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O projeto político e econômico de Javier Milei segue vivo na Argentina. Nas eleições legislativas realizadas neste domingo (26), Milei não apenas garantiu o mínimo de um terço dos assentos no Congresso, como também ficou próximo de obter aliados para formar uma maioria. Começa agora uma fase de articulação e alianças com governadores que exercem influência sobre parlamentares. O resultado das urnas deve facilitar o socorro financeiro à Argentina prometido por Donald Trump, que tinha condicionado a ajuda ao resultado eleitoral. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires O partido A Liberdade Avança, de Javier Milei, conseguiu uma vitória contundente, ficando com 40,68% dos votos válidos em todo o país, nove pontos acima do Peronismo, com 31,7% Os candidatos de Milei ganharam em 16 das 24 províncias do país, incluindo as maiores como Buenos Aires, Córdoba, Santa Fe e Mendoza. A mais surpreendente vitória foi na província de Buenos Aires, onde, em 7 de setembro, Milei tinha sido derrotado pela oposição peronista, numa eleição provincial, por 13,6 pontos de diferença. Agora, um mês e meio depois, nas eleições nacionais deste domingo, virou o jogo e ficou meio ponto acima O sinal de alerta veio dos 32% de eleitores que não foram votar, o maior número de abstenção desde o retorno da Democracia em 1983. Para esses eleitores, nem Milei, nem o Peronismo convencem. As Legislativas renovavam metade da Câmara de Deputados (127) e um terço do Senado (24). Milei precisava de, pelo menos, um terço dos legisladores para manter vetos a leis da oposição que afetem o equilíbrio fiscal, base do seu plano econômico. Também precisava de um terço para evitar processos de destituição, a partir de denúncias de corrupção. Obteve bem mais do que isso, abandonando a sua “hiper minoria” parlamentar. Na Câmara de Deputados, Milei passa de ter 37 a 80 legisladores. Com os aliados, fica com 107. Vai precisar de 22 deputados para obter quórum e aprovar reformas. No Senado, Milei passa de seis a 19 senadores. Com os aliados, fica com 24. Vai precisar de 13 senadores para conseguir quórum e aprovar reformas. Somente duas pesquisas de intenção de voto previram essa vitória contundente. O analista político, Cristian Buttié, da CB consultores, foi o mais preciso: calculou em 40,8% de votos válidos. E a consultora brasileira AtlasIntel previu uma vitória por 41,1% dos votos, bem próxima da realidade. À caça de votos Milei pretende obter os votos que lhe faltam para formar maiorias a partir de negociações com governadores que têm influência sobre parlamentares. O governo precisa das reformas tributária, trabalhista e previdenciária para promover a chegada de investimentos que substituam os empréstimos financeiros do FMI e do Tesouro norte-americano. Em outras palavras, a economia argentina precisa respirar por conta própria e não mais com a ajuda de aparelhos. A partir desta segunda-feira (27), começa a reformulação do gabinete de ministros e a articulação de alianças políticas para garantir a governabilidade. Essa construção de maiorias parlamentares também é uma exigência explícita dos Estados Unidos para socorrer o governo Milei. Esse é o principal desafio daqui para frente. Por isso, no seu discurso de vitória, o presidente convocou legisladores e governadores de outros partidos a apoiarem as reformas. “Hoje é um dia histórico. Hoje passamos o ponto de inflexão. Hoje começa a construção da Argentina grande. Teremos o Congresso mais reformista da história”, disse um eufórico Milei. Intervenção eleitoral de Trump A ajuda do Tesouro norte-americano, ordenada pelo aliado Donald Trump, foi fundamental para que o plano econômico de Milei não voasse pelos ares, provocando uma instabilidade na economia, principalmente uma desvalorização do peso argentino perante o dólar. Nunca se viu uma intervenção tão direta dos Estados Unidos num processo eleitoral argentino. Mesmo com o anúncio de Trump, a pressão cambial continuou e o Tesouro norte-americano precisou intervir com US$ 2 bilhões diretamente no mercado de câmbio para conter a desvalorização do peso. Os mercados desconfiavam que Milei pudesse ter uma derrota eleitoral ou ficar bem longe de obter maioria parlamentar para aprovar reformas. O próprio Trump tinha condicionado o socorro financeiro a um bom resultado eleitoral. Agora, com esta vitória, a ajuda de Trump fica garantida e a aliança entre Washington e Buenos Aires sai fortalecida. Através das redes sociais, Donald Trump e Javier Milei trocaram elogios. “Parabéns ao presidente Javier Milei pela sua arrasadora vitória na Argentina. Está fazendo um trabalho excelente! O povo argentino justificou a nossa confiança nele”, escreveu Trump. “Obrigado presidente Donald Trump por confiar no povo argentino. O senhor é um grande amigo da República Argentina. As nossas nações nunca deviam ter deixado de ser aliadas”, devolveu Milei.
Donald Trump e Xi Jinping se reúnem na próxima quinta-feira (30), na Coreia do Sul, durante a Cúpula da Apec. É o primeiro encontro presencial entre os dois desde o retorno do republicano à Casa Branca, marcado por tensões comerciais e rivalidade no Indo-Pacífico. O encontro é visto como decisivo para as relações entre Washington e Pequim. Trump poderá também abrir um novo capítulo diplomático com Brasília, mesmo que essa não seja a prioridade do presidente dos EUA neste giro pela Ásia. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York. Assim como vários especialistas alertaram logo após o primeiro encontro entre Lula e Trump durante a Assembleia Geral da ONU, o Brasil não é hoje uma prioridade para o presidente americano. Enquanto Brasília aguarda a confirmação da reunião bilateral na Malásia, a única agenda garantida e também a maior preocupação da Casa Branca é o encontro com o presidente chinês Xi Jinping, visto em Washington como decisivo para definir os rumos econômicos e estratégicos dos Estados Unidos na região do Indo-Pacífico. Segundo a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, Trump deixa Washington na noite desta sexta-feira, às 23h no horário local. A primeira parada será na Malásia, onde se reúne no domingo (26) com o primeiro-ministro local, antes de participar do jantar de líderes da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático. Depois, o presidente americano segue para o Japão e, em seguida, para a Coreia do Sul, onde acontece o encontro de alto nível com Xi Jinping. De acordo com fontes do governo brasileiro, há expectativa de que uma reunião entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa ocorrer durante a passagem pela Malásia, possivelmente também no domingo. Mas a porta-voz da Casa Branca não incluiu esse encontro na agenda oficial divulgada até agora. Leia tambémLula chega à Indonésia para giro na Ásia, de olho em possível encontro com Trump Durante conversa com jornalistas a bordo do Air Force One, Trump afirmou que tem uma “relação muito boa com o presidente Xi” e que acredita em um acordo abrangente com a China. Segundo ele, a pauta deve incluir comércio, energia nuclear e também temas delicados, como a compra chinesa de petróleo russo e a guerra na Ucrânia. Trump disse ainda: “Acho que vamos acabar tendo um acordo fantástico com a China, e vai ser fantástico para o mundo inteiro.” O republicano também se declarou disposto a reduzir tarifas sobre produtos chineses, mas ressaltou que Pequim precisará “dar algo em troca”, como comprar mais soja americana, reduzir o fluxo de insumos usados na produção de fentanil e encerrar restrições sobre minerais raros, essenciais para a indústria de alta tecnologia. Comitiva de Washington A comitiva que acompanha Donald Trump nesta viagem à Ásia é considerada uma das mais estratégicas de seu novo mandato, reunindo os principais nomes da política externa e econômica dos Estados Unidos. O secretário de Estado, Marco Rubio, participa da mesma rota — com paradas na Malásia, Japão e Coreia do Sul entre os dias 22 e 30 de outubro. Antes disso, Rubio passou por Israel, onde reafirmou o apoio do governo americano à implementação do Plano Abrangente para o Fim do Conflito em Gaza, proposto por Trump e descrito pelo Departamento de Estado como um esforço histórico de “integração e paz duradoura no Oriente Médio”. Depois do Oriente Médio, o secretário deve se juntar à delegação presidencial na Cúpula da Asean, em Kuala Lumpur, e seguir para a Semana de Líderes Econômicos da Apec, na Coreia do Sul. Segundo comunicado oficial, a meta é “promover a cooperação e fortalecer os laços com os parceiros do Indo-Pacífico”, com foco em comércio e segurança regional. Outro nome confirmado é o representante comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer, que também viajará à Malásia, Japão e Coreia do Sul. Greer foi o mesmo que se reuniu recentemente, em Washington, com o chanceler brasileiro Mauro Vieira, em um encontro preparatório para uma possível bilateral entre os dois países. Em declarações recentes, Greer afirmou que as tarifas de 50% impostas aos produtos brasileiros foram uma forma de retaliação por questões ligadas ao Estado de Direito, à censura e aos direitos humanos. Sem citar diretamente o Supremo, ele mencionou o ministro Alexandre de Moraes, dizendo que um juiz brasileiro teria “censurado empresas americanas por meio de ordens secretas”, com o objetivo de controlar o fluxo de informações relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Além de Rubio e Greer, integram a comitiva o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e assessores de alto escalão da Casa Branca, incluindo membros do Conselho de Segurança Nacional. Questionada pela PBS sobre os detalhes da agenda, a porta-voz da Casa Branca, Anna Kelly, limitou-se a dizer que o presidente participará de “reuniões e eventos que resultarão em grandes acordos para o país”, e completou: “Fiquem atentos.” As expectativas do governo brasileiro O governo brasileiro vê com grande expectativa a possibilidade de um encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente americano Donald Trump, previsto para o domingo, dia 26, na Malásia, à margem da cúpula da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático. Segundo fontes do Itamaraty, a reunião ainda é tratada com cautela, mas é vista como um passo importante para reabrir o diálogo e tentar reduzir as tarifas impostas aos produtos brasileiros desde o início do novo governo Trump. O encontro vem sendo articulado há semanas por diplomatas dos dois países, desde a conversa informal entre Lula e Trump durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Na primeira ligação telefônica entre os dois, Lula apresentou três alternativas de reunião: um convite para a COP30 em Belém, uma visita bilateral em separado ou um encontro mais breve na Malásia. Trump escolheu a terceira opção, a mais imediata — e, para o governo brasileiro, a que oferece maior chance de resultados concretos ainda neste semestre. Assessores de Lula afirmam que o presidente pretende deixar claro que o Brasil está disposto a negociar, mas que não aceitará discutir decisões do Judiciário brasileiro, em referência aos processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Essa linha vermelha é tratada em Brasília como uma questão de soberania e defesa da democracia. A polêmica do Pix Entre os temas que devem aparecer na conversa estão a regulamentação das plataformas digitais, que o governo brasileiro tenta aprovar no Congresso, e a investigação aberta pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) sobre o Pix, sob o argumento de que o sistema brasileiro de pagamentos cria barreiras de mercado para empresas americanas. Outro ponto que pode entrar na pauta é a situação da plataforma Rumble, bloqueada no Brasil desde fevereiro, e que se tornou símbolo da pressão americana por mais abertura no setor digital. Nos bastidores, integrantes da diplomacia brasileira avaliam que a reunião pode redefinir o tom da relação entre Lula e Trump, marcada até agora por desconfiança mútua, mas também por interesse recíproco em destravar o comércio e reduzir tensões políticas. Lula deve citar crise diplomática entre EUA e Venezuela De acordo com diplomatas brasileiros, a escalada contra a Venezuela deve ser trazida durante o encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, previsto para ocorrer na Malásia. O presidente brasileiro planeja comentar a crise venezuelana em tom de alerta, segundo fontes do Palácio do Planalto. Lula quer deixar claro a Trump que uma intervenção militar americana na Venezuela teria efeito desestabilizador em toda a região, criando um ambiente mais propício à expansão do narcotráfico e à migração forçada. Leia tambémTrump admite ação secreta da CIA na Venezuela e cogita ataques terrestres contra cartéis De acordo com fontes diplomáticas, o governo brasileiro tem sido extremamente cauteloso por ainda não ter clareza total sobre os objetivos da Casa Branca. Há dúvidas, inclusive, sobre se Washington e Caracas mantêm algum canal de diálogo ativo após o bombardeio que resultou em 37 mortes e destruiu nove embarcações, sendo sete venezuelanas e duas colombianas. O Brasil admite atuar como mediador na crise, mas apenas se houver manifestação de interesse de ambas as partes. Até agora, o governo brasileiro não se ofereceu formalmente para esse papel. Enquanto isso, Trump autorizou operações secretas da CIA em território venezuelano e admitiu avaliar ataques terrestres contra cartéis de drogas — uma medida que, para especialistas, ampliaria a tensão geopolítica no continente. Em discurso recente, no último dia 20, no Palácio do Itamaraty, Lula reafirmou a posição brasileira: “Manter a América Latina e o Caribe como zona de paz é prioridade do Brasil. Intervenções estrangeiras podem causar danos maiores do que os que se pretende evitar.” Sem citar diretamente os Estados Unidos ou a Venezuela, Lula destacou que a região vive um momento de “polarização e instabilidade crescente”, o que reforça, segundo ele, a necessidade de diálogo e prudência diplomática.
