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O Tal Podcast

O Tal Podcast
Author: Paula Cardoso e Georgina Angélica
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Description
Um espaço onde cabem todas as vidas, emocionalmente ligadas por experiências de provação e histórias de humanização. Para percorrer sem guião, com autoria de Georgina Angélica e Paula Cardoso.
78 Episodes
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Subdiretora da RTP África, Carla Adão está no canal desde o arranque. Quase trinta anos depois, a jornalista destaca, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, as pontes que o projeto permitiu construir entre os países africanos de língua portuguesa, contributo que, defende, importa preservar, mas também reavaliar. “Quando a RTP África surgiu, os nossos países tinham meios de comunicação ainda muito incipientes, sobretudo a televisão. De repente, começámos a ligar, a fazer chegar as notícias de uns sítios aos outros. Agora já não tem esse peso, porque o mundo está de outra maneira”. Neste novo contexto, qual poderá e deverá ser o papel do projeto televisivo? “Devíamos, na comunidade afrodescendente, olhar mais para a RTP África como uma montra, difundir as imagens das pessoas que lá vão e que falam nos nossos programas, sobre todos os assuntos, nomeadamente política”, assinala, reconhecendo a importância de se diversificar o naipe de presenças na esfera mediática. “Como é que acabámos de ter umas eleições em Portugal e não há nenhum comentador negro, quando uma das questões que esteve em cima da mesa foi a imigração? As televisões continuam sem ter esse espaço, que eu acho que a RTP África tem e deve abrir ainda mais”. Neste episódio d’ O Tal Podcast, Carla Adão revela como a sua trajetória profissional a ajudou a perceber o impacto dessa pluralidade. “Quando chego a subdiretora da RTP África, começo a ver as reações [da comunidade afrodescendente], a alegria de muitas pessoas por eu estar nesse cargo, porque sentiam: é uma de nós, alguém que nos representa. Veio por aí o reconhecimento, e o meu autorreconhecimento”. Até esse momento, a jornalista conta que estava apenas a seguir o seu percurso, dentro de uma linha normal de progressão, sem consciência do significado coletivo das suas conquistas. Agora com uma nova consciência, a subdiretora da RTP África assume o compromisso de continuar a desbravar caminhos. “Tenho sonhado em dar e criar espaço para outras pessoas, em dar voz a histórias e pessoas que ainda não têm voz, em dar a conhecer histórias que estão esquecidas”, aponta, cumprindo os planos que a acompanham desde a infância. “Aos 9 anos disse à minha mãe que ia ser jornalista. E por volta dos 11, 12 anos, comecei a fazer um jornal no meu prédio, com uma máquina de escrever. Fazia inclusive os tracejados das palavras cruzadas que via noutros jornais”. A vocação, precocemente identificada, permitiu recuperar ligações africanas quebradas na infância com a saída de Angola para Portugal. “Quando fui à Guiné pela primeira vez, senti o chão, senti: ‘estou em casa’. Criei uma relação muito próxima com o país”. Esta é uma das experiências revisitadas neste episódio, onde Carla Adão partilha o reencontro emocionante com uma irmã perdida durante a guerra em Angola, bem como os desafios de ser mãe. “A maternidade traz-nos grandes inseguranças. Se calhar, até as sinto mais agora do que quando os meus filhos eram pequenos, porque eles estão crescidos, quase emancipados, e eu questiono: ‘Será que fiz tudo certo?’” Ouça aqui a conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Pai de três, Victor Hugo Mendes (VHM) poderia muito bem fechar as contas da sua paternidade numa dezena de descendentes. Escrito de outro modo: gostaria de ter 10 filhos. O número impressiona, em especial numa Europa com algumas das mais baixas taxas de fertilidade do mundo, porém VHM não se deixa intimidar, assumindo valores ancestrais africanos na relação com a ascendência e descendência. https://www.otalpodcast.com/p/victor-hugo-mendesSee omnystudio.com/listener for privacy information.
Num autorretrato que cabe em três palavras, Blessing Lumueno apresenta-se: “Fanático pela liberdade”. É assim que se vê, na relação com os outros, o mundo, e com ele próprio, revela neste episódio d’ O Tal Podcast, gravado antes de rumar para o Kuwait, como treinador-adjunto do Al-Arabi. Tema incontornável na história de Blessing, o futebol ocupa um lugar tão central na sua vida, que não hesita em declarar que estão unidos em matrimónio. Com uma visão de jogo aprimorada nos relvados, entre construções de equipas técnicas, o convidado desta semana de Georgina Angélica e Paula Cardoso também tem partilhado táticas como comentador desportivo, somando intervenções na TSF, Canal 11 e RTP, e publicações no Expresso, além da autoria do blogue “Posse de Bola”. É com esta experiência que aguça a sua leitura crítica, além das quatro linhas. “Não há muito investimento em Portugal para os clubes. Há poucas oportunidades para os treinadores se profissionalizarem”, nota, antecipando resultados nada promissores, a partir de um foco cego no rendimento. “O mercado é muito violento, e os treinadores, fruto disso, vão procurando atalhos, e quando o fazem estão a tirar possibilidades aos jogadores de terem um tipo de evolução diferente”. A “máquina”, conforme descreve, calibrou-se com outro engenho a partir de José Mourinho, mas parece viciada numa programação que promove a medianidade em detrimento da excecionalidade. “Estamos a perder os melhores, em prol de termos de jogadores, jogadoras assim-assim, que fazem o trabalho ‘benzito’”, alerta, sublinhando a importância do tempo para afinações. “Se ao primeiro erro és massacrado, e ao segundo erro és espezinhado, acabou. A partir daí, a reação mais normal, quando queres tentar qualquer coisa que ainda não tentaste, é retraíres-te e nem sequer o fazeres”. O preço a pagar, aponta, é o défice