Macron tem várias opções em cima da mesa, já conhecidas da população francesa por se repetirem a cada queda de governo (esta é a terceira desde 2024): nomeação de um novo chefe de governo, convocação de novas eleições gerais ou apresentação da sua própria demissão.    "Eu penso que, destas três possibilidades, a menos provável é a demissão por parte do Presidente da República, é uma possibilidade praticamente nula. Ele não tem mostrado qualquer disponibilidade para isso. Mas estará Macron mais inclinado para nomear mais um Primeiro-ministro e continuar com esta saga? [Lecornu foi o terceiro Primeiro-ministro desde as eleições legislativas de 2024]. Portanto, a situação das eleições legislativas é uma possibilidade, porventura aquela que faz mais sentido, porventura também aquela que tem mais probabilidade de acontecer", analisa Vítor Ramon Fernandes. De notar que, nas últimas legislativas, a união das esquerdas Nova Frente Popular obteve o maior número de votos, logo seguida pela extrema-direita de Marine Le Pen. Desde então, nenhum dos chefes de governo nomeados por Emmanuel Macron saiu das fileiras destes partidos.   Se novas eleições forem convocadas, as tensões entre esquerda e direita podem sair reforçadas, considera Vítor Ramon Fernandes, e a extrema-direita poderá recolher um maior número de votos. "Tal situação também não contribuiria para uma estabilização ou saída de crise", realça o professor universitário. Este impasse político tende a agravar a situação financeira da segunda economia da zona euro, com uma dívida que já atinge 3 400 mil milhões de euros (115,6% do PIB). Vítor Ramon Fernandes enumera as possíveis consequências económicas e financeiras: "agravemento da situação económica, diminuição dos investimentos por parte das empresas, diminuição da productividade, falta de criação de empregos, subida das taxas de juros, subida das taxas de empréstimos para a habitação....", e consequente sentimento de insegurança e de falta de esperança para os residentes em França.  
O Congresso de Reconciliação Nacional, organizado pela Igreja Católica angolana realiza-se na primeira semana de Novembro, antecedendo as celebrações dos 50 anos de independência. O Presidente da República João Lourenço confirmou a sua presença, a convite dos bispos da Conferência. Os mesmos que, recentemente, teceram duras críticas contra "a corrupção, a fome e a pobreza". Que temas serão debatidos neste Congresso e a que consensos pode chegar a sociedade angolana?  Inicialmente previsto para 29 e 30 de Outubro, o Congresso de Reconciliação Nacional foi adiado para a primeira semana de Novembro, após concertação com o chefe de Estado. O Presidente João Lourenço, que confirmou a sua presença no evento, não se encontrava disponível nas primeiras datas devido a uma cimeira da União Africana, segundo informou à imprensa local o Padre Celestino Epalanga.  Questionámos o mestre angolano em Ciência Política Almeida Henriques sobre este Congresso aberto a todos os cidadãos angolanos e não só aos fiéis católicos. O que revela a presença, simbólica ou política, do Presidente da República neste evento que se quer reconciliador e que advém num contexto social tenso de recentes manifestações, tentativas de greve e denúncias de detenções arbitrárias.   RFI: Como define o contexto em que se vai realizar este Congresso? Professor Almeida Henriques: Temos que olhar para a paz de uma forma extensiva. A paz não é só o calar das armas e se calhar temos de adicionar um outro elemento, a justiça social. Justiça social gera paz. Agora, é verdade que o contexto geopolítico não respira a saúde que se precisava. Numa perspectiva económica, a balança que se coloca, normalmente, é a da cesta básica. Quando a cesta básica está desenquadrada, normalmente a tensão começa-se a fazer sentir, do ponto de vista de insatisfação social. O Estado deve garantir a segurança, a justiça e a paz social. Portanto, quem não garantir esses elementos é melhor não existir. É assim que se pensa em ciência política. Ora bem, para o caso angolano, esses elementos existem. Mas na dimensão que se pretende? Obviamente não. Agora, o que é que se precisa fazer? Ler os sinais dos tempos, compreender os fenómenos e encontrar soluções para que de facto se busque o desejável. É este também o propósito do Congresso de Reconciliação Nacional. O que pensa da presença do Presidente da República neste evento? O Chefe de Estado, para além de ser Presidente da República, é um cidadão e ele é parte do processo da justiça social e da