Os argentinos irão às urnas neste domingo (26) para participar das eleições legislativas. Eles renovarão metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado, mas o resultado funcionará, na prática, como um plebiscito sobre o governo do presidente Javier Milei. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires Até o começo de setembro, Milei tinha a esperança de reverter a sua condição de hiper minoria parlamentar e chegar próximo de conseguir maiorias para aprovar reformas estruturantes, necessárias para a chegada de investimentos, condição para o sucesso do seu plano econômico. Essa expectativa de uma vitória arrasadora mudou depois das eleições provinciais de Buenos Aires. Agora o governo se contentará se obtiver um terço do Congresso. Esse é o mínimo necessário para os governistas vetarem leis da oposição que atinjam o superávit fiscal e para evitar eventuais processos de destituição, sobretudo a partir de denúncias de corrupção. Governabilidade As eleições definirão a governabilidade do presidente argentino nos próximos dois anos e sua capacidade de implementar reformas econômicas. O pleito também definirá "as possibilidades de o Peronismo voltar a ser uma alternativa de poder", diz Cristian Buttié, da CB Consultores. "Os argentinos votam contra ou a favor de Milei como principal vetor, e contra ou a favor do peronismo/kirchnerismo como segundo vetor”, esclarece. “Neste domingo, está em jogo se a sociedade argentina vai continuar a apoiar o governo, se vai continuar a ter paciência com o ajuste de Milei. No fundo, a disputa não é entre o governo e a oposição, mas entre o governo e amplas faixas da sociedade para as quais o superávit fiscal nas contas públicas tem significado déficit no orçamento de milhões de famílias”, diz o analista político Eduardo Fidanza, diretor da consultoria Poliarquia. “Nesta eleição, o Peronismo é um instrumento de castigo. Os eleitores votam na oposição peronista basicamente para serem contra Milei”, acrescenta Fidanza. O melhor cenário para o governo será a obtenção de mais de 40% dos votos e o pior, com maior turbulência nos mercados, será se Milei ficar com 30% ou menos. “É uma cifra que os governos da Argentina e dos Estados Unidos consideram uma boa eleição, pois garante um terço do Parlamento para blindar os vetos de Milei”, acredita Fidanza, para quem Milei terá cerca de 35% dos votos válidos. A analista Shila Vilker, diretora da consultora TresPuntoZero, faz o mesmo cálculo, mas ressalta que parte desse voto em Milei vem de eleitores que não querem o retorno ao passado peronista, embora critiquem as consequências do ajuste fiscal. “Vejo o governo com mais dificuldade para mobilizar esse voto. A abstenção pode alterar as projeções”, diz. Buttié projeta 40,8% para Milei e a consultoria brasileira AtlasIntel aposta que o presidente terá 41,1% dos votos. Os cenários indicam paridade com a oposição peronista. Todos calculam que o líder argentino conseguirá o mínimo de um terço do Congresso, mas ficará longe da maioria necessária para aprovar reformas. O maior desafio, a partir de segunda-feira (27), será construir uma articulação política com os governadores. “Com 35% dos votos, será um governo relativamente fraco. A oposição elevará o preço das exigências para oferecer apoio. A pergunta é se essa articulação política com os governadores não custará o superávit fiscal de Milei”, questiona Fidanza. Milei iniciou seu governo com apenas 15% da Câmara dos Deputados e 10% do Senado. Dos 39 deputados iniciais (de um total de 257), ele perdeu 14 e ficou com apenas 25. Dos sete senadores (de 72), perdeu um, restando apenas seis. Desgaste pelo ajuste fiscal e pela corrupção Os argentinos votarão num momento em que o ajuste fiscal do presidente Milei começa a afetar diretamente o bolso da população. Como âncora para combater a inflação, sua principal bandeira política, Milei manteve o valor do peso argentino artificialmente valorizado. Para isso, utilizou recursos financeiros de um programa de regularização de capitais, de um empréstimo do FMI e agora de um socorro do Tesouro americano, enquanto a economia perdia competitividade. A inflação continua girando em torno de 2% ao mês. A recessão tem causado estragos e desde que Milei assumiu, em média, 28 empresas fecham por dia (16.322 entre dezembro de 2023 e junho de 2025), 236 mil empregos registrados foram destruídos, e 86% das pessoas dizem que o salário não cobre o mês inteiro. O presidente vangloria-se de aplicar “o maior ajuste fiscal da história”, equivalente a 5% do Produto Interno Bruto desde o primeiro mês de governo. Na campanha eleitoral de 2023, Milei prometia fazer “a casta política” pagar o preço do ajuste. No entanto, os cortes atingiram salários públicos e setores vulneráveis da sociedade, como aposentados, médicos pediatras, professores universitários e pessoas com deficiência. “Todos os atores econômicos acreditam que haverá uma desvalorização da moeda, mas, particularmente, não vejo risco de corrida cambial porque os fundamentos macroeconômicos estão sólidos, há restrição na circulação de pesos e temos o Tesouro norte-americano apoiando o governo. Não faz sentido uma corrida contra o peso quando o governo tem a munição dos Estados Unidos”, avalia à RFI o economista Gustavo Pérego, diretor da Abeceb Consultores, uma referência no país. Se o governo obtiver 36% dos votos, isso será fantástico para o mercado. Se ficar abaixo, haverá incerteza e instabilidade. Se o resultado eleitoral for ruim para o governo, haverá maior pressão por uma desvalorização”, prevê. Outro elemento que pesa na decisão de voto são os casos de corrupção. No início do mês, o principal candidato de Milei para as eleições legislativas, José Luis Espert, renunciou à candidatura após a confirmação de vínculos com um empresário acusado de tráfico de drogas nos Estados Unidos. Na agência para pessoas com deficiência, foi descoberto um esquema de corrupção que encarecia em pelo menos 8% a compra de medicamentos. Desse desvio, 3% seriam destinados a Karina Milei, secretária-geral da Presidência, braço direito e irmã do presidente. “Tudo isso gera o chamado voto de punição em Milei”, define Shila Vilker. Efeito Trump Em 7 de setembro, a província de Buenos Aires (que não inclui a capital homônima) impôs uma dura derrota ao governo Milei. Na região onde vivem 38% dos eleitores do país, a oposição peronista obteve uma vantagem de 13,6 pontos sobre os candidatos governistas. Nas últimas 10 eleições provinciais, Milei perdeu oito. A eleição em Buenos Aires foi apenas provincial, mas acendeu o alerta para o governo e para os agentes econômicos sobre o que pode ocorrer nas legislativas nacionais do próximo domingo. A perda de confiança no governo acelerou uma corrida cambial contra o peso argentino, parcialmente contida em 22 de setembro, após o presidente Donald Trump anunciar que “faria o que fosse necessário” para ajudar Javier Milei nas eleições. “Quando perguntamos sobre esse assunto, metade diz ser contra; metade a favor. Mas a maioria afirma que essa intervenção dos Estados Unidos não mudará seu voto. O que está claro é que essa intervenção de Trump transformou uma eleição local em um fenômeno mundial”, ressalta Eduardo Fidanza. “Trump aposta muito nestas eleições porque, se Milei fracassar, isso afeta seu prestígio. Se seu principal discípulo mundial tiver sucesso, torna-se um farol para outras eleições em países da região onde a extrema-direita disputa com a esquerda”, observa. No entanto, em 14 de outubro, Trump esclareceu que o socorro financeiro estava condicionado a um bom desempenho de Milei nas urnas. Para muitos, essa advertência de Trump e o receio de que o peronismo possa voltar ao poder geraram o chamado “voto do medo”, que beneficia Milei. “Sem o resgate financeiro de Trump, a economia teria implodido, prejudicando Milei. Isso, sim, teria impacto. As pessoas entendem que, se a economia colapsar, este governo cai e o peronismo/kirchnerismo volta ao poder. As declarações de Trump, então, ajudaram Milei porque criaram o ‘voto do medo’. É um voto muito mais emocional do que racional”, conclui Cristian Buttié.
Os líderes da União Europeia se reuniram nesta quinta-feira (23), em Bruxelas, para mais uma cúpula oficial do Conselho Europeu. O encontro ocorre em um momento de renovada tensão na guerra na Ucrânia e conta com a presença do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Artur Capuani, correspondente da RFI em Bruxelas Antes que os debates começassem em Bruxelas, a União Europeia confirmou o 19º pacote de sanções contra a Rússia, reafirmando o compromisso do bloco com Kiev. Zelensky foi o primeiro a falar, iniciando as conversas com os 27 chefes de Estado e de governo do bloco. Desde o início da invasão russa, a cúpula da UE tem aprovado sucessivas medidas de apoio financeiro e militar à Ucrânia e de restrições a Moscou. A Hungria segue sendo a única voz dissidente no Conselho, com o primeiro-ministro Viktor Orbán, aliado de Vladimir Putin, apresentando seu voto solitário contra as medidas. “O 19º pacote de sanções contra a Rússia é crucial para nós. O cessar-fogo é possível, mas precisamos de mais pressão sobre a Rússia para que haja um cessar-fogo”, afirmou Zelensky na chegada para a reunião. O presidente ucraniano também confirmou que o Conselho irá negociar mais apoio financeiro e o envio de armas de longo alcance para Kiev. “Estamos mantendo a pressão sobre o agressor. Pela primeira vez, estamos atingindo o setor de gás da Rússia – o coração de sua economia de guerra. Não cederemos até que o povo da Ucrânia tenha uma paz justa e duradoura”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em comunicado. Na véspera do encontro, a Suécia também assinou um acordo para fornecer até 150 caças Gripen à Ucrânia, com as primeiras entregas previstas para 2026. A defesa comum também voltou à pauta dos líderes europeus, especialmente após uma série de violações do espaço aéreo por drones não identificados no flanco leste do continente. O Conselho pretende acelerar o plano Prontidão 2030, que busca fortalecer a capacidade militar da UE nos próximos cinco anos, com foco particular na defesa aérea e em mecanismos para enfrentar ataques híbridos. A carta-convite de António Costa reforça a necessidade de transformar discussões recentes em compromissos concretos, ampliando o papel da Agência Europeia de Defesa e autorizando ministros da Defesa a acompanhar a implementação técnica das medidas. Competitividade, transição verde e euro digital A competitividade europeia será outro tema central. Os líderes devem debater formas de simplificar regulações, estimular o investimento em tecnologias verdes e garantir a autonomia digital do continente. A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, e o presidente do Eurogrupo, Paschal Donohoe, participarão de uma sessão dedicada à economia e ao projeto do euro digital, pensado para criar um sistema de pagamentos gratuito e de ampla circulação. O aumento do custo da habitação na Europa, especialmente para jovens e famílias de classe média, motivou a inclusão do tema na agenda da cúpula. Os líderes vão avaliar o que pode ser feito ao nível europeu para apoiar iniciativas nacionais de moradia acessível. A migração também será discutida. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentará um balanço do novo pacto migratório e das ações previstas para o controle de fronteiras e a solidariedade entre os Estados-membros. Situação em Gaza No Oriente Médio, a UE pretende avaliar como apoiar esforços de reconstrução e negociação para uma paz sustentável em Gaza, após dois anos de conflito no território palestino. Fora da pauta desta vez, o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul teve sua votação adiada. Havia expectativa de que o capítulo final das negociações fosse concluído ainda este ano, o que agora parece improvável.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca nesta quarta-feira (22) em Jacarta, na Indonésia, para o início do seu último périplo pela Ásia este ano. A agenda cheia pode incluir o esperado encontro entre o brasileiro e o homólogo americano, Donald Trump, e confirmar uma aproximação. Os dois chefes de Estado estarão neste domingo (26) em Kuala Lumpur, na Malásia, onde participarão da 47ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean). Vivian Oswald, correspondente da RFI no Rio de Janeiro Os ponteiros ainda precisam ser acertados para saber se haverá tempo para o encontro entre os dois, incluindo a pauta para uma eventual reunião bilateral. Para assessores do presidente, o encontro em si já seria de extrema importância, mesmo que não resulte em anúncios formais. Do lado brasileiro, segundo fontes, janelas de oportunidades estão sendo reservadas para possíveis encontros de Lula com Trump e outros chefes de Estado. Em sua terceira viagem à Ásia este ano, o petista continua atrás de novos mercados. Os países da Asean são responsáveis por 20% do superávit comercial brasileiro com o mundo, ou cerca de US$ 15 bilhões. Em Jacarta, será recepcionado em cerimônia oficial de chegada no Palácio Presidencial, e recebido com a primeira-dama, Janja da Silva, pelo presidente da Indonésia, Prabowo Subianto. Os dois terão um encontro privado, seguido de reunião ampliada, cerimônia de assinatura de atos e declaração à imprensa. Nesta quinta-feira (22), Lula falará no Fórum Empresarial Brasil-Indonésia, do qual participam mais de uma centena de empresários de cada lado. No dia 24, tem previsão de visita ao secretário-geral da Asean, o cambojano Kao Kim Hourn, na sede da entidade, em Jacarta. Agenda disponível para Trump na Malásia Da Indonésia, Lula seguirá ainda para a Malásia. Ele fará visita de Estado aos dois países, onde tem reuniões com seus líderes e assina acordos bilaterais. Em Kuala Lumpur, capital malaia, Lula receberá o título Doutor Honoris Causa da Universidade Nacional da Malásia e participará de dois fóruns empresariais. Lula ficará até 27 de outubro no país, onde estará da abertura da 47ª Cúpula da Asean – ele é o primeiro presidente brasileiro a receber o convite para participar do encontro. A partir daí, sua agenda deve variar de acordo com as possibilidades de encontros bilaterais. O mais aguardado é com o Trump, levando a presidência a deixar uma janela relativamente flexível para concretizar essa possibilidade. Os governos do Brasil e dos EUA têm pressa para essa reunião: querem aproveitar o momentum, e agora é preciso mostrar até onde estão dispostos a ir. Depois do encontro de 39 segundos dos dois na Assembleia Geral da ONU, os canais de comunicação foram reabertos. Desde então, nada mudou, e o Brasil continua submetido a 50% de tarifas, com sanções aplicadas a indivíduos. Mas os sinais políticos