Momento Literário

O Momento Literário é um podcast cultural, semanal e gratuito. Textos, citações, histórias, poesia e pensamentos dão vida a 10 minutos semanais de reflexão pouco séria. Umas vezes aborrecido, outras vezes, nem tanto, feito para quem gosta de escutar as histórias do dia-a-dia, com tempo e opinião. Todas as semanas à 4ª feira, em jeito de reforço cerebral, para o resto da semana. Momento Literário, o seu podcast semanal, onde a poesia e a rotina, estabelecem pontes.

Segurança e Liberdade- a balança da Democracia

O homem, condenado a ser um ser, social, é também um ser, político. Existe claro, uma relação entre a individualidade do homem e a sua necessidade de estar inserido num meio social, o qual se podia chamar sociedade. Uma das perguntas mais pertinentes, e difícil, é a dicotomia entre Segurança e a Liberdade. Caso a sociedade fosse uma balança de dois pratos, em cada um caberia um dos dois valores. Num prato a Liberdade, noutro a Segurança. É impossível dissociá-los, e a luta do homem ao longo dos tempos modernos, tem sido a de equilibrar a balança, o mais possível. O significado desse equilíbrio social, é a Democracia. Mas o que acontece quando a balança desequilibra, quando a liberdade ou a segurança, pesa mais, do que o mesmo? Quando em nome da Segurança se capturam Liberdades, ou ao invés, em nome da liberdade se propaga o terror. A história enche-se de notas sobre o assunto e talvez o mais visível apontamento, seja o triste fim, do revolucionário Robespierre, e o degredo do supremo senhor de França, o imperador Napoleão. Situemo-nos no pós-revolução Francesa. O dia 14 de julho de 1789 é feriado nacional em França, e um aviso aos tiranos do mundo inteiro. A bastilha havia sido tomada, e a revolução dos esfomeados estava na rua. Por trás de toda a revolução, e da construção da nova sociedade que lhe seguia, estava um homem chamado Maximilien de Robespierre.  No correr das primeiras águas da revolução Francesa, formou-se uma Assembleia Constituinte como instrumento de poder político, assembleia essa, na qual Robespierre era um dos principais oradores. Representante de uma das alas mais radicais dos Jacobinos, Robespierre votou a declaração dos direitos do homem e do cidadão, batendo-se ideologicamente pelo fim da pena de morte. Os líderes da revolução não cumpriram as suas promessas. O rei de França Luís XVI foi executado, apesar de pouco tempo antes a Assembleia Constituinte da revolução ter votado, contra a pena de morte. Sobre a execução Robespierre proclamava “Cidadãos, queríeis uma revolução sem revolução?”, e o primeiro voto para a morte do rei, havia sido o seu. Robespierre assume a chefia do comité de salvação nacional de França em Junho de 1793, abolindo o procedimento judicial para acusados de traição, num período conhecido da história francesa, como o Terror. Há de condenar à morte mais de cinquenta mil indivíduos. Decapitados na guilhotina. Robespierre instaurou na França da Fraternidade, um clima de Terror, em nome da Liberdade do seu povo. O povo de França aceitou na sua maioria, apesar da revolta da comuna de Paris, a sua execução na guilhotina, juntamente com a de seu irmão, e alguns amigos próximos. Robespierre foi guilhotinado sem julgamento, como ele próprio havia legislado, a favor da liberdade do povo de França, nas suas palavras, e anos antes de lhe cortarem a cabeça proclamava “ O sentimento que me levou a apelar á abolição da pena de morte é o mesmo que hoje me obrigada a exigir que esta seja aplicada aos tiranos do meu país.” A liberdade de Robespierre foi o Terror de França. Após a sua morte, a república formou-se, débil, dividida e desorientada. O povo que no passado havia gritado por liberdade, suplicava agora por alguma segurança. Para o satisfazer, havia de chegar Napoleão....