reconciliação nacional. A sua presença é simbólica e dá uma outra dimensão, dá uma outra aceitação de que as entidades políticas e religiosas estão unidas em torno de um propósito. Logo, não é estranho que o Presidente João Lourenço marque presença. Estarão também os líderes de outros partidos políticos, por exemplo, os partidos políticos da oposição? Em princípio, sim. E devem estar. Porque se não estiverem, estariam desvinculados do processo de paz e justiça social. A Igreja sempre está na linha de frente naquilo que é a pacificação dos espíritos. O cidadão angolano ainda assim, vive alguns efeitos, sobretudo os mais adultos, de um passado recente e às vezes a presença duma palavra divina reconforta o cidadão, e reconcilia o cidadão com o seu irmão. Portanto, a Igreja é um parceiro incondicional do Estado. Há poucos dias, no fim da II Assembleia Plenária Anual, a Igreja Católica teceu duras críticas às autoridades políticas, denunciando, entre outros, a corrupção como sendo "a pior desgraça dos últimos 50 anos", a fome e a pobreza. Estas realidades vão ser abordadas neste Congresso de Reconciliação Nacional? Em que medida é que podem ser alcançados consensos? Precisamos de perceber um detalhe. Este Congresso não será para acabar com a fome nem com a pobreza, mas é para apresentar indicadores daquilo que se vive e perspectivar mudanças.  Buscar caminhos sólidos que possam alavancar a economia. Buscarmos a estabilidade social, buscarmos a proteção social, buscarmos a assistência social, tudo isto olhando pelos mecanismos de combate à corrupção. Existem esses mecanismos, sim, mas precisamos de encontrar novas ferramentas. Porque não vamos dizer que a corrupção terminou. Ninguém pode dizer. Concretamente que temas serão debatidos neste Congresso? Vou buscar um elemento muito importante. Nós recentemente tivemos uma situação insólita. Vimos a vandalização dos bens públicos e eu lhe confesso, até 1991, isto era quase que impossível. Porquê? Porque era altura da construção da personalidade do cidadão angolano naquilo que era o amor à pátria, o espírito de pertença... Mas isso ficou desvalorizado porque a liberdade começou a ser confundida com a libertinagem. Estes valores têm que ser resgatados. E no discurso político, tem que se saber abordar elementos como estes. Como da questão da corrupção. Porque mais do que falar da paz, vai se falar desses elementos. Não tem como não se falar disto. Os discursos políticos não vão falar apenas "olhem, temos 50 anos de independência e hoje vamos preparar a Festa da Independência". Não. Política não é isto. E também a Igreja Católica não vai aparecer ali com discursos de preparar champanhe para o dia dos festejos dos 50 anos. Não vai ser isto. Há ainda outro tema recente. Várias organizações da sociedade civil angolana apelaram à comunidade internacional e à Igreja para não ficarem em silêncio diante das detenções arbitrárias e das mortes durante as manifestações, nomeadamente as de Julho. Acredita que o tema vai ser debatido e, se não o for, que reconciliação nacional é possível obter neste contexto? Cada área tem a sua responsabilização. É garantida a liberdade do cidadão angolano poder manifestar a sua vontade. E é normal que aconteça um cidadão reclamar, buscar justiça internacional, segurança internacional. Poderá ter havido excessos, mas na verdade, os excessos foram precipitados pelo próprio cidadão. Efectivamente, pode ter havido excesso de zelo. O excesso de zelo pode-se traduzir num crime, porque ninguém tem direito de tirar a vida. Nisto estamos todos de acordo. Se a sociedade civil tiver um momento de intervenção no Congresso, obviamente fará menção a isto. Mas se for tratado neste fórum, pode não ser um tema pacificador. Enquanto analista da vida política e social angolana, que mensagem gostaria que fosse passada ao povo angolano neste Congresso de Reconciliação Nacional? Que o povo angolano, digamos, sinta que o que nos une é mais importante e supremo do que aquilo que nos desune. Tenhamos o mesmo sentimento de partilha, tenhamos o mesmo sentimento de construção de uma sociedade equilibrada. E para que nós também, enquanto cidadãos, tenhamos orgulho da nossa cidadania, para que não tenhamos uma conduta que põe em causa a segurança nacional, porque somos nós que temos que proteger a nossa liberdade. Somos nós que temos que proteger a segurança nacional. E é verdade. Somos nós que temos que exigir os direitos que nos são, digamos, reservados por lei. Portanto, tudo tem que gerar equilíbrio, mas sempre esse equilíbrio dentro dos princípios de paz e justiça social, senão mesmo de reconciliação nacional.   