mostram que a relação pode ganhar nova tração e buscar certa normalidade. A agenda e a vontade política ainda precisam ser montadas para que o encontro saia. Segundo fontes do governo brasileiro, a reunião em si já é importante por dar novos passos em direção às negociações e reduzir o espaço para ruídos na relação. Encontro com presidente da Índia Na Malásia, Lula ainda se encontra com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, na única bilateral confirmada até agora. O vice-presidente, Geraldo Alckmin, esteve em missão na Índia semana passada para preparar o terreno para visita de Estado que Lula fará ao país em fevereiro de 2026. Os dois estão submetidos à maior sobretaxa aplicada pelos EUA no tarifaço, de 50%. A Asean representa uma oportunidade de encontro e reunião com diversos líderes mundiais, já que todos os grandes países têm algum tipo de relação com o grupo e a presença braseira consolida a presença do país no sudeste asiático. A Asean é o quinto principal parceiro do Brasil e quarto maior destino das exportações. Os 11 países que integram a associação somam mais de 680 milhões de habitantes e um PIB agregado de US$ 4 trilhões. Considerados em conjunto, seriam o terceiro país mais populoso e a quarta maior economia do mundo. Na cúpula do leste da Ásia, onde participa como presidente rotativo do Brics, Lula vai levar a visão do governo brasileiro sobre resiliência das economias diante de cenário difícil para o livre comércio. Ampliação de mercados após tarifaços Todo esse périplo asiático tem por objetivo ampliar mercados e aumentar as exportações, sobretudo num momento em que os EUA exercem forte pressão sobre o Brasil, que mantém superávit significativo com os países da região. A Indonésia é terceira maior democracia do mundo, quarta mais populosa e maior economia da Asean. As áreas que representam oportunidades para o Brasil são sobretudo agrícola, segurança alimentar, bioenergia, desenvolvimento sustentável e defesa. Segundo levantamento da Apex Brasil, que organiza os fóruns empresariais com o Itamaraty, diante do tarifaço americano, a Indonésia surge como possível mercado alternativo para o subsetor de pneus. Hoje, os americanos absorvem 34,7% das exportações brasileiras do produto. A Indonésia importou mais de US$ 1 bilhão do setor em 2024 e, atualmente, o Brasil responde por apenas 1,95% do que compram. Entre os produtos cuja exportação para os EUA tem mais de 30% de dependência, destacam-se os tubos de ligas de aço, para os quais a Indonésia surge como mercado alternativo. Ou seja, enquanto segue negociando com os Estados Unidos, o Brasil tenta redirecionar suas exportações. Leia tambémCompras argentinas e sinalização de entendimento com EUA animam empresários no Brasil
Pouco mais de uma semana depois de entrar em vigor, o cessar-fogo já está sob enorme pressão. Ele esteve por um fio no domingo (19), após ataques contra as tropas israelenses e a resposta de Israel na Faixa de Gaza. Diante de tudo isso, os Estados Unidos buscam manter a situação sob controle e despacharam os enviados Steve Witkoff, Jared Kushner e JD Vance para Israel. Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel O cessar-fogo está em vigor, mas é frágil. Houve ataques às tropas israelenses ainda estacionadas na Faixa de Gaza, causando a morte de dois soldados a partir do disparo de um míssil antitanque, segundo o Exército de Israel, que culpou diretamente o Hamas pela violação do acordo. Na sequência, Israel revidou com intensidade, atacando mais de cem alvos em Gaza. Os ataques israelenses causaram a morte de 45 pessoas, de acordo com os hospitais locais. A resposta israelense durou cerca de dez horas até que a cúpula política do país decidiu voltar a aplicar o cessar-fogo. Apesar disso, parlamentares israelenses consideraram a ação leve demais, como é o caso de Moshe Saada, do Likud, o partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. "Israel está viciado em administrar o conflito, em vez de decidir. Não estabelecemos uma linha vermelha clara sobre violações flagrantes. Retornamos à regra de contenção e administração. Pagaremos um alto preço por isso", disse em entrevista à Rádio 103FM. O Hamas apresentou duas versões para o ocorrido: a primeira delas por parte de Izzat al-Rishek, membro do alto escalão, que, citado pela Reuters, negou as alegações de violação do acordo e culpou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Posteriormente, em comunicado, a ala militar do grupo extremista palestino não negou a ação, mas disse ter perdido o contato com os combatentes que ainda estão em Rafah, onde as tropas israelenses foram atacadas, e voltou a afirmar o compromisso com a manutenção do acordo. A bordo do avião presidencial Força Aérea 1, Donald Trump disse acreditar que o Hamas não esteve envolvido nos ataques, preferindo culpar "rebeldes internos" do grupo. Enviados dos EUA pressionam Israel Segundo fontes de segurança citadas pela imprensa israelense, a visita ao país dos enviados Steve Witkoff e Jared Kushner tem como objetivo deixar claro que o acordo para encerrar a guerra "permanece válido e vinculativo a todas as partes". A intermediação dos Estados Unidos diante da resposta israelense aos ataques contra os soldados do país em Rafah foi fundamental, segundo o canal i24. Embora Israel tenha comunicado que iria responder, os EUA enviaram a mensagem que o país poderia seguir adiante, mas de forma proporcional. A RFI apurou que havia a possibilidade de ataques ainda mais extensos, mas Israel decidiu encerrar o ciclo no mesmo dia justamente em função da pressão por parte do governo norte-americano. Encontros com militares Witkoff e Kushner se reuniram com generais israelenses, o que é incomum. Membros da ala política, mesmo do governo norte-americano, o principal aliado internacional israelense, costumam receber informações e debater cenários com lideranças políticas de Israel, não com militares. A informação foi confirmada pelo porta-voz do Exército de Israel, de acordo com a imprensa israelense. Os dois enviados dos EUA querem entender os preparativos de Israel para a segunda fase do acordo. Washington exerce pressão sobre as partes para conseguir chegar à segunda etapa do plano, quando assuntos ainda mais complexos deverão ser debatidos, como a entidade temporária de governo de Gaza, o chamado "Conselho da Paz", o desarmamento do Hamas e a Força Internacional de Estabilização, a força militar que irá substituir a presença do Exército de Israel no enclave palestino. A Netanyahu, Witkoff e Kushner deixaram uma mensagem clara sobre ações na Faixa de Gaza: autodefesa sim; ações que possam colocar em risco o cessar-fogo, não. JD Vance, vice-presidente norte-americano, também irá se encontrar com o primeiro-ministro israelense. Segundo o Canal Público local, Vance deve ir também ao quartel-general que reúne soldados de Estados Unidos e Israel em Kiriat Gat, no sul do país, e que foi construído como parte do plano de Trump. Nessa base, militares dos dois países discutem uma série de questões, como o chamado "dia seguinte na Faixa de Gaza", mecanismos operacionais para ações em caso de violações do cessar-fogo e até formas de evitar eventuais confrontos com as forças estrangeiras que devem entrar em Gaza. O vice-presidente dos EUA também manifestou interesse em ir ao enclave palestino, mas a visita não está confirmada por questões de segurança.
Com 97,86% dos votos apurados, Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão, obteve 54,6% dos votos e foi eleito o novo presidente da Bolívia, após o fim da votação do segundo turno da eleição presidencial no país, que ocorreu neste domingo (19), e a apuração de 97,8% das urnas, segundo o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE). O conservador Jorge "Tuto" Quiroga teve 45,4%. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires As pesquisas de intenção de voto falharam novamente. As quatro sondagens divulgadas em outubro não previram a vitória de Rodrigo Paz Pereira, que venceu com 9,2 pontos de vantagem no segundo turno. No primeiro turno, Paz Pereira também havia ficado em primeiro lugar, com 32,6% dos votos. O presidente eleito de centro-direita, Rodrigo Paz, comemorou o fato de a Bolívia estar "aos poucos recuperando seu lugar no cenário internacional", após 20 anos de governos socialistas. "É preciso abrir a Bolívia para o mundo e dar um novo papel ao país", declarou Rodrigo Paz. O novo presidente será o responsável por inaugurar uma nova fase política no país, após 20 anos de hegemonia do Movimento ao Socialismo (MAS), liderado pelo ex-presidente Evo Morales. A maioria dos bolivianos optou por um candidato de centro, em vez de um representante da direita tradicional. “Rodrigo Paz Pereira não é de direita; é de centro-esquerda. No entanto, diante da gravidade da crise econômica, terá de adotar medidas liberais. Não há como evitar governar com políticas econômicas de direita, pois o ajuste fiscal é inevitável”, afirma à RFI a analista política boliviana Lily Peñaranda. “Este não é um problema ideológico, porque ideologia não enche a barriga. O que garante sustento é o direito ao trabalho, instituições fortes, segurança jurídica, respeito à propriedade privada e certeza sobre o futuro. Por isso, o povo da Bolívia tomou sua decisão”, declarou Paz Pereira em seu discurso de vitória. O candidato derrotado, Jorge “Tuto” Quiroga, reconheceu a derrota, alertando que as dificuldades econômicas devem se agravar, mas prometeu apoiar as boas iniciativas no Congresso. “Para nós, as dificuldades certamente vão se intensificar. Em todas as iniciativas no Congresso que forem positivas, estaremos lá para apoiar. Nunca seremos um obstáculo”, disse Quiroga ao reconhecer a vitória de Paz Pereira. Esse ponto é crucial para a governabilidade, pois Paz Pereira tem a maior bancada, mas não possui maioria. Precisa do apoio de Quiroga. “Rodrigo Paz não poderá governar sem o apoio de Tuto Quiroga”, sentencia Lily Peñaranda, sobre o desafio do novo governo, que começa em 8 de novembro. Socorro internacional O presidente eleito não explicou como pretende obter recursos para resolver os graves problemas de escassez de combustíveis, alimentos e medicamentos, mas deu indícios de que buscará apoio de países aliados, especialmente dos Estados Unidos. Nos últimos 20 anos, a Bolívia foi aliada, na região, da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua. Fora da região, manteve relações com China, Rússia e até Irã. No entanto, em seu discurso de vitória, Paz Pereira afirmou que “quer ter uma relação estreita com Washington para que não falte combustível na Bolívia”. “É preciso abrir a Bolívia ao mundo”, declarou, agradecendo os cumprimentos pela vitória enviados pelo secretário de Estado adjunto, Christopher Landau, em nome do governo de Donald Trump. Durante a campanha, Rodrigo Paz Pereira prometeu um plano de “Capitalismo para todos”, com concessão de créditos a taxas subsidiadas e alívios tributários para estimular a economia por meio da expansão monetária. O presidente eleito acredita que é necessário primeiro “arrumar a casa” para depois buscar empréstimos, mas a urgência da situação pode levá-lo a acelerar esse processo, recorrendo a organismos multilaterais de crédito ou até mesmo a uma ajuda direta dos Estados Unidos. O candidato derrotado, Jorge Quiroga, defendia o afastamento da Bolívia do Mercosul — bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — ao qual o país acaba de aderir. Para a analista Lily Peñaranda, a vitória de Paz Pereira é uma boa notícia para o presidente Lula, devido à maior proximidade ideológica em comparação com Quiroga. “Entre Rodrigo Paz Pereira, mais de centro-esquerda, e Tuto Quiroga, mais liberal, há uma afinidade do eleito com Lula, mais à esquerda”, observa Peñaranda. Quem é Rodrigo Paz Pereira ? O novo presidente eleito é herdeiro de uma família de ex-presidentes bolivianos, é filho de Jaime Paz Zamora (1989–1993), fundador do Movimento de Esquerda Revolucionária, vinculado à Internacional Socialista, e que organizou a resistência ao regime militar do general Hugo Banzer (1971–1978). Também é sobrinho-neto de Víctor Paz Estenssoro (1985–1989). A família governou a Bolívia por oito anos consecutivos. Paz Pereira, de 58 anos, é economista com formação em Relações Internacionais. Durante a ditadura, sua família foi exilada, e ele nasceu em Santiago de Compostela, na Espanha, terra natal de sua mãe, Carmen Pereira. Ele foi vereador, deputado e senador pela cidade de Tarija, no sul do país, onde curiosamente perdeu neste domingo (Paz Pereira: 49,6% x Quiroga: 50,4%). Muitos atribuem sua vitória ao vice Edman Lara, ex-policial que ganhou popularidade nas redes sociais ao denunciar corrupção na Polícia, sendo expulso da corporação no ano passado. Curiosamente, na reta final da campanha, Lara chegou a ameaçar “prender Paz Pereira se ele trair ou roubar o povo”. Há também quem acredite que Paz Pereira tenha algum tipo de acordo tácito com Evo Morales, já que setores ligados ao ex-presidente pediram votos para ele. Boa parte dos eleitores de Paz Pereira são ex-apoiadores do MAS, que obteve apenas 3,1% dos votos no primeiro turno. Paz Pereira venceu em Cochabamba, reduto de Evo Morales (Paz Pereira: 61,1% x Quiroga: 38,9%). Para muitos, essa vitória foi decisiva. O futuro de Evo Morales O ex-presidente Evo Morales está inelegível por decisão do Tribunal Constitucional, após já ter sido reeleito uma vez. Refugiado na região do Chapare, Morales enfrenta uma ordem de prisão por estupro de menor e tráfico de menores — acusações que ele nega. O atual presidente, Luis Arce, desafeto de Morales, não ordenou sua prisão para não interferir no processo eleitoral. Jorge Quiroga prometia prender Evo Morales, mas Paz Pereira nunca deixou claro o que pretende fazer. “Rodrigo Paz Pereira sempre foi evasivo nas respostas. Isso tranquiliza Evo Morales. Mesmo inelegível, ele está se preparando para voltar. Vai encontrar uma forma de insistir. É uma figura ativa na política boliviana”, avalia Lily Peñaranda. Morales pode dificultar a governabilidade do novo presidente, recorrendo à tática de bloqueio de estradas por movimentos sociais — método que usava quando estava na oposição. “No Congresso, o novo presidente terá muita dificuldade para conseguir consenso. Nas ruas, a situação será complicada à medida que a crise se aprofunde, gerando protestos. Um ajuste sempre dói, mas não há outra saída”, prevê Peñaranda. Evo Morales criou um novo partido, Evo Povo, para disputar as eleições regionais de março do próximo ano. Essa é sua estratégia de sobrevivência política — e também pode se tornar uma tábua de salvação para Paz Pereira, que precisará de prefeitos e governadores aliados nos territórios.