de inovação, que, prenuncia, vai implicar uma crise de talentos nas próximas gerações, e não apenas de futebolistas. A análise, conta Blessing, influencia o seu comportamento não apenas nos clubes, mas também em casa. “Tenho uma ideia de parentalidade muito aberta, de deixar experimentar, de não ser excessivamente interventivo no processo de crescimento da minha filha”, diz, sem nunca esquecer as suas próprias aprendizagens. “Cresci com mulheres. Deu para perceber as dificuldades que qualquer uma tem para conseguir um cargo decente, fazer valer aquilo que são as suas melhores qualidades, e nunca ser olhada de lado por usar o cabelo mais comprido ou andar de vestido e, sobretudo, nunca ser deixada para trás por causa da maternidade ou por ser mais verdadeira com as emoções do que os homens, que conseguem esconder e manipular de outra forma”. A proximidade feminina permitiu-lhe também observar a sua resiliência. “Vejo nas mulheres a capacidade para, dentro de situações horrorosas, dramáticas, de crise, continuarem a lutar. Acho isso ímpar”, destaca, sublinhando que foi a partir de muitos sacríficos da mãe e das tias que conseguiu dar “um salto geracional”. Vamos perceber de que forma nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, em que se revisitam feridas do colonialismo, desigualdades raciais, e desafios sociais. Sem nunca perder de vista as lições da vida. “Aprendi, pelo rumo da vida da minha mãe e das minhas tias, que podem ser solteiras e felizes. Não necessitam um parceiro de vida disso para isso, podem fazer uma vida perfeitamente plena sem estarem ligadas, do ponto de vista afetivo, a um homem ou a uma mulher” Ouça a conversa n’ O Tal Podcast.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Henda Vieira Lopes, psicólogo e diretor do Espaço Yanda, acumula mais de 20 anos de experiência na promoção de competências, incluindo uma forte intervenção comunitária. Com uma abordagem afrocentrada, integra práticas ancestrais africanas na psicologia clínica. Neste episódio, Henda Vieira Lopes aponta caminhos que nos ajudam a separar o homem do masculino, e a construir uma masculinidade positiva e inclusiva. https://www.otalpodcast.com/p/henda-vieira-lopesSee omnystudio.com/listener for privacy information.
Tinha 36 anos quando se tornou a primeira e, até agora, única diretora da edição impressa do “Novo Jornal”, em Angola. Cerca de uma década depois, Verónica Pereira revisita, neste episódio d' O Tal Podcast, as marcas que acumulou com essa experiência. “Vi-me, durante muito tempo a carregar um peso muito maior do que eu, e uma exigência, como mulher, de ter que estar sempre com determinada postura, de acordo com aquilo que achavam que deveria estar, ser e fazer”. Além das pressões constantes a nível profissional – “não tinha noção do que era exercer um cargo de direção [de um jornal] num país como Angola, num contexto político terrível” –, Verónica relata o peso agravado das convenções sociais que encontrou. “Desde o início que ouço a mesma crítica: tu trabalhas demais, tens que olhar mais para outras áreas. Por exemplo: casa e família”, conta, sublinhando como as expetativas de género, e os resquícios coloniais dificultaram – e ainda dificultam – o processo de adaptação à sociedade angolana. A viver em Luanda há 16 anos, a hoje coordenadora de comunicação do Mosaiko - Instituto para a Cidadania, admite que ainda não se sente “devidamente integrada”, ainda que profissionalmente valorizada. “Decidi ir para Angola pela oportunidade de emprego, e possibilidade de crescer e fazer carreira, que aqui não teria”. Depois de um sólido percurso no mundo da comunicação social, que incluiu o lançamento do “Expansão” – o primeiro semanário de economia do país –, Verónica encontrou na área da defesa e promoção de Direitos Humanos um novo campo de especialização. “Era muito naïf, pensava que no jornalismo estaria a fazer aquilo que estava de acordo com os meus princípios, os meus valores. Quando percebi que não, saí”. Há sete anos no Mosaiko, a responsável de comunicação conhece agora uma Angola que vive longe das páginas de jornais, mas mais perto da pessoa que cresceu para ser. “[Nestas funções] sinto um encontro com aquilo que se calhar eu não sabia, mas estava dentro de mim desde muito criança”. Nascida em Portugal, filha de mãe angolana e pai cabo-verdiano, Verónica encontra na infância um manancial de lições de humanidade. “Vivia num bairro de lata, e ia para um colégio privado estudar. Já adulta, ponho-me a pensar: como é que era sair do bairro, encontrar o asfalto e atravessar aquilo tudo com a cabeça erguida?” Enquanto observa que “trabalhar direitos humanos com pessoas desumanizadas é muito mais difícil”, a convidada de Georgina Angélica e Paula Cardoso, afasta os estereótipos de insegurança associados aos chamados bairros de lata. “Em momento nenhum senti medo ou insegurança. Foi o lugar de pertença, em que me senti integrada, me deu um sentido de comunidade, e também uma cultura e ancestralidade”. A par das aprendizagens do passado e dos ensinamentos do presente, Verónica traz para a conversa os prenúncios do futuro. “Estou a aprender a aceitar a mudança que tem que ver com a idade”, diz, livre de subterfúgios. “A verdade liberta, não me causa medo. Se não a contar, não tenho paz”, revela nesta conversa d' O Tal Podcast. Para seguir aqui.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Da projeção à notoriedade, Ana Sofia Martins traça distâncias. Quão longe fica uma realidade da outra? Que caminhos se atravessam entre os dois pontos? Aos 37 anos, com muitas perguntas e respostas ainda por encontrar, a atriz faz questão de mergulhar numa busca por si própria. Afinal, quando se assume precocemente a responsabilidade de cuidar dos outros, que tempo e espaço sobram para reconhecer e acolher as próprias necessidades? https://www.otalpodcast.com/p/ana-sofia-martinsSee omnystudio.com/listener for privacy information.