05-06
06:32

As mulheres e o tempo

Estará a mulher condenada a ser condição do homem? Ou seja, será a mulher nada mais do que um respaldo masculino, numa história contada por homens e para homens. A história apresenta-nos a mulher, como uma muleta da masculinidade, poucas são as rainhas sem rei, ou as damas sem cavalheiros… mas será isto verdade? Será que realmente as mulheres sempre foram secundárias na história da humanidade? Talvez na oficial, mas não, na verdadeira. A verdade é que as mulheres estão presentes em todos os recantos da história, inclusive na guerra. Um antigo rei persa, de nome Shariar, havia sido atraiçoado por sua esposa, que num ato de loucura, para esposa de um rei persa, se havia enamorado de um escravo. O rei Persa, como não poderia deixar de ser, decapitou os amantes. O sangue do amor proibido não conteve a cólera do Rei, ficou irado, afinal, ele era rei, e a sua primeira esposa trocara-o por um escravo… na tentativa de sarar o coração e de dar o exemplo a todas as mulheres do reino, Shariar exigia mais do que a vida do casal, decretou e espalhou a mensagem pelo seu povo: todas as noites haveria de se deitar com uma mulher diferente, e na manhã seguinte, matá-la-ia. Não só decretou, como durante três anos o cumpriu: todas as noites uma pobre mulher, todas as amanhã uma cabeça nova, que rolava, e o corpo abandonado da miserável. Dormir e matar, assim era a vida amorosa do Rei. Ao fim de três anos, uma das mais belas raparigas do reino ofereceu-se para dormir com o rei, o seu nome, Xerazade… o rei estranhou tal oferta, pois toda a mulher sabia o que essa noite significava. Xerazade tinha um plano para acabar com a barbárie. Havia de contar todas as noites uma história ao Rei, e o Rei nunca havia de se aborrecer. Assim foi, Xerazade começava a contar, o rei perdia-se nas suas histórias, às vezes olhava-a no pescoço com a sua ânsia de estrangular, e Xerazade seduzia-o com a palavra… por mil e uma noites. Xerazade da antiga pérsia, não foi a única mulher a ter que lidar com homens para sobreviver. Também Joana. Não havia homem que pudesse com Joana. Durante a noite falava com anjos e com santos que lhe segredavam ao ouvido: não há ninguém para libertar França, a não seres tu. Falar com Deus sempre foi um privilégio de homens, a mulher foi sempre culpada pelo pecado primitivo… e com as matérias de reino, igual. Joana era assim detestada tanto pela Igreja como pela monarquia. No entanto Joana não se cansava de repetir e repetir a missão que Deus lhe tinha dado. Ao ritmo das suas palavras, foi se acercando gente, disposta a lutar por Deus e por França. Joana Darque, essa camponesa analfabeta, donzela guerreira, virgem, por mandato divino ou pânico masculino, encabeçou um grande exército, que invencivelmente, tombava inglês atrás de inglês. Acabou Joana por ser capturada, e os ingleses, por não saberem o que fazer com esta louca, a enviaram de volta, para as cortes do Rei de França. Por França e por Deus se havia batido, mas os funcionários do rei e os funcionários de Deus, não hesitaram em condená-la. Os bispos, priores, cónegos, fiscais, inquisidores e os notáveis, coincidiram todos com a mesma opinião: Joana era cismática, apóstata, mentirosa, adivinhadora, suspeitosa de heregia, errante da fé e blasfemadora de Deus e dos santos. Joana de Arque tinha 19 anos quando a ataram a um poste e a incendiaram viva, na praça do Velho Mercado. Os tempos passaram e a mesma pátria e igreja que assaram viva Joana, santificaram-na, heroína de França, símbolo da Cristandade.

04-29
08:06

Racismo: o crime perfeito

Todos nós sabemos o que é o racismo, a cor das suas vítimas e a cor dos agressores, onde vivem as vítimas e onde não vivem as vítimas, o que levam no bolso, ou quanto não levam no bolso, as casa que limpa e as casas que ficam por limpar, a música que ouvem, a roupa que não vestem, a comida que comem e até, o cheiro da sua pele. Só ainda não sabemos, porque são sempre os mesmos a sofrer, e sempre os mesmos a violentar. E afinal, Portugal nem é racista… Portugal não é racista. Portugal nunca foi negreiro, nunca escravizou, nunca vendeu mulheres, muito menos crianças, nunca aliviou carga em ´´mar-alto´´, nunca esteve numa guerra colonial, nunca foi o maior contingente militar europeu, em África. Portugal sempre foi amigo, acolhedor e aberto, por isso cascais é tão negro e a amadora tão branca. Em Portugal fala-se português… tudo o resto é uma vergonha. A grandiosidade da nossa língua é ser nossa, e estar confinada a 250 km de largura por 900 de altura, tudo o resto não é nosso, não é português. No entanto gostamos muito de ser uma das línguas mais faladas do mundo, e até ensinamos o Jorge Amado na escolinha. Não contem a ninguém que o escritor nasceu no outro lado do oceano. Ia ser uma pena que deixássemos de o ler, por ser tão diferente e difícil ´´ o brasileiro´´, essa língua rara. Até já há aquela deputada, que tanta gente gosta. E o André, que muitos mais gostam. Portugal não é racista, nunca foi racista, e quem for racista que se acuse. A culpa é de todos, e de ninguém em particular. Afinal somos todos quase irmãos, pelo menos assim parece…

