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Fato em Foco

Author: RFI Brasil

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Um tema do noticiário francês ou internacional analisado por especialistas europeus e brasileiros. Em formato de entrevista de 5 minutos, é transmitido à noite, logo após o jornal, de terça a quinta-feira.
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Chegou a hora da COP 21: a grande conferência internacional sobre o clima começa nesta segunda-feira (30), com os pronunciamentos de 147 chefes de Estado e de Governo em Le Bourget, na periferia de Paris. Em seguida, os negociadores dos 195 países da ONU ficarão reunidos por duas semanas para tentar chegar a um novo acordo mundial para limitar as mudanças climáticas e o aquecimento global. Entenda por que o evento é tão importante. O que é a COP 21?A sigla COP21 nada mais é do que um resumo para o complicado nome oficial do encontro: 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Esse texto (a convenção) surgiu quando os cientistas perceberam que a intensa poluição gerada depois da Revolução Industrial, no século 19, tem consequências devastadoras para a natureza e até para a sobrevivência humana. “A Convenção do Clima foi assinada em 1992 e, desde então, temos COPs anuais. A primeira foi em 1994 e, agora, estamos na 21ª. Em alguns momentos, essas reuniões tomam proporções mais importantes. Foi o caso em 1997, quando se assinou um novo protocolo, o Protocolo de Quioto, para limitar as emissões de gases poluentes, principalmente pelos países desenvolvidos”, explica Tasso Azevedo, consultor ambiental e coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG). A COP 21 é, antes de mais nada, uma ampla negociação diplomática internacional, com vistas a um entendimento entre os países sobre o futuro do clima.Quais os principais objetivos do acordo para o clima?O principal é renovar e gerar um novo acordo em substituição ao Protocolo de Quioto, cuja validade se encerra em 2020. O texto deve incluir compromissos e metas de todos os países do mundo, no esforço coletivo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Desta maneira, espera-se evitar que o aumento da temperatura média do planeta ultrapasse os 2°C, considerado o “limite de segurança” além do qual os efeitos das mudanças climáticas seriam irreversíveis. Essa temperatura foi estabelecida pelo painel de cientistas da ONU que analisam esse tema, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre mudanças Climáticas).Segundo os climatologistas, gases como o CO2 geram o aquecimento global. Para se ter uma ideia, se nada fosse feito para limitar as emissões de gases, a Terra poderia sofrer um aumento de até 4°C até 2100, o que tornaria diversas regiões do mundo inabitáveis. A poluição que já foi gerada ao longo da história provocou um aumento de 0,85°C da temperatura global, o que resultou no derretimento de quase metade das calotas polares do Ártico e a desintegração dos glaciares do oeste da Antártida.Por que é tão difícil de os países chegarem a um acordo?Até hoje, desenvolvimento ainda é sinônimo de poluição para muitos governos. Para se desenvolver, os países precisam de intensa de atividade industrial e consumir grandes volumes de energia, que são as maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa. Neste ano, pela primeira vez, os maiores poluidores do planeta, a China e os Estados Unidos, indicam estar dispostos a fazer mais para limitar a quantidade de poluentes jogados na atmosfera. Pequim indica que o seu pico de poluição será em 2030 e depois garante que vai começar a reduzir as emissões. Já Washington se compromete a diminuir de 26 a 28% até 2025, em relação ao que poluía em 2005. Pode parecer pouco, mas é uma mudança considerável em relação à postura desses países nos anos anteriores.É por isso que há esperança de que a Conferência de Paris termine com um bom acordo. “O fracasso sempre é possível, mas hoje estou confiante porque um grande país, a China, nos apoia, e os Estados Unidos estão comprometidos com um acordo. Países tão diversos quanto os do sul, como os africanos e os latino-americanos, estão participando do acordo”, declarou o presidente francês, François Hollande. Você vai ouvir falar bastante sobre INDCs nos próximos dias. O que é isso?É mais uma abreviação do extenso vocabulário climático: é a sigla em inglês para Contribuições Internacionais Nacionalmente Determinadas. São os planos de ação apresentados por cada país em preparação para a COP21, com as suas propostas para reduzir as emissões de gases em nível nacional e lutar contra as mudanças climáticas.Isso pode ocorrer de diversas maneiras: substituindo as energias fósseis (como o carvão e o petróleo) por energias renováveis (como eólica ou hidráulica) ou promovendo o transporte público em vez do transporte particular (mais poluidor). O Brasil, por exemplo, foca a sua redução de emissões no combate ao desmatamento. Até o final de outubro, 155 países já tinham apresentado as suas INDCs, o que representa 90% das emissões globais de CO2.Qual é a proposta do Brasil?O Brasil colocou a sua proposta na mesa durante a última cúpula da ONU, em setembro. A presidente Dilma Rousseff anunciou que o país se compromete a reduzir 37% das emissões de gases de efeito estufa até 2025 e 43% até 2030, tendo como base as emissões que ocorriam 2005. O país promete acabar com o desmatamento ilegal em 2030 - a devastação das florestas é a maior fonte de emissões pelo Brasil. Brasília também quer garantir 45% de fontes renováveis no total da matriz energética
.Por que há tanta divergência entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento e emergentes em relação a este tema?O principal entrave é financeiro. Os países desenvolvidos até agora não disponibilizaram todo o financiamento prometido para os mais pobres se recuperarem dos estragos causados pelas mudanças climáticas – danos gerados justamente pela poluição dos ricos, no passado. Os países em desenvolvimento também precisam de dinheiro para adaptar as suas economias de maneira a poluir menos, por exemplo: trocando as usinas a carvão por outras de fontes renováveis, como hidráulica ou eólica. Essa é a chamada economia de baixo carbono.A promessa era oferecer US$ 100 bilhões por ano até 2020, mas até agora apenas US$ 65 bilhões foram garantidos – sem falar dos recursos necessários para depois de 2020. Além disso, os países em desenvolvimento e emergentes querem o direito de continuar poluindo para, um dia, poderem chegar no mesmo nível de desenvolvimento que os ricos já atingiram. O problema é que o planeta já não aguenta mais tanta poluição.O que poderá ser considerado um bom acordo na COP21?Tasso Azevedo analisa: “A gente precisa ter um objetivo claro, de médio-longo prazo, como sabermos o que teremos que fazer até 2050. A segunda característica é ter um mecanismo para a gente poder revisar os compromissos dos países periodicamente, provavelmente a cada cinco anos. Desta forma, vamos avaliar se os compromissos e as ações implementadas estão sendo cumpridas e se elas estão realmente nos levando a limitar o aumento da temperatura do planeta em 2°C”, afirma o especialista. “Por fim, precisamos ter garantias de que os recursos, o financiamento e a capacitação se concretizarão, para que os avanços necessários realmente aconteçam.”O dia mais esperado da Conferência do Clima de Paris é o do encerramento, 11 de dezembro. É quando vai ser divulgado o novo acordo, que será assinado em 2016.Quem vai participar da conferência?Barack Obama, Vladimir Putin, Narendra Modi, Xi Jinping e Dilma Rousseff são alguns dos nomes confirmados. Apesar da ameaça terrorista estar no nível máximo depois dos atentados em Paris, todos os principais líderes internacionais confirmaram presença do evento. Desta vez, ao contrário dos anos anteriores, os presidentes vão participar logo no início da COP. Foi um pedido pessoal do presidente Hollande, para reforçar já no primeiro momento a importância do evento.Mas a conferência é muito mais do que discursos de políticos: no total, 40 mil participantes são esperados para o evento, incluindo integrantes da sociedade civil e empresarial, organizações, personalidades e até celebridades engajadas na proteção do planeta. Para entrar no centro de conferências de Bourget, é preciso estar credenciado.A tradicional Marcha pelo Clima, que acontece sempre na véspera das COPs, foi cancelada. Não haverá manifestações?As limitações por causa da ameaça de terrorismo vão impedir a realização da marcha. Mas, mesmo assim, dezenas de eventos paralelos vão acentuar a pressão para que o acordo de Paris seja o mais influente possível. Protestos alternativos vão acontecer na capital francesa, como um percurso sonoro pelas ruas pelas quais a marcha deveria passar. Além disso, os manifestantes vão colocar pares de calçados na praça da República, para simbolizar a presença deles na marcha, que foi proibida por questões de segurança.Os protestos também prometem agitar as redes sociais. Para quem quiser participar de conferências paralelas, haverá uma intensa programação sobre o meio ambiente, na capital e em outras cidades francesas. A lista completa de atividades pode ser consultada aqui.A COP 21 não se restringe a Paris. Em todo o mundo, estão previstas 2.176 manifestações para chamar a atenção para a importância da proteção do planeta.Os países que não cumprirem o acordo podem ser punidos?A Convenção do Clima não prevê nenhum tipo de punição. Entretanto, todos os países signatários são obrigados a fornecer um relatório sobre o que está sendo feito para diminuir as emissões. Esse relatório é analisado por uma comissão independente e internacional e, se não estiver conforme com as promessas, o país recebe uma advertência.“Cria-se um constrangimento. Como participante da comunidade internacional, você não está entregando aquilo com o que se comprometeu”, observa Azevedo. “Isso não é pouca coisa. O constrangimento tem muito valor nesse tipo de processo internacional, porque se você não cumpre o que promete, você tem menos chances de ter as suas proposições aceitas em outras negociações internacionais.”