Em Setembro deste ano, cinco organizações da sociedade civil instaram as Nações Unidas (ONU) a liderar uma investigação internacional independente sobre a morte de centenas de angolanos durante a greve dos taxistas, entre os dias 28 e 30 de Julho. As ONGs disponibilizam-se para fornecer todas as provas e documentação necessárias para apoiar a busca por justiça. Pouco tempo antes, no início do mês de Setembro, a justiça suspendeu a tentativa de outro movimento grevista. Os jornalistas da imprensa pública apelaram à greve, pela primeira vez desde a independência em 1975, para reivindicar melhores condições laborais. A greve foi suspensa pelo Tribunal de Luanda, que invocou uma "violação ao direito fundamental dos cidadãos se informarem".   O Sindicato dos Jornalistas Angolanos afirmou continuar determinado na reivindicação dos seus direitos, sem todavia avançar com o movimento de greve. 
Jacinto Mathe obteve recentemente o doutoramento na prestigiada Universidade de Oxford, no Reino Unido, tornando-se assim o primeiro moçambicano a especializar-se em Paleoantropologia. A sua investigação centra-se nas implicações dos ossos e da ecologia do Vale do Rift Austral para a compreensão da evolução humana. Jacinto Mathe nasceu com uma malformação congénita que lhe causou a doença do pé-boto bilateral, uma condição que dificulta a locomoção. No entanto, apesar das limitações físicas, nunca desistiu de superar os desafios. Ao longo da sua vida, o seu percurso académico foi notável: obteve a licenciatura em Medicina Veterinária, seguiu com um mestrado em Antropologia Forense e, neste mês de Setembro de 2025, obteve o doutoramento em Paleontropologia. Com um percurso de vida nada fácil Jacinto Mathe considera que este doutoramento traz-lhe ainda mais responsabilidades não só para o estudo e compreensão do passado pré-histórico da humanidade mas também junto dos mais jovens sendo já visto como um exemplo de que qualquer um pode conseguir atingir os seus sonhos e poder afirmar que o céu é o limite... RFI: Obteve recentemente o doutoramento em Paleoantropologia pela Universidade de Oxford. Qual é o seu sentimento actual, sabendo que é o primeiro moçambicano a obter esta especialização? Jacinto Mathe: O sentimento e significado é, primeiro, de que o céu é o limite e que todos nós precisamos trabalhar tão duro e sempre que as oportunidades surgem são sempre para aproveitar e ao mesmo tempo tenho o sentimento de muita responsabilidade de transmitir o que consegui adquirir ao longo desses cinco anos numa universidade de prestígio e que agora serei, aliàs já sou visto como modelo, e que os outros poderão olhar para mim como alguém a seguir e é muita responsabilidade ao mesmo tempo, mas também de honra por fazer parte da equipa dos pioneiros na área em Moçambique. Eu sou, ao conhecimento até agora, o primeiro moçambicano a ter especialização nesta área de antropologia biológica e especificamente ainda dentro da área neste caso da Universidade em que fiz o doutoramento, a Universidade de Oxford, eu sou o primeiro moçambicano até então, sim. Este seu percurso pode levar à inspiração e ao acordar de muitas vocações da parte de jovens moçambicanos? Sim. Já eu tive o privilégio de ser imerso na área de colaborações com diferentes pesquisadores, nacionais e internacionais e ao longo desse percurso percebi que ninguém caminha sozinho e agora será um privilégio e uma honra enorme poder contribuir para outros moçambicanos a crescerem na sua vida académica e olho isto como uma oportunidade ímpar e estou aberto para colaborar e por acaso tenho usado neste caso um desses canais para abrir a mão e informar que na verdade estamos aqui porque alguém investiu e também estarei pronto para poder contribuir para a carreira de muitos. A sua investigação centrou-se sobretudo nas implicações dos ossos e da ecologia, no Vale do Rift Austral para a compreensão da evolução humana. Ainda há muito trabalho pela frente neste domínio? Sim, há muito trabalho nesta área em que alguém pode servir como ponte entre a parte da paleoantropologia como tal, estudo de coisas muito antigas, há milhões e milhões de anos e alguém que estuda coisas recentes, estamos a falar neste caso dos especialistas em ecologia, então eu sou como se fosse uma ponte de ligação e nesta área os últimos trabalhos publicados datam por volta de 2009, 2008, 2007 e desde então até agora não há nada recente publicado nesta área, o que quer dizer