04-29
06:12

Os 3 idiotas do Século

Coloquemos o nosso pensamento, eu e o ouvinte, cem anos no futuro. Não se engane, pois este, não é um podcast sobre futurologia. Caso não consiga imaginar o futuro, faça um esforço para colocar o presente, no passado. Um passado próximo, mas no passado. Imagine então como o filho do seu neto, olhará para o presente. Evidente será, que na confrontação desse ser futuro com o passado, as lideranças políticas ficarão na história, para o bem ou para o mal: Donald Trump, Jair Bolsonaro e Boris Johnson, figurarão na história do começo do século. Quando o neto do seu filho se questionar onde está, revisitando assim, a história de onde veio, esbarrar-se-á, infelizmente, com Donald Trump, Jair Bolsonaro e Boris Johnson. Será então forçado a optar, por uma de duas conclusões, ou este foi um século de idiotas, ou estes foram, os 3 idiotas do século. Essa conclusão será determinada pelo presente. Com mentira atrás de mentira, Donald Trump chegou ao poder e instalou-se. Capturou o partido Republicano, safou-se de um impeachment, e talvez ganhe as próximas eleições… mas nada vale contra o tempo. Esse examinador que é a história não lhe perdoará as valas comuns, para corpos sem choro, abertas a leste do Bronx, em Nova Iorque. A história vai procurar justificações, muito além do imediatismo do vírus. Não lhe perdoará a forma como apregoou a desigualdade social crónica, entre negros e brancos, nos Estados Unidos. E o vírus expô-lo, através da diferença no acesso a cuidados médicos por parte de ambas as comunidades. A história não se esquecera dos 17 milhões de desempregados em três semanas, faça Trump o que fizer. No mesmo continente, mas no hemisfério sul, está o Brasil, e Bolsonaro. A história, ou se o ouvinte preferir, o olhar do neto do seu filho, guardará espaço na análise do século para este personagem. Com mentira atrás de mentira, Bolsonaro chegou ao poder, emergindo do pântano político. A fina flor do lamaçal, com histórico de atleta, já vociferou todo o tipo de besteiras, do patético ao repugnante. A forma como este individuo denigre o povo brasileiro não passará impune na história, nem o genocídio das favelas, nem o grande bazar da amazónia, nem a perpetuação da fome enquanto condição da vida. Sobre o Brasil e o vírus dispenso o ouvinte de comentários. Boris quis contaminar o grupo e acabou, contaminado. Uma má sorte, para quem passou toda uma campanha política a desvalorizar o estado ruinoso do National Health Sistem, o serviço nacional de saúde Britânico. Nessa mesma altura os jornais ingleses faziam manchetes, com crianças a dormir no chão de corredores de hospitais, mas boris, já só corria pelo Brexit. Saiu do hospital e agradeceu aos enfermeiros que o socorreram, o que para pior das sortes de Boris Johnson, nem Ingleses eram. Fica-lhe bem. Mas também a ele a história não lhe perdoará. Quando o tempo chegar e o filho do seu neto, ou o neto do seu filho, se deparar com tudo isto, será inevitável uma de duas conclusões, determinada agora, no presente e por nós enquanto humanidade: ou este é um século de idiotas, ou estes são, os 3 idiotas do século.