Guarda memórias de tempestades de areia, vividas na primeira infância, a partir de uma mudança familiar profissionalmente determinada. “O meu pai, que é engenheiro civil, conseguiu trabalho na Arábia Saudita. Houve uma altura em que vivemos no deserto, porque estavam a construir uma autoestrada”, conta Milton Gulli, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso. Filho de moçambicanos que se estabeleceram em Portugal depois do 25 de Abril, o músico adianta que perante a falta de oportunidades em terras lusas, a família acabou por se deslocar novamente, dinâmica que se tornou habitual. “Os meus pais sempre viajaram muito, e levaram-nos a muitos sítios. Então, temos desde pequenos uma visão alargada do mundo”, revela Milton, que conjuga as recordações no plural, por serem indissociáveis das duas irmãs. Foi também em família que, em 2006, Moçambique se tornou destino de férias. “Ficámos lá um mês, e para mim e as minhas irmãs foi um bocado um choque cultural porque tínhamos uma ideia um bocado romantizada do país”. A desconstrução da imagem criada em Portugal passou por um reconhecimento do território: “Eu sempre achei que em Moçambique se falava português no país todo. Não é verdade. Fala-se português nas cidades, mas fora das cidades pouca gente fala”. Mais do que desfazer mitos linguísticos, Milton assinala os perigos de uma ilusão lusófona. “Acho que muito português acaba por ter a ideia de que quando vai para os PALOP a cultura, os costumes e a maneira de estar são iguais”, nota o músico, perentório na desagregação: “Não são”. Entre as narrativas sobre Moçambique e a realidade, o músico quebrou fronteiras – “Hoje vejo África de outra maneira, é um continente riquíssimo, com muito potencial humano” –, e traçou novas rotas: cerca de cinco anos depois da viagem familiar, trocou Lisboa por Maputo. “Regressei muito diferente. Estive lá quase dez anos, e sinto que cresci bastante. Fiquei mais atento, mais cuidadoso, e com mais paciência”. As vivências ganham expressão no primeiro álbum a solo de Milton, intitulado “Quotidiano”. Lançado em 2022, ano em celebrou 25 anos de carreira, o disco é descrito pelo músico como um retrato do dia-a-dia na chamada Pérola do Índico, e uma homenagem ao seu povo. “Sempre toquei com várias bandas e vários artistas. Nunca tinha pensado fazer um projeto a solo, mas quando cheguei a Moçambique comecei a compor várias coisas que não encaixavam em nenhum dos projetos que tinha”. Com um currículo artístico que inclui referências como os Philarmonic Weed e Cool Hipnoise, Milton celebra, no próximo dia 4 de setembro, no Lux Frágil, em Lisboa, os 20 anos dos Cacique’ 97. A história desta banda, e o despertar musical vivido na adolescência, na Ilha da Madeira, são recordados neste episódio d’ O Tal Podcast, no qual o artista, partilha como o encontro com Azagaia, ícone moçambicano falecido em 2023, continua a marcar a sua trajetória. “O papel dos artistas é muito importante, porque a arte tem de questionar, criticar, apontar o dedo”.See omnystudio.com/listener for privacy information.
No passado, as mulheres negras tiveram de pegar em armas para defender os territórios e corpos das invasões coloniais. No presente, um dos maiores combates que travam é no campo afetivo, procurando viver para além da condição de guerreiras. A multifacetada artista Isabél Zuaa partilha como tem feito esse caminho de emancipação emocional, a partir de um lugar de amor-próprio e de autocuidado. Lembrando que uma mulher negra feliz é um ato revolucionário, Isabel também reflete connosco sobre a potência política do amor vivido entre pessoas negras. https://www.otalpodcast.com/p/isabel-zuaaSee omnystudio.com/listener for privacy information.