A série de atentados em Paris e as ameaças de novos ataques na Europa confrontam os brasileiros que vivem na França com uma nova sensação de insegurança, a do terrorismo. A RFI Brasil conversou com alguns desses expatriados para saber como eles se sentem diante dos riscos. A maioria reconhece ter mudado os hábitos, na tentativa de diminuir a exposição a novos atentados. Mas, apesar dos perigos, eles afirmam ter a impressão de ainda estarem mais seguros em Paris do que nas capitais brasileiras. A editora de imagens Juliana Guanais Aguiar vive há 15 anos na capital francesa, onde sempre se sentiu em segurança. Desde os ataques de 13 novembro, o que ela mais estranha é a sensação de que uma nova tragédia pode se repetir em qualquer lugar.“Não diria que eu sinto medo, mas tomo certas precauções. Evito ir a alguns lugares, pegar o transporte público na hora de pico. O que eu acho diferente é que, no Brasil, a gente tem umas regras para seguir, e assim a gente se sente um pouco mais ativo na própria segurança. Aqui, pode-se até evitar o metrô, mas não é isso que vai nos proteger de um atentado. Ficamos completamente passivos”, diz Juliana, acrescentando que, em poucos meses, acredita que a vida parisiense vai voltar a ser o que era. Já no Brasil, a insegurança só piora. “A questão é que, no Brasil, somos ativos, mas as probabilidades de acontecer alguma coisa são muito maiores.”A professora de música Fernanda Primo também se incomoda com o fato de que, apesar das precauções, o terrorismo é mais imprevisível do que a violência urbana a que ela era confrontada no Brasil."Não existe lugar a evitar, qualquer lugar é alvo. Por isso, o estresse é diferente, afinal não temos controle nenhum da situação", constata. "Além disso, o número de vítimas é bem maior de uma só vez."Segurança dentro de casaA gerente de marketing Carolina Mires, 30 anos, mora em uma cidade vizinha da capital francesa e tem evitado frequentar lugares cheios, como shoppings e metrôs.“Eu acho que a diferença entre a violência lá e o terrorismo aqui é que, lá, nem dentro de casa você se sente realmente seguro. Você não sabe se um louco vai querer entrar na sua casa para roubar. Aqui, apesar dos atentados, em casa eu me sinto segura”, afirma. “Você tenta voltar à vida normal, mas, por enquanto, é verdade que se chamarem para ir em um bar em Paris, eu ficarei com um pé atrás.” O risco crescente de terrorismo na França já levava alguns brasileiros a tomar mais cuidado nas ruas. Para o agente de turismo Mario Cesar Pimentel, obrigado pela profissão a frequentar os pontos turísticos de Paris, essa tarefa tem sido mais difícil. No entanto, apesar das ameaças do grupo Estado Islâmico, ele sentia muito mais medo no Brasil do que na França.“Eu acho que a violência urbana que a gente tem no dia a dia no Brasil é muito mais grave. Ela me dava muito mais medo, e foi o principal motivo que me fez sair do Brasil”, frisa. “A violência dos atentados talvez seja mais pesada, mas ela é muito esporádica. A gente sabe que jamais vai acontecer todos os dias. No Brasil, é todo o dia, toda a hora.”Lembrança dos atentados no dia-a-diaDesde os atentados, a gerente de comunicação Jennifer Smith, 38 anos, não consegue mais desligar do assunto. Filha de pais britânicos, ela morou até os 15 anos no Rio de Janeiro, onde foi assaltada e teve um tio assassinado. A inglesa adoraria voltar a morar no Brasil - mas não cogita essa alternativa apenas por questões de segurança.Em Paris, ela vive a duas quadras de um dos locais atacados pelos terroristas, na rue de Charonne. A especialista em comunicação diz que, agora, não se sente mais segura em lugar nenhum. A cada vez que houve uma sirene na capital francesa, Jennifer fica em alerta.“Eu não queria ter medo, estou fazendo de tudo para não ter, porque não quero dar satisfação às pessoas que fizeram todo esse mal, mas a verdade é que estou com muito medo. Acho que é pelo fato de que 19 dos assassinatos foram na minha rua. É algo que eu não posso evitar: vejo o nome da minha rua nos jornais, vejo as pessoas passando para levar velas e flores até o local dos assassinatos”, relata. “Para mim, continua tudo muito vivo e muito presente. Eu fiquei extremamente chocada com esses eventos, que aconteceram em bairros que eu frequento bastante.”Acostumado com São Paulo, chef não tem medoO chef Maurício Zillo também foi surpreendido pelos atentados. O restaurante dele, A Mere, fica próximo dos lugares atacados pelos terroristas. Mas ele está decidido a não se deixar abater.“Eu cresci em São Paulo e agora não tenho medo nenhum. Eu vivo normalmente desde o dia do atentado”, garante. “No próprio dia, a gente fechou o restaurante e desceu com todos os 28 clientes até o subsolo, e ficamos até às 3h bebendo. Nos dias seguintes, obviamente a gente vê as pessoas com medo, mas ainda continua sendo muito mais seguro do que São Paulo. Paris continua sendo Paris.”Guerra ao terror é sensação nova na FrançaA socióloga Angelina Peralva, especialista em violência da Universidade de Toulouse, avalia que os últimos atentados colocaram a França em um novo patamar de ameaça – uma situação com a qual os franceses ainda estão se acostumando a lidar.“Existe uma guerra no território sírio, controlado pelo Estado Islâmico, que responde com uma guerra no território europeu. Eu acho que isso muda o cenário. Mudou a escala do ato de guerra travado no território europeu. O sentimento de insegurança está ligado ao fato de que é difícil medir a capacidade de fogo desses grupos que estão atuando na Europa”, explica a socióloga. “O que está acontecendo em Bruxelas mostra isso, e cria um sentimento de insegurança que é novo.”Peralva ressalta que, ao contrário do Brasil, onde a polícia chega a fazer parte dos crimes que deveria combater, na França as autoridades estão oferecendo uma resposta rápida aos ataques – o que ajuda a população a legitimar as operações anti-terrorismo e, pouco a pouco, a voltar à normalidade.
Na próxima sexta-feira (27) o cantor e compositor brasileiro Ed Motta se apresenta na capital francesa. Em entrevista exclusiva à RFI Brasil, ele comentou os atentados de Paris, falou sobre seu último álbum AOR e afirmou que os fãs brasileiros são bem-vindos aos seus shows no exterior. Ed Motta está em turnê europeia divulgando o seu último álbum AOR (sigla de Album Oriented Rock - da década de 70, quando as rádios tocavam músicas mais longas e menos comerciais). Nesta semana ele toca no Teatro Bouffes du Nord, no âmbito da 3a edição do Festival Worldstock, dedicado às músicas do mundo.O artista desembarca em uma Paris traumatizada pelos atentados de 13 de novembro. Sobre este drama, ele é solidário com os franceses e faz questão de se apresentar na cidade: "Acho justamente que pela situação de tristeza profunda senti necessidade de me apresentar em Paris, cidade que sempre acolheu minha música de uma forma incrível. A primeira vez na minha carreira que eu voltei ao palco quatro vezes, foi em Paris", conta Ed. "Estando perto, numa turnê, é absolutamente fundamental estar em Paris num momento desse", ele afirma.Estilo AORMesmo se desta vez Ed vai fazer um show intimista, com piano e voz, suas energias nesta temporada estão voltadas para o novo trabalho AOR. Brincalhão, ele diz que "depois de velho resolvi fazer o que os rapazes do Sepultura, que hoje já não tão rapazes assim (risos), faziam nos anos 90.  Nessa época eu morei em Nova York três anos, e perguntei por que não tinha feito isso ainda"...Fãs brasileiros, welcome!Ed Motta tem muitos fãs estrangeiros, que costumam lotar os teatros europeus onde se apresenta. Será que espera ver também muitos brasileiros nas plateias?"A relação com os fãs está boa e ficaria muito honrado de ter brasileiros no show, sempre tem brasileiros...", diz Ed, admitindo que houve tensão depois das declarações que fez [no Facebook]. "As pessoas compreenderam completamente errado, foi distorcido, eu não falei do brasileiro em geral, mas de uma parcela de um público que não faz parte da minha audiência, e isso passou a ser o brasileiro em geral...".Ed tem posições bem definidas sobre o seu idioma de comunicação quando canta fora no exterior: "Não falo em português em show na Europa".  
Uma pesquisa realizada pelo instituto Ifop nos dias seguintes aos atentados de Paris revela que 84% dos franceses entrevistados concordam em se submeter a maior controle do Estado em troca de obter um ambiente mais seguro contra o terrorismo. Desde domingo (15), pelo menos 118 pessoas já foram colocadas em prisão domiciliar pela polícia, sem que haja qualquer acusação formal, graças ao Estado de Emergência que está em vigor. A medida desperta a revolta em algumas das pessoas afetadas. Em tempos em que agências governamentais têm cada vez mais poder para vigiar cidadãos, o dilema entre segurança e democracia volta ao centro do debate europeu. Até que ponto vale a pena abrir mão de alguns direitos, como a privacidade, para viver em uma sociedade imune ao terrorismo? É possível manter um país em segurança resguardando 100% os direitos dos cidadãos?O sociólogo americano Amitai Etzioni, professor da George Washington University, não tem dúvida de que sacrificar estas liberdades por algum tempo vale a pena. “Se você analisar a história humana, 99% das vezes em que a liberdade foi perdida, não foi porque se deu mais poder ao governo, mas porque o governo não agiu.”Etzioni cita como exemplos a Rússia nos anos 90 e os Estados Unidos pós-11 de Setembro: “Havia tanta anarquia que o povo russo disse ‘esqueça a democracia, me dê um líder forte’. E essa é a origem de Vladimir Putin. Nos EUA, depois do 11 de setembro, 70% dos americanos disseram 'esqueça a constituição, me dê segurança'”.Para o sociólogo, é natural que, agora que os EUA atravessam um longo período sem ataques, surjam críticas, por exemplo, à atuação da NSA (Agência de Segurança Nacional). “Se você realmente quer proteger a democracia, precisa dar às pessoas um nível razoável de segurança. E isso requer dar ao governo mais licenças”, sustenta Etzioni.Assim como a França agora debate uma mudança na legislação para poder monitorar melhor potenciais terroristas, os Estados Unidos deram plenos poderes ao governo no início da década passada para fazer escutas telefônicas e interceptações, através do decreto que ficou conhecido como Patriot Act. No último mês de junho, a França aprovou uma nova lei dando muito mais poderes ao governo neste sentido.Nathan A. Sales, professor da Universidade de Syracusa, em Nova York, fez parte da equipe que redigiu o Patriot Act em 2001, quando trabalhava no Departamento de Justiça americano, e considera a nova lei francesa mais forte que a americana. “Não há necessidade de aprovação judicial e há um número maior de tipos de caso em que você pode fazer monitoramento, não apenas terrorismo e espionagem, mas também investigação industrial ou econômica. Em termos de autoridades legais, o governo francês tem mais ferramentas do que o americano”, afirma Sales (leia a entrevista completa).Estado de emergênciaMas se a nova e dura lei de vigilância francesa não foi o suficiente para impedir os ataques de Paris, o governo de François Hollande prepara um conjunto de reformas constitucionais para tornar mais difícil a vida dos extremistas. Para começar, estendeu por três meses o Estado de Emergência.Esse dispositivo permite ao governo medidas extremas, como  fazer buscas e apreensões dia e noite, sem necessidade de provas contra ninguém. Na lei original, de 1955, até mesmo a censura à imprensa estava autorizada. Na revisão feita pela Assembleia Nacional na quinta-feira, a possibilidade de censura foi derrubada, mas o governo continua podendo bloquear sites com conteúdo jihadista.O professor de História da Sorbonne Hervé Drévillon diz que um endurecimento da lei pode ter algum efeito, mas o que poderia realmente combater o terrorismo seria alguma mobilização que engaje os cidadãos franceses, e não apenas o governo.“Eu não contexto a legitimidade dessa lei, e também compreendo que agora o debate sobre a adaptação da constituição e ampliação do Estado de Emergência esteja de volta”, diz Drévillon. “Mas observo que temos a tendência a se fechar em um debate apenas técnico. Temos que saber também por que cidadãos franceses detestam o seu país ao ponto de cometer estes atentados. Para mim, essa é a questão essencial”, pondera Drévillon.O historiador da Sorbonne aponta o que considera um paradoxo: o governo diz que a França está em guerra, mas não há mobilização popular. “Que tipo de guerra não envolve o seu povo?”, questiona. Drévillon defende, por exemplo, a obrigatoriedade do serviço cívico, um projeto de trabalho voluntário junto às funções públicas oferecido pelo governo aos jovens franceses, que hoje é apenas opcional.