04-29
07:06

A história da proibição

No primeiro dia de 2014 o Colorado passou a ser o primeiro Estado, dos Estados Unidos a legalizar a cannabis para uso medicinal. Rompia-se na América do Norte, nesse primeiro dia de 2014, um ciclo de proibicionismo com 75 anos. É na verdade estranho para nós pensar que a erva já foi legal, tanto para consumo indiscriminado, como para produção têxtil e uso industrial. Não será errado de dizer, que a independência dos Estados Unidos foi assinada, por George Washington, numa folha de papel, feita a partir de cannabis. Não será errado atribuir a mesma origem às velas das caravelas portuguesas que chegaram ao Brasil. O mesmo país que lançou uma campanha mundial para a proibição e se possível, extinção, deste perigoso narcótico, foi exatamente o mesmo que, entre 1920 e 1933, num estilo de alucinação política, proibiu o álcool. A lei seca foi revogada no governo de Roosevelt, e do seu rasto, sobrou a violência, a máfia e a corrupção. Durante este período, praticamente todos os americanos beberam álcool, assim como bebem nos dias de hoje. E da erva, poder-se-á dizer a mesma coisa? A guerra às drogas, foi uma campanha criada nos Estados Unidos por Donald Regan, alimentada pelos Kennedy´s, aliciada pelos Bush e financiada pelo Nixon. Esta campanha de proporções mundiais, não merece ser analisada enquanto um ato político racional, mas antes uma projeção internacional de um surto psicótico doméstico. Felizmente este circulo de proibição, que insiste em tratar criminalmente, aquilo que em última estância será um problema de saúde pública, foi quebrado por Barack Obama, e a Donald Trump agrada-lhe, o “taxe income “ fruto da legalização da cannabis recreativa em 12 Estados. Os argumentos que levaram ao combate cerrado à cannabis em termos mundiais, foram oriundos dos Estados Unidos. Quando em 1910 as fronteiras entre o México e os EUA eram móveis, deixando um México mais pequeno, e um maior número de Estados Unidos, milhares de imigrantes, dependendo da perspetiva, mexicanos procuraram vida no grande colosso. Plantava-se nessa altura cannabis por toda a América. E a planta enriquecia grandes industriais têxteis do Norte ao Sul do país. Como na terra prometida, quase ninguém é bem recebido, o mesmo aconteceu com estas vagas de imigrantes, que traziam do seu país, méxico, o hábito de fumar erva. Entre não gostar de imigrantes mexicanos, a não gostar do que eles fumam, foi um processo instantâneo, para legisladores em todo o território: land of the brave, home of the free. Claro que no passado, nunca havia sido posta em causa tal necessidade legislativa, afinal, nunca nos Estados Unidos houve o hábito de colocar industriais atrás das grades. Os loucos 60 haviam de chegar em força. E a ilegalização da cannabis nos Estados Unidos, contribui, estupidamente, para a sua popularização no mundo inteiro. O Woodstock revolucionou o planeta. Em perspetiva histórica e social a maioria das drogas hoje ilegais, foram ilegalizadas não pelos seus efeitos, mas antes pelos grupos sociais que as consumiam. Será então legítimo pensar que se os principais consumidores de cocaína fossem homens brancos de terceira idade, e os principais consumidores de viagra fossem adolescentes dos subúrbios, a cocaína estava à venda em farmácias sem prescrição médica, e uns 8 anos de cadeia os quem fosse apanhado com 2 comprimidos de viagra no bolso.