Diante da pergunta “Que idade tinhas quando a dança entrou na tua vida?”, Iris de Brito revê a resposta de sempre. Habituada a apontar como referência a iniciação no balé, vivida quando tinha cerca de 8 anos, hoje a coreógrafa partilha outro entendimento. “A dança e o movimento entraram em mim quando comecei a andar”, realça no início deste episódio d’ O Tal Podcast, já livre das velhas programações. “Esta sociedade do Norte Global incorporou a ideia de que tudo da mente tem uma hierarquia maior, e que o conhecimento do corpo não tem tanta importância. Mas tem”, sublinha, lembrando a necessidade de soltar as próprias amarras: “Cresci a pensar que o que tenho na cabeça e a universidade é que é importante”. A crença, observa Iris, tem sido desconstruída, permitindo reconhecer que “o movimento é uma das tecnologias ancestrais – africanas e não africanas – que mais ajuda a tudo”. Não surpreende por isso que o pessoal da dança “diga sempre na brincadeira: se os governantes dançassem mais estaríamos um bocadinho melhor”. Aliás, nota a também professora, há um provérbio, “talvez nativo-americano”, que reforça essa associação entre movimento e adoecimento. Segundo o ditado, “quando alguém chega a um xamã e diz ‘estou doente’, ele pergunta: quando é que você parou de dançar, de cantar, de contar ou de ler histórias?”. Iris nunca marcou passo, e a determinada altura Portugal tornou-se pequeno. “Trabalhei no teatro de revista, fiz o Crime da Pensão Estrelinha na televisão com o Herman José, e foi muito engraçado, mas senti que não conseguiria ir mais longe. Por isso quis sair para Nova Iorque”. Mais do que um plano, Iris alimentava o sonho de integrar a companhia Alvin Ailey, mas não tinha meios nem conhecia ninguém na ‘Grande Maçã’. Por isso Londres, onde tinha ‘rede’, impôs-se como destino. “Aí tive a oportunidade de fazer formação com um mestre incrível, William Luther, um dos primeiros bailarinos da companhia de Alvin Ailey”, diz a coreógrafa, assinalando como o ciclo acabou por se completar. Foi também na capital britânica que fez um curso em Teatro Musical e o mestrado em Pedagogia das Danças Afrolatinas, além de ter trabalhado com artistas como Jay-Z, Enrique Iglesias ou Kylie Minogue. Pelo caminho, enfrentou vários castings, incluindo para o filme Evita e o musical Chicago, experiências que revisita neste episódio. “Fiz a audição para o Evita com um dos bailarinos principais do Michael Jackson, o Vincent Paterson. Fiquei, saltei, estava toda contente, e ele deu-me os parabéns e um toque: da próxima vez, muda de botas. Elas estavam a cair aos pedaços”. O episódio é recordado não apenas por ter sido selecionado, mas também pela lição, que Iris faz questão de partilhar: “Acreditem em vocês porque um bom coreógrafo, um bom diretor, consegue ver mesmo através da vossa imagem”. Com três décadas de profissão, a coreógrafa partilha igualmente um alerta: “Infelizmente, não existe nos países PALOP uma proteção da herança imaterial, que inclua o movimento, a dança. Estamos completamente desprotegidos. Então, nos festivais querem mudar a Kizomba e dizer que é evolução”. Longe disso, Iris de Brito vê nessas jogadas mercantilização e desvirtuação, reflexões para acompanhar na conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Entre o desejo de ser pai, e o medo de falhar nesse papel, Dino d’ Santiago encontrou na terapia um lugar de entendimento. De si próprio e da sua família, que deixou para trás alguns pesos, onde se inclui a história de uma morte trágica. “Queria agradar para me sentir incluído, desagradando-me constantemente”, admite o músico, que, nesta conversa, partilha o seu profundo processo de desconstrução…e de libertação pelo amor. Hoje, em vez de forçar uma existência de “super-humano”, o músico reivindica “apenas” um espaço para ser humano. -- https://www.otalpodcast.com/p/dino-dsantiagoSee omnystudio.com/listener for privacy information.
Tatuou na mão direita “Saint”, identidade construída a partir de uma relação amorosa. “Namorava com uma pessoa que disse que eu tenho essa coisa de achar que sou um santo, que estou sempre certo. Então virou uma piada para mim”, introduz Saint, antes de completar a apresentação: “Caboclo é como a minha mãe me chamava quando eu era mais novo”. O tratamento materno, explica Saint Caboclo, neste episódio d’ O Tal Podcast, tem raízes ancestrais e culturais. “A minha família tem mistura com índios, e de onde nós somos, de Marabá, no Pará, tem essa coisa de chamar as crianças que têm mistura com índios de caboclo. Então foi assim que eu cresci”. Desde a adolescência a viver em Portugal, o paranaense conta que foi por cá que se despediu completamente do Eudes, nome de batismo que repete a identidade paterna. “Foi como um ultimato: coloquei que o meu nome ia ser Saint e pronto – é Saint”. A determinação reflete-se nessa tatuagem: “Está na mão com que eu cumprimento as pessoas, escrevo, seguro o microfone, com que eu faço tudo. É a minha identidade, a minha pessoa”. Além de marca pessoal, Saint Caboclo tornou-se também sinónimo de revolução nas noites lisboetas. Criador das festas Dengo, o DJ, constrói, há quatro anos, uma comunidade que agrega, juntando pessoas de contextos, identidades e pertenças distintas. A proposta cultural inclui as chamadas “listas trans”, que também está a tentar introduzir em Espanha. O conceito é simples: quebrar barreiras no acesso. “As pessoas que participam nas festas Dengo sabem que o bilhete está a ser convertido para ajudar aquela amiga ou amigo trans”, aponta Saint, atento às resistências: “Claro que há pessoas que vão falar: mas por que eu tenho de pagar bilhete e essa pessoa não?”. Sem hesitar na resposta, o DJ atira: “Talvez não entendam o conceito de comunidade, e esse evento não seja para elas”. Firme na visão de que “a música não é suposto ser elitista”, mas sim “para todos”, o brasileiro lembra que “as pistas de dança foram criadas de uma certa forma de rebelião”. Hoje, porém, sofrem de uma certa ‘contaminação’, alerta o artista: “As pessoas não se divertem tanto na discoteca, porque todo o mundo está com medo de ser gravado a fazer algo que não devia”. O receio, nota Saint, vem da quantidade de câmaras que se posicionam nas pistas de danças em busca de um momento viral na internet. Apesar de garantir que não se opõe à presença de telemóveis nas festas, o DJ vê neles uma barreira à liberdade. “Faço parte dessa geração que publica tudo [nas redes sociais], então eu sei que sou parte do problema”, diz, revelando, contudo, que também usa o telemóvel como uma espécie de escudo. “Se estou a andar na rua, em volta de estranhos, estar com o meu telefone na cara vai-me deixar menos ansioso”. A aprender a viver com o diagnóstico de ansiedade, Saint Caboclo assinala, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, que a terapia tem sido um apoio importante. Acompanhe aqui 'O Tal Podcast'. See omnystudio.com/listener for privacy information.