Os bolivianos vão às urnas no próximo domingo (19) para um inédito segundo turno das eleições presidenciais. O pleito marca o fim de um ciclo político e econômico de 20 anos de governos de esquerda, liderados ou sob influência do ex-presidente Evo Morales. Em disputa, dois candidatos que prometem mudança — radical ou gradual. Essa nova receita pode contar com o apoio direto do governo de Donald Trump, que monitora as eleições bolivianas com interesse em substituir a presença da China no país. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires Após quase duas décadas de domínio do partido de Evo Morales, o Movimento ao Socialismo (MAS), a Bolívia está prestes a iniciar um novo ciclo, no qual a esquerda, com sua economia estatizante, dá lugar a uma abertura econômica, sob liderança da direita ou do centro político. Os dois modelos têm propostas semelhantes, com diferenças no grau de intensidade, mas compartilham o objetivo de abrir a economia ao mundo. Independentemente do vencedor, será necessário oxigenar uma economia em colapso, marcada por inflação galopante e escassez de produtos básicos. O novo presidente terá pouco tempo para agir: a posse está marcada para 8 de novembro, apenas 20 dias após o pleito. De um lado, o ex-presidente Jorge Quiroga (2001–2002), economista de 65 anos, conhecido como “Tuto”, lidera a coalizão Aliança Livre, de direita. Do outro, pelo Partido Democrata Cristão, de centro, está o senador Rodrigo Paz Pereira, economista de 58 anos e filho do ex-presidente de esquerda Jaime Paz Zamora (1989–1993). Tuto Quiroga tenta retornar à presidência pela quarta vez. Foi ministro da Economia no governo de Jaime Paz Zamora e, posteriormente, vice-presidente de Hugo Banzer (1997–2001), que deixou o cargo por motivos de saúde, permitindo que Quiroga assumisse aos 37 anos. Rodrigo Paz Pereira já foi vereador, deputado e prefeito de Tarija, no sul do país. Esta é sua primeira candidatura à presidência. A cientista política boliviana Lily Peñaranda, especialista em relações internacionais, resume à RFI: “A Bolívia decide neste domingo a metodologia com a qual sairá desta crise econômica, social e política. Na verdade, a situação é tão crítica que o único caminho possível passa pelo ajuste para reduzir o déficit fiscal”. Leia tambémCandidato inesperado surpreende na Bolívia e corre com vantagem num inédito segundo turno Disputa aberta No primeiro turno, realizado em 17 de agosto, Rodrigo Paz Pereira obteve 32% dos votos, enquanto Tuto Quiroga ficou com 26,7%. Dois meses depois, segundo quatro pesquisas divulgadas ao longo de outubro, as posições se inverteram. Jorge Quiroga lidera com intenções de voto entre 43% e 47%; Rodrigo Paz Pereira aparece com 33% a 39%. Cristian Buttié, diretor da CB Consultores e responsável por uma das pesquisas, avaliou para a RFI as razões dessa mudança de posição do eleitorado. “Há dois vetores importantes que se cruzam para explicar essa virada: Tuto Quiroga representa a verdadeira mudança, e o MAS é rejeitado por 80% da população. Os eleitores se decepcionaram tanto com o MAS que agora não querem nenhuma opção que se aproxime disso. Veem Quiroga como o mais distante”, afirmou. O especialista em opinião pública contabiliza 44,4% das intenções de voto para Tuto Quiroga e 36,2% para Paz Pereira. Votos brancos, nulos e indecisos somam 19,4%. Além disso, historicamente, as pesquisas na Bolívia costumam ser imprecisas. Ou seja, a disputa permanece aberta. No primeiro turno, o MAS — controlado por Evo Morales durante duas décadas — obteve apenas 3,1% dos votos, no limite mínimo de 3% exigido para manter o registro partidário. Enquanto Quiroga é visto como a opção de mudança mais radical, Paz Pereira defende uma transição gradual. Peñaranda indica: “As pessoas realmente não querem nada que se relacione com o Movimento ao Socialismo. Depois de 20 anos no poder, existe um cansaço social. O MAS prefere Rodrigo Paz Pereira. Membros do partido chegaram a pedir voto para ele. Mas a população se afastou dessa opção”, observa a especialista. Leia tambémEleições na Bolívia podem representar o fim de 20 anos de hegemonia da esquerda e uma possível abertura econômica Pior crise em 40 anos A situação crítica da Bolívia decorre da escassez de divisas, provocada pela queda nos investimentos diretos e nas exportações — especialmente de gás natural, que já foi o principal produto de exportação do país. Sem novas explorações de hidrocarbonetos e com Brasil e Argentina comprando cada vez menos, as contas públicas entraram no vermelho. O valor do dólar em relação ao boliviano está congelado desde 2008. A manutenção artificial da taxa de câmbio em 6,96 bolivianos por dólar durante 17 anos fez com que a moeda norte-americana valesse o dobro no mercado paralelo. O país depende da importação de combustíveis, alimentos e medicamentos, mas a falta de recursos gerou uma grave escassez de produtos básicos, com preços em alta. As filas nos postos de gasolina são quilométricas. Há pessoas que chegam a dormir por dias à espera de abastecimento. Os subsídios em alimentos e combustíveis representam 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto o déficit fiscal atinge 13% do PIB. A inflação, contida artificialmente pelos subsídios e pela taxa de câmbio congelada, acumula 24% nos últimos 12 meses. Peñaranda prevê: “Isso significa que, quando os preços forem reajustados, haverá ainda mais inflação. Quando a taxa de câmbio for flexibilizada, haverá mais inflação. Para alcançar a estabilidade, ainda haverá sofrimento para a população, porque a saída passa por um forte ajuste fiscal”, avalia. Esse será outro desafio para o novo governo: administrar o descontentamento social gerado pelo ajuste, que deve provocar protestos. Nas ruas, movimentos sociais — muitos liderados por Evo Morales — podem dificultar ainda mais o processo. “Acredito numa onda de protestos, porque a crise ainda vai piorar antes de melhorar. Haverá uma crise muito grande. Eu diria que é alta a probabilidade de que as próximas eleições sejam antecipadas devido à crise social”, alerta Peñaranda. As visões de Quiroga e Paz Pereira Para romper com o modelo de gastos públicos e subsídios, Jorge Quiroga propõe um plano de choque que reduza o tamanho do Estado, abra a economia e atraia investimentos. Essa proposta é vista como um forte ajuste fiscal. Rodrigo Paz Pereira defende um plano de “capitalismo para todos”, com concessão de créditos a taxas subsidiadas e alívios tributários para estimular a economia via expansão monetária. Essa proposta é considerada inflacionária e com impacto limitado na redução do déficit fiscal. Peñaranda compara: “Paz Pereira fala mais sobre amortecer a queda para proteger os mais vulneráveis durante o ajuste. Quiroga é mais à direita, defende privatizações e uma economia de ajuste, como nos anos 1990”. Tuto Quiroga promete fechar um acordo financeiro imediato de US$ 12 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Paz Pereira acredita que é preciso primeiro organizar a casa para depois buscar empréstimos. Segundo Cristian Buttié, as pessoas querem uma mudança radical, não uma mudança moderada. “Vejo um paralelismo com Milei na Argentina. Não estão preocupadas com ideologia. É uma determinação por mudar o modelo”, destaca o consultor. Ajuda financeira de Trump Tal como Javier Milei, Tuto Quiroga quer abrir a economia, firmar acordos de livre comércio e se distanciar do Mercosul — bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e, mais recentemente, integrado pela Bolívia. Nesta semana, o governo de Donald Trump sinalizou que pode oferecer ajuda financeira à Bolívia, após duas décadas de forte aproximação com a China. Durante a reunião entre Milei e Trump na Casa Branca, na terça-feira (14), o secretário de Estado, Marco Rubio, afirmou que “os candidatos à presidência da Bolívia já sinalizaram que estão abertos a uma aproximação com os Estados Unidos”. Rubio acrescentou: “Atualmente, temos uma grande aliança com a Argentina. Um dos fatos mais promissores deste mês serão as eleições na Bolívia. Depois de mais de 20 anos de governos hostis contra os Estados Unidos, as eleições conduzirão a melhores relações com Washington. Os dois candidatos que participam do segundo turno querem relações mais fortes e melhores com os Estados Unidos. Há uma oportunidade transformadora na Bolívia”. Na semana anterior, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, já havia comentado essa mudança política na Bolívia, favorável aos interesses norte-americanos. “Vamos usar a Argentina como exemplo. Muitos governos estão virando à centro-direita. Temos a Argentina, o Paraguai, o Equador, a Bolívia e, acho, a Colômbia nas próximas eleições”, projetou Bessent. A proposta de Trump segue a mesma lógica: ajuda financeira em troca de prioridade na exploração de recursos naturais, especialmente o lítio, em detrimento das empresas chinesas. Bolívia, Argentina e Chile concentram mais de 50% das reservas mundiais de lítio, metal usado em baterias de veículos elétricos.
O chanceler Mauro Vieira se reúne nesta quinta-feira (16), em Washington, com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio. O encontro é visto pelo Itamaraty como uma oportunidade para insistir na retirada das tarifas de 50% impostas aos produtos brasileiros e das sanções aplicadas a autoridades do país. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York A reunião ocorre em meio a uma escalada de pressão política de Washington sobre governos da América Latina, como explica o professor Enrique Arias, diretor do Bildner Center for Western Hemisphere Studies e professor de Ciência Política da City University of New York (CUNY). Segundo Arias, o peso econômico do Brasil pode levar o governo Trump a adotar uma postura mais pragmática nas negociações. Ele lembra que o país ocupa um papel central no comércio global, especialmente em um momento de inflação alta nos Estados Unidos e de tensão comercial com a China. “O governo Trump pode perceber que é mais vantajoso buscar um entendimento com o Brasil do que manter a escalada tarifária”, avalia. O pesquisador também observa que o recente distanciamento entre o presidente e o bilionário Elon Musk pode abrir espaço para uma relação menos tensionada com Brasília. Segundo ele, a crise entre o empresário e o Supremo Tribunal Federal brasileiro — sobre o conteúdo publicado na rede X — havia alimentado um clima de desconfiança em Washington. Com o afastamento de Musk, afirma Arias, “essa perspectiva pode ter mudado um pouco e aberto espaço para o diálogo”. Impacto interno das tarifas Outro fator, segundo o professor, é o impacto econômico interno das tarifas. O aumento dos preços do café e da carne, somado à dificuldade dos Estados Unidos em escoar sua soja devido à disputa com a China, pressiona a Casa Branca. “Os efeitos das tarifas sobre os preços dos alimentos e a preocupação com as exportações de soja podem levar o governo Trump a ver a relação com o Brasil e com o governo Lula como mais importante do que se pensava semanas atrás”, diz Arias. Enquanto o Brasil tenta restabelecer o diálogo, outros países da região enfrentam maior pressão de Washington. Nesta semana, Trump se reuniu com o presidente argentino, Javier Milei, e ameaçou suspender empréstimos e ajuda financeira caso ele não seja reeleito. Para Arias, o padrão de comportamento é o mesmo. O governo Trump, segundo ele, busca apoiar líderes ideologicamente alinhados, o que o diferencia de administrações anteriores. “É uma linha mais seletiva e ideológica nas alianças regionais”, resume. A ofensiva, no entanto, não se limita à economia. Na terça-feira (14), os Estados Unidos realizaram o quinto ataque militar a um barco venezuelano supostamente ligado ao tráfico de drogas, matando seis pessoas a bordo. Desde setembro, já são cinco ações desse tipo, com 27 mortos na costa da Venezuela. Trump afirmou que as embarcações estavam ligadas a redes de “narcoterrorismo” e confirmou ter autorizado a CIA a atuar diretamente na região. Tradição de intervenções Segundo Arias, a medida reforça uma tradição de intervenções mais frequentes na área do Caribe e da América Central. Ele lembra que os Estados Unidos “têm uma longa história de ações militares na região e de antipatia com governos bolivarianos, como o da Venezuela”. Para o pesquisador, o contraste com governos democratas é claro. “As administrações de Obama e Biden foram menos confrontacionais”, observa, “enquanto os republicanos costumam adotar uma abordagem mais agressiva diante de regimes considerados hostis”. O desafio do Brasil em Washington é encontrar espaço para aliviar as tarifas impostas por Trump sem abrir mão da própria soberania política. O Itamaraty aposta em um diálogo pragmático, mas sabe que, do lado americano, a pauta deve incluir temas sensíveis como Venezuela, Cuba e o papel do Brasil na região.