04-29
06:21

Um Deus comum

As religiões Abrámicas ou religiões do livro, revelam através de seus cultos, uma maior proximidade entre si do que quais queres outras religiões do passado… O judaísmo, o cristianismo e o islamismo, partilham entre si, mais do que valores, profetas. O sistema de crenças destas três religiões é um lugar-comum: todas elas creem no culto através do livro; a Bíblia foi escrita por mortais entre 1.500 antes de cristo, e 450 antes de cristo, o velho testamento, e entre 45 depois de cristo e 90 despois de cristo, o novo testamento. Quer isto dizer que a Bíblia foi sendo escrita por homens, num período de quase 1600 anos. Dos seus autores assinam o antigo testamento personagens místicas como Moisés o salvador do povo judeu, e Salomão, filho de David, terceiro rei de Israel. Os apóstolos de Cristo terminaram a saga no pós-morte do nazareno. A aparição do espírito santo a Maria, mãe de cristo, é retratada da mesma forma na Bíblia e no Corão. E Jesus é considerado profeta da palavra do Senhor, em ambas as religiões. Não só Jesus, mas também Adão, Noé, Abrão, Ismael, João Batista e Moisés estão, entre outros, presentes no Islão, no Cristianismo e no Judaísmo. A religião islâmica acredita que Jesus, ou “Isa”, profetizou a vinda do profeta, que ao longo de 40 anos havia de transformar a palavra de Deus, em livro, o Corão de Maomé. Os mesmos 40 anos em que o povo judeu guiado por Moisés atravessou o deserto em busca da terra prometida. Durante a travessia do Sinai deus ditou a Moisés a Torá, ou o pergaminho sagrado dos Judeus. Para completar esta tríade monoteística, surge o irmão mais velho do cristianismo, o judaísmo. A Tora enquanto livro sagrado do povo judaico, corresponde a grande parte do antigo testamento da Bíblia e partilha profetas e profecias históricas com o Islão, escritas obviamente no Corão e na Tora, como a proibição expressa da carne de porco. No entanto a religião judaica, espera ainda pela vinda do seu salvador. Todas estas religiões, anteveem em grosso modo dos hebreus. Este foi o primeiro povo vincadamente monoteísta. Acreditavam na palavra de um só Deus, através de Abrão. Adão e Eva dedicaram-se unicamente a pecar, e mais tarde, a reproduzir… das suas reproduções surgiram entre outros, três filhos notórios: abel, sete e caim. Caim assassinou Abel e tornou-se assim, para culto futuro da religião, o primeiro assassino da humanidade. Depois da morte de Abel, nasceu Set, e Eva viu nele uma premonição de Deus, a representação do bem, em contraponto com Caim, para sempre amaldiçoado. Também Set antes de se perder no tempo, e dar origem à expressão, “do tempo de Set”, teve filhos, que por sua vez, filhos tiveram, e Noé, que salvou a humanidade do dilúvio, profeta do Islão, herói bíblico e contado por Moisés, possuía em Adão o seu “octaavô”. O dilúvio do divino, pôs fim aos descendentes de Caim, e prolongou os de Set, através dos filhos de Noé. Noé para além de ter vivido biblicamente 950 anos, teve três filhos, que à imagem do primeiro casal, se dedicaram a repovoar a terra, limpa pelo dilúvio. Dos filhos, dos filhos, de Noé há de surgir Abraão, fundador do monoteísmo hebraico, e líder espiritual dos hebreus. E assim sendo, fundador do judaísmo, do cristianismo e do islamismo. O mundo islâmico encontra em Abraão a sua ancestralidade através Ishmael, o seu filho. O cristianismo e judaísmo encontram nele o primeiro dos patriarcas bíblicos. Os arqueológos modernos nunca encontraram nenhuma prova da existência de Abraão. Afinal, o homem que fundou a ideia de um Deus comum viveu, e se viveu, segundo a teologia, à aproximadamente 3 720 anos. E isso é já demasiado tempo, para um podcast tão curto. O que é certo, é que a crença em Deus enquanto unidade ficou, tanto no islamismo, como no judaísmo e cristianismo, mas sobre isso, saberá melhor Abrão.