Entre a maldição e a bênção de uma noite que lhe poderia ter custado a vida, Jimmy P encontrou o impulso que faltava para se dedicar inteiramente à música. “Quando saí do hospital, montei o meu estúdio em casa. Estava praticamente de cama, mas com uma mão conseguia ir ao computador e gravar. Queria muito aquilo, e estava a sair-me da alma”, conta o artista neste episódio d’ O Tal Podcast. As memórias remontam a 2011, marcam o início de uma carreira bem-sucedida – “O meu primeiro som a ter sucesso foi depois disso” –,mas, antes desse salto criativo, recuam a história do artista a um passado de excessos. “Eu podia não estar vivo, ou não ter o braço”, sublinha, expondo as cicatrizes de uma série de cirurgias, vividas durante mais de dois meses de hospitalização. “Tinha acabado a faculdade há cerca de três anos, e fui trabalhar para uma empresa grande do têxtil. Foi-me atribuído um lugar de chefia, ganhava bem, viajava muito, e gostava verdadeiramente daquilo, mas não estava preparado para aquela maratona”. Além dos voos profissionais, demasiado altos naquela fase, Jimmy tinha embarcado numa relação abusiva, e, a determinada altura, o consumo de álcool e drogas tornou-se habitual. Por isso, ao acordar e se deparar com o ortopedista que o operou, a confusão ainda era total. “Eu não me lembrava de nada, e a minha primeira pergunta foi: é da polícia?”. A ligação médico-paciente evoluiu para a amizade e, hoje, o músico cuida não apenas das marcas que deixam visíveis cicatrizes na pele, mas também daquelas invisíveis, que criam feridas emocionais. “Ter tido alguns problemas de saúde mental permitiu desconstruir-me, e perceber certos comportamentos”, nota Jimmy, recém-regressado de uma paragem de um ano, e já consciente dos padrões que foi reproduzindo. “Durante muito tempo, era duro e muito exigente comigo, e se calhar elogiava pouco as minhas conquistas e as coisas boas que fazia. Hoje tenho uma relação muito mais saudável comigo”. O diagnóstico inclui mais autoconhecimento: “Fui-me tornando mais sensível, e tinha vergonha disso. Com a idade, percebi que não é uma coisa má, acho que é um superpoder”. Ao mesmo tempo, essa consciência é indissociável do entendimento com os pais. “A minha mãe saiu de casa para me ter, com 18 ou 19 anos. Foi um ato de coragem e de amor gigante, mas nem sempre consegui ver assim”, admite, sublinhando o apoio incondicional que sempre recebeu do pai, o ex-futebolista Jorge Plácido. “Estou a educar as minhas filhas, mas preciso de olhar muito para mim para conseguir ser um bom pai”. No processo de se reconciliar com a própria história e a dos pais, Jimmy defende a importância dessa autoanálise – “Nunca subi a um palco alcoolizado ou drogado, porque quero ter noção do que está a acontecer, quero desfrutar da experiência e quero vibrar na frequência certa” –, que recentemente se cruzou com a espiritualidade africana. “Durante anos ouvi dizer que era coisa do demónio, feitiçaria, magia negra e todas essas expressões”, nota, assumindo o compromisso de questionar o que aprendeu. “Tudo começou quando fui ao Senegal. Senti uma ligação muito forte, e a primeira coisa que fiz quando cheguei a Portugal foi um teste de ancestralidade, que revelou que 50% do meu ADN é daquela zona”. Nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, Jimmy P revela ainda como constrói a sua sorte e resiliência: “Não foram as 10 músicas que tiveram sucesso que me tornaram o artista que sou. Foram as outras que ninguém ouviu”.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Perdeu a conta ao número de celebridades com quem se cruzou em Londres, num circuito exclusivo, percorrido entre etiquetas de luxo. “Comecei como assistente do assistente do assistente, numa loja da Gucci, e ali entravam imensos artistas, tipo Pharrel Williams. E eu lembro-me que eu ia para a casa de banho a pensar: Isto é real?”. Mas foi em Portugal, a partir de uma campanha da Nike lançada por causa de Cristiano Ronaldo, que Monica Lafayette se tornou, ela própria, uma marca na arte de desfilar e criar estilos únicos. Apontada pelo gigante desportivo como ícone de moda, no âmbito de uma ação de apoio à presença portuguesa no Mundial de Futebol da África do Sul, a stylist conta, neste episódio d’ O Tal Podcast, o poder dessa convocatória. “Quando assinei contrato com a Nike, como Fashion Icon Ibérica, mudei o jogo”. À época recém-regressada a Lisboa, depois de uma temporada transformadora em Londres, Monica recorda que essa distinção ativou algumas resistências, entretanto ultrapassadas. “Na altura, foi um choque porque eu estava em Portugal há três anos, então houve muitos problemas. As pessoas achavam que eu estava aqui há pouco tempo, e recebi poucos parabéns de colegas”. Hoje com um percurso incontornável, que inclui a sua própria empresa, e também passou por Paris, a stylist sublinha, nesta conversa, como a sua trajetória se tem construído à margem de romantismos, e à prova de deslumbramentos. “Tive aquelas histórias que pensava que iam ser da novela: em que me apaixono, perco a virgindade e penso que vai ser para sempre. Mas não entrava no estereótipo da miúda-mulher-mãe, comecei a desconectar-me e terminei a relação. Acredito que até hoje ele não aceita isso. Então afastou-se de mim e do meu filho”. Mãe de Maximus, a empresária partilha com Georgina Angélica e Paula Cardoso algumas das feridas abertas a partir da maternidade e separação precoces. “Tive que começar a fazer-me à vida mais a sério. Na altura estava a estudar para a faculdade e tinha que ter um part-time - trabalhava na Springfield do Colombo a dobrar polos. Mas as pessoas olham para nós, e acham que saímos do helicóptero, já prontas, e com o cabelo a voar”. Aos 42 anos, e com um filho de 23, Monica depara-se hoje com outro tipo de desafios: “Agora que o meu filho é um homem, tenho tempo e digo: quem sou eu? Do que gosto?”