Todos os terroristas dos atentados de Paris eram muçulmanos. Uma realidade que leva a população islâmica da França, a primeira da Europa - estimada em 10% dos mais de 66 milhões de habitantes do país - a se preocupar com a estigmatização da sua comunidade. Como resposta à islamofobia crescente, o Conselho francês do Culto Muçulmano, maior instituição representativa do Islã, decidiu reagir e reunir mais de 2.500 mesquitas da França para divulgar nesta sexta-feira (20), dia da grande oração, um texto solene condenando "sem ambiguidade, toda forma de violência ou de terrorismo". Nesta mesma data, a Grande Mesquita de Paris, que há um século representa a presença do Islã na França, convocou pela primeira vez uma grande reunião para reafirmar a mensagem de paz implícita em sua religião.O reitor Boubaker Dalil, explica porque tomou esta iniciativa: "Somos sensíveis a todos que são vítimas do terrorismo e fazemos um apelo aos poderes públicos para reforçarem ao máximo a prevenção desses atentados que afetam profundamente nossa população, todos os princípios de vivermos juntos explodiram nesse momento. Não sei se as pessoas estão percebendo que estamos em estado de guerra, uma guerra declarada, uma guerra sem piedade, uma guerra mecânica. Agora é preciso que o ser humano recupere esse lado de volta à vida de paz e serenidade, a sermos solidários, compassivos.  Os atentados fizeram mortos cristãos, judeus, muçulmanos, então, os terroristas agem cegamente sem poupar ninguém e todos nós estamos envolvidos enquanto parisienses e franceses".O iman Khaled Bouchama é presidente da União dos Muçulmanos da Île-de-France, região que circunda Paris e da qual faz parte Saint-Denis onde, no dia 18 de novembro, uma operação das Forças Especiais matou e prendeu terroristas. Fato inédito e preocupante, uma mulher kamikaze acionou sua cintura explosiva pela primeira vez na França.Para o iman de Île-de-France, esses grupos extremistas não representam a ideologia islâmica e é importante que sejam dissociados da comunidade religiosa. " Acho importante que o segmento associativo muçulmano se expresse com força e diga que essas pessoas não representam os muçulmanos franceses, eles fazem uma leitura equivocada e falsa dos principios da religião muçulmana, que é uma religião de amor e de paz. Esperamos também que os políticos compreenderão e passarão sua mensagem no sentido inverso: os muçulmanos e o Islã não têm nada a ver com o que está acontecendo", observa o religioso.EstigmatizaçãoA mineira Silvia Capanema, vereadora e vice-presidente do Conselho de Saint-Denis, cidade onde os jihadistas estavam escondidos, alerta para o risco de estigmatização: "Claro que a França tem uma grande população de países árabes, isso é uma riqueza para o país e, é claro, nem tudo vai ser uma coisa fácil. Tem uma minoria de pessoas que podem se radicalizar, mas a maior parte dos muçulmanos da França são pessoas extremamente pacíficas e mesmo moderadas", diz Silvia, lembrando que há muito tempo a cidade de Saint-Denis pede o reforço do policiamento pelo Estado, já que a polícia municipal tem funções muito restritas."Saint-Denis cresceu muito. Essa violência aí, esse terrorismo infiltrado, tem a ver com outras violências como tráfico de drogas, assaltos...", diz a vereadora.A grande oraçãoNa sexta-feira, melhor dia em que se levantou o Sol, segundo o Islã, os muçulmanos da França vão se unir para mostrar que Islamismo não é sinônimo de terrorismo.
Os atentados que deixaram 129 mortos na noite de sexta-feira em Paris desencadearam uma nova onda de islamofobia na França. Pichações anti-muçulmanas apareceram em várias mesquitas e salas de oração islâmicas por todo o país. Açougues hallal - em que a carne é preparada na forma ritualística exigida pelo Alcorão - foram depredados e organizações nacionalistas saíram à tona para reivindicar a expulsão de muçulmanos do território. Na Bretanha, um comerciante norte-africano foi linchado por militantes de uma organização de extrema-direita. Mas o caso mais grave foi o de um turco, que tomou um tiro nas costas enquanto andava pela rua em Cambrai, no norte do país. O atirador, que se matou na mesma noite, estava com mais duas pessoas em um carro que ostentava a bandeira francesa. De acordo com o procurador municipal, a razão foi que o atirador "não gostou da cor da pele" da vítima.Para Mohammed Mechmache, presidente do coletivo AC Le Feu, os atentados jogam mais combustível na já enorme fogueira da islamofobia: "Depois dos atentados, é claro que as pessoas olham pra gente de um jeito diferente na rua. Utiliza-se palavras muito violentas, como islamofascista", afirma.O presidente de honra do Conselho Francês do Culto Muçulmano, Mohammed Moussaoui, acredita que o termo não tem qualquer rigor histórico e só serve à estigmatização: "o fascismo nos remete a uma historia sombria da Europa e, principalmente, do nosso país, uma vez que os franceses colaboraram com o nazismo e o fascismo em nome de uma certa concepção da França e de seus valores. E ninguém pensa em definir essa colaboração como francofascismo ou franconazismo. A associação da palavra França com o fascismo e o nazismo seria uma ofensa insuportável para todos nós, franceses".Integração x estigmatizaçãoO sociólogo Michel Wieviorka da Universidade Science Po, entrevistado pela RFI hispanofônica, avalia que os muçulmanos franceses vivam sob uma pressão extrema acerca de sua identidade, já que a maioria quer guardar sua religião para o espaço privado - e é exatamente isso que cobra deles o discurso da "integração", segundo o qual, para viver na França, eles devem se adaptar à cultura francesa, por mais vago que seja esse conceito.Por outro lado, "há uma pressão da sociedade para que os muçulmanos digam que não são a favor da violência etc. Ou seja, isso os obriga a aparecer no espaço público enquanto muçulmanos que não querem a violência. É uma situação paradoxal: você deve ser como os outros, não aparecer como muçulmano no espaço público e, ao mesmo tempo, você deve dizer, neste mesmo espaço público, que, como muçulmano, você não gosta da violência".Oportunismo de extrema-direitaPerspicaz na leitura deste conflito, o partido extremista Frente Nacional, de extrema direita, baseou sua campanha nos bairros de maioria muçulmana da cidade no slogan "escolha sua periferia". As alternativas são, de um lado, uma jovem de traços árabes com as cores da bandeira francesa pintadas sobre o rosto e, de outro, uma outra, cuja burca só permite entrever os olhos. O muçulmano "integrado" representa a paz e a liberdade, enquanto o muçulmano "não-integrado", é a barbárie, a violência, o terrorismo. Mas claro que nada no mundo é binário. O véu que cobre os cabelos de uma muçulmana não pode ser transformado em símbolo de terrorismo porque a imensa maioria das mulheres que o usam não têm qualquer simpatia pelo jihadismo violento.Mas o discurso maniqueísta oferece uma possibilidade simples de interpretação do mundo e deixa a Frente Nacional, assustadoramente bem colocada nas pesquisas de intenção de votos para as eleições regionais de 6 de dezembro. Para Mechmache, o extremismo islâmico é um ótimo catalizador do discurso da líder da sigla, Marine Le Pen: "As pessoas que não pensam, que não conseguem ler as entrelinhas, que não compreendem as questões em jogo podem cair facilmente em extremismos - e também existem extremismos políticos. Eles pensam que um político extremista radical pode resolver o problema deles. Mas eu não acredito nisso. As coisas só vão mudar pela ação do povo. Só a sociedade civil, os cidadãos, são capazes de mudar as coisas".E essa mudança certamente não passa pelo suicídio da juventude seduzida pela retórica apocalíptica do grupo Estado Islâmico.
Em meio a uma atualidade internacional cheia de más notícias, entre a guerra na Síria, a crise migratória europeia e os conflitos no leste ucraniano, essa semana, como por encanto, todos as atenções se voltaram para as telonas. A estréia de 007 contra Spectre, o 24° episódio da saga de James Bond, invadiu a mídia e levou milhares de pessoas para as salas de cinema batendo recordes em vários países. Mas por trás do sucesso de bilheteria, o espião britânico esconde um verdadeiro garoto-propaganda do papel – idealizado – da Grã-Bretanha no cenário mundial. Mesmo quem não é fã de cinema dificilmente conseguiu evitar o bombardeio midiático da estreia do filme dirigido por Sam Mendes. Seja nos painéis publicitários expostos nas ruas das grandes cidades, nos trailers divulgados na internet ou nas campanhas das marcas parceiras da produção, foi praticamente impossível não ver o rosto do ator Daniel Craig ou de suas “Bond Girls” da vez, a francesa Léa Seydoux e a italiana Monica Bellucci.Aproveitando o barulho, o Instituto de Estudos de Relações Internacionais (Ileri) organizou recentemente em Paris uma conferência com um título provocador : "James Bond seria um herói geopolítico?" A instituição, conhecida por formar profissionais para a diplomacia e para trabalhar nos setores de segurança e defesa em organismos multilaterais, convidou especialistas que mostraram que o espião britânico não estaria tão longe das grandes preocupações internacionais.Para o historiador e cientista político David Vauclair, que participou da conferência, James Bond pode ser considerado um personagem geopolítico. Principalmente pelo fato de combater em nome de um país, e não por razões pessoais, como acontece frequentemente com os demais heróis. Além disso, o especialista ressalta que o espião é um instrumento utilizado pela Grã-Bretanha, mesmo se ele representa uma visão idealizada do país da rainha Elizabeth. “James Bond é uma espécie de herói ou de mito que compensa a perda das colônias britânicas e, de maneira mais ampla, o fenômeno do fim da colonização dos anos 1950 e 1960. O autor Ian Fleming tentou responder ao que ele estimava ser o fim de um império britânico e do papel central da Grã-Bretanha no contexto mundial. O personagem do espião permite que o país continue a viver por meio de suas aventuras, mesmo se essa é uma Grã-Bretanha idealizada”, analisa o professor da Ileri e da universidade Paris Sud.Recorde de públicoA fórmula da saga parece ter funcionado mais uma vez. Além de arrecadar US$ 73 milhões em seu primeiro fim de semana nos cinemas dos Estados Unidos e do Canadá, 007 contra Spectre foi assistido por quase um milhão de pessoas em apenas dois dias na França, batendo todos os recordes já registrados.Mas para David Vauclair, além do sucesso de bilheteria, o personagem de James Bond é um verdadeiro símbolo do chamado soft power, uma forma sutil de vender uma boa imagem de uma nação para o mundo. “Se pegamos o exemplo do Brasil, o carnaval, a música brasileira, o futebol e a capoeira vão dar uma imagem positiva e de sedução ao país, que vai além de suas fronteiras. James Bond faz a mesma coisa ao propor um modo de vida, uma maneira de se vestir, um humor e uma forma de eficiência e de sedução que são britânicos e ocidentais. E funciona, pois desde o início da saga, bilhões de pessoas foram seduzidas pelo herói de Fleming", comenta.Relembre os primeiros episódios da saga de James Bond11 de setembro é tema tabuO primeiro 007 a aparecer nas telas foi em 1962, em Contra o Satânico Dr. No, filme que estreou no mesmo ano da crise dos mísseis em Cuba. Mas isso não quer dizer que os produtores tentem abordar temas realmente delicados, como o conflito no Oriente Médio ou os atentados das Torres Gêmeas de 2001 em Nova York, eventos que mudaram as relações internacionais no planeta, mas são praticamente ignorados na saga.“No caso dos atentados de 11 de setembro, as razões são puramente comerciais. Ao serem questionados sobre a ausência do 11 de setembro nos filmes, os produtores disseram que o mercado do Oriente Médio era muito importante para que eles enviassem James Bond enfrentar esse tipo de inimigo”, comenta Vauclair. “Isso quer dizer que, na maioria das vezes, os inimigos de James Bond são ocidentais e, quase sempre, representam uma questão de atualidade, que fascina e preocupa a população, como foi o caso da tecnologia, muito presente nos dois últimos filmes”, analisa.James Bond brasileiro ? O professor lembra que a espionagem, assim como a geopolítica, mudou muito nos últimos anos, com novos atores de peso no cenário internacional. “Se tentarmos imaginar esse personagem na vida real, James Bond poderia vir das economias emergentes, dos países dos BRICs, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que desejam ter mais influência internacional”, comenta. Mas o historiador ironiza, dizendo que, em 2015, um espião nos moldes do 007 poderia muito bem ser “um iraniano e agir entre Turquia, Irã, Iraque e Síria, pois nessa região teria muita coisa a ser feita atualmente”.