Após a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos, novos desdobramentos complexos reacendem a crise entre o governo de Israel e o grupo Hamas. Na manhã desta quarta-feira (15), o Instituto de Medicina Legal de Israel identificou mais quatro corpos de reféns restituídos pelo movimento extremista durante a madrugada: três são de reféns israelenses, mas um deles é de um palestino. Neste contexto, Israel considera que o Hamas voltou a violar o acordo de cessar-fogo. Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel A pressão dos países mediadores é para que as partes não levem essa crise ao limite. Mas Israel deixa claro que considera o Hamas responsável por violar o acordo de trégua ao não entregar todos os corpos de reféns mortos. O tema continua a ser impactante na sociedade israelense. A luta pelo retorno dos reféns durou dois anos e agora a promessa, principalmente por parte do Fórum dos Familiares dos Reféns, é manter o foco. Há uma tentativa por parte dessa organização, que se tornou uma entidade com muita força interna, para manter a mobilização popular em torno da questão. Uma autoridade israelense disse de forma anônima ao portal N12 que "o Hamas devolveu apenas quatro corpos de reféns na segunda-feira (13) por não ter levado a sério esta condição do cessar-fogo na Faixa de Gaza". Ainda de acordo com informações do portal, Israel considera que o grupo extremista "tem informações sobre a localização de dez corpos". O Hamas argumenta que tem dificuldades para encontrar os restos mortais devido ao estado de destruição da Faixa de Gaza, mas conseguiu devolver mais quatro corpos durante a última madrugada. A restituição levou Israel a desistir das decisões que havia anunciado, como o fechamento da Passagem de Rafah, na fronteira entre Gaza e o Egito, e a redução da entrada de ajuda humanitária. Na manhã desta quarta-feira, entretanto, o Instituto de Medicina Legal de Israel identificou os corpos: três são de reféns israelenses, mas um deles é de um palestino. Israel considera que o Hamas voltou a violar o acordo. Uma reportagem do canal saudita Al Arabiya mostrou que forças do Egito entraram na Faixa de Gaza para auxiliar nas buscas pela localização dos restos mortais dos reféns. Segundo a imprensa israelense, a expectativa é que mais quatro corpos sejam transferidos ao Exército de Israel ao longo do dia de hoje. A informação obtida pela RFI é que outras medidas de pressão são estudadas pelo governo israelense. Até o momento, nenhuma delas inclui a retomada dos combates na Faixa de Gaza. Hamas volta a demonstrar poder interno O Hamas voltou a ser a autoridade local, controlando, principalmente, o que restou das maiores cidades do território. Isso porque, segundo o que foi determinado pelo acordo, os militares israelenses deixaram esses pontos, recuando para a chamada "Linha Amarela". Este é um aspecto pouco claro da situação atual: a "Linha Amarela" marca o primeiro ponto de retirada israelense. Embora os mapas mostrem que o Exército ainda controla mais da metade do território de Gaza, a retirada real parece ser mais profunda do que o indicado, com posições defensivas agora mais próximas da fronteira, segundo informações de soldados à imprensa local. A linha, portanto, parece ser apenas uma referência que neste momento não representa exatamente a realidade. Sobre este questionamento, o Exército respondeu sem negar os relatos de uma retirada mais ampla. "O mapa é uma ilustração, e a distribuição das forças é determinado a partir de uma avaliação e da análise de todas as variáveis", afirma um comunicado. Hamas inicia onda de execuções em Gaza Os analistas de defesa israelenses são unânimes em afirmar que não existe vácuo na Faixa de Gaza. Isso significa que, enquanto não houver uma alternativa em atuação no território, o Hamas continua a ser o grupo mais poderoso local, mesmo enfraquecido após a guerra com Israel. Segundo as fontes em Gaza citadas pela imprensa internacional, o Hamas convocou cerca de sete mil membros de suas forças de segurança para reafirmar o controle sobre áreas recentemente desocupadas pelas tropas israelenses. Também passou a levar adiante uma ofensiva de vingança contra clãs e milícias rivais a quem acusa de "colaboração com Israel". Não se sabe ao certo quantas pessoas já foram mortas, mas, segundo o portal Ynet, de Israel, o Hamas teria matado pelo menos 52 membros de apenas um dos clãs, o Dagmoush. Os chamados clãs são famílias tradicionais do enclave palestino que se mantêm fortemente armadas. Tudo isso contrasta com o plano do presidente americano, Donald Trump, que determina o desarmamento do Hamas. O líder republicano garantiu na noite de terça-feira (14) que recebeu garantias de que isso irá acontecer. "Se eles não se desarmarem, nós os desarmaremos. E isso vai ocorrer de forma rápida e talvez violenta", afirmou, na Casa Branca durante encontro com o presidente argentino, Javier Milei. Força Internacional deve atuar na Faixa de Gaza Por enquanto, a maior parte da informação sobre essa nova autoridade militar é mencionada no item 15 do próprio plano de Trump; esse ponto do acordo diz que "os Estados Unidos vão trabalhar com parceiros árabes e internacionais para criar uma Força de Estabilização Internacional Temporária (FIT) a ser imediatamente estabelecida em Gaza". Ainda segundo o plano, a missão dessa força será treinar e fornecer apoio à polícia palestina do território e também trabalhar com Egito e Israel no controle das fronteiras. Até o momento, os soldados israelenses ainda controlam cerca de 50% da Faixa de Gaza. No item seguinte do plano, fica determinado que "Israel não irá ocupar nem anexar Gaza. À medida que Força Internacional de Estabilização estabelecer controle e estabilidade, as Forças de Defesa de Israel irão se retirar". A RFI entrou em contato com uma fonte israelense para perguntar se as autoridades do país já possuem informações mais claras sobre essa força internacional que, no final das contas, deverá substituir o Exército de Israel em Gaza. "Ainda não! Teremos notícias em breve, com certeza", foi a resposta recebida. O vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, disse em entrevista à NBC que "muitos países muçulmanos se ofereceram para enviar tropas à região para proteger Gaza", mas não informou que países são esses, nem quando essa força internacional será criada ou enviada para o território palestino. Apesar dessa nova autoridade militar ser citada no plano como parte importante para torná-lo viável, este parece ser um dos itens que serão discutidos de forma mais aprofundada durante as negociações da segunda fase. Diante de tantas dúvidas sobre como e quando o acordo vai sair do papel, o ex-chefe do Serviço de Inteligência de Defesa de Israel, Amos Yadlin, disse em entrevista à TV israelense acreditar que "a implementação da segunda fase [do plano] pode levar entre seis meses e dois anos".
O presidente Donald Trump recebe nesta terça-feira (14) o aliado argentino Javier Milei para negociar uma aliança geopolítica, na qual os Estados Unidos garantem ajuda financeira e investimentos na Argentina em troca de acesso privilegiado às terras raras e aos minerais críticos do país sul-americano. Essa prioridade dos Estados Unidos visa ainda fazer da Argentina um exemplo para os demais países da região em detrimento da presença da China. Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires Donald Trump recebe Javier Milei na Casa Branca num encontro do qual são esperados anúncios comerciais e financeiros com definições que permitam saber até onde chega o prometido resgate à Argentina e a quais condições estará submetido. Tanto Trump quanto o secretário do Tesouro, Scott Bessent, têm repetido que estão dispostos a ajudar a Argentina “no que for necessário”, mas até agora o que se sabe é que os Estados Unidos vão abrir uma linha de “swap” (troca de moedas entre os bancos centrais) por US$ 20 bilhões, que poderão intervir diretamente no mercado de câmbio, vendendo dólares para controlar o valor do peso argentino – como fizeram na semana passada –, e que podem comprar títulos da dívida argentina. Não há detalhes sobre os alcances dessas operações. Os dois países também devem anunciar um acordo comercial no qual Donald Trump reduziria a tarifa de importação de produtos argentinos, especialmente o aço e o alumínio, atualmente sobretaxados em 50%. Os demais produtos têm tarifa de 10%. Outra possibilidade é de um acordo para investimentos de empresas norte-americanas na Argentina, especialmente em setores estratégicos. “Avalanche de dólares” Milei partiu de Buenos Aires na segunda-feira (13), antecipando que “haverá uma avalanche de dólares” para a Argentina. “Vão sair dólares até pelas orelhas”, garantiu Milei. A reunião entre Trump e Milei no Salão Oval acontece a 12 dias das eleições legislativas na Argentina, cujo resultado é crucial para a governabilidade do líder argentino nos últimos dois anos de seu mandato. Milei precisa aprovar reformas estruturantes que dependem de maioria parlamentar. Para garantir a validade de decretos e vetos presidenciais, além de evitar qualquer tentativa de impeachment, Milei precisa do apoio de pelo menos um terço dos parlamentares do Congresso. Depois da derrota eleitoral na província de Buenos Aires em 7 de setembro, o governo enfrentou uma corrida cambial que ameaçou implodir o plano econômico de Milei. No dia 22 de setembro, apareceu Trump, abrindo a carteira do país que imprime os dólares dos quais a Argentina tanto necessita. O socorro financeiro interrompeu a instabilidade que prometia acabar com as chances de Milei nas urnas. Bandeira da soberania Enquanto Milei exibirá a ajuda do amigo Trump como uma conquista, a oposição levantará a bandeira da “submissão” aos Estados Unidos, cedendo soberania e independência. “Não sabemos ainda quais serão todos os condicionamentos políticos, geopolíticos e estratégicos implícitos nesses acordos, mas sabemos que o governo adota uma estratégia de submissão da Argentina aos Estados Unidos. É provável que os argentinos reajam a essa estratégia porque abdica da soberania e da independência do país”, indica à RFI Jorge Taiana, principal candidato da oposição peronista contra Milei, na província de Buenos Aires, onde votam 40% dos eleitores do país. Taiana, ex-chanceler de Néstor Kirchner, ex-ministro da Defesa de Alberto Fernández e ex-senador, explica que os Estados Unidos não complementam a economia Argentina, sendo competitivos e concorrentes na produção agrícola exportada ao mundo, especialmente à China. “A política de subordinação aos Estados Unidos sempre trouxe poucos benefícios à Argentina porque restringiu a nossa liberdade de ação. O governo dos Estados Unidos concede essa visita oficial a Milei para impactar na campanha eleitoral, pois querem que Milei ganhe. Mas quando Trump castigou Lula no Brasil, Lula cresceu e se fortaleceu. Acredito que aqui também teremos essa resposta dos argentinos”, aposta. Quando Trump elevou as tarifas de importação de produtos provenientes do Brasil, como forma de castigar o país por julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro, o governo brasileiro levantou com sucesso a bandeira da soberania. Agora, a oposição argentina pretende utilizar a mesma estratégia. Incidência na campanha eleitoral Trump aplica na Argentina a mesma tática que tentou com o Brasil para ajudar o aliado Bolsonaro: usar ferramentas financeiras para fins políticos. Neste caso, incidindo abertamente numa disputa eleitoral em outro país, algo que não se via na Argentina desde 1946, quando Juan Domingo Perón ganhou as eleições criticando a intervenção do embaixador dos Estados Unidos. “Nós medimos a opinião dos argentinos sobre a ajuda de Trump. O resultado é uma metade a favor; outra contra. A opinião pública está muito dividida”, aponta à RFI o consultor Sergio Berensztein. O socorro financeiro de Trump ajuda a estabilizar a economia na reta final da campanha, quando tudo parecia encaminhado para uma derrota governista nas urnas. Também ajuda a desviar o foco da campanha até agora baseado em escândalos de corrupção no governo e entre aliados. Mas estabilizar a moeda argentina não garante necessariamente uma vitória. Os argentinos vão votar num momento em que o ajuste fiscal do presidente Milei começa a doer no bolso – uma dor agravada pela recessão econômica. “Os anúncios e a intervenção reduzem os riscos de estresse e de volatilidade, mas não melhoram as probabilidades de uma vitória eleitoral de Milei. O apoio dos Estados Unidos deve garantir que uma crise antes das eleições seja evitada”, diz um trecho do relatório do banco de investimentos brasileiro BTG Pactual. Por trás da ajuda Trump promete maciços investimentos de empresas norte-americanas em setores estratégicos da Argentina, como energia, minerais críticos e tecnologias do conhecimento. Na sexta-feira passada, por exemplo, a companhia OpenAI, de Inteligência Artificial, anunciou investimentos de US$ 25 bilhões na Patagônia para a instalação de centros de dados, mas sem revelar datas e projeções sobre a geração de empregos. O anúncio buscou apenas impactar na corrida eleitoral e nos mercados. Os centros de dados de OpenAI têm sido motivo de controvérsia devido ao extremo consumo de energia e de água que demandam. A Patagônia –despovoada, gélida e de ventos incessantes – oferece refrigeração e energia em abundância. “Mesmo que seja um anúncio antecipado para impactar na campanha, esse anúncio é muito significativo. Há muito tempo, a Argentina não recebia investimentos dessa magnitude. Representa um ponto de inflexão no vínculo com os Estados Unidos”, enfatiza Sergio Berensztein, analista de política internacional, uma referência no país. O secretário do Tesouro norte-americano deu pistas sobre a estratégia geopolítica. “A Argentina é rica em terras raras e urânio. (O governo) está comprometido com empresas privadas norte-americanas. Continuo escutando empresários que, graças à liderança do presidente Milei, estão desejosos de estreitar laços entre as economias dos Estados Unidos e da Argentina. A administração Trump mantém-se firme no seu apoio aos aliados dos Estados Unidos e, nesse sentido, abordamos os incentivos ao investimento na Argentina e as ferramentas para impulsionar o investimento nos nossos sócios”, descreveu Bessent. Retirar a China A Argentina também se tornou a primeira peça de um dominó regional que pretende, país por país, à medida que governos de direita se alinharem aos Estados Unidos, retirar a China do mapa. “Milei está comprometido em tirar a China da Argentina”, disse Bessent. Entretanto, a Argentina não vai deixar de vender seus produtos à China, seu segundo maior cliente depois do Brasil. Argentina e Estados Unidos são concorrentes no mercado chinês com as mesmas exportações de grãos e cereais. Por outro lado, o governo Trump quer ter prioridade na Argentina em licitações e nos investimentos em recursos estratégicos como lítio, cobre, urânio, terras raras e energia. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, à medida que os Estados Unidos concentravam os seus esforços em outras regiões do mundo, a China aproximou-se da América Latina em sintonia com a chegada de governos de esquerda. Para Berensztein, a Argentina se beneficia de uma modificação na política de intervenção dos Estados Unidos. “Os Estados Unidos fizeram uma leitura crítica do avanço da China. Para a administração Trump, essa atitude permissiva é inadmissível. A Argentina é agora a primeira oportunidade de Trump jogar forte na região em matéria não militar”, observa. Mas o maior condicionamento para os investimentos e para a continuidade da ajuda financeira dos Estados Unidos é que Milei tenha um bom desempenho nas urnas e que gere governabilidade, sem a qual não há estabilidade nem reformas que garantam os negócios. Na semana passada, enquanto o ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, acertava o pacote de ajuda com o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, em Buenos Aires, o assessor informal de Trump, Barry Bennett, reunia-se com governadores das províncias argentinas que têm incidência sobre senadores no Parlamento e que podem garantir a governabilidade de Milei. Como um cabo eleitoral, Bennett prometia investimentos aos que apoiarem Milei. “Na Argentina, os investimentos em áreas estratégicas, sobretudo em materiais críticos, dependem dos governadores. Por mais que o governo nacional assine um documento, sem o aval dos governadores, esses investimentos não acontecem. O resultado das eleições vai condicionar bastante a margem de manobra do presidente”, conclui Sergio Berensztein.