. Os planos de vida, antecipa a stylist, passam pela sua Angola de nascimento, pertencimento e redireccionamento. “O Coréon Dú, filho do ex-Presidente da República de Angola, convidou-me para ser a figurinista e diretora criativa principal da novela Windeck. Na altura tinha zero ideia de quem ele era”. A experiência permitiu não apenas assumir novas responsabilidades, mas também fortalecer identidades. “De repente estás em Londres, em Paris, em Nova Iorque, e voltas a Luanda e dizes: eu sou daqui. E olhas para a tua família, para a tua comunidade e dizes: sou um bocado disto, um bocado daquilo”. Além do ambicionado regresso às raízes – “vou voltar a tentar viver em Luanda, ou a ter mais projetos lá” –, Monica revela o desejo de resgatar sonhos interrompidos. “Acredito no casamento, no amor, na união. Quero ter alguém, mas na minha frequência. Ou numa outra frequência, mas que acrescente, e que honre os lugares em que eu já estive, que não me veja como um troféu e não se assuste, porque as pessoas cada vez mais assustam-se com mulheres como nós”. Siga a conversa, na companhia de Georgina Angélica e Paula Cardoso.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Nasceu cantora há 40 anos, renasceu mãe em 2023, e, entre um e outro momento, nunca se desligou dos batimentos criativos. “Estive ativa até aos sete meses [de gravidez], de saltos no palco, e aos saltos”, recorda Mayra Andrade, mais de dois anos depois do nascimento da filha Dayo, nome grafado na língua africana yorubá, e que significa alegria. “Ela veio toda em música. Eu faço linhas melódicas esquisitas, semitonadas, a ver se ela reproduz, e ela consegue”, conta a artista neste episódio d’ O Tal Podcast, reconhecendo nos primeiros passos da filha a própria caminhada. “Começou a cantar ainda não tinha um ano”, nota Mayra, acrescentando que com essa idade também já expressava a veia musical. “Sempre fui uma criança muito espiritualizada. Eu sei o nome das energias que me acompanham, e eu invoco estas energias antes de pisar no palco, porque é muito importante que aquele espaço sagrado, que é o palco, e o dom que eu recebi, não seja em vão”. Alinhada com cada nota e ritmo – “Oro sempre muito para que cada expressão feita no palco chegue ao coração das pessoas” –, a artista diz da filha Dayo o que o seu pai, Carlos Andrade, também diz de si: “Nasceu cantora”. O olhar materno e maternal aguça-se à medida de um maior autoconhecimento e consciência da vida. “Acabo, muitas vezes, por não valorizar o poder que tenho. Só uma pessoa com um poder tão grande em si é que consegue, com dignidade e no seu silêncio, estar nos palcos do mundo a cantar, com uma bebé ao colo, a amamentar e a lidar com coisas que não deveria ter que lidar”. A versatilidade favorece “a sensação de estar num multitasking existencial constante”, nota Mayra, observando: é “como se estivesse a plantar uma floresta, a segurar um navio para não afundar, a semear não sei o quê, a voar, a enterrar-me”. Entre a terra, o mar e o ar, a artista cabo-verdiana vai-se encontrando. “O meu corpo acabou por ser celeiro de muitas memórias, de muitas vivências, e é como se eu ainda estivesse a descobrir, através do corpo, os contornos emocionais do que vivi nos últimos poucos anos da minha vida”. O reconhecimento das velhas cicatrizes segue com novas marcas. “Estou na fase da serpente que muda de pele, da borboleta que sai do casulo, e essa metamorfose tem etapas que não são bonitas”. A transição encontra tradução musical em “reEncanto”, o mais recente álbum da cantora cabo-verdiana, gravado ao vivo e maturado em gestação. “Estava já a deixar essa vida [de Dayo] crescer em mim, e a reverberar na minha voz de uma forma diferente”. De lição em ensinamento, a cantora e compositora reconhece: “Nunca aprendi muito pelo amor, nem pela alegria. Acho que somos uma espécie que aprende pela dor e adversidade”. Orgulhosamente africana, esta filha de um antigo combatente pela Independência de Cabo Verde e da Guiné-Bissau apresenta-se também como pan-africanista. “Sou africana e sou de uma nação crioula. Temos uma herança genética e cultural e social europeia, mas somos um país africano. Nós aprendemos a partir pedras, e espremer leite das pedras”. Sem renunciar aos sonhos de um destino mais justo para África, Mayra Andrade, premiada este ano com o Lifetime Africa Achievement Prize nos Millennium Excellence Awards, lembra que “é difícil pensar num futuro brilhante para o continente africano sem pensar numa mudança global”. Acompanhe a conversa, com Georgina Angélica e Paula Cardoso.