que isso a nível do mundo, não só a nível de Moçambique, não só a nível de África, o que quer dizer que quem será a próxima pessoa a preencher esta lacuna de investigação nesta área será em grande parte Moçambique, como já temos um dos primeiros especialistas que sou eu para poder colaborar com os outros. Então sim, é uma chance enorme para preencher esta lacuna na área de pesquisa. O Parque da Gorongosa é para si e tem sido um berço e um local de constante aprendizagem? Sim, o Gorongosa é um lugar especial em várias questões, em várias vertentes, Primeiro devido à sua localização geográfica, sabemos muito bem que está localizado na última grande porção do vale do Rift africano e todos os países que tiveram esta estrutura geológica deram sua contribuição naquilo que nós chamamos de berço da humanidade, primeiros nestes casos ancestrais, e por outro lado temos uma combinação de grutas ou cavernas, mais de 30 cavernas bem documentadas e mapeadas, o que corresponde ou análogas às que nós temos na África do Sul, que também contribuíram de forma inequívoca para aquilo que eu estudo, a evolução humana, então o Gorongosa é especial nesse sentido, não só, mas também pela sua diversidade, devido, em grande parte, à guerra civil que devastou muito, mas a sua recuperação, a sua história de recuperação é um modelo a nível de África e do mundo, na recuperação da vida selvagem que agora está a crescer de uma forma espetacular, então é muito interessante ter um lugar como este e sinto-me honrado por fazer parte da equipa, fazer parte da geração do projeto da Gorongosa. Na sua opinião, as autoridades locais e estatais estão conscientes da importância do estudo que o Jacinto leva a cabo, com outros especialistas naturalmente, nomeadamente em Moçambique? Sim, estão conscientes. A Gorongosa tem um programa da media de cientistas jovens moçambicanos, onde as nossas pesquisas passam pelas televisões locais, isso incrementa o impacto que têm as pesquisas da Gorongosa, não só neste caso na minha área, mas em outras áreas, então sim, estão cientes. E temos a primeira coleção osteológica num parque nacional em Moçambique, onde todos têm o privilégio de visitar sempre que tiverem algum tempinho para passar pela Gorongosa. É um dos locais onde querem mesmo estar e passar mais tempo, e aí nós aproveitamos da oportunidade de dar, inclusive as colaborações com instituições de ensino nomeadamente as universidades, institutos superiores, que já estão em contacto, inclusive um dos moçambicanos que estou agora a supervisionar, que enquanto nós falamos está baseado no Parque Nacional da Gorongosa. Voltando ao seu recente doutoramento na Universidade de Oxford, e falando agora de uma pessoa que penso é muito importante neste seu percurso, a sua mentora, a professora Susana Carvalho, foi uma das impulsionadoras e motivadoras também deste seu percurso... Sim. Costumo sempre dizer que a vida como ela funciona, funciona como se fosse uma corda de sisal. Cada filamento contribui para o crescimento e para a construção da própria corda, tornando-a forte até pode puxar, neste caso, um carro ou qualquer veículo. E dentro dessa chave, no não crescer sozinho, tenho a professora Susana como mentora, que não só ela entrou na minha vida no âmbito do doutoramento, mas sim muito antes, em 2017, quando era o Bolseiro de Investigação da Biodiversidade da Gorongosa. Desde lá, tem acompanhado o meu percurso passo a passo, juntamente com o professor Doutor René Bobe, também que teve um grande impacto na minha pesquisa. Os dois têm trabalhado de lado para aquilo que eu já sinto hoje. Sabemos que teve um percurso de vida difícil, não podemos passar ao lado disso, mas com resultados que podemos dizer felizes hoje em dia... Sim... em grande parte a minha motivação para me focar nesta área em que estou especializar-me é que o objeto central do estudo são os ossos, as carcaças, diferentes tipos neste caso, como é que são preservados, como são decompostos em vários cantos. Essa entrada deriva da minha história, do ponto de vista pessoal, devido à malformação congénita que eu tive, e que tive, neste caso, o privilégio de ser corrigido esta malformação em Portugal, que chama-se pé boto, era para poder entender melhor os ossos, o centro, como é que isto aconteceu, quais são os fatores associados, e apaixonei-me por esta área.