Nesta semana, países-membros, jornalistas e profissionais do setor se encontram na Tunísia, para discutir novas formas de abordar o turismo em tempos de crise. No centro dos debates, a segurança nos destinos turísticos, uma prioridade em todos os países do mundo, incluindo o Brasil. Nos dias 12 e 13 de novembro a Tunísia acolhe a IV Conferência internacional sobre mídias e turismo, organizada pela Organização Mundial do Turismo, (OMT).Entre os temas debatidos está uma questão relevante da atualidade: o papel das mídias especializadas em regiões atingidas pela violência. A própria Tunísia teve o seu turismo, que responde por 15,2% do Produto Interno Bruto, bastante afetado pelo terrorismo neste ano depois de dois ataques terroristas que causaram a morte de dezenas de turistas estrangeiros.Sandra Carvão, diretora de Comunicação da Organização Mundial de Turismo, espera abordar com os participantes a difícil, mas necessária, questão da segurança que, para ela, é global. "Um dos temas da conferência é exatamente discutir como tratar com os meios de comunicação em momentos de crise. Antes de mais nada eu gostaria de dizer que a questão da segurança no turismo, hoje em dia, infelizmente é uma questão global. Não podemos mais associar um país A ou B à violência, é um desafio que todos temos que enfrentar e que só pode ser resolvido, ou melhorado, com a participação de todos os atores em nível global", diz a diretora, explicando que o trabalho que espera fazer é entender como o setor turístico pode trabalhar melhor com os meios de comunicação durante períodos de crise, aprender com as mídias a fazer uma comunicação que seja transparente, eficaz, pois todos têm o mesmo objetivo: que o setor não seja afetado pois, com ele, são afetados milhares de empregos também.Brasil, destino em ascensão com real em baixaPara Sandra Carvão, o turismo do Brasil vai bem e a imagem do país vai ser reforçada com a proximidade dos Jogos Olímpicos. "O Brasil é uma potência turística muito significativa na América Latina e em todo o mundo. Com os acontecimentos dos eventos esportivos a imagem vai ser reforçada, como aconteceu durante a Copa, o turismo doméstico já é fator de grande desenvolvimento e o internacional está crescendo de forma significativa", diz a diretora.O impacto das flutuações da moeda repercute no turismo do Brasil e na Europa. "O que vemos é uma redistribuição da procura para destinos que tenham uma moeda mais fraca. Sobre o fato de haver destinos menos ou mais seguros, como eu já disse, hoje em dia, infelizmente, estamos a falar de um desafio que é global e que todos os países têm que levar em consideração. Mas é verdade que, em termos das moedas, temos visto que o dólar forte tem privilegiado destinos como o Brasil, que os americanos preferem também", conclui a especialista.    
Nesta quarta-feira (11), Angola celebra o 40° aniversário de sua independência. Mas a festa, com direito a show de Stevie Wonder e Jackson 5, ocorre em meio à tensão: os efeitos da crise financeira começam a afetar o crescimento, a contestação ao presidente José Eduardo dos Santos cresce e, com ela, a repressão do governo, às vezes brutal. Neste contexto, será que a comemoração pode servir de chamado à unidade? O cientista político angolano e professor licenciado da Universidade Técnica de Lisboa Eugênio Costa Almeida gostaria de pensar que sim. Mas, como ele mesmo diz, o pragmatismo aponta o contrário. "Eu gostaria que o dia fosse consagrado à reunificação das vontades de todos os angolanos", afirma o professor. "Todavia, a clivagem que algumas partes fazem, mesmo da parte do partido que apoia o poder e também do lado da oposição, reverberam demasiado, face às contingências". Para ele, é necessária uma "maior contenção nas palavras e uma maior abertura nos atos, de modo a promover a estabilização política e social do país".Em entrevista à RFI portuguesa, o representante do Conselho de Activistas de Angola Raúl Mandela prometeu que a mobilização deve continuar até que o presidente José Eduardo Santos peça demissão. Ele pede que os cidadãos tenham "a coragem de dizer ao senhor José Eduardo dos Santos que ele está há muito tempo no poder" e lembra que "Angola é um país democrático de direito e queremos que ele saia do poder".Presidente soberanoApesar de estar há 36 anos na função, não foi exatamente a longa permanência de Santos à frente do executivo que motivou os protestos, mas uma reforma constitucional. Em 2010, ele revisou a Carta Magna, classificando o presidente da República como um "órgão soberano" do Estado. A juventude se revoltou com essa medida e iniciou, em 2011, o que a imprensa local tem chamado de um "jogo de gato e rato" com as forças de segurança. Os manifestantes organizam protestos pelas redes sociais e a polícia tenta impedi-los antes que cheguem às ruas.Em coletiva de imprensa concedida no último dia 6, o ministro do Interior Ângelo Veiga Tavares justificou a repressão, dizendo que "a lei das manifestações diz que não se deve ofender os órgãos de soberania". Para ele, as manifestações visam justamente ofender "um órgão de soberania, que é o presidente da república" e "certamente, os órgãos de polícia devem fazer cumprir a lei". Como o próprio ministro explica, a lei diz que a "polícia pode, a todo momento, impedir a realização de uma manifestação", por menos democrático que isso seja.Assassinato e torturaMas, no último mês, três ativistas foram mortos por agentes do Estado, uma outra barbaramente torturada, e 18 continuam presos. Para Eugênio Costa Almeida, a reação governamental é nitidamente exagerada: "Face a essas situações todas, deveria haver uma maior abertura, uma maior calma, uma maior ponderação. No caso dos três jovens, dizem que foram abatidos por alguém que se intitula autoridade". Mas, para o professor, alguém que mata de maneira leviana não é digno de ser autoridade."Essas situações nunca foram qualificadas e isso provoca uma certa instabilidade emocional e social, mais que política", afirma, acrescentando que, no plano governamental, as cartas continuam as mesmas: o MPLA do presidente segue com maioria absoluta e a oposição continua encabeçada pela Unita. A novidade é que, desde 2013, a CASA-CE, dissidência centrista da Unita, vem se consolidando com terceira força política do país.Mas, se não foi capaz de reestruturar radicalmente o espectro político, o caso dos ativistas presos ganhou importante atenção internacional, principalmente por conta dos 36 dias de greve de fome de um deles, o rapper Luaty Beirão. A Anistia Internacional exigiu que eles fossem autorizados a aguardar o julgamento em liberdade, como prevê a lei. No Brasil, a deputada socialista Luiza Erundina apresentou uma moção de solidariedade aos jovens e pediu seu encaminhamento ao governo angolano. Para ela, não há independência sem liberdade de expressão.País divididoA festa nacional relembra o dia em que Angola se libertou do jugo português, mas não basta para sanar a polarização interna de um país que, apesar de ter uma elite rica o suficiente para salvar o sistema bancário português durante a crise financeira, não fornece saneamento básico a 40% da população.Angola ostenta a maior taxa de mortalidade infantil do mundo. Enfim, uma nação cujo dinamismo econômico e a abundância de riquezas naturais não se traduzem em distribuição de renda. Um país independente há 40 anos e livre da guerra civil há 13, mas radicalmente dividido pela desigualdade.
Enviados de todo o mundo se reúnem em João Pessoa para discutir a evolução e o futuro da internet.  Participação especial para RFI Mauricio AssumpçãoComeça na terça-feira (10) , em João Pessoa, na Paraíba, o 10º Fórum de Governança da Internet. O evento, promovido pelas Organizações das Nações Unidas, acontece pela segunda vez no Brasil, contando com a presença de enviados de governos, representantes da comunidade acadêmica, do setor privado e da sociedade civil de vários países. No encontro, que discute a evolução da internet sob todos os seus aspectos, o tema central será o papel da internet no Desenvolvimento Sustentável. "Se a gente pensar que a Internet é cada vez mais um meio de inclusão social, que é um meio de promoção do desenvolvimento econômico, na medida em que chega a comunidades mais remotas, possibilitando novos negócios, conectando as pessoas, ajudando-as no seu desenvolvimento educacional e cultural, fica evidente que a internet está se tornando um dos principais instrumentos do desenvolvimento sustentável", explica Flávio Wagner, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil.Um dos debates mais antecipados do Fórum será, com certeza, o Big Data. Nome em inglês do gigantesco volume de informações pessoais colhidas pela internet."Hoje muitas empresas já trabalham com a previsão do que nós, consumidores, vamos querer comprar amanhã. Assim, vendem espaço publicitário que vai nos induzir a desejar certos produtos no futuro", alerta Érika Campelo, responsável de projetos digitais da ONG Ritmo em Paris.Já Flávio Wagner comenta que "setores da sociedade civil reclamam da invasão de privacidade. Dizem que muitas vezes o usuário não se dá conta desse enorme volume de dados que está sendo coletado sobre a sua vida pessoal, seus hábitos, sobre tudo que as pessoas fazem no dia-a-dia. Eles dizem que deveria haver um certo equílibrio, que se respeitasse a privacidade das pessoas, ou pelo menos que os termos e condições de uso dessas redes sociais e websites de comércio eletrônico fossem mais claros, e exigissem uma concordância explícita e bem informada por parte dos usuários".Para os setores que representam a sociedade civil, a questão deve focar no trabalho de educação e conscientização dos internautas. "O nosso trabalho, nos movimentos sociais de organização civil, é educar, sensibilizar as pessoas para que elas percebam que tudo tem uma consequência. As nossas pegadas digitais ficam impressas na internet, e são elas que formam a nossa identidade digital", explica Érika Campelo.Outra questão que tem recebido destaque na imprensa, sobretudo com a exposição de imagens íntimas de celebridades, é a privacidade na internet. O problema é a impossibilidade de se remover um conteúdo indesejado que tenha caído na rede. "Depois que caiu na internet, a pessoa pode tentar remover (o conteúdo indesejado) através de ordem judicial, mas isso não adianta", esclarece Flávio Wagner. "A informação pode ser reproduzida milhares de vezes. Ela passa de pessoa para pessoa, sendo guardada nos seus computadores. Então, essa informação vai estar sempre lá, mesmo que se consiga uma ordem judicial para se remover a informação da website que gerou a informação. Nenhum juíz ou autoridade policial vai ter acesso a toda rede, e a informação poderá sempre voltar à internet". Se o roubo ou pirataria de imagens privadas torna-se um problema incontornável por causa do anonimato permitido pela Internet, este mesmo anonimato oferece a oportunidade para que se faça oposição política, sem o temor de represálias."É um dilema que a sociedade tem que resolver. Onde estão os limites da privacidade? Precisamos conservar o anonimato para resguardar a liberdade de expressão contra regimes autoritários. Por outro lado, o anonimato permite que um ciminoso escape da ação policial", lembra Flávio Wagner.O décimo Fórum de Governança da Internet vai durar três dias, terminando na sexta-feira, 13 de novembro. Vale lembrar que o encontro, promovido pela ONU, não tem caráter deliberativo, isto é, seus debates e conclusões não têm a força da lei, servindo apenas como orientação para os governos de todo o mundo.