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Ao vivo na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, numa atmosfera intimista que contou com a intervenção do público, Georgina Angélica e Paula Cardoso receberam como convidadas a jornalista Catarina Marques Rodrigues e a multifacetada artista Selma Uamusse, para uma conversa sob o tema “Abrir espaço para o inesperado”. Neste episódio especial d’ O Tal Podcast, as anfitriãs inauguram um ciclo de encontros que pretende aproximar podcasters e públicos, a partir de conversas sobre o que nos une, afasta e mobiliza a escutar, falar e agir. A proposta juntou, no passado dia 22 de junho, Catarina Marques Rodrigues, autora do podcast “Dona da Casa”, que integra a programação da Antena 3, e Selma Uamusse, uma das apresentadoras do “Cinco à Quinta”, formato apresentado na Antena 1. Desafiadas por Georgina Angélica e Paula Cardoso a “Abrir espaço para o inesperado”, Catarina e Selma partilharam o seu compromisso com a construção de um mundo mais inclusivo, a partir do diálogo. “Precisamos de parar de achar que somos donos da razão, e escutarmos mais”, sugere a cantora, autora, compositora e performer, acrescentando que “num tempo em que queremos muito ter um espaço de fala, a escuta ensina-nos muito”. Mas, até que ponto temos a capacidade de cultivar o silêncio num mundo em que o ruído ganha cada vez mais palco? Catarina lembra que há um lugar de autoproteção quando, conscientemente, escolhemos não dizer nada. “O silêncio também te leva à tranquilidade de sentires que não tens que começar uma guerra de cada vez que te sentes injustiçada, ou que te sentes vista com um olhar que não é correto”. Entre o que se cala e se diz, Selma lembra a importância de abrir caminho para novos encontros. “Como é que chego ao outro? Através do amor. E isso tem que ser aquilo que me tira o medo de falar com uma pessoa que votou no Chega, com uma pessoa diferente de mim. Onde há amor não há medo". Talvez more aí, nessa ausência de amor, a explicação para as barreiras que erguemos à nossa volta. “O medo é a raiz de muitos dos nossos problemas. O medo de perdermos poder, de não sermos importantes, de os outros nos virem substituir, de não sermos aquilo que poderíamos ser, por causa dos outros e do sistema que outros criaram, o medo de tudo, e de nós próprios” Aqui enterrados e assim aterrados, como escapar? Selma troca os cultos de personalidade pelo cultivar de comunidades. “Mudo de casa, e a primeira coisa que faço é tocar à campainha [dos vizinhos] e dizer: olá, eu sou a Selma, este é o meu marido, estas são as minhas filhas, se precisarem de alguma coisa, nós estamos cá. Eu vou precisar de vocês”. Na disponibilidade para o outro, percebemos, se calhar, que o património humano que nos liga é muito maior do que as perceções desumanas que nos afastam. “O real problema não são os ciganos ou as pessoas trans, é uma narrativa para nos pôr em guerra, e ver o outro como o nosso inimigo”, nota Catarina, enquanto Selma acrescenta: “Precisamos voltar a esta cena super futurista que é estarmos juntos, uns com os outros”. O Tal Podcast quer continuar a abrir esse espaço, por isso no próximo dia 28 de setembro regressa à Fábrica Braço de Prata, com a gravação ao vivo de um novo episódio. Até lá, pode ouvir aqui a conversa de Georgina Angélica e Paula Cardoso com Catarina Marques Rodrigues e Selma Uamusse.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Humanista da parte de pai e mãe, Joana Gorjão Henriques partilha, neste episódio d’ O Tal Podcast, como o património de valores familiares se tornou um ativo para a vida. “O meu pai tinha uma relação muito próxima com Cabo Verde, porque foi cooperante depois do 25 de Abril. A minha mãe era educadora de infância, e especializou-se em meninos com necessidades especiais”, conta, recordando algumas experiências que a marcaram. O pai, por exemplo, regressou da temporada cabo-verdiana com um novo hábito: “Fazia uma coisa que nunca mais me esqueci, que era parar nas paragens do autocarro a perguntar às pessoas se queriam boleia, porque tinha lugar no carro”. Já a mãe, acrescenta, “fazia trabalho na escola pública”, e tinha o cuidado de mostrar aos filhos “outras vidas”, humanizando-as. Não estranha, por isso, que a jornalista encontre na educação que recebeu as raízes para um compromisso que se tornou central nas suas escolhas: a defesa da Justiça. “Quando alguma coisa não está bem, vou por aí afora para tentar corrigir aquilo que acho que são injustiças”, assinala Joana, distinguida em 2018 com a medalha de ouro comemorativa do 50.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia da República. O reconhecimento profissional – pela publicação de várias reportagens “sobre o tema do racismo e da discriminação” e, em particular, pela série “Racismo à Portuguesa” – tem marcado a trajetória de Joana, que, no entanto, afasta excecionalismos. “Não acho que seja especial, ou que tenha alguma coisa extraordinária, o facto de alguém vir de um meio privilegiado e fazer o tipo de trabalho que faço”. A especialização, revela nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, tornou-se incontornável a partir de dois anos de período sabático, em que foi bolseira da Nieman Foundation for Journalism, na Universidade de Harvard. “Estudar Sociologia nos EUA deu-me uma perspectiva completamente diferente das questões raciais”, nota, explicando que a experiência americana lhe permitiu “olhar para as questões da discriminação de uma maneira estrutural”. No regresso a Portugal, precedido ainda de uma temporada em Inglaterra para estudos em “Sociologia da Raça”, a jornalista sentiu necessidade de perceber melhor a realidade afrodescendente do país. “Especializei-me [na denúncia do racismo] no sentido de começar a reportar ciclicamente e com consistência, um problema da sociedade portuguesa que ficava um bocadinho nos cantos”. O trabalho vai ao encontro de uma velha e longa prática profissional: “Há uma tradição jornalística de denunciar situações de injustiça e discriminação”, lembra Joana, sem esquecer os desafios. “Nós, jornais e media, temos muita responsabilidade em não ter posto bastantes travões [ao discurso de ódio], em alturas que era absolutamente necessário fazê-lo” Aqui chegados, como recuperar? A convidada desta semana de Georgina Angélica e Paula Cardoso parte do próprio compromisso. “Ao contrário das pessoas que sofrem discriminação, eu posso dizer ‘já não me apetece mais falar sobre isto’. Isso é um privilégio. Acho que o sentido de responsabilidade me faz continuar a andar”.