Nos últimos meses, a tensão entre a União Europeia e a Rússia tem vindo a aumentar. Entre os incidentes mais recentes, destacam-se os drones não identificados que têm sobrevoado o espaço aéreo de vários Estados-membros da UE, levantando sérias preocupações em matéria de segurança. José Palmeira, Professor Auxiliar do Departamento de Ciência Política, na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, é o nosso convidado para analisar a situação. Na cimeira da UE em Copenhaga, foram discutidas medidas para reforçar a segurança aérea contra drones não autorizados, incluindo um sistema europeu de defesa anti-drones. Quais os principais desafios para um sistema comum de defesa anti-drones? Durante muito tempo, a União Europeia negligenciou uma cooperação efetiva no setor da defesa, apostando sobretudo na Aliança Atlântica, na ligação entre os Estados Europeus e a América do Norte — nomeadamente os Estados Unidos e o Canadá —, e, fundamentalmente, nos Estados Unidos. Actualmente, a Europa encontra-se numa situação em que enfrenta uma ameaça no seu flanco norte e oriental, não apenas devido à intervenção militar da Federação Russa na Ucrânia, mas também em virtude de um conjunto de acções que vários países europeus atribuem à Rússia. Entre estas acções incluem-se o corte de cabos submarinos no Mar Báltico, a utilização de drones e mesmo de aviões que realizam sobrevoos em áreas consideradas, na perspectiva europeia, como ameaças à sua segurança. Simultaneamente, verifica-se um certo afastamento da posição norte-americana, com uma menor aposta no investimento na segurança europeia. Neste contexto, a Europa vê-se obrigada a dotar-se de meios e capacidades não só para responder a eventuais ameaças, mas também para criar mecanismos de dissuasão. Ou seja, se alguém tiver intenções hostis em relação à Europa, essa intenção torna-se mais difícil de concretizar se existir a percepção de que o continente está preparado para fazer-lhe frente. Importa sublinhar que esta questão não se prende apenas com capacidades militares, mas também com a vontade política. Segundo José Palmeira, é igualmente relevante analisar a postura do Kremlin face à União Europeia. Muitas vezes o Kremlin parece que quer testar a solidariedade europeia. Isto é, se nós (Rússia) fizermos uma provocação, será que os europeus reagem em uníssono ou pelo contrário, eles vão dividir-se? Portanto, eu diria que o primeiro objetivo neste momento na Europa é criar uma unidade em torno de objectivos concretos. Esses objectivos concretos passam por a Europa dispor de meios próprios para fazer face a qualquer tipo de ameaça e isto não significa desinvestir na aliança com os Estados Unidos. Antes, pelo contrário, isto pode ser feito em simultâneo, continuando a alimentar o desejo de que os Estados Unidos sejam um aliado credível. Só assim, penso eu, é que a Federação Russa, se é que tem alguma intenção, de ir para além da Ucrânia não o fará se tiver a consciência de que do outro lado há de facto uma unidade e uma capacidade para fazer face a qualquer tipo de ameaça. Emmanuel Macron indicou que a França está disposta a bater drones hostis. Acha que isso pode levar a uma escalada entre a União Europeia e a Rússia? Cada situação deve ser avaliada individualmente, caso a caso. Não parece adequado adoptar uma doutrina em que qualquer objeto que circule no espaço aéreo europeu e não seja identificado como próprio deva ser automaticamente abatido. Regra geral, a retórica tende a ser mais belicista do que a prática. O principal objectivo é dissuadir. No entanto, caso estas provocações persistam, invadindo repetidamente o espaço aéreo de países da União Europeia e da NATO, e representem uma ameaça constante, poderá justificar-se uma reacção com intuito dissuasor. Ainda assim, tanto a União Europeia como a NATO — ou mesmo os Estados-membros, individualmente — devem manter uma postura cautelosa. Não se deve permitir que um incidente menor desencadeie um conflito de grandes proporções. Esta parece ser, de resto, a orientação geral dos países europeus: exigir firmeza na retórica, mas manter moderação na prática. Não há interesse numa escalada do conflito. O objectivo prioritário continua a ser resolver a guerra na Ucrânia, alcançar um cessar-fogo. As restantes provocações, embora relevantes, não têm o mesmo grau de gravidade. Contudo, isso não significa que os europeus não devam agir com firmeza quando confrontados com tais situações. Nesse sentido, a orientação dos países europeus, que é : na retórica serem exigentes e ameaçar mas na prática serem mais moderados porque não há interesse em escalar. Há interesse, sim, em resolver o problema da Ucrânia, terminar a guerra, um cessar-fogo, isso sim é um objectivo