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Letter to a Young Poet
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Olha você. Eu. Não era pra ser. Nasci prematura. Infintamente miúda. Sem movimento. Sequer podia respirar. Incapacitada. Um alma. Dentro de um casca quebrada. Escorrendo.
Meu pai perguntou: “Há esperança? Quero a verdade, nada mais”. “Não”, disse o médico.
Essa era a minha vida. Nada para dar. Além de minha presença. Um peso. Um fardo. Numa cadeira de rodas... pra facilitar a movimentação. “Carrega a Daniela.”
Meus olhos azuis não tinham vida. Olhos negros. Como os de cegos. Numa história escrita pelo meu pai.
A morte numa família é um peso para todos. Quem morre, se vai. Mas o que fica é dividido. Entre todos os restantes. Somente em alguns casos, quando já se está perto do fim, é um alívio.
Carregam o corpo. Os familiares. Talvez alguns amigos. Depositam em cova profunda. Uma oração e algumas palavras. Por cima, terra solada. Uma bonita lápide. Depois, é com o tempo. Quiça um dia, conseguem esquecer.
Eu fiz Nelson chorar. Eu fiz Nelson Rodrigues chorar. Sabe você o que é isso? Sabe você o que é vexar o “anjo pornográfico”? E não foi lágrima escondida não. Lágrima transviada por lenço posto de volta no paletó. Eu fiz ele chorar copiosamente. Soluços ouvidos por todo o edifício. Lágrimas sem retorno. Como um rio que deságua no mar. Ele não sabe. Mas eu sei.
Eu. Um corpo numa cadeira. Transformei a vida ao meu redor. Fiz minha avó. Uma senhora. Personagem de colunas sociais. Subir de joelhos. Os 365 degraus, da Igreja da Penha.
Minha mãe. Todas as noites. Também ajoelhada. Massageando minhas pernas sempre geladas. Devido à má circulação. Meu pai. Todas as noites. À observar.
Jantar na minha casa era à luz de velas. Um funeral adiantado. Todos aguardavam. Ansiosos. O dia de minha prematura partida.
Mas nem tudo era tão triste. A oposição e a adversidade também tem a sua verdade. Elas uniram meu pai e minha mãe.
União. Fundada na solidão de quem enfrenta uma batalha. Eu era uma causa. Um propósito. Uma missão. Comigo por perto, minha mãe pôs meu pai na linha. O convênceu a usar óculos. Tentou que ele abolisse os suspensórios. O ensinou a tomar banho direito. E às vezes, ela entrava no chuveiro, para que eles se lavassem juntos. Purgavam seus pecados. Uma forma... de amor.
Ela não sabia
Tão inocente a menina
Que o amor assim podia
De manhã, antes do café
Sem maquiagem
De roupa suja
Ela não sabia
Que amar assim podia
À primeira luz do dia
Antes do sol sair do chão
A janela aberta
E a gente ali deitado
Um corpo no outro amarrado
Deixando o tempo passar
Correr pra que?
Se devagar é mais gostoso
Se amar é puro gozo
Tolo é quem não sabe
Que a soma de dois é muito mais
Amor é filosofia
Matemática, geometria
É história, geografia
Amor é a verdadeira religião
Pois ela não sabia
Que amar assim trazia
Sem aviso todavia
Um sorriso no olhar
O corpo nu
Sem falsidades, sem mentiras
Transbordando alegria
A liberdade é afrodisíaca
Felicidade é amar.
A bunda abunda
Pra todo lado que olho
Lá está ela, cheia
Minguante ou crescente
Como a lua
Feita de nádegas
Um córrego ao meio
Não há pescador que não a deseje
Ela, igual queijo
Tantos tamanhos
Tantos sabores
Furada ou lisinha
Velha ou novinha
Chama a atenção
Peitos são dois
Mas a bunda não falha
Reluz toda charmosa
Até quando é petit
Ah, a bunda
Majestoso travesseiro
Ela, natural
Melhor recosto não há
Deita-se o rosto
Escreve-se o poema
Dessa curvilínea forma humana
Paixão nacional
O que dizer da bunda?
Em uma palavra:
Gosto.