04-29
05:54

Sobre viver

Este, obviamente, não era eu. E, também não é o personagem principal desta estória. É alguém a descrever o sítio, onde eu, e Beni Makwela, esse sim – o principal personagem da história, nos conhecemos: o maior campo de refugiados da Europa, Mória. Este acampamento de migrantes, apesar de maior, em nada é diferente dos seus semelhantes, ao largo da Turquia, hospedados nas ilhas Gregas. Concentrações de gente, sem espaço, um cheiro próprio da falta de saneamento, muito calor no verão, muito frio no inverno, pouca água potável, e de ida em aspas para a eletricidade. Dezenas de nacionalidades e personalidades, sequestradas sob a condição de refugiado. Famílias, casais, solteiros, viúvas e crianças de todas as partes do mundo submetidas a maior das violências e miséria humana, a injustiça de nascer na parte errada do globo. Foi na minha quarta, ou quinta visita ao campo de refugiados de Mória, que conheci Beni Makwela. Era um abril quente, sob o sol do mediterrâneo, e o pó da terra colava-se à humidade da pele. Fui convidado a conhecer as instalações de uma ONG, que proporcionava aulas, refeições, aconselhamento jurídico, entre outras feitorias, aos migrantes retidos na ilha. Sentado debaixo de um telheiro, num banco de madeira e com vista para o mar, no topo de uma colina, estava Beni Makwela. Da vista posso vos contar que era um contraste, e um refresco para a alma. Estava nesses dias, como qualquer recém jornalista, à caça de histórias para contar e, já interessado em ouvir a sua, sentei-me ao lado de Beni, esse jovem congolês, de 20 e poucos anos, que parecia lavar a alma à sombra, com a vista para o mar. Entre o meu francês macarrônico e o seu Inglês ao estilo, começamos a trocar algumas palavras, primeiro desapegos, mais tarde desabafos. Demorou algum tempo até que me contasse a sua história, entre meias resposta e silêncios, ora consentimentos ora reprovações, percebi que havia sido preso no congo, na sequência de uma manifestação religiosa, com algumas motivações políticas. Havia sido preso no pior dos cárceres, torturado, e quando uma tia sua subornou um dos guardas, conseguiu escapar. Viajou do Congo até Turquia, provavelmente através do Egipto. Na costa ocidental da Turquia pagou a sua passagem a algum oportunista, que faz do tráfico de homens, vida. Fui lhe fazendo perguntas, as quais evitava ou sorria, mantendo sempre a liberdade do silencio. Perguntei-lhe sobre a espera e longevidade das filas de alimentação, respondeu-me com uma pergunta, a saber se já tinha almoçado. Era por volta das 3 da tarde, e a verdade, é que não, não tinha almoçado. Disse-me então que fosse para a fila na sua companhia, eu torci o nariz… e ele, não hesitou em encostar-me à parede: tens nojo? Ao que fui obrigado a responder, que não, não tinha nojo. O sol estava forte e a fila arrastou-se por uma longa hora. Chegada a nossa vez de receber o almoço, uma malga para cada um com duas colheres de iogurte, um pão árabe espalmado e uns frutos secos à mistura. Não sei se foi a espera, ou a distração da conversa que me mataram a fome. Ele só comeu pão, era alérgico ao iogurte, e ria-se, enquanto eu comia. Acabei de comer, acendemos um cigarro, e lancei-me de novo numa maré de perguntas. Às quais, ora ele respondia com silêncios, ora com meias palavras… até que lhe perguntei: - Quais são as tuas espectativas para a europa? Ao que Beni respondeu com um espelho, espectativas? E eu insisti, sim, espectativas… o que pensas tu e estas pessoas aqui no campo, sobre a europa? Beni olhou para mim, pela primeira vez sem sorriso, com o rosto trancado e disse: escuta, até agora, só tu é que fizeste perguntas, mas enquanto europeu, diz-me lá, o que é que a europa pensa de nós? Não consegui responder. Roubei-lhe o silencio e assim ficamos o resto da tarde, a ver o mar, a lavar a alma. E o ouvinte, o que é que o ouvinte lhe teria respondido?

04-29
07:49

Praga, notas de esperança

Em tempos hipermodernos a praga chegou e relembrou o ser da sua condição, a humanidade. A humanidade que sonhava com robôs, inteligências artificias, realidades aumentadas, viagens turísticas à lua e computadores quânticos, vê-se agora obrigada a ficar dentro de casa por tempo indeterminado. O vírus chegou, e com ele não se esfumou o futuro, reavivou-se antes a memória de um presente iludido: a condição da vida, é a morte. Isto era verdade no outono de 1348 quando a peste negra chegou a Portugal, e é verdade nos dias de hoje. Por isso as consequências deste surto adquirem vultos familiares, hão de morrer como sempre, os mais velhos, os mais pobres e os mais incautos. Por razões distintas todos comungam a mesma fraqueza. A praga há de passar, e o abutre da crise económica comerá os restos, há de levar consigo, e novamente, os mais velhos, os mais pobres, e os mais incautos. As diferenças entre a peste de 1348, e a peste da atualidade, existem, claro. Os modelos matemáticos permitem nos prever a dimensão da desgraça, mas não a evitam. A tecnologia permito-nos uma melhor gestão da crise de salubridade, mas não a resolve. Os fluxos de informação permitem uma maior consciencialização dos cidadãos, não fosse o diabo, viver do pormenor… Façamos então juz ao nome deste episódio, e procuremos nas vidas dos nossos semelhantes do passado, algumas notas de esperança. Era Leonardo Da´vinci um homem de 38 anos, quando em Milão a peste bubónica deixava sem vida, 1/3 da população da cidade. Impossível de trancar um cérebro tão ativo, Da vinci calcorreava as ruas de Milão, onde a morte habitava os cantos. O cheiro a podre invadia a cidade, e talvez tenha sido esse cheiro, que ao encontrar as narinas do artista, lhe trouxe á ideia, que a organização da cidade, era propícia à transmissão da praga. Surgiram na mão de Leonardo os primeiros desenhos para o planeamento urbanístico de uma cidade. Leonardo Da´vinci criou a primeira rede de saneamento básico, para controlar um surto de peste. A mesma peste que por 300 anos visitou Lisboa mais de vinte vezes, e Lisboa nunca deixou de ser um porto de mar. A Flandres da Península. Ainda bem! A peste foi, a peste veio, e Lisboa continuou a navegar. A ser cosmopolita, como qualquer grande cidade. A varíola atormentou a humanidade por mais de 3 000 anos. Até figurões como o faraó egípcio Ramsés II, a rainha Maria II de Inglaterra e o rei Luís XV de França sofreram da temida “bixiga”. A vacina foi descoberta em 1796… O tempo escolheu-nos a nós para sofrer e combater esta nova praga, e sim… fiquem seguros em casa, mas não se esqueçam, quanto mais trancada estiver a vida, maior é a vitória do bicho. A especialidade da humanidade é resistir. Os homens morrem, a humanidade continua. Acumulando conhecimento entre gerações, e há de eterno, as perguntas serão sempre mais do que as respostas. E quase como por imposição divina, a vida humana continua. Prolonga-se como nenhuma outra no tempo. Esse é, foi, e será, o grande triunfo da humanidade...