prioritário. O resto não tem o mesmo grau de gravidade e o que não significa que os europeus não tenham que ser firmes quando isso acontece. Como podemos interpretar a negação da Rússia quanto às violações do espaço aéreo europeu? Como é que podemos interpretar esta estratégia de Moscovo? A retórica russa tende, frequentemente, a contrariar as evidências. No caso da guerra na Ucrânia, por exemplo, a argumentação do Kremlin tem sido a de que a Rússia está a agir em legítima defesa face a uma ameaça da NATO, através da Ucrânia. Por outro lado, é importante referir que ainda não existem evidências quanto à autoria de vários incidentes, como o corte de cabos submarinos. Enquanto essas evidências não existirem, apenas suspeitas, também não pode haver aqui uma imputação declarada à Rússia. Por outro lado, hoje as guerras são híbridas, comportam este tipo de acções, mas comportam também ataques cibernéticos e eles também têm acontecido em número bastante significativo, o que significa que e a Rússia, naturalmente, que vai sempre negar e isso faz parte deste tipo de guerras híbridas. Por outro lado compete ao Ocidente tomar medidas de precaução para se defenderem desse tipo de ataques híbridos e criar mecanismos que desde logo funcionem como meio de dissuasão. Serem suficientemente fortes para dissuadir que a Rússia vá mais para além do que aquilo que sejam meros actos provocatórios. A Rússia e tem de facto uma retórica que muitas vezes digamos que que é o contrário daquilo que parecem as evidências. Isto é, em relação à guerra da Ucrânia, aquilo que tem sido a argumentação russa é que a Rússia está actuar em legítima defesa. Havia uma ameaça da NATO e através da Ucrânia à Federação Russa e a Federação Russa está-se a defender. Por outro lado, é verdade que também não há ainda eh quanto à autoria de de vários acontecimentos como o corte de cabos submarinos.
O antigo Presidente da República Democrática do Congo foi condenado, nesta terça-feira, 30 de Outubro, à pena de morte pelo Tribunal Militar do país. Joseph Kabila, que não compareceu ao julgamento, foi considerado culpado de crimes de guerra, traição e de ser o líder do grupo armado M23, apoiado pelo Ruanda e que tem estado em conflito desde 2022. O analista político angolano Albino Pakisi considera que esta condenação vai "agudizar" os problemas de um país profundamente dividido. Que acusações são feitas ao antigo Presidente da República Democrática do Congo, Joseph Kabila, condenado à pena de morte? As acusações que pesam sobre o antigo Presidente Joseph Kabila são de que ele, efectivamente, está a patrocinar o grupo M23, que está no leste da República Democrática do Congo. A segunda, dizem os advogados da acusação, é que ele não seria congolês, mas ruandês, com o nome verdadeiro de Hyppolite Kanambe, e que estaria ao serviço do Ruanda, por isso mesmo é condenado à pena de morte. Outra acusação é de que Kabila estaria a patrocinar outros grupos de insurreição. A RDC tem mais ou menos cerca de 100 grupos rebeldes. Portanto, não é apenas o M23, mas existem muitos grupos rebeldes dos quais se desconfia que o antigo Presidente seja também um dos patrocinadores. Joseph Kabila, enquanto esteve no poder, teve acesso às minas de diamantes e pedras preciosas, e, portanto, desconfia-se que terá retirado riqueza do país, que está agora a usar para patrocinar esses grupos rebeldes, com grande incidência para o grupo M23, com a acusação a afirmar que ele é o cabecilha político deste grupo. Face a um país extremamente dividido, o Presidente Félix Tshisekedi tem estado a apelar à união. Esta condenação não pode tornar essa união mais difícil? Torna-se muito complicada, e penso que nunca se chegará a essa união. A RDC é um território bastante vasto e, portanto, existem vários povos e várias etnias na República Democrática do Congo, à semelhança de Angola. Porém, em Angola somos vários povos, uma nação dentro de várias nações, mas entendemo-nos. Na República Democrática do Congo existem vários povos: ruandeses, ugandeses, tanzanianos, zambianos, centro-africano, mas não existe a capacidade política para unir essas várias sensibilidades e formar uma República Democrática do Congo una. Embora o Presidente apele à união do povo congolês, com esta condenação ele divide as águas, fazendo com que aqueles que apoiam Joseph Kabila continuem a apoiar o M23, enquanto Félix Tshisekedi ficará com os seus próprios apoiantes. Esta condenação mostra que a aliança que existia no passado entre Joseph Kabila e Félix Tshisekedi chegou