A menos de um mês da maior convenção climática do mundo, mais de 500 representantes de 72 países estarão em Brasília para o evento que ficou conhecido como a pré-COP, a partir de segunda-feira (13). Esta é a última oportunidade antes da COP30, que acontecerá em Belém, para as nações alinharem suas posições políticas e técnicas sobre os maiores desafios da agenda climática global, como financiamento climático e transição energética. Vivian Oswald, correspondente da RFI em Brasília O encontro acontece em um contexto geopolítico difícil, enquanto a ONU prepara o relatório-síntese com a projeção da temperatura global para os próximos anos, com base nos esforços prometidos pelos países para conter suas emissões de CO2 em suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). A expectativa é de números nada tranquilizadores. O problema é que, até agora, apenas 62 NDCs foram apresentadas formalmente. Espera-se que 125 dos 198 países ainda o façam até o final do ano, incluindo grandes emissores como a União Europeia (UE) e a Índia. Outra grande questão é como e se o mundo conseguirá se livrar dos combustíveis fósseis, responsáveis por 75% das emissões. A COP30 é uma prioridade para o governo Lula e tem como pano de fundo a defesa do multilateralismo, tema central no imbróglio geopolítico internacional, que tem nos EUA seu principal antagonista. Seu sucesso depende da logística de Belém, é claro, mas também da substância propriamente dita. Embora não se esperem acordos para a pré-COP, ela é uma etapa intermediária do processo de negociação dos diversos temas discutidos no âmbito da COP30. Há 140 decisões a serem tomadas nas chamadas "negociações mandatadas", que são previstas para serem apreciadas em Belém em relação às três estruturas básicas do regime climático. Para o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, Mauricio Lyrio, "o elemento crucial da negociação mandatada é o fato de que isso representa a sobrevivência e a força do regime climático em um momento geopolítico difícil, que inclui a saída dos EUA, um ator importante do Acordo de Paris, o que acontecerá em janeiro de 2026." Além da negociação, outro tema importante a ser tratado nesta pré-COP, segundo Lyrio, é que a apresentação das NDCs não tem sido tão satisfatória quanto se desejaria, o que pode resultar em uma previsão nada tranquilizadora para a temperatura global nos próximos anos, em sua avaliação. EUA não enviam representantes Tudo isso com os EUA, um dos maiores emissores do mundo, prestes a deixar o Acordo de Paris. Os EUA não enviaram representantes para a pré-COP. Na verdade, o país não participou de nada este ano. A expectativa é de que tampouco compareça à COP30 em Belém. Eles já haviam enviado sua NDC durante o governo do democrata Joe Biden. A questão é que, assim que tomou posse, o presidente Donald Trump anunciou que o país se retiraria novamente do Acordo de Paris, o que, pelos prazos legais, será efetivado em janeiro do próximo ano. Trata-se de uma perda importante. Contudo, a presidência da COP30 afirma que essa saída não significa o fim da participação dos EUA no processo. Isso porque estados, municípios e empresas dos EUA seguem engajados em compromissos climáticos. A ministra Marina Silva afirmou que é preciso estreitar os laços entre os países e reforçar o multilateralismo para que a COP30 seja a "COP da verdade", como já afirmou o presidente Lula. Ela disse que este é o momento em que os países poderão evitar os chamados pontos de não retorno em relação ao sistema multilateral, que está sendo enfraquecido. Marina destaca que é necessário restabelecer a confiança, a cooperação e a solidariedade, além de retomar o caminho para cumprir a decisão tomada na COP28, em Dubai, de triplicar a energia renovável, duplicar a eficiência energética e afastar a transição dos combustíveis fósseis e do desmatamento. É o momento da ação, como tem reforçado o governo brasileiro, que aposta em iniciativas concretas. A principal delas é o TFFF, um fundo que está sendo criado com recursos públicos, alavancados por dinheiro privado, para alcançar US$ 125 bilhões e financiar a manutenção das florestas. Será um investimento de mercado, que trará rendimentos aos seus investidores, mas que aplicará em projetos voltados para a proteção das florestas nos países em desenvolvimento, sendo o Brasil um dos beneficiados. Financiamento O financiamento é um dos maiores desafios da COP30. A COP anterior, no Azerbaijão, não conseguiu chegar a um acordo sobre quem arcaria com essa conta. Agora, as presidências da COP30 e da COP29 (do Azerbaijão) estão preparando o chamado "mapa do caminho" para entender como alcançar o valor de US$ 1,3 trilhão. Embora não se espere o anúncio sobre isso na pré-COP, esse tema está presente e continua a ser discutido entre todos. Segundo o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, o relatório contará também com a contribuição dos ministérios da Fazenda. Ele lembra que tudo isso é tema da pré-COP, que servirá para discutir e entender os limites e as flexibilidades de alguns dos principais grupos negociadores. Existe uma frustração por parte dos países em desenvolvimento, que esperam que as nações ricas cumpram seu compromisso de contribuir com US$ 300 bilhões por ano a partir de 2035 para o financiamento do combate à mudança do clima. O problema é que elas já não cumpriram a meta anterior, que era de US$ 100 bilhões por ano. A presidência da COP30 conduzirá sessões plenárias, reuniões temáticas e consultas informais. Além disso, apresentará o progresso de iniciativas como a Agenda de Ação, o Roteiro de Baku a Belém (liderado pela Presidência da COP29), além dos chamados Círculos de Liderança da COP30, como o dos Ministros das Finanças e o do Balanço Ético Global. O evento contará com a abertura do presidente em exercício, Geraldo Alckmin. O presidente Lula, que está em Roma nesta segunda-feira, participando de um evento sobre segurança alimentar, deve comparecer ao encerramento da pré-COP na terça-feira. Também devem estar presentes na abertura os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
A seleção brasileira faz nesta sexta-feira (10) o primeiro amistoso depois do fim das eliminatórias sul-americanas para a Copa do Mundo de 2026. O duelo contra a Coreia do Sul, em Seul, começa às 8h pelo horário de Brasília. Na preparação para o Mundial do próximo ano, o técnico Carlo Ancelotti vai escalar velhos conhecidos do tempo em que trabalhava no Real Madrid. Com pouco tempo de trabalho desde que assumiu o comando da equipe em maio, o italiano tenta formar uma base com experiência e entrosamento para superar um ciclo conturbado, com trocas de treinadores, na presidência da CBF e resultados ruins. Tiago Leme, especial para a RFI em Seul Nesta rodada de amistosos da Fifa do mês de outubro, o Brasil também enfrentará o Japão, na segunda-feira (13), em Tóquio, mais um adversário asiático que servirá como teste para a Copa. Ancelotti terá poucas oportunidades de testar jogadores na seleção antes do Mundial. O trabalho dele no Brasil tem bem menos tempo do que de treinadores de outros países favoritos ao título, como Argentina e França, por exemplo. Por isso, ele deve usar esses dois amistosos na Ásia para consolidar a base da equipe com jogadores que ele conhece bem. No time titular para a partida contra a Coreia devem estar quatro jogadores que trabalharam com ele no Real Madrid: os atacantes Vinícius Júnior e Rodrygo, o zagueiro Éder Militão, esses três que seguem no time espanhol, e o volante Casemiro, esse último que agora joga no Manchester United. Além disso, ele precisa testar e dar oportunidades a outros atletas que brigam por vaga na Copa, em posições que ainda existem dúvidas, principalmente nas laterais. Dos jogadores que costumam ser titulares, o goleiro Alisson e o zagueiro Marquinhos são desfalques por lesão. Com isso, Ancelotti tem que buscar soluções para montar a equipe. Ele deve escalar o time de forma ofensiva, com Bento, Vitinho, Éder Militão, Gabriel Magalhães e Douglas Santos; Casemiro e Bruno Guimarães (ou Lucas Paquetá); Estêvão, Matheus Cunha, Vinícius Júnior e Rodrygo. Em entrevista coletiva na véspera do jogo, o italiano reconheceu o desafio que tem pela frente com o curto tempo de preparação, mas demonstrou otimismo com o bom ambiente e pediu foco no coletivo, e não nas individualidades, para conseguir o sonho do hexacampeonato mundial. Ancelotti também disse que a atitude dos jogadores em campo é mais importante que a estratégia. “Obviamente acho que é preciso mais trabalho tático para trabalhar a estratégia do jogo. Tudo isso pode ser muito importante, mas a parte mais importante não é a estratégia, é a atitude dos jogadores no campo. E para essa atitude, não é preciso muito tempo para se preparar”, disse o treinador italiano. Fãs sul-coreanos buscam autógrafos e fotos com a Seleção A expectativa em Seul é grande por parte dos sul-coreanos, e os ingressos já estão esgotados para o estádio com capacidade para 66 mil pessoas. O local foi palco da abertura da Copa do Mundo de 2002, que a Coreia do Sul sediou em parceria com o Japão, e o Brasil conquistou o penta. Apesar de a seleção brasileira não ter jogado em Seul naquela campanha, depois já atuou três vezes neste estádio contra a Coreia, a última delas em 2022, com goleada por 5 a 1. Nos últimos dias, muitos fãs locais têm comparecido ao hotel e aos treinamentos da seleção brasileira, com camisas dos seus ídolos e cartazes, em busca de autógrafos e fotos. O atacante Estevão, de 18 anos, ex-Palmeiras e hoje no Chelsea, tem sido o jogador mais assediado. Novos amistosos previstos Antes do Mundial nos Estados Unidos, México e Canadá, que começa no dia 11 de junho de 2026, a seleção brasileira deve ter apenas mais sete jogos pela frente. Além de Coreia do Sul e Japão agora, em novembro a ideia é enfrentar dois adversários africanos, provavelmente em Londres e Paris. Em março do ano que vem, mais dois amistosos devem ocorrer, possivelmente contra seleções europeias, nos Estados Unidos. A última partida antes da Copa será em junho, já depois da convocação final em maio. Por enquanto, Carlo Ancelotti comandou o Brasil em quatro jogos, com duas vitórias, um empate e uma derrota pelas eliminatórias. Brasil favorito? Neste momento, é difícil prever se o time brasileiro chegará como favorito ao título. Diante do que a seleção demonstrou após a Copa do Mundo do Catar em 2022, o Brasil está bem atrás de outras equipes com trabalho mais consistente há vários anos. Além da Argentina e da França, atual campeã e vice, Espanha e Portugal, por exemplo, estão com times mais prontos atualmente e jogadores que se destacam em grandes clubes da Europa. Ancelotti chegará à Copa com apenas um ano de trabalho no Brasil, mas ele é um treinador experiente e consagrado, que tem muita capacidade para erguer uma equipe. Nas duas últimas Copas, na Rússia em 2018 e no Catar em 2022, o Brasil chegou na teoria como um dos favoritos, e o trabalho do Tite, na época, estava mais consolidado. Mesmo assim, a seleção foi eliminada nas quartas-de-final, para a Bélgica e depois Croácia. Então, nada pode ser descartado, porque no futebol tudo pode acontecer.
O presidente americano, Donald Trump, usou sua plataforma The Truth Social para anunciar que a primeira fase do acordo de paz para encerrar a guerra em Gaza foi concluída. Segundo Trump, trata-se de um “grande dia para o mundo”. “Todos se uniram em torno desse esforço”, afirmou o presidente em entrevista à agência Reuters, logo após publicar a notícia em sua conta no Truth Social. Luciana Rosa, correspondente da RFI em de Nova York A conclusão dessa primeira fase acontece um dia após o segundo aniversário do ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023, quando 1.200 pessoas foram mortas e mais de 250 feitas reféns. A guerra que se seguiu matou mais de 67 mil palestinos, a maioria mulheres e crianças. As negociações aconteceram no Egito, com mediação do Catar e apoio direto dos Estados Unidos, além de uma delegação da Turquia. Essa primeira etapa faz parte de um plano mais amplo, de vinte pontos elaborados pela Casa Branca, com o objetivo de promover a desmilitarização do Hamas e a reconstrução de Gaza sob supervisão internacional. Retorno da ajuda humanitária Nessa primeira fase, o acordo estabelece uma trégua parcial e a retirada gradual das tropas israelenses para uma linha acordada dentro do território de Gaza. Segundo a Casa Branca, a libertação de todos os 20 reféns israelenses que seguem em poder do Hamas ocorrerá “muito em breve”. Donald Trump garantiu que isso acontecerá até segunda-feira. Israel, por sua vez, se comprometeu a soltar prisioneiros palestinos detidos em seu território. A pausa nos combates deve permitir a entrada de ajuda humanitária e de equipes médicas nas regiões mais atingidas. Vídeos divulgados nas redes sociais mostravam moradores de Gaza celebrando a primeira noite sem bombardeios em muitos dias. O assessor de comunicação da UNICEF, James Elder, publicou um vídeo no Instagram comemorando uma noite silenciosa no céu de Gaza. Reações de Israel, Hamas e da comunidade internacional O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, classificou o acordo como uma “vitória moral e diplomática” e agradeceu a Trump por sua “liderança e compromisso com a segurança de Israel”. Em mensagem nas redes sociais, ele afirmou que “todos os reféns israelenses serão repatriados em breve”. O Hamas confirmou o acordo, mas pediu garantias internacionais para que Israel cumpra todos os termos. Em comunicado no Telegram, cobrou compromisso de Israel: “Pedimos aos países garantes que obriguem o governo de ocupação a implementar o que foi acordado, sem atrasos.” O maior risco, segundo analistas, é que o acordo fique restrito a essa primeira fase, sem avançar para um cessar-fogo total. Trump tenta reforçar papel de mediador global O presidente americano afirmou que poderá viajar a Israel ainda neste fim de semana para “consolidar a paz”. Caso os termos do acordo realmente sejam cumpridos, isso reforçaria a tentativa de Trump de se posicionar como mediador global, uma imagem que ele próprio tem estimulado, inclusive com menções a uma possível indicação ao Prêmio Nobel da Paz. Analistas avaliam que o sucesso deste acordo seria um trunfo político e diplomático para Trump, especialmente num momento em que ele busca mostrar resultados concretos de sua política externa. Mas, se o plano fracassar, pode representar um novo revés diplomático para os Estados Unidos, aumentando a desconfiança entre aliados árabes e palestinos.