A ministra da Saúde da França, Marisol Touraine, anunciou na última quarta-feira que os homossexuais masculinos poderão doar sangue na França a partir de 2016. Os gays estavam proibidos de realizar a prática desde 1983, quando houve uma forte incidência de infecção por HIV nessa população. Porém as severas restrições da nova medida dividem opiniões entre o movimento gay. Enquanto algumas entidades as consideram estigmatizantes e discriminatórias, outras apóiam. Em um primeiro momento, segundo a ministra, os homossexuais apenas poderão doar sangue se não tiverem feito sexo nos últimos doze meses. No caso da doação apenas do plasma, o tempo de abstinência cai para quatro meses. Os heterossexuais apenas têm restrições caso tenham trocado de parceira ou tenham tido relações sem preservativo - quando terão que ficar quatro meses em abstinêcia antes de doar.As associações de defesa dos direitos dos homossexuais SOS Homophobie, Fédération LGBT e Act-up Paris condenaram a estigmatização dos gays. Anthony Roux, vice-presidente do SOS Homophobie, considera a medida hipócrita. "Essa medida vai permitir reinserir no sistema de doação de sangue os homens que tiveram relações sexuais com outros homens ao longo da vida. Mas nós não achamos que isso seja suficiente, pois passamos de uma proibição permanente a uma condição de abstinência sexual de doze meses. E, evidentemente, a maioria dos gays não fica abstinente por 12 meses. Então essa medida é relativamente hipócrita e, no final, não vai permitir aos homossexuais doar seu sangue como anunciado pela ministra da saúde."Para Anthony, as restrições aplicadas aos gays são uma forma de homofobia. ""Devemos ser claros. Doar sangue não é um direito, mas, por outro lado, é um dever cívico. E, quando excluímos toda uma parte da população unicamente se baseando em uma de suas características, como neste caso a orientação sexual, há uma verdadeira estigmatização. É também uma forma de homofobia legitimada pelo poder público. Isso provoca um impacto sobre a sociedade. O que nós pedimos é que as restrições para a doação de sangue não sejam mais baseadas no critério de população de risco, mas de comportamento de risco. E que todas as contra-indicações à doação sejam baseadas nas práticas sexuais das pessoas, e não simplesmente na orientação sexual."Passo importanteJá outros grupos, como Inter-LGBT e Aides, são menos críticos. Michel Mangin, responsável pelas questões de saúde do Inter-LGBT, participou das discussões no Ministério da Saúde que levaram à recente autorização. Ele vê a medida como uma passo importante. "Na verdade, chegamos a essa decisão colocando em primeiro lugar a segurança da transfusão de sangue, que é um elemento muito importante para nós. Efetivamente os critérios são muito rígidos para os homens que têm relações sexuais com outros homens. Mas, por enquanto, é uma boa etapa, que deve evoluir, segundo a ministra. Esperamos novos dados científicos, que serão coletados durante o primeiro ano da medida, que deverão permitir a redução desse critério."Michel explica por que acha que as restrições são justificáveis: "Sabemos que toda a população é afetada. Mas a prevalência entre os homossexuais é muito elevada, chegando a 17%. Enquanto que, na população em geral, o índice é de 1%. Para reduzir o critério de doze meses de abstinência, é necessário combater a epidemia de HIV, trabalhar os meios de prevenção, fazer campanha para a realização do teste. Devemos, antes de tudo, combater a epidemia".Regras brasileirasNo Brasil, as regras para os gays são parecidas com as da França, como explica Gustavo Torres, do departamento de comunicação da Fundação Pró-Sangue, de São Paulo. "A portaria que define as regras para a doação de sangue, 2.712, de 12 de novembro de 2013, define que homens que tiveram relações sexuais com outros homens devem ficar 12 meses em abstinência para doar".O diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, Dante Langhi Jr., explica o porquê da restrição no Brasil. "A explicação técnica diz que é um caso em que há um aumento no risco de transmissão de doenças", diz.Os heterossexuais, tanto homens quanto mulheres, também devem ficar 12 meses em abstinência no Brasil caso tenham se relacionado com várias pessoas ou se tiverem tido relações sexuais sem proteção.
Nesta quinta-feira, 5 de novembro, a França lança o primeiro Dia Contra o Bullying nas Escolas, um problema que afeta 700 mil estudantes por ano no país. Para marcar a data, o Ministério da Educação preparou uma grande campanha que antes mesmo de estrear já causou uma grande polêmica. A campanha do governo francês tem como alvo alunos do ensino básico de 7 a 11 anos, principal faixa de idade das vítimas de bullying na França. A iniciativa conta com um trabalho de sensibilização e novas ações dentro dos estabelecimentos escolares do país. Um número de telefone de atendimento às vítimas também foi criado, além de um site que orienta alunos, pais e professores. Para lançar a campanha, rádios, televisões e cinemas veiculam a partir de hoje um vídeo, que foi alvo de muitos protestos. Assista:O vídeo mostra uma sala de aula em que alunos agridem, jogam papeis e insultam um colega. “Você não vale nada”, “cretino”, “você não sabe nem mesmo ler”, “burro”, “você é a vergonha da classe”, disparam os jovens estudantes contra o pequeno Baptiste, que em nenhum momento reage. Quem também não tem nenhuma reação é a professora, que não percebe o bullying contra o garoto e continua a aula normalmente. Na saída da escola, é uma colega da vítima que o consola e oferece ajuda.O material irritou os professores. O principal sindicato da categoria na França, SNUipp-FSU, pede que a difusão do vídeo seja cancelada. “É preciso que o Ministério da Educação compreenda que se queremos fazer uma campanha séria contra esse grave fenômeno do bullying, precisamos de ações que unam todas as partes, ou seja, aqueles que sofrem com esse problema e que devem se aliar para lutar contra o bullying nas escolas: alunos, pais e professores. Mas, ao contrário, o vídeo da campanha do governo ridiculariza os professores, mostra uma professora que não se importa com seus alunos, que não vê o que acontece na sala de aula e que não faz nada. Isso passa a mensagem de que as escolas não são a solução, mas o problema. E esse é exatamente o oposto do que nós desejamos veicular”, diz secretário-geral do sindicato, Sébatien Sihr.Mobilização urgenteNo entanto, nem todos tiveram essa percepção do vídeo. Para associações, o mais urgente é a mobilização sobre a questão. Para o presidente da Associação de Luta contra o Bullying, Pierre Gouzy, ele próprio vítima de violências na escola, a iniciativa do governo é importante porque serve para esclarecer o que é o bullying e como agir quando o aluno é violência desse tipo de agressão.“Quando sofri bullying, não tinha consciência do que era e não sabia como resolver esse problema. Eu tinha 13 anos quando o bullying começou na escola e isso durou até os meus 16 anos, aconteceu entre o ensino básico e o médio todos os dias, realmente. Eu não sabia o que fazer. Uma única vez ousei falar na escola, mas eu não tinha nem consciência do que o que eu vivia era bullying. Quando conversei com minha mãe sobre o assunto, ela disse que eu era o culpado pelo que me acontecia”, conta."Pode acontecer em qualquer país"A psicóloga brasileira Elisângela Deserbais trabalha em Paris e tem entre seus pacientes algumas vítimas de bullying. Ela ressalta que esse tipo de violência não é vinculada a uma cultura ou sociedade específica: ”Pode acontecer em qualquer país. E tem vários pontos em comum, independente da sociedade em que acontece: é um ato caracterizado pela violência psicológica que pode ser verbal, física, ou ambos. As formas de agressão mais frequentes são empurrões, pontapés e insultos. Mas as crianças e adolescentes sofrem muito mesmo é com as mentiras que são espalhadas com o intuito de humilhar e ferir a dignidade da vítima”.Na opinião da psicóloga brasileira Julia Thomé Bensoussan, que também atua em Paris, o espaço limitado que as crianças ocupam na sociedade francesa pode dificultar a percepção do sofrimento delas. “Como em geral as crianças francesas não são muito ouvidas, talvez seja mais difícil perceber que ela está sofrendo bullying. Mas eu não acho que isso propicie mais essa violência na França. Mas acredito que essa característica pode atrapalhar no momento de detectar o problema”, analisa."Condenado a me matar"O jovem Jonathan Destin sofreu com o bullying dos colegas de escola durante seis anos sem que professores ou pais percebessem a gravidade das violências. Aos 16 anos, ele decidiu colocar um fim ao seu sofrimento e tentou se matar ateando fogo em si mesmo. Com 72% do corpo queimado, passou três meses em coma e foi submetido a 17 cirurgias.Hoje, aos 21 anos, ele publicou um livro sobre o assunto, "Comdamné a me Tuer", em português, Condenado a me Matar. “Com esse relato espero sensibilizar o máximo de pessoas possível sobre o bullying. Quando fui vítima deste problema, não sabia que havia uma saída para ele”, relembra.Às vítimas de violências na escola, Destin tem um principal conselho: “Gostaria de dizer às pessoas que enfrentam esse problema que o denunciem, que conversem sobre isso com alguém em quem confiem, seja pais, um professor, um amigo e que, sobretudo, não se isolem”.De acordo com dados do Ministério da Educação, 15% dos estudantes do ensino básico sofrem bullying, um número que na verdade é muito maior, já que a primeira reação das crianças ao ser alvo de violências físicas ou verbais na escola é se calar.
Quem conhece Paris sabe que o transporte público da cidade não deixa a desejar. Além de oferecer uma rede completa de metrôs, ônibus, bondes e trens metropolitanos, a administradora do serviço, a RATP, promove até 25 eventos de entretenimento por ano nas estações da capital francesa. Nesta semana, é a vez de três famosos chefs de cozinha descerem as escadarias do metrô para ensinar dicas de culinária para os viajantes. Uma verdadeira cozinha foi instalada entre as linhas 9 e 13, na estação Miromesnil, no 8º distrito da capital. O evento dura três dias e inclui jogos de degustação: dezenas de passageiros são sorteados para adivinhar os ingredientes dos pratos, e os vencedores ganham brindes.O chef Patrick Bertron, 3 estrelas no disputado guia Michelin, veio mostrar como escolher e preparar o famoso foie gras, iguaria essencial da gastronomia francesa.“Para mim, é importante estar aqui no metrô para mostrar que a cozinha pode ser boa em qualquer lugar, tanto em um grande restaurante quanto, principalmente, em casa”, afirma. “É a escolha dos produtos e maneira como eles serão tratados e combinados que fazem a boa culinária.”Este é o sexto ano que Bertron participa do evento, que se repete pela sétima vez. Ele percebe que alguns usuários já até se tornaram habitués do encontro anual.Outros vieram para conhecer de perto a chef pâtissier Nina Métayer, que participou recentemente de um conhecido programa de culinária na televisão. Em meio à correria do metrô, ela prepara madeleines e choux, doces tradicionais que remetem à infância de todo o francês.“É bem fácil de fazer. É massa “choux” recheada com um bom creme. O segredo é colocar amor. Escolhi produtos simples para que todo mundo se reconheça”, explica a jovem chef. “É legal poder conversar com o público, dar umas dicas sobre as madeleines e as choux e sobre como associar os sabores em casa.”Cozinha grega além do kebabO evento também abre as portas para o mundo. O chef Andreas Mavrommatis traz os sabores do Chipre e da Grécia, muito além dos kebabs, tão comuns em Paris. Ele garante que qualquer um pode aprender a cozinhar.“O segredo todo mundo sabe: é não colocar nem muito sal, nem muita gordura, nem muito açúcar. Mas o principal é que a boa culinária começa no mercado, comprando bons produtos”, ressalta. “É importante tentar evitar ao máximo os pratos prontos, que, para serem conservados, precisam de aditivos, muito ruins para a saúde.”Cheiros agradáveisSempre apressados, nesta terça-feira os passageiros encontraram tempo para espiar o que estava acontecendo na estação, entre uma conexão de metrô e outra. O cheiro de comida ajudou a abrir o apetite da estudante Marion, em plena hora do almoço.“Somos todos fãs dos programas de culinária da televisão, como Top Chef, Le Meilleur Patissier. É um assunto que interessa a todo mundo hoje em dia. Sem contar que é legal sentir os cheiros da cozinha nos corredores do metrô, em vez dos odores habituais”, brinca.A aposentada Madeleine conhece bem a alta gastronomia francesa – ela já esteve em dezenas de restaurantes “estrelados” do país. Mesmo assim, fez questão de pegar o metrô para conversar de perto com o chef Bertron.“É surpreendente, porque é um lugar onde a gente não imaginaria que seria possível cozinhar. Mas por que não?”, diz a parisiense. “É um local onde todo mundo passa e aqueles que não tem a sorte de conhecer a gastronomia podem vir degustar e conhecer.”Melhora do climaEm um ambiente que costuma ser marcado por passageiros impacientes para chegar ao destino, as animações promovidas nas estações visam quebrar o estresse do dia a dia. Michel Garret, diretor da área de eventos da RATP, afirma que ocasiões como o “Chefs descem no metrô” contribuem para melhorar o clima entre a prestadora de serviços e os usuários.“A ideia é encantar um pouco o cotidiano das pessoas, promover uma ruptura na viagem. É um gesto de consideração com os passageiros, que vai além do serviço principal, que é oferecer um bom transporte”, explica Garret. “A experiência da viagem é ter um metrô que funciona, é seguro, limpo, mas que também oferece espaços agradáveis, que vão além da mobilidade.”A estudante Magali confirma: ficou com uma melhor impressão do serviço depois de participar da brincadeira nesta terça-feira. “É bem diferente dos dias comuns, com a multidão no horário de pico do metrô. Agora estão todos aqui, em um momento convivial, em volta da cozinha. Muda a nossa visão do metrô”, comenta.Para saber das próximas atividades no transporte parisiense, basta ficar antenado nas redes sociais, por onde a empresa divulga a programação. A próxima é um show do grupo Grand Corps Malade, na estação Jaurès, no nordeste da capital francesa.  