ao fim? Inicialmente, o que se pretendia era que o Presidente Tshisekedi fosse uma espécie de “pau mandado” de Joseph Kabila, que, apesar das eleições, poderia continuar a ter poder sobre ele. Não é o que está a acontecer, porque, efectivamente, o grupo M23 está tão forte que ocupou províncias, com o apoio da população, precipitando esta ruptura. Joseph Kabila foi condenado, mas não está em Kinshasa; ele está em Goma, onde existem forças rebeldes. Isto provoca um problema não só de ruptura, mas também um problema em que o próprio Joseph Kabila pode contribuir para a divisão do Congo. Este é o grande receio de muitos analistas, que reconhecem que Kabila tem um poderio financeiro - está a ser financiado pelo Ruanda - podendo levar até mesmo à criação de dois Congos. Inicialmente era pedido prisão perpétua. Com a sentença de pena de morte, está-se aqui a tentar enviar também uma mensagem a outros dirigentes com ambições políticas? Vimos, quando foi a tentativa de golpe de Estado, que muitas figuras foram condenadas. É preciso lembrar que na RDC existe a “pena de morte”, mas Kabila pode recorrer da sentença. A meu ver, está a passar-se uma mensagem aos dirigentes, mas não podemos esquecer que as influências existem. Joseph Kabila foi presidente durante 18 anos e, para além das influências, existe também o problema da corrupção. A RDC é um país onde existe muita corrupção, portanto, mesmo que seja condenado, ele pode recorrer da decisão. (...) Na República Democrática do Congo, vários chefes de Estado que não são congoleses possuem minas de diamantes. Isto demonstra o nível de corrupção que existe no país, levando muitos analistas a afirmar que esta acusação não é para ser levada a sério. Joseph Kabila pode recorrer do veredito do Supremo Tribunal Militar, diante de um Tribunal de recurso, mas apenas para tentar alegar uma irregularidade no procedimento? Naturalmente. Porém, há quem diga que se trata de um processo político, ou seja, que é mais político do que factual. Dizem que ele não está, de facto, a apoiar estes grupos. Daí que ele possa recorrer dessa decisão. Até agora, Joseph Kabila não se pronunciou. Vamos esperar que os advogados se pronunciem efetivamente, e pronto. Depois, veremos como é que isso corre. Joseph Kabila foi ainda condenado a pagar 30 mil milhões de dólares por danos provocados ao Estado. O que representa esta condenação para a população? Bem, não nos podemos esquecer que ele foi Presidente durante 18 anos, com muita contestação. Aliás, é difícil e aqui, vale a pena fazer referência a isso, a República Democrática do Congo é um país extenso e, se olharmos para o mapa, 2 mil km separam Kinshasa, a capital, de Goma. As populações no interior, no centro e na zona Leste da República Democrática do Congo estão completamente empobrecidas e, muitas vezes, acabam por se juntar aos rebeldes, sem que a capital tenha qualquer tipo de controlo sobre o resto do território nacional. Este é um dos grandes problemas. Mais do que condenar o Presidente Joseph Kabila, o Presidente Félix Tshisekedi deveria apelar à união da República Democrática do Congo. Mas os factos demonstram que ele não está a conseguir fazê-lo, e esta condenação vai agudizar os problemas da República Democrática do Congo.
O Presidente dos EUA propôs um plano de paz em 20 pontos para Gaza, incluindo cessar-fogo, libertação de reféns, governo provisório e reconstrução. Benjamin Netanyahu aceitou com reservas: recusa um Estado palestiniano, vai manter tropas em Gaza e desconfia da Autoridade Palestiniana. Para a investigadora do IPRI Diana Soller, os maiores entraves são a aceitação do Hamas, a falta de confiança entre as partes e a influência da extrema-direita israelita. O Presidente norte-americano apresentou um plano de paz em 20 pontos para pôr fim à guerra em Gaza. A proposta prevê um cessar-fogo imediato, a libertação dos reféns, a criação de uma administração provisória formada por técnicos independentes e um programa de reconstrução económica no território. O primeiro-ministro israelita aceitou o plano com muitas reservas: recusa a ideia de um Estado palestiniano, garante que o exército israelita vai permanecer em Gaza e mantém desconfiança em relação à Autoridade Palestiniana. Apesar da proposta de Donald Trump, levantam-se sinais de desconfiança quanto ao plano de paz. A investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), Diana Soller, recorda que “houve várias tentativas ao longo da história, das quais a que mais se aproximou de qualquer coisa palpável foram