Nem a nomeação de Marco Rubio como coordenador das negociações com o Brasil, pelo lado dos Estados Unidos, não esfriou a expectativa pela redução das taxas de comércio entre os dois países. Analistas ouvidos pela RFI destacam papel da Argentina na melhora das exportações brasileiras e não descartam que destino da soja norte-americana entre nas discussões com Washington. Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília Os ânimos do setor exportador brasileiro mudaram. De um cenário pessimista, que projetava números negativos após o tarifaço de Donal Trump há dois meses, empresários agora falam em fechar o ano com aumento 2% nas vendas externas do Brasil. “Parece pouco, mas é um crescimento importante porque nós pensávamos que chegaríamos ao fim do ano com queda nas exportações, após as tarifas anunciadas pelo governo dos Estados Unidos. Então, a situação melhorou”, afirmou à RFI José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Essa nova expectativa não vem apenas do bom contato entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, mas especialmente do desempenho de três produtos, carne bovina, café e milho, e da relação com nossoss vizinhos argentinos. “A Argentina tem vendido mais carne para o mercado internacional com vistas a atender à demanda dos Estados Unidos, e, por outro lado, tem comprado carne do Brasil para atender seu mercado interno”, explicou Castro. O representante do setor exportador lembra que essa triangulação pode sofrer alterações, uma vez que o ambiente de tarifas comerciais no mundo está muito volátil. Este clima de incertezas prejudica a agropecuária, que depende do crescimento dos animais para aumentar o rebanho e precisa definir com antecedência o quanto vai plantar. Os olhos se voltam agora para os próximos passos da relação de Lula com Trump. Técnicos dos dois países correm para tentar alcançar consenso em torno de alguns produtos, para que o encontro tête-à-tête previsto para breve entre os dois líderes resulte em anúncios sólidos. “Existe um trabalho dos dois lados e uma expectativa de que, quando eles se encontrarem pessoalmente, exista já uma pré-pauta com pontos de convergência, focando na área econômica e deixando em segundo plano questões políticas, como a interferência do governo dos Estados Unidos no judiciário brasileiro”, afirmou à RFI o economista Gilberto Braga, professor do IBMEC. Peso do contexto geopolítico O advogado Claudio Finkelstein, coordenador de Direito Internacional da PUC-SP, considera que o processo pode não ser rápido devido a outros objetivos aos quais Trump é mais mais sensível, na geopolítica mundial. “Me parece que haverá uma acomodação da relação entre Brasil e Estados Unidos. Mas, pessoalmente, não acredito que será algo rápido", avalia. "Os Estados Unidos querem que o Brasil se exclua do protagonismo no âmbito do Brics, especialmente da discussão em torno da adoção de uma moeda diferente do dólar." O jurista menciona outro ingrediente importante da equação: a postura da China. Num momento de reaproximação entre Brasil e EUA, Pequim anunciou a suspensão da compra de soja americana, abrindo caminho para o aumento das vendas brasileiras do produto, num contexto internacional de grande produção e até estoque do grão por parte dos dois países. “É muito importante ver quais as intenções da China, porque se trata hoje do único país que pode ser uma alternativa tecnológica aos Estados Unidos. A gente percebe uma certa acomodação, hoje, na relação entre Pequim e Washington, mas estamos numa crise global e há muitos interesses", salienta Finkelstein. "A questão da soja, que pode elevar a venda do produto brasileiro aos chineses, é parte dessa estratégia." Para o presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil, a soja inclusive pode entrar nas conversas mais adiante. “Nada garante que esse assunto não entre na discussão. Pode acontecer, afinal Brasil e Estados Unidos são os dois maiores produtores de soja", destaca. "Dependendo da posição que Estados Unidos e China adotarem, isso afeta o Brasil. Podemos ter, no contexto da soja, negociações China e Estados Unidos, Brasil e China e Brasil e Estados Unidos, e não sabemos quem poderá ter mais vantagem. É um cenário que pode trazer surpresas”, disse José Augusto de Castro. Marco Rubio Outro ponto que tem repercutido entre autoridades e empresários brasileiros foi o anúncio de que o secretário de Estado do governo Trump, Marco Rubio, é quem vai coordenar as negociações com o Brasil. O que à primeira vista pareceu um entrave às discussões, pode ter um lado positivo, afirmou o economista Gilberto Braga. “Você ter alguém que enxerga no governo brasileiro uma ideologia contrária aos interesses dos Estados Unidos traz um grau de dificuldade para o processo de negociação, mas se essa barreira for ultrapassada, significa que aquilo que for pré-acordado entre Rubio e a equipe brasileira será chancelado pelos presidentes. Não haverá campanha paralela”, aponta o economista. “Aparentemente, os interesses políticos ficarão, de fato, em segundo plano, porque ele está sendo indicado para discutir questões econômicas e não interferências dos Estados Unidos nos assuntos internos do Brasil”, completou Braga.
O 7 de Outubro é uma data marcante na história de Israel e do Oriente Médio. Nesse dia, em 2023, o Hamas atacou a região sul de Israel, rompendo a fronteira da Faixa de Gaza e iniciando uma ofensiva sem precedentes contra cidades e kibutzim — pequenas comunidades agrícolas. Em apenas um dia, 1.200 pessoas foram mortas. Em resposta, Israel iniciou uma guerra que ainda está em curso e que, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, já causou a morte de mais de cerca de 67 mil palestinos. Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel O dia de hoje é marcado por muita emoção em Israel. Nesta terça-feira (7), diversas cerimônias estão programadas em memória das vítimas do 7 de Outubro, que representa o maior número de judeus mortos em um único dia desde o Holocausto. Os canais de televisão exibem programação especial, com documentários, entrevistas e espaço para os sobreviventes e familiares dos 48 reféns israelenses ainda mantidos em cativeiro pelo Hamas na Faixa de Gaza. Neste ano, a data coincide com o feriado de Sucót, a Festa dos Tabernáculos. Durante essa semana, os judeus constroem cabanas ao ar livre, chmadas de "sucot", que simbolizam a fragilidade do povo de Israel durante os 40 anos de travessia pelo deserto após a saída do Egito, por volta de 1300 a.C. Em Re'im, local do festival de música Tribe of Nova, onde 380 pessoas foram assassinadas pelo Hamas, será erguida uma dessas cabanas. Ali, os familiares das vítimas compartilharão as histórias de seus entes queridos. À noite, a cerimônia central ocorrerá no Parque HaYarkon, em Tel Aviv, reunindo os familiares dos reféns e cerca de 25 mil pessoas que esgotaram os ingressos disponíveis. Grandes nomes da música israelense se apresentarão em um palco que não será de celebração, mas de lembrança e esperança pela libertação dos reféns e pelo fim da guerra. Sobreviventes e reconstrução A RFI conversou com Pérola Gaz, brasileira de 70 anos que vive em Israel desde 1987 e morava no kibutz Be'eri. No dia 7 de Outubro de 2023, ela acordou com o som das sirenes, acionadas devido aos ataques com foguetes do Hamas. Na noite anterior, duas de suas netas haviam dormido em sua casa, algo comum na rotina da família, já que seus dois filhos e sete netos também residem em Be'eri. Com as sirenes soando, Pérola levou as meninas — então com seis e dez anos — para o quarto protegido, um cômodo com paredes de concreto e porta de ferro. Ela acreditava que a situação se normalizaria em breve, como já ocorrera em outras ocasiões. Mas desta vez, não foi assim. Terroristas do Hamas invadiram o kibutz, inclusive a casa de Pérola. Ela manteve as netas em silêncio no quarto de abrigo por 20 horas, até serem resgatadas por soldados do Exército de Israel. O kibutz, uma comunidade coletiva com inspiração socialista, foi praticamente destruído em poucas horas. Quase todos os vizinhos de Pérola foram mortos. Dez por cento dos pouco mais de mil moradores foram assassinados, casas foram incendiadas, mulheres estupradas e 30 pessoas sequestradas. Dois anos depois, a brasileira e sua família vivem em outro kibutz, mais ao sul do país, enquanto aguardam a reconstrução de Be'eri. Ela, o marido, os filhos e os netos decidiram retornar assim que as obras forem concluídas, o que deve ocorrer em meados de 2026. “É muito difícil superar traumas como esse. Há dias piores, há dias melhores. Penso em voltar porque faço parte dessa comunidade”, conta Pérola Gaz. Be'eri, localizado a apenas 4,5 km da Faixa de Gaza, foi um dos kibutzim invadidos pelo Hamas nos ataques que deram início ao atual ciclo de violência. Mais ao sul está Nir Oz, onde viviam 400 pessoas. A apenas 2,5 km de Gaza, o kibutz foi quase totalmente destruído. Nessa pequena comunidade, 117 pessoas foram sequestradas ou assassinadas. Dos 48 reféns ainda mantidos em cativeiro, 20 dos quais ainda vivos, nove são de Nir Oz. “Só daqui a três anos vamos reconstruir completamente Nir Oz. Algumas famílias já retornaram. Alguns jovens também estão no kibutz para ajudar a reerguer a comunidade. Somos refugiados internos em Israel e será preciso construir um novo kibutz, maior do que o anterior”, diz à RFI Rita Lifshitz, de 84 anos. “85% do kibutz precisam ser reconstruídos do zero, pois as casas foram queimadas e destruídas na invasão do Hamas”, destaca Rita Lifshitz. O processo de reconstrução dos kibutzim está em fase avançada. Amit Salvi, responsável pela área econômica de Be'eri, afirma à RFI que entre 90% e 95% dos moradores devem retornar. Em termos de segurança, ele diz ter recebido garantias de que o Exército de Israel manterá presença constante entre Gaza e a área do kibutz. Segundo relatório do governo israelense, dos 17,5 bilhões de shekels (cerca de R$ 28 bilhões) destinados à reabilitação das comunidades atacadas ao longo de cinco anos, cerca de 7,9 bilhões de shekels (R$ 13 bilhões) já foram investidos. Outros 525 milhões de shekels (R$ 850 milhões) foram reservados para projetos que incentivem o retorno dos moradores. Negociações em curso para o fim da guerra Há grande expectativa com o início das negociações no Egito pelo fim da guerra na Faixa de Gaza. Fontes citadas pela imprensa israelense afirmam que, em poucos dias, ficará claro se o Hamas está realmente comprometido com o plano de Trump. Após o Hamas demonstrar disposição para libertar todos os reféns israelenses na primeira fase do plano, o próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou esperar anunciar o retorno dos reféns ainda durante o feriado de Sucót, que vai até o dia 13. Internamente, Israel já se mobiliza. Gal Hirsch, responsável do governo para assuntos de reféns, reuniu-se com Julien Lerisson, chefe da delegação da Cruz Vermelha em Israel. Nas libertações anteriores, a Cruz Vermelha foi responsável por transferir os reféns das mãos do Hamas para o Exército de Israel. O Ministério da Saúde também acionou três dos principais hospitais da região central do país para que iniciem os preparativos para receber e tratar os reféns. Nos Estados Unidos, o secretário de Estado Marco Rubio afirmou que 90% dos detalhes de um possível acordo entre Hamas e Israel já foram definidos. O enviado especial do governo dos EUA, Steve Witkoff, e Jared Kushner, genro de Trump, devem chegar nesta terça-feira ao Egito. O mesmo é esperado de Ron Dermer, ministro de Assuntos Estratégicos de Israel e um dos principais aliados políticos de Netanyahu.
As negociações para um cessar-fogo permanente na Faixa de Gaza entram em uma fase decisiva nesta semana. Equipes técnicas de Israel, do grupo Hamas e de mediadores internacionais devem se reunir de forma indireta nesta segunda-feira (6) no Egito, com o objetivo de avançar em um acordo que encerre quase dois anos de guerra e permita a libertação dos reféns mantidos em cativeiro. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Egito, os encontros devem durar alguns dias e contam com a presença de mediadores dos Estados Unidos, incluindo o enviado especial Steve Witkoff e o conselheiro informal da Casa Branca Jared Kushner, genro de Donald Trump. Do lado palestino, participa uma delegação dirigida por Khalil al-Hayya, negociador-chefe do Hamas. Segundo uma fonte próxima ao movimento armado, representantes do grupo previam primeiro se encontrar com mediadores do Catar e do Egito, antes do início das negociações oficiais. Enquanto as negociações acontecem, Israel continua sua ofensiva na Faixa de Gaza. Nas últimas 24 horas, 63 pessoas morreram, de acordo com autoridades locais, o que aumenta a pressão internacional por um cessar-fogo e dificulta o avanço das conversas. Troca de reféns e retirada gradual de tropas As reuniões em Sharm el-Sheikh, no leste do Egito, marcam o início da primeira fase do plano apresentado pelo governo de Donald Trump para tentar encerrar o conflito. O foco inicial é a libertação dos 47 reféns israelenses que permanecem sob poder do Hamas, em troca de prisioneiros palestinos detidos em Israel. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores egípcio, o tratado de 20 pontos elaborado pelos Estados Unidos em conjunto com o governo israelense prevê que o Hamas liberte todos os reféns em até 72 horas e entregue o controle político de Gaza a uma autoridade transnacional liderada por Washington. Em contrapartida, Israel iniciaria uma retirada gradual de suas tropas e libertaria mais de mil prisioneiros palestinos. No domingo (5), o movimento palestino se disse favorável à libertação dos reféns vivos de uma só vez. O plano também prevê o envio imediato de ajuda humanitária e fundos para a reconstrução de Gaza, onde 91% da população vive em situação de insegurança alimentar grave. Trump chegou a divulgar nas redes sociais um mapa detalhando a linha inicial da retirada das forças israelenses — entre dois e quatro quilômetros dentro do enclave — e afirmou que, se o Hamas aceitasse os termos, o cessar-fogo começaria “imediatamente”. Apesar disso, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já declarou que, mesmo com um acordo, Israel manterá presença militar em boa parte do território, o que pode atrasar a implementação do plano. Trump defende “acordo rápido” Na noite de domingo, Donald Trump disse a jornalistas na Casa Branca que o entendimento com o Hamas pode ser concluído “muito rapidamente”. O presidente reiterou que as conversas com países árabes e muçulmanos “foram muito positivas” e que o plano de paz estaria “avançando rapidamente”. Em sua conta na plataforma social Truth Social, Trump afirmou que acompanha pessoalmente as negociações e fez um apelo em prol do avanço do processo. “Essas conversas têm sido muito bem-sucedidas e estão avançando rapidamente. A primeira fase deve ser concluída esta semana. Estou pedindo a todos que se movam rápido. O tempo é essencial ou haverá enorme derramamento de sangue — algo que ninguém quer ver”, escreveu o presidente. Apesar da pressa do líder republicano, fontes diplomáticas em Washington reconhecem que ainda há divergências sobre as garantias de segurança e o cronograma de retirada das tropas israelenses. É o caso do secretário de Estado americano, Marco Rubio, que afirmou à emissora ABC que as negociações no Egito são “as mais próximas que já estivemos de garantir a libertação de todos os reféns”. No entanto, alertou que as conversas podem enfrentar obstáculos logísticos, principalmente na definição dos prazos e na saída israelense do enclave. Rubio também destacou desafios de longo prazo, como a criação de um órgão administrativo tecnocrático para governar Gaza após o fim da administração do Hamas — um dos temas mais sensíveis do plano americano. Segundo ele, o foco imediato é a libertação dos reféns e a estabilização da região, mas a fase política do acordo “será muito mais complexa e demorada”.