 O motel como reflexo da sociedade brasileira: essa é a temática do livro "Motel Brasil - Uma antropologia dos love hotels" (tradução livre), de autoria de Jérôme Souty, antropólogo francês radicado no Brasil e pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Através desta vasta obra, que resgata o surgimento e a história desses estabelecimentos a partir do final dos anos 60, inspirado nos motéis norte-americanos, Souty tenta analisar a sua importância e representatividade no Brasil. O livro, um dos raros sobre o assunto, revela que os "love hotels" brasileiros têm um universo único e são, como define o próprio autor, "uma espécie de prisma da cultura contemporânea do Brasil". O motel é um tipo de estabelecimento que nasceu nos Estados Unidos há quase um século, geralmente construído à beira das rodovias, na periferia das cidades norte-americanas, e destinado aos motoristas que desejavam simplesmente um local barato e prático para passar a noite. Daí o nome motel, uma junção das palavras "motor" e "hotel".Apesar de terem o mesmo nome, os motéis norte-americanos, no entanto, pouco se assemelham aos brasileiros, que surgiram no final dos anos 60, com a finalidade específica de promover encontros amorosos e eróticos. Os estabelecimentos se desenvolvem em paralelo à "revolução sexual" e à indústria automobilística no Brasil, em um momento que o país atravessa um período de repressão e de imposição do conservadorismo, instaurado pela ditadura militar (1964-1984)."Apesar do regime ditatorial, conservador e paternalista, as duas décadas de ditadura política correspondem a uma fase de mutações importantes no que diz respeito às relações familiares, às relações de gênero (especialmente com a legalização do divórcio, em 1977) ou às relações entre as gerações. É também um período de individualização dos comportamentos. Uma nova visibilidade é concedida progressivamente à expressão pública dos corpos e à sexualidade, e apesar desse clima de censura, de delação e de repressão", escreve Souty no livro, traçando todo o histórico do surgimento dos motéis em paralelo aos acontecimentos sociais e políticos no Brasil.Estabelecimentos diferentes e improváveisEm Paris, onde veio lançar o livro, Jérôme Souty explicou que foi a surpresa que teve ao se deparar com os motéis brasileiros, logo que chegou ao Brasil no final dos anos 90, que o motivou a escolher esses estabelecimentos como tema de sua pesquisa acadêmica. "Para os europeus, os motéis são estabelecimentos muito diferentes e improváveis. O que também atraiu muito minha atenção foi a parte visual, as fachadas dos motéis, o lado kitsch", diz.A estética dos motéis, aliás, ocupam um capítulo inteiro do livro, desde a arquitetura dos estabelecimentos, passando pelas decorações interiores e até mesmo a publicidade utilizada nas operações de marketing, em grandes outdoors, integrados à paisagem urbana das cidades. Esse espaço físico ocupado pelos motéis é outro aspecto que também intrigou o antropólogo francês.No livro, Jérôme Souty reúne dados sobre a grande quantidade desses estabelecimentos e sua frequentação. Em média, os cerca de 5 mil motéis brasileiros contabilizam 100 milhões de estadias por ano. Um setor consolidado, em constante crescimento e que lucra, por mês, R$ 360 milhões; R$ 4 bilhões de reais por ano.No entanto, além do espaço físico ocupado, o autor também analisa o espaço que os motéis tomam no imaginário dos brasileiros. "Além de estudar o lugar em si, como uma empresa, me dei conta que, a partir disso, era possível falar sobre a sociedade brasileira, analisar as mudanças dos anos 70 até hoje em vários pontos: a relação com o corpo, a sexualidade, a questão da transgressão, do romantismo, da paisagem urbana, do consumo, da estética. É como se fosse os moteis fossem um prisma para analisar as mudanças sociais e culturais do Brasil", ressalta.Conservadorismo sexualPara realizar a pesquisa, Jérôme Souty reuniu, a partir dos anos 2000, documentos e registros sobre os motéis, visitou vários desses estabelecimentos, entrevistou proprietários, funcionários e, especialmente, frequentadores. Através dos depoimentos dos usuários, o antropólogo pôde constatar a persistência, ao longo do anos, do conservadorismo da sociedade brasileira em relação aos gêneros. "O controle da sexualidade das mulheres contra a liberdade ilimitada dos homens, a passividade feminina e a tolerância para a infidelidade masculina… Você pode achar muitos elementos que mostram a continuação desse padrão paternalista e dessa assimetria da sexualidade em relação aos gêneros", relata.Na obra, o autor escreve que as diferenças em relação ao comportamento dos gêneros começa já na ida ao motel e se estende para o papel do homem e da mulher dentro dos estabelecimentos. "É quase sempre o homem que dirige o carro, que fala com a recepcionista, que negocia o quarto, que abre a porta, que faz a mediação se um garçom é chamado… Mesmo se for com o dinheiro da mulher, o ato do pagamento é de responsabilidade do homem. Mesmo se o pagamento for feito com o cartão de crédito da mulher, é o homem que digita a senha."Segundo Souty, de 70 % a 80 % da frequentação dos moteis são adultérios, ainda hoje socialmente mais tolerável aos homens e extremamente condenável às mulheres. "Claro, há também o lado romântico. Muitos casais vão ao motel festejar o aniversário de casamento. A iniciação sexual dos jovens brasileiros muitas vezes acontece nos motéis. Apesar de tudo isso, é claro que os motéis ainda hoje são considerados um local de transgressão sexual e sexualidade 'ilegítima'".Versão em português"Motel Brasil - Uma antropologia dos love hotels", de Jéromê Souty, publicado pela Riveneuve Editions, chega às livrarias francesas no dia 19 de novembro, mas já pode ser reservada pela internet. A obra também ganhará em breve uma versão em português e será lançada no Brasil.
Pela primeira vez desde o início do conflito sírio, um importante ator regional, o Irã, vai participar das negociações internacionais que tentam encontrar uma solução para a guerra, que já dura mais de quatro anos. A mudança pode representar um passo significativo para a paz não apenas na Síria, como em outros países da região inflamados por confrontos étnicos e pelo terrorismo. Os diálogos preliminares já começaram nesta quinta-feira, entre russos, americanos, turcos e sauditas. Os iranianos se juntam à mesa nesta sexta-feira, em mais um passo da reintegração de Teerã à diplomacia internacional, depois do acordo nuclear firmado em julho. Somente agora, os sauditas aceitaram a presença dos seus inimigos iranianos nas negociações.As potências envolvidas no conflito sírio parecem ter percebido que não será possível se chegar a uma saída sem a participação de todos os líderes regionais.“Pela primeira vez, o assunto é levado a sério. Não vamos mais nos contentar em dizer ‘Assad é malvado, Assad deve partir e os jihadistas são terríveis’. São discursos verdadeiros, mas não é com isso que chegaremos à paz”, avalia Bernard Hourcade, diretor emérito de pesquisas do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas) e especialista na geopolítica iraniana. “Não dava para fazer nada sem a presença do Irã, que defende que não há uma solução militar, mas sim política e regional para o conflito.”Saída de Assad: enfim perto de um consensoA saída do cargo do presidente sírio, Bashar al-Assad, que por anos bloqueou as negociações, hoje é mais consensual. A questão agora é definir como e em que momento isso vai acontecer - e, principalmente, quem vai ocupar o poder em Damasco. Russos e iranianos já demonstraram que não são aliados de Assad em si, mas sim querem preservar os seus interesses no país.O especialista francês explica que o cerne da questão é, na realidade, muito mais complexo. Duas grandes potências estão face a face no Oriente Médio: de um lado, as monarquias petrolíferas sunitas, lideradas pela Arábia Saudita, e do outro o Irã, xiita, aliada do regime sírio.“O problema é resolver essa coexistência entre Irã e Arábia Saudita de uma maneira pacífica. Até hoje, o caminho foi pela violência, através da Síria, do Iraque, do Afeganistão, do Iêmen. Em cada um desses países, o Irã e a Arábia Saudita se enfrentam, apoiando grupos distintos”, explica Hourcade.Confronto entre xiitas e sunitasPara o pesquisador, uma grande guerra regional está em curso. “As discussões de Viena colocarão todos à mesa, pela primeira vez, na tentativa de se chegar a um entendimento entre iranianos e sauditas, talvez pela divisão das zonas de influência: o Irã sobre o Iraque e a Síria, e a Arábia Saudita sobre a península arábica”, analisa.Ao decidir atacar os oposicionistas sírios, a Rússia deixa claro que o mais importante para Moscou é ampliar a sua influência na região, em um momento em que a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos fracassa em acabar com grupo Estado Islâmico.“A Rússia está querendo aparecer nesse tabuleiro no Oriente Médio. Ela está se esforçando muito para contrariar os interesses do Ocidente e aparecer como uma alternativa para os governos do Oriente Médio”, diz o professor alemão Kai Michael Kenkel, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.Ao mesmo tempo, ao trazerem Irã para as negociações, os russos marcam pontos na eterna disputa com os americanos. “Historicamente, os americanos têm uma política de ver a região como um pacote. É uma visão fracassada da administração Bush, de exportar democracia através de um Iraque reconstruído”, observa. “O que é preocupante é a tendência crescente de ver o Iraque e a Síria como um pacote.”União de desafetos contra o terrorismoEnquanto isso, o terrorismo se espalha da região e atravessa as fronteiras, com o grupo Estado Islâmico. O diplomata Denis Bauchard, conselheiro sobre assuntos do Oriente Médio no IFRI (Instituto Francês de Relações Internacionais), destaca que essa ameaça comum levou as partes a se forçarem a encontrar um compromisso.“Eu acho que os países, inclusive a Rússia, estão conscientes da incubadora de terrorismo que representa a Síria, um risco para a segurança deles próprios. Mas ainda há muitos pontos de desacordo, a começar pela definição de quem é terrorista, que não é a mesma para Bashar al-Assad, para os russos e para os ocidentais, incluindo a França”, afirma Bauchard.  