os acordos de Oslo de 1993. E, portanto, temos boa razão para duvidar que este plano chegue efectivamente ao fim”. Ainda assim, a investigadora admite que o contexto é diferente: “Há aqui um grande incentivo para Benjamin Netanyahu que não havia noutras ocasiões, que é o facto de Benjamin Netanyahu estar a trocar o sonho da Grande Israel, pelo menos no que diz respeito à faixa de Gaza, pela hegemonia na região. O eixo Arábia Saudita-Israel, que tem condições para se pacificar perante este plano, vai ser, no fundo, o eixo que dominará o Médio Oriente daqui para a frente. E nesse aspecto em particular, parece-me que há aqui uma pequena esperança de que se chegue a algum lado.” Quando questionada sobre o impacto do crescente isolamento do primeiro-ministro, Diana Soller considera que esse factor não é determinante. Embora Benjamin Netanyahu esteja cada vez mais isolado, tanto a nível internacional como interno, a analista sublinha que "ele não demonstra sensibilidade a pressões externas, com excepção dos Estados Unidos". O plano de paz sugere uma administração provisória em Gaza, liderada por técnicos independentes. Muitos questionam a legitimidade de uma administração tecnocrática. Diana Soller contrapõe: “Uma administração tecnocrata temporária não é propriamente uma administração sem legitimidade. A própria população está cansada da guerra, parte dela está profundamente revoltada com o Hamas, também responsável pela fome e por assassínios permanentes dentro da faixa de Gaza.” E acrescenta: “A verdade é que o Médio Oriente não é propriamente conhecido por ser um conjunto de democracias e, portanto, não vejo como esse possa ser o maior entrave. Os verdadeiros entraves são, em primeiro lugar, o Hamas aceitar, porque de facto isso implica uma rendição total, e em segundo lugar a construção de confiança entre Israel e a Autoridade Palestiniana. Isso parece-me muito mais difícil. E o passo a passo deste plano mostra em que qualquer um dos passos pode fracassar.” A viabilidade do plano também depende do apoio regional: “Não seria possível um plano sem o apoio dos países árabes que se tornaram parte interessada, porque o que está em questão é a estabilidade da região e uma certa hegemonia da Arábia Saudita e de Israel que coloque de lado o Irão, o maior desestabilizador regional. Parece-me que os países árabes e muçulmanos envolvidos têm efectivamente interesse em que o plano dê certo.” Benjamin Netanyahu já declarou que não vai aceitar um Estado palestiniano, fragilizando um dos eixos políticos do plano de Donald Trump. “O que se passa aqui relativamente à recusa do Estado palestiniano está relacionado com a ala mais à direita da coligação de Benjamin Netanyahu. Vamos ver como é que isso se resolve internamente e, nomeadamente, através de outros partidos se oferecerem para apoiar o governo. Mas vamos ver”, comenta. A investigadora alerta, ainda, para o factor demográfico: “O problema é que a janela de oportunidade está a fechar-se porque a população judaica ortodoxa que apoia estes partidos de extrema-direita está a tornar-se cada vez maior em Israel. Já representa cerca de 30%. E todos os responsáveis políticos estão cientes dessa realidade. Agora, um dos outros entraves será a configuração governativa em Israel, que terá de passar por algumas alterações, alguns ajustes, alguma capacidade de aceitação pelas partes, porque um tipo de oportunidade como esta não vai voltar a surgir tão cedo.” Em Israel, as famílias dos reféns ganharam protagonismo ao exigir que a libertação seja prioridade. Mas o seu peso é relativo, acrescenta a investigadora: “Não são actores centrais, são uma parte da opinião pública que tem chamado a atenção a Benjamin Netanyahu, e com toda a razão, de que há um contrato social entre o Estado de Israel e a sua população: ninguém fica para trás. Vamos ver como é que eles de facto vão conseguir, ou se vão conseguir, pressionar o governo no sentido de cumprir o plano.” Na visão de Diana Soller, a chave não está aí: “Benjamin Netanyahu já se terá comprometido com Donald Trump e põe em causa a relação de Israel com os Estados Unidos. Isso é a única coisa que verdadeiramente pode ter impacto nestas escolhas.” A resposta à questão sobre os actores centrais é inequívoca: “Os Estados Unidos, Israel e o Hamas, além dos Estados árabes que parecem estar a apoiar este plano e que terão um papel fundamental no seu desenvolvimento. Agora, nesta fase, são claramente os Estados Unidos, Israel e o Hamas.”
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