Nesta sexta-feira, a Alemanha comemora o 35º aniversário de sua reunificação, marcada como o Dia da Unidade Alemã – o feriado mais importante do país. Em 3 de outubro de 1990, menos de um ano após a queda do Muro de Berlim, a antiga Alemanha Oriental (República Democrática Alemã) foi oficialmente incorporada à República Federal, encerrando décadas de separação. Apesar da integração política, os quase 45 anos de divisão deixaram cicatrizes que ainda se refletem na sociedade alemã mais de três décadas depois. Marcio Damasceno, correspondente da RFI em Berlim A principal festa do Dia da Unidade Alemã está sendo realizada neste ano em Saarbrücken, capital do estado do Sarre, no sudoeste da Alemanha, com a presença do chanceler alemão, Friedrich Merz. O presidente francês, Emmanuel Macron, é o convidado de honra da festa. A participação do chefe de Estado francês visa ressaltar a importância da amizade franco-alemã. Mas nem todo mundo ficou contente com o convite ao Macron. Em uma entrevista na véspera, a ex-chanceler Angela Merkel disse que tem muita consideração por Macron, mas que talvez fosse melhor convidar alguém da antiga Alemanha Oriental ou da Europa Oriental para a festa dos 35 anos da reunificação. Merkel é uma alemã oriental, o atual chanceler, Friedrich Merz, é alemão ocidental. Essa discordância serve um pouco como ilustração de como as duas Alemanhas continuam pensando de forma diferente. Uma pesquisa divulgada nesta quinta-feira (2) sobre a satisfação dos alemães com a reunificação do país deixa isso bem patente. Insatisfação persistente A sondagem, feita com 1.300 pessoas pelo instituto Infratest Dimap por encomenda da rede de televisão pública alemã ARD, constatou que 61% dos alemães se dizem "satisfeitos" ou "muito satisfeitos" com a situação da reunificação, enquanto 34% estão "pouco satisfeitos" ou "nada satisfeitos". Mas quando as duas metades do país são observadas separadamente, é possível ver uma discrepância entre os dois lados. Enquanto no oeste quase dois terços estão satisfeitos, no leste, somente a metade dos cidadãos está satisfeita. O aspecto mais criticado na região da antiga Alemanha Oriental é a distribuição desigual de riqueza. A liberdade política e a liberdade para viajar, o que não havia 35 anos atrás, são vistas de forma particularmente positiva. No entanto, dois terços dos entrevistados no leste do país acreditam que a democracia não está funcionando bem atualmente. No oeste alemão, esse número é de apenas 50%. Essa diferença de mentalidade que ainda existe nos dois lados se reflete também na hora de votar. A "fronteira fantasma" entre os dois lados ficou bem evidente nas eleições legislativas de fevereiro passado, nas quais o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) saiu vencedor em todos os estados do leste alemão – com exceção de Berlim, cidade-estado que ficava na Alemanha Oriental e cuja parte oriental pertencia àquele país. Nas eleições para o Parlamento Europeu, realizadas em junho de 2024, a AfD já tinha saído vencedora nos estados do leste. Reduto de extremistas Desde a reunificação em 1990, a antiga Alemanha Oriental tem sido um reduto de ultranacionalistas, incluindo neonazistas. Mas, além dessa desigualdade na mentalidade e na preferência política, a divisão ainda se reflete nos números da economia mais de três décadas após a reunificação. A disparidade entre os dois lados ainda persiste, embora indicadores como desemprego e poder de compra tenham melhorado progressivamente nas últimas décadas. A diferença nos níveis de renda é de 15,9%, em comparação com 26% em 1990, de acordo com um estudo da Fundação Bertelsmann. A riqueza é o aspecto em que as maiores diferenças persistem, já que o patrimônio dos residentes da Alemanha Oriental equivale a 44% do dos alemães ocidentais. Isso significa que, enquanto cada alemão ocidental possui, em média, um patrimônio de € 153 mil, os alemães orientais têm uma média de € 67,4 mil por cidadão. E isso apesar de a riqueza dos alemães orientais ter crescido 75% desde a reunificação. Em relação ao desemprego, também houve um processo de convergência. Em 1991, o desemprego no leste era de 10,2%, em comparação com 6,2% no oeste. Em 2005, o desemprego no leste havia disparado para 20,6%, enquanto no oeste o número era de 11%. A diferença então começou a diminuir. Atualmente, a taxa de desemprego no oeste é de 5,3%, em comparação com 7,2% no leste, de acordo com dados do governo alemão.
A recente aprovação da nova lei de imigração em Portugal acendeu um sinal de alerta entre milhares de brasileiros que vivem no país. Advogados especializados e imigrantes iniciaram uma verdadeira corrida contra o tempo para garantir direitos antes que as novas regras entrem oficialmente em vigor. Lizzie Nassar, correspondente da RFI em Lisboa O novo texto, aprovada pelo Parlamento português em 30 de setembro, aguarda agora a sanção do presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Se promulgada, será publicada no Diário da República e entrará em vigor no dia seguinte, sem período de transição. O curto intervalo entre a aprovação e a entrada em vigor tem mobilizado advogados e imigrantes, que correm contra o tempo para garantir direitos ainda válidos sob a legislação anterior. “É agora ou nunca”, alerta a advogada Rafaela Barbosa, especializada em imigração. Segundo ela, ainda é possível entrar com ações judiciais baseadas na lei antiga, mas essa janela está se fechando rapidamente. “Quando a nova lei começar a valer, essas ações já não poderão mais ser protocoladas”, explica. A sobrecarga do sistema administrativo obriga muitos imigrantes — inclusive da CPLP — a recorrer ao Judiciário apenas para conseguir um agendamento junto à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). “O direito ainda existe, mas está por um fio”, afirma. Entre as mudanças mais significativas está o endurecimento das regras para o reagrupamento familiar, um mecanismo amplamente utilizado por brasileiros para trazer filhos, cônjuges e outros parentes. Hoje, o pedido pode ser feito mesmo com pouco tempo de residência. Com a nova lei, o reagrupamento só será permitido em casos específicos: filhos menores, cônjuges que sejam pais desses filhos, ou pessoas com pelo menos 18 meses de residência legal. Nos demais casos, será preciso esperar dois anos. “Muita gente estava contando com o processo administrativo. Agora, muitos vão perder esse direito”, alerta Barbosa. Leia tambémManifestação em Portugal denuncia endurecimento da política migratória; brasileiros são alvo de xenofobia Fim do visto para pessoas não qualificadas Outro ponto sensível é o fim do visto de procura de trabalho para pessoas não altamente qualificadas. A modalidade tem sido uma porta de entrada para brasileiros que buscam emprego e regularização. Com a nova lei, apenas profissionais altamente qualificados poderão solicitar esse visto. “Quem está no Brasil e planejava vir dessa forma precisa rever os planos”, afirma a advogada. Os que já estão em Portugal com esse visto, ou que já deram entrada no pedido, não serão afetados. A aprovação da nova lei foi marcada por controvérsia. Votaram a favor os partidos de direita e extrema direita — PSD, Chega, CDS-PP, IL e JPP — enquanto PS, BE, PCP, PAN, Livre e JPP se posicionaram contra. Críticos apontam a falta de escuta a associações de imigrantes, especialistas e pareceres jurídicos. A primeira versão do texto foi vetada pelo Tribunal Constitucional por conter cinco normas inconstitucionais, incluindo restrições ao reagrupamento familiar. Houve ainda tentativas do partido Chega de incluir exigências como cinco anos de descontos na Previdência Social para acesso a apoios sociais — proposta retirada, mas que pode voltar em outro projeto. Expectativa de sanção Com a aprovação parlamentar concluída, cabe agora ao presidente decidir se promulga ou devolve o texto ao Tribunal Constitucional. Nos bastidores, a expectativa é de sanção. Se confirmada, a nova lei será publicada e entrará em vigor imediatamente, encerrando de vez a possibilidade de recorrer à legislação anterior. A orientação dos advogados é clara: quem estiver em situação irregular, aguardando reagrupamento ou tentando agendamento para residência deve buscar apoio jurídico o quanto antes. “É um momento decisivo. Quem perder esse prazo vai ter que se submeter às novas regras, que são bem mais restritivas”, reforça Rafaela Barbosa.
Os 27 chefes de Estado e de governo da União Europeia estão reunidos a partir desta quarta-feira (1º), em Copenhague, capital da Dinamarca, para discutir uma resposta coordenada à chamada “crise dos drones”. Nas últimas semanas, a Rússia tem sido acusada de violar repetidamente o espaço aéreo europeu. Anfitriã do encontro, a Dinamarca detectou frequentes incursões de drones não identificados em seu território. Casos semelhantes ocorreram na Polônia e na Romênia, além da invasão de caças russos na Estônia. Artur Capuani, correspondente da RFI em Bruxelas A reunião desta quarta-feira, classificada como encontro informal na agenda do Conselho Europeu, foi aberta com acusações à Rússia. “Estamos em confronto com Moscou”, destacou o presidente francês Emmanuel Macron ao chegar a Copenhague. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, garantiu que a UE não permitirá que a Rússia “semeie divisão e angústia” entre os países do bloco. A sucessão de episódios de violação do espaço aéreo em países da fronteira leste da União Europeia levantou preocupações sobre a capacidade do bloco de enfrentar uma “guerra de drones”. A reunião propõe justamente discutir mecanismos e medidas eficazes para remodelar, o quanto antes, as defesas europeias — especialmente no flanco oriental. O caso da Polônia é emblemático: o país teve que recorrer a mísseis de alto custo para abater drones muito mais baratos. Na carta-convite, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, convocou os Estados-membros a debater medidas práticas para fortalecer e tornar mais eficiente a defesa do bloco. A Dinamarca foi escolhida como sede do evento por ocupar, neste semestre, a presidência rotativa do Conselho. E o local não poderia ser mais pertinente. Nos últimos dias, o país enfrentou uma onda de incidentes envolvendo drones não identificados sobrevoando aeroportos civis e bases militares. O aeroporto de Copenhague chegou a ser fechado por várias horas, e outras instalações também precisaram interromper temporariamente suas operações. O governo dinamarquês classificou os episódios como “um ataque híbrido”. Segundo as autoridades, os padrões de voo e o tipo de equipamento indicam uma operação profissional e coordenada. Três embarcações russas estão sendo investigadas por possível envolvimento, mas nenhum responsável foi oficialmente identificado. Moscou nega qualquer participação nos eventos. Como medida preventiva, Copenhague proibiu temporariamente, até sexta-feira (3), o uso civil de drones e reforçou a vigilância aérea, especialmente por conta da reunião do Conselho Europeu iniciada hoje. Muro antidrones Entre os temas em debate estão a instalação do chamado “muro antidrones” e a modernização das defesas europeias, com a implantação de radares, sensores acústicos, bloqueadores de sinal, interceptadores e artilharia tradicional. A implementação completa do projeto pode levar mais de um ano, e os líderes discutem formas de acelerar o processo, incluindo a distribuição do SAFE — pacote de € 150 bilhões em empréstimos a juros baixos para reforço da defesa. A invasão da Ucrânia elevou a batalha com drones a uma nova dimensão. Uma das principais tecnologias utilizadas nessa guerra são os drones com fibra óptica, que impedem qualquer bloqueio de frequência. A indústria de defesa da Ucrânia e seu setor de drones se desenvolveram significativamente desde o início do conflito. Como consequência, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky anunciou que o país pretende voltar a exportar armas — algo que estava proibido pela lei marcial desde 2022. Apoio à Ucrânia O financiamento de longo prazo à Ucrânia também está na pauta da reunião. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propôs empréstimos lastreados em ativos russos congelados na Europa. O objetivo é permitir que Kiev adquira armas de fabricantes europeus de defesa, sem absorver totalmente os ativos russos. A Ucrânia pagaria os empréstimos caso a Rússia cumpra reparações pela invasão em um eventual acordo de fim de guerra. Nesta semana, von der Leyen anunciou um empréstimo de € 2 bilhões para a compra de drones destinados a Kiev. No fim do mês, nos dias 23 e 24 de outubro, ocorrerá a cúpula oficial do Conselho Europeu em Bruxelas, onde os líderes voltarão a se reunir para discutir este e outros temas estratégicos da política europeia.