A inclusão de uma citação da filósofa francesa Simone de Beauvoir na prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) causou polêmica. Vozes conservadoras e religiosas consideraram o trecho da obra O Segundo Sexo, de 1949, muito provocador. Ele diz: "Não se nasce mulher, torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino". A questão pedia para o candidato indicar a principal marca do movimento social que Beauvoir ajudou a estruturar - o feminismo. Do outro lado, intelectuais, educadores e feministas comemoraram o fato de a questão de gênero ter sido trazida à luz em uma prova dessa dimensão. A escritora francesa, que foi mulher do também filósofo Jean-Paul Sartre, deixou um grande legado para a luta das mulheres por igualdade, como nos explica a psicanalista, autora e crítica literária Maria Rita Kehl. "Embora existisse o feminismo desde as sufragistas na Inglaterra e na França no século 19, nós feministas contemporâneas podemos considerar que o feminismo acontece depois do livro O Segundo Sexo. Não no sentido científico da palavra, mas na sua potência em transformar as mulheres e transformar inclusive o modo como os homens viam as mulheres. Pois havia leitores do livro", diz.Para Kehl, trata-se de uma obra fundamental para o feminismo. "Ela chama a atenção para esse segundo lugar da mulher de uma maneira muito interessante. Admite que é um segundo lugar na cultura sem, em nenhum momento, justificar com a maternidade, que sempre foi a justificativa mais frequente. Mostra que não há diferença entre homens e mulheres na potência de intervir na vida pública, no espaço público, na realização pessoal. Não existiria feminismo sem Simone de Beauvoir. Talvez haveria outra coisa, mas não o feminismo que houve no século 20."ExistencialismoMas o legado de Simone de Beauvoir ultrapassa o feminismo, como explica Sergio Kodato, professor de psicologia social da Universidade de São Paulo. "Ela foi importante para a questão da autonomia do indivíduo. O existencialismo prega que as pessoas são responsáveis pela sua existência. Então isso implica a busca pela autonomia, independência e liberdade. E outro legado importante foi a questão da sexualidade, pois ela entendia que a opressão das mulheres passa não só pela repressão sexual, mas pela subjugação sexual ao homem. Nesse sentido a vida pessoal dela é um depoimento importante, já que o casamento dela com o Sartre era aberto. Ela foi conhecida também por ter várias amantes do sexo feminino. Ela foi vanguardista também na liberação sexual das mulheres."Para Maria Rita Kehl, o livro O Segundo Sexo, apesar de datado em alguns aspectos, tem relevância na atualidade - e poderia ensinar muito, segundo ela, às feministas radicais, que pregam a superioridade das mulheres, e não a igualdade. "Muita coisa ficou datada até pela potência da sua obra. Ela já foi um elemento fortíssimo para transformar a realidade que ela denunciou. Talvez o que possa ainda ser captado em O Segundo Sexo seria uma atenção para o modo como as mulheres ainda se colocam inconscientemente, embora o mundo não seja o mesmo da primeira métade do século 20, dos anos 1950, 1960."Kehl diz que o feminismo intolerante não era propagado por Simone de Beauvoir. "É uma espécie de sexismo, uma tentativa de criar uma superioridade do sexo feminino. Simone tinha um lado herdeiro do iluminismo, que igualdade é igualdade, não é trocar a superioridade. Algumas radicalidades femininas poderiam melhorar com a leitura do livro."Críticas infundadasSergio Kodato considera que o uso da citação de Beauvoir no Enem é um grande avanço e uma demonstração de que o exame busca um perfil mais crítico do aluno. "Tanto essa questão quanto a redação sobre a violência contra a mulher indicam que se pedia um perfil mais crítico do aluno, mais conhecedor das questões sociais. Crítico no sentido de um posicionamento inovador dentro de um espectro mais à esquerda."O professor considera infundadas as críticas à questão. "Os setores conservadores chiaram como se o governo e o PT quisessem encaminhar o ensino médio para uma certa doutrinação. Na verdade, há muito tempo se cobra que o aluno do ensino médio tenha uma formação ética e crítica e seja participativo e ativo em questões sociais. Então as críticas são infundadas e paranoicas, uma insistência dos setores conservadores de verem demônio em tudo quanto em lado. Entendo que a questão do Enem é um avanço, no sentido de exigir um claro posicionamento social e crítico dos alunos do sistema educacional brasileiro."Simone de Beauvoir morreu de pneumonia em Paris, em 1986, aos 78 anos de idade. Seu corpo encontra-se sepultado no mesmo túmulo de Jean-Paul Sartre no Cemitério de Montparnasse, na capital francesa.
"Não há espaço para a generosidade da Europa": essa foi uma das várias declarações impactantes do ex-presidente José Mujica nesta terça-feira (27), durante a terceira Conferência "Europa - América Latina", realizada na Sciences Po de Paris. Com o tema  "Os Novos Desafios das Relações Inter-regionais", o evento contou com mesas redondas e a participação de representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Centro de Pesquisas Internacionais (Ceri), do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc) e de pesquisadores e professores da Sciences Po. O grande destaque do evento foi a conferência magistral, ministrada pelo ex-presidente uruguaio, José Mujica. Diante de um auditório lotado, ele criticou os dirigentes europeus, que classificou de imperialistas e desdenhosos diante as desigualdades no mundo. Para Mujica, "não há espaço para a generosidade na Europa". Por isso, segundo ele, as relações com América Latina não evoluem. "Minha visão não é muito otimista, me desculpem. Mas não posso deixar de dizer o que penso", reiterou.O ex-presidente uruguaio fez um apelo para que os líderes europeus abram "uma porta negociadora" com a América Latina e ressaltou as falhas da Europa com os países latino-americanos nos últimos anos. "Não creio que para a humanidade existe maior política do que a solidariedade", disse diante de uma plateia que o aplaudiu de pé durante mais de um minuto.Mujica também criticou integração entre os países latino-americanos : "O sonho de integração é velho na América Latina, tão difícil quanto a independência", declarou. "Ao redor de cada porto importante da América Latina nasceu uma cidade ou mesmo um país. As capitais são portos: por quê? Porque nossa independência política coincidiu com o nascimento do mercado mundial. E desde o começo, nos viramos para um mundo comercial, mas não entre nós. Prova disso é que mais ou menos 20% de nosso comércio é feito entre nós e 80% com o resto do mundo", reiterou.Políticas progressistasPara o professor de Ciência Política da Sciences Po e co-organizador do evento, Olivier Dabène, a escolha de Mujica para abrir a conferência não representa necessariamente um posicionamento político da entidade, mas uma necessidade de discussão de políticas alternativas e progressistas."A Sciences Po tem recebido vários presidentes de esquerda, como Evo Morales, Michelle Bachelet, Rafael Correa. Pepe Mujica é uma grande figura política no mundo inteiro, não apenas na América Latina. É um grande honra tê-lo aqui, não só como uma figura importante da esquerda, mas como um líder que tem uma forma diferente de fazer política."Falta de cooperação entre Europa e América LatinaOs palestrantes latino-americanos e europeus foram unânimes em ressaltar a falta de cooperação entre as duas regiões nos últimos anos. Para o ex-primeiro-ministro italiano e membro da Escola de Relações Internacionais da Sciences Po, Enrico Letta, um aspecto pode facilitar as relações entre as duas zonas: a saída da Europa da crise econômica. Já a crise da imigração pode ser um novo empecilho. "Depois de oito anos, a Europa está saindo da fase mais dura da crise do euro. O que é uma boa notícia para a retomada das relações com a América Latina. Por outro lado, entramos em outra crise: a da imigração e dos refugiados. Então, os políticos europeus vão concentrar muita energia nessa questão nos próximos anos."Para Letta, no entanto, é preciso que os acadêmicos também se envolvam para a retomada das relações entre as duas regiões. "Eu sei que quando falamos de política, nossa tendência é criticar, dizer que as coisas não vão bem e o que os outros devem fazer. Mas é preciso pensar também no que nós podemos fazer. Já que estamos aqui, em um ambiente universitário, nós também podemos fazer nossa parte para que as coisas melhorem entre a Europa e a América Latina", salientou.Cúpulas vem aproximando latinos e europeusA realização de cúpulas entre os dois continentes têm sido fundamental para essa aproximação, ressalta a secretária-geral iberoamericana, Rebeca Grynspan. A última delas foi realizada em junho em Bruxelas."A América Latina tem muito a oferecer e é muito competente no campo da educação, da ciência, da tecnologia: esses são seus diferenciais hoje. E, como discutimos durante as cúpulas, isso nos une à Europa e torna nossa parceria essencial. Aumentamos mais de 5% nosso PIB nos últimos anos, o que gerou uma inversão social inédita. Com esse fenômeno, nos tornamos uma América Latina mais poderosa e que exige uma relação maior, mais horizontal e distinta", defendeu Grynspan.