04-29
05:59

Uma memória mais cinzenta

Talvez seja remédio da dor, o esquecimento. Talvez por isso, a estória de dor do Portugal contemporâneo tenha sido varrida da nossa memória coletiva. Encostada um canto, como uma memória cinzenta. O único problema da nossa então curta memória, é adivinhar um pequeno futuro. Em 1938, António Mano Fernandes, estudante da Universidade de Coimbra, morre no Forte de Peniche, por lhe ter sido recusada assistência médica; sofria de uma doença cardíaca prolongada. Rui Ricardo da Silva operário do Arsenal, morre no Aljube devido uma tuberculose contraída, em consequência do espancamento levado a cabo por seis agentes da Pide durante oito horas. Um dia de trabalho, para os agentes. Manuel Salgueiro Valente, tenente-coronel, morre em condições suspeitas no forte de Caxias; Augusto Costa, operário da Marinha Grande, Rafael Tobias Pinto da Silva, de Lisboa, preso por na rua da escola politécnica dar gritos subversivos, Francisco Domingues Quintas, de Gaia, Francisco Manuel Pereira, marinheiro de Lisboa, Pedro Matos Filipe, de Almada e Cândido Alves Barja, marinheiro de Castro Verde, morrem, no espaço de quatro dias no Tarrafal, vítimas da febre e dos maus tratos; Augusto Almeida Martins, operário, é assassinado na sede da PIDE durante uma sessão de tortura… Estes são os nomes e as histórias, de apenas alguns dos crimes, da ditadura Portuguesa durante um ano. Repito, estes são apenas alguns dos assassinatos, cometidos pelo Estado Novo durante apenas um ano. Muitos ficaram por contar, nos longos quarenta e um anos de regime, rostos sem nome e nomes sem rostos, corpos em valetas com duas balas nas costas, uma na nuca, e um país aterrorizado para a posteridade. Se a estória de Portugal fosse contada em 24 horas, isto acabou de acontecer á duas horas atrás. Enterrar esta memória não é solução, pois ela é parte íntima do nosso povo. É preciso encará-la, e num esforço coletivo superar o medo. É preciso ensinar que isto aconteceu, aqui, em Portugal. A inevitável pergunta a fazer, é a que tipo de sistema foi este, que transformou portugueses em torturadores e portugueses em torturados. Afinal este é o nosso passado mais próximo, enquanto sociedade, e era já tempo, de termos encontrado algumas respostas de forma a clarear essa memória mais cinzenta e oprimida, do que foi, a mais recente e profunda estória de dor, de Portugal.

04-29
06:21

Sofrer por antecipação - O suicídio de Cândido dos Reis

Cândido dos Reis, ou Almirante Cândido dos Reis, nome de muitas ruas e avenidas espalhadas por este país, foi um dos principais mentores da revolução republicana. Suicidou-se na alvorada da manhã, em que da varanda da câmara municipal de Lisboa se proclamou a República. Suicidara-se umas horas antes, do começo ou do fim, da maior empreitada da sua vida. A República constrói-se á cem anos, e o Almirante, sofrendo por antecipação, nunca lhe pôde assentar uma pedra. Pouco se sabe, e pouco se estuda, a fundação da República Portuguesa. Na sua história, a névoa e as esquinas, as caves e os cafés, a clandestinidade e o secretismo, foram os atores principais, da sua preparação. Acontece então, que na ansiosa madrugada de 4 de outubro, o célebre Almirante Reis aguardava os navios republicanos que haveria de comandar. Tudo estava previamente combinado, e o Almirante, cigarro atrás de cigarro, esperava impaciente os três navios. À hora marcada só lá estava o almirante, e no chão, as beatas de meio pacote de tabaco, recordavam-lhe a espera. Fumou o pacote inteiro, e nenhum barco chegou. Já em desespero, bateu com a porta do automóvel e percorreu Lisboa. E Lisboa dormia, sossegada, monótona, numa paz digna do descanso de El-Rei. Exasperado, furioso com a derrota, com o falhanço, talvez a traição, pensava, já sem tabaco, ´´quem foi o filho da puta? Quem foi? ´´. Enquanto conduzia compulsivamente, por uma Lisboa deserta. Eram por volta das duas da manhã quando num choro profundo, bateu à porta da sua irmã, implorando que o recebesse. A Irmã acordada de surpresa, preparou-lhe uma cama lavada e mandou-o deitar-se, a esse homem solteiro de 58 anos, provavelmente maçon, e a que muitas ruas doou o nome. O Almirante entrou no quarto, abriu as janelas para ouvir Lisboa, e Lisboa dormia. O silêncio da cidade, ensurdecia o Almirante. Se a República morre, morrerei com ela. Talvez esta estória, tão escondida na nossa história, seja mais do que um momento, talvez seja, quem sabe?! parte da proclamação da República: e para sempre, ao povo e à República Portuguesa, sofrer, por antecipação A República foi proclamada às 9 da manhã, e o que é certo, é que o Almirante, nunca teve o poder de a testemunhar. Assim, à sua imagem, tão sofredora.

04-29
04:07

Sobre Futebol

Sejam Bem-Vindos ao 1º episódio do Momento Literário, um podcast semanal, cultural e gratuito. Todas as semanas com estórias diferentes, à quarta-feira, e de carácter fraturante. Um podcast onde a rotina e a poesia estabelecem pontes. Hoje, sobre futebol. O Futebol é o desporto de massas, o desporto do povo. Nenhuma outra modalidade desportiva, nem no presente, nem no passado, espelhou com tanta nitidez, a sociedade que representa, para o bem e para o mal, no nosso, ou noutros países. Os episódios históricos que assim o demonstram são infinitos: em 1942, plena segunda-guerra mundial, os conquistadores organizam um jogo de futebol, contra os conquistados. Nazis de raça pura, e ucranianos famintos capturados na invasão do seu país. O Dínamo de Kiev contra a supremacia branca, o Flakelf, uma equipa de futebol associada à força aérea Alemã. No dia do jogo o clima não era de festa, mas antes de guerra. O Estádio encheu, e o público, ao rubro, totalmente doido, celebrava cada golo da equipa da casa, como se da própria liberdade se tratasse. A supremacia foi para o intervalo a perder por 3-1. Dois oficiais do exército pessoal de Hitler, as SS, foram no decorrer do intervalo, ao balneário dos jogadores do dínamo, e avisaram – ou a derrota, ou a derrota. O Dínamo ganhou 5 – 3, e a festa nas bancadas foi de tal ordem, que ninguém ouviu o fuzilamento de uma equipa inteira no balneário. A vitória custou a vida aos jogadores do Dínamo, e o jogo, agendado enquanto amigável, conhecido como o da morte. Hoje sobra-lhes uma estátua, e a independência, mesmo que turbulenta, da Ucrânia. Esta história não é um caso único no passado do desporto; também o golo com a mão de Maradona, a famosa Mão de Deus, foi um grito de revolta na Argentina contra a Inglaterra, enquanto rapazes argentinos eram massacrados por soldados Britânicos na guerra das Malvinas. Ainda durante a II Guerra Mundial, Franco, o ditador Espanhol, apertou a mão a Hitler, quando este lhe pediu a vitória Alemã na final do mundial. E até, mesmo que menos violentas, as trapacices contemporâneas de Michel Platini. Apesar de nos dias de hoje o mundo do futebol, e correspondendo à nossa atual sociedade, corresponde unicamente aos interesses de grandes grupos financeiros, e o que move a bola não é a vontade, mas sim as transações, existe um jovem Português, que fora das quatro linhas, deu um brilharete, não de bola, mas de coragem, ao defender, através do meio dos falidos, a verdade desportiva. Está preso há cerca de um ano, e talvez, o crime capital de Rui Pinto, não tenha sido o de extorsão, mas antes, o de ter ofendido a supremacia, o clube da nação, e sair, assim como os jogadores do dínamo, a vencer para o intervalo.

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