Nesta semana, a França relembra as revoltas na periferia de Paris e de outras cidades do país que marcaram o outono de 2005. Imagens de jovens com coquetéis molotov nas mãos, de milhares carros queimados e de confrontos entre jovens e policiais rodaram o mundo, revelando fantasmas que a França há muito guardava no armário. Dez anos depois, a sociedade ainda tenta entender o que foi exatamente aquele movimento, apesar dos vívidos frutos e feridas que ela deixou. Tudo começou em 27 de outubro de 2005, quando a polícia foi acionada em Clichy-sous-bois, na periferia leste de Paris, para averiguar uma suspeita de roubo. Dez jovens que acabavam de sair de um jogo de futebol correram ao escutar a sirene. Três deles se esconderam em um transformador da EDF, a companhia francesa de energia, sem que a polícia avisasse aos meninos assustados dos riscos da área invadida. Muhittin Althun, de 17 anos, ficou gravemente ferido. Zyed Benna, também com 17 anos e Bouna Traoré, de 15 anos, morreram eletrocutados.A tensão, que já era palpável em Clichy, aumentou pela presença maciça da polícia e pela falta de energia decorrente do acidente com os garotos. A violência urbana explodiu. Em seguida, como um rastilho de pólvora, periferias de todo o país, revoltadas com a própria invisibilidade, começaram a incendiar carros, destruir prédios e atacar qualquer representação do Estado. O caos social se arrastaria até 17 de novembro, deixando monotemática a cobertura da mídia. O que estaria acontecendo com aqueles bairros? E por quê?Descaso e estigmatizaçãoEssas perguntas seguem sem resposta, bem como as mortes dos dois adolescentes. Os policiais envolvidos, Sébastien Gaillemin e Stéphanie Klein, só foram julgados em 18 de maio de 2015 e, apesar de condenados pelo Tribunal Correcional de Rennes por "omissão de socorro a pessoa em risco", responderão em liberdade. O tribunal explicou essa decisão pela inexperiência dos réus, acatando o argumento da defesa de que, se os policiais tivessem "consciência do perigo grave e iminente ao qual estavam expostos os adolescentes", eles teriam "reagido".Quase 20 dias depois do início da revolta, em seu primeiro discurso sobre o caso, o então presidente, Jacques Chirac (eleito pela antiga UMP; hoje, Partido Republicano, de direita), tentou apaziguar a situação dizendo que, independentemente das origens de cada um, "todos somos filhos da República". Ele minimizou o sentimento de invisibilidade dos revoltosos, afirmando que "nem todo mundo tem consciência de que esse respeito e essa igualdade de oportunidades são direitos já adquiridos", mas reafirmou seu compromisso com o "restabelecimento da ordem".O discurso superficialmente apaziguador não foi adotado pelo seu ministro do Interior, Nicolas Sarkozy. Logo no início dos protestos, o futuro presidente lançou lenha na fogueira ao chamar os revoltosos de racailles. Racaille é uma expressão estigmatizante e preconceituosa para definir uma pessoa ou grupo que não se integram, que não se adaptam à sociedade, que são marginais. Sarkozy a utilizou durante uma visita a Clichy-Sous-Bois, em resposta a uma mulher que cobrava do ministro uma atitude.Mais tarde, ele defendeu sua posição e endossou o discurso da eliminação de uma "minoria delinquente" que "envenena a vida das pessoas de bem". O discurso não encontrou apoio na periferia que, apesar de cansada da violência e da tensão diárias, tinha a opinião dividida em relação à ação dos jovens.O que é violência?Ao contrário de Sarkozy, o educador de rua e presidente da associação AC Le Feu, Mohammed Mechmache, vê essas pessoas como "marginalizadas" e não como "marginais" - o que faz uma diferença enorme: "Eu não acho que a violência que os jovens exprimiram seja mais violenta que a violência que essa população recebe da sociedade e das instituições", afirma, evocando a situação de abandono e preconceito às quais essa população é submetida no país.Ele exemplifica: "Você tem crianças que são paradas pela polícia 10 vezes ao dia. Quando você vê como são tratadas algumas mães que, por usar um véu, não se encaixam na República francesa, isso é violento. Quando as pessoas vivem de forma insalubre, é violento. Quando você não tem acesso à cultura, é violento. Quando não há acesso à saúde, é violento".O "Maio de 68" da periferiaMuitos artigos, documentários e reportagens compararam a ruptura criada pelas revoltas de 2005 ao célebre maio de 1968, em Paris. Como se, ali, de alguma maneira, a periferia tivesse reformulado seus próprios paradigmas. Mas, durante todo o outono de 2005, o movimento foi apolítico. Sem reivindicação precisa, sem porta-vozes, apenas confronto e a certeza de um inimigo: o status quo. Os conflitos se resolveram pouco a pouco, região por região. Clichy-sous-bois foi a primeira a ter a situação normalizada após uma reunião de representantes da comunidade com o ministério do Interior, em que um acordo foi firmado.O que surgiu desses conflitos, porém, forçou a entrada da periferia na pauta: partidos, associações, reuniões de bairro, organização política. Estas talvez sejam as grandes conquistas depois de dois mortos, mais 10 mil carros queimados e milhões de euros em danos ao patrimônio. É no que acredita Mechmache: "O que mudou nesses últimos tempos, é que houve uma tomada de consciência. Os cidadãos se organizam agora", conta. " Foi possível criar coletivos com pesquisadores, acadêmicos, sociólogos, outros movimentos que hoje estão ligados às mesmas causas. Todos esses atores decidiram hoje criar vias de comunicação e dizer, juntos, que nós precisamos agir para não nos submetermos mais"."Democracia em pane"Nos cinco anos seguintes, Nicolas Sarkozy, impulsionado pela atuação repressiva como ministro, governou o país na mesma linha. Por isso, a eleição do socialista François Hollande foi um sopro de esperança para a militância do pós-2005. Uma esperança que durou pouco, segundo Mechmache: "Nossa democracia está em pane", diz. "Quando esses cidadãos percebem que, no fim das contas, as decisões são tomadas sem eles, as pessoas se questionam: já que eu não existo para os políticos, porque eu teria que me comprometer com eles?"A estigmatização que fez as periferias explodirem em 2005 não dá sinais de retrocesso. Pelo contrário, ela se reforça pelos pequenos preconceitos do cotidiano, e principalmente, pela atuação violenta de uma minoria radical, como os autores do ataque contra a redação do jornal satírico Charlie Hebdo, em janeiro deste ano. "O morador desses bairros é muçulmano, se é muçulmano é terrorista e por aí vai... Falamos de liberdade, fraternidade e igualdade, falamos de republica, mas ao mesmo tempo não queremos reconhecer uma parte dessas crianças", lamenta Mechmache.Ele também alerta para os perigos dessa falta de reconhecimento do Estado e para a consequente falta do sentimento de pertencimento, por parte desses jovens: "quando a gente ignora essas crianças, elas acabam se excluindo. E a exclusão gera isolamento, e o isolamento enfraquece essa juventude e pode seduzi-la para os mais variados tipos de radicalizações. Seja religiosa, seja política... e isso é extremamente preocupante". Atualmente, a França é o país de origem da maioria dos europeus que atuam em organizações jihadistas ultrarradicais, como o grupo Estado Islâmico."Parte da solução"Ainda que o cenário sociopolítico continue desfavorável para a periferia, a organização política dos bairros aumentou o número de vozes dissonantes, que ecoam agora pelas ruas, universidades e até pela mídia francesa. "Eu acredito que nós estamos reinventando algo que não existe mais nessa 5ª República", diz Mechmache, referindo-se à participação das classes menos favorecidas em processos políticos. Orgulhoso da atuação desses grupos nas mais variadas esferas, ele defende que é hora de "fazer as coisas de maneira diferente" e lembra: "nós não somos o problema, mas uma parte da solução".  
Você sempre quis saber quanto custa um Pablo Picasso, um Salvador Dalí ou um Andy Warhol? A resposta está na FIAC, a Feira Internacional de Arte Contemporânea, um dos maiores eventos mundiais para o mercado artístico, que abriu as portas nesta quinta-feira em Paris. Nos corredores do Grand Palais, artistas conceituados e jovens nomes estão lado a lado, em busca do olhar dos compradores. São 3,4 mil artistas de 175 galerias francesas e estrangeiras. Na galeria Natalie Seroussi, estão à venda obras dos principais ídolos do século 20.“A obra mais barata é o Raoul Ubac, a 20 mil euros, e a mais cara é um Soulages de 1966, que está por 1 milhão e 400 mil euros. Ou seja, tem bastante diferença”, explica Lisandre, um dos funcionários. “O preço depende da obra. As de arte contemporânea que estão na frente do stand são para grandes colecionadores, que procuram uma obra específica de um determinado artista, ou uma fotografia única que se encaixa na coleção dele.”Os valores podem ser bem mais acessíveis – tudo depende do quanto o artista é conhecido. Neste ano, quatro galerias brasileiras marcam presença, como a Raquel Arnaud, de São Paulo – uma habituée da feira parisiense.Espaço para a arte brasileira“Os nossos preços, comparados com o mercado europeu e americano, são modestos. Temos trabalhos de 3 mil euros até 400 mil euros. De uns 10 anos para cá, existe um olhar mais específico para a produção artística brasileira”, explica a gerente Yannick Carvalho. “Há colecionadores estrangeiros interessados na arte contemporânea brasileira, que vêm e compram. Acho que é uma questão de uma maior convivência e uma troca mais frequente, para ir se consolidando.”Carvalho observa que, em geral, os compradores da Fiac já são colecionadores e têm um olhar apurado para a arte. Ela destaca que o evento é uma excelente oportunidade para mostrar os artistas brasileiros.“Fora o Jesús Soto e o Carlos Cruz-Díez, que são venezuelanos, e o Wolfram Ullrich, alemão, que nós representamos, todos os demais são brasileiros. Temos Arthur-Luiz Piza, Waltércio Caldas, Célia Euvaldo, Cassio Michalany, Julio Vilani, Geórgia Kyriakakis, Sérgio Camargo, Sérvulo Esmeraldo.Em uma localização privilegiada da Fiac, a galerista Luisa Strina optou por trazer apenas um artista, o argentino Jorge Macchi. Instituições e museus europeus costumam ser bons clientes, segundo a paulista.“A competição aqui é muito grande, porque nós somos estrangeiros e aqui a maioria dos compradores são franceses ou suíços. Os preços variam: tenho aquarelas de 9 mil dólares até um trabalho que está por 80 mil dólares, feito com uma régua e fios de seda”, afirma.Visitantes “comuns”Nem só de clientes é feita a Fiac: a feira também recebe milhares de visitantes apenas interessados em conhecer novos artistas. É o caso da parisiense Claire Morel. “Acho que a arte não tem preço, em todos os sentidos. Um trabalho que custa 20 euros pode ser magnífico, mas um artista que vende barato não atrai clientes. Acho que começa a contar a partir de 500 euros”, avalia.A aposentada Michelle Laforêt nem se importa em saber quanto valem as obras: ela encara o evento como se estivesse em um museu. “Fico muito feliz em ver tantos artistas que eu gosto à venda. Vi Giacometti, Picasso, Calder e muitos outros. Mas não venho para comprar: não quero nem saber desse lado comercial, que não me interessa nem um pouco”, brinca.Jovens artistasNo primeiro andar, outra galeria brasileira, a Mendes Wood DM, prefere não falar em preços. No stand, a diretora Maria Eugênia Abàtayguara mostra obras dos jovens paulistas Paloma Bosquê e Lucas Arruda e do inglês Michael Dean, que dialogam com o trabalho de Willys de Castro.“A galeria é jovem, tem cinco anos, e trabalha com artistas jovens. Por isso, nenhum dos trabalhos vai chegar a milhões”, ressalta. “Tentamos trabalhar com artistas que tenham uma faixa de preços flexível. O Willys de Castro, que é dos anos 1950, é o mais caro. Já a Paloma, de 30 anos, evidentemente é mais barata. Não costumamos liberar preços, mas com certeza pode ser acessível.”O importante, sublinha, é não ter medo de perguntar. A Fiac acaba neste domingo (25).  
Corrupção em grande escala não é privilégio brasileiro, como lembra Sérgio Costa, sociólogo do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim. Mas ele faz a ressalva de que, na Alemanha, o cenário brasileiro é visto como resultado do problemático sistema político e não responsabilidade de um só partido. “Acho que aqui ficou claro que o culpado é o próprio sistema político e que o PT não é nenhuma exceção”, diz Sérgio Costa. Mas diante de grandes escândalos recentes, como as fraudes na Volkswagen e a suspeita de compra da Copa do Mundo de 2006, ele crê que dessa forma as pessoas percebem como se dão as conexões entre o capitalismo e o sistema político. Ele diz ainda que, a partir do escândalo mundial das escutas, “o Estado perdeu muito do véu de legitimação que o protegia”.Dessacralização do Estado“As pessoas passaram a ver o Estado e a política de uma forma mais crítica”, continua Costa, citando uma frase bastante usada por sociólogos: “O Estado foi dessacralizado”. O Estado deixou de ser um benfeitor para se tornar uma “arena de negociações de interesses privados”, acrescenta.O sociólogo lembra que as denúncias são sinal de uma ruptura que ainda não foi suturada: “Infelizmente, não é a gravidade das denúncias que pode derrubar Dilma, mas a base de acordos políticos existentes. Ou seja, acordos políticos sólidos podem sustentar um governo completamente corrupto, mas acordos políticos menos sólidos não podem sustentar um governo menos corrupto.”Memória falhaO jornalista, analista político e escritor Tarcisio Lage diz que há pouco interesse geral pelo imbróglio brasileiro na Holanda, onde ele mora há mais de 30 anos. A exceção foi quando explodiu o escândalo da Petrobras. A estatal brasileira recebeu apoio da Shell, pois a gigante anglo-holandesa tem investimentos na Petrobras.“As pessoas estão agindo como se a corrupção tivesse acabado de ser inventada, mas a corrupção no Brasil é endêmica, vem da colonização”, lembra Lage, que cita ainda a crise econômica global como pano de fundo da situação no Brasil. “Há uma deformação no Brasil do que é essa crise, como se fosse a primeira crise política ou econômica de sua história”, diz o jornalista.  
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