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Filho de Luís Cabral, primeiro Presidente da República da Guiné-Bissau, e sobrinho de Amílcar Cabral, o histórico líder do PAIGC, Fernando Cabral encontrou nas raízes musicais da Jamaica um lugar de autodeterminação. “Quando as pessoas perguntam porque é que tens uma ligação forte com o reggae, eu digo: porque é uma música revolucionária, e eu tenho sangue revolucionário”. Desde os 25 anos profissionalmente lançado na indústria musical, Fernando percebeu, a partir de um estágio na VP Recordas, apontada como a maior editora mundial de reggae, que poderia fazer carreira entre sonoridades jamaicanas. A experiência, vivida em Nova Iorque, foi acompanhada de uma rotina especial: “Ia para Jamaica todos os dias”, recorda o programador musical e produtor de eventos, situando a conversa na estação de metro de Jamaica, em Queens, sede da editora. “Eu estava num armazém com os discos todos, com vedetas de reggae a entrar lá todos os dias. Foi o início de tudo para mim”. O circuito de espetáculos, festas “e tudo à grande” teve como reverso da medalha uma cambalhota de excessos, interrompida com a chegada da pandemia. “O Covid foi a minha salvação, porque parou o meu trabalho”, conta Fernando, assumindo, sem tabus, todas as escolhas: “Não tenho problemas em dizer: tive problemas de adição, e fiz um tratamento”. A mudança aconteceu aos 44 anos, marcados por várias lições. “Gostava de ter entrado em sobriedade mais cedo, mas aprendi muito e tive uma vida espetacular. Agora é olhar para a frente”. Pai de Marley e de Makeda, nomes escolhidos como homenagens ao ícone do reggae e à rainha de Sabá, Fernando sublinha a importância de honrar a herança Cabralista . “O legado que tenho na minha vida é de que não há impossíveis. Tudo o que eu quero, vou atrás”. Depois de lançar, com um amigo, a marca de roupa VIP – Very Important Preto, o programador musical quer expandir a ideia a um projeto de intervenção social, e de libertação das mentes. “O povo africano e o povo negro levou com tantos anos de ‘não prestas, és abaixo de nós’ que, de alguma forma, isso entrou na cabeça das pessoas”. Empenhado em transformar essa realidade, Fernando quer lançar um programa de formação de jovens, que abra novos caminhos de afirmação e valorização da negritude, já inaugurados com as t-shirts, hoodies e bonés da sua marca. “Raramente o preto é muito importante. O patinho feio é preto, o gato que dá azar é preto, tudo que é preto é mau. Então, pensei: por que não fazer uma cena que exaltasse [o preto]?”. A resposta veste-se com um apelo original, sem nunca despir ninguém. “A minha marca chama-se Very Important Preto. Podia ser Very Important Branco, Very Important Chinês, Very Important qualquer um. Todos somos pessoas incríveis e muito importantes”. Ouça esta conversa no episódio desta semana d’ O Tal Podcast, conduzido por Georgina Angélica e Paula Cardoso.See omnystudio.com/listener for privacy information.
A dança, aprimorada no Balé Folclórico da Bahia, carimbou-lhe o passaporte para vários países, mas é entre o Brasil de nascimento e a África de múltiplos pertencimentos que encontra o seu palco principal, hoje construído entre o movimento e a música. Nascida na Bahia, Nara Couto tornou-se conhecida como bailarina e backing vocal de artistas como Gilberto Gil, Margareth Menezes, Ivete Sangalo e Daniela Mercury, antes de, em 2017, soltar a voz em nome próprio. A estreia aconteceu com o lançamento do single “Linda e Preta”, elevado, no Brasil, a hino de celebração da beleza feminina negra. “Sempre me senti bonita”, aponta a artista nesta conversa, reconhecendo, contudo, que, enquanto crescia, não era isso que o mundo espelhava. “A estética apresentada é sempre branca, como um modelo único”, sublinha, cada vez mais consciente da importância de quebrar padrões universais. “O entendimento da beleza negra é uma construção que vamos fazendo, desconstruindo a história que foi contada”. Nesse processo de reconstrução, o tema “Retinta”, que dá nome ao seu primeiro álbum, de 2022, apresenta-se como uma exaltação não apenas da beleza, mas da própria existência. “No Brasil estamos sempre em busca de voltar para casa, mesmo quando não sabemos que casa é essa”, aponta, sem nunca perder de vista as ligações africanas, aprofundadas com o projeto musical “Outras Áfricas”, e também com o candomblé. Iniciada nessa religião de matriz africana há nove anos, Nara vê na sua prática uma forma de preservar uma cultura que se estabeleceu no Brasil, a partir da “junção de povos e etnias” que chegaram ao país escravizados. “Mudou a minha vida”, assume sem hesitar, e já a planear a próxima etapa. “Estou a estudar para ser sacerdotisa, e no momento auspicioso assumirei esse posto”. Até lá, vive a arte e a música como um “sacerdócio”, em que reverencia quem veio antes. “Sempre canto composições de artistas por quem eu tenho uma grande admiração”, nota, incluindo Sara Tavares na galeria das suas referências. “Estar em Portugal mexe muito comigo, lembrar que ela não está mais entre nós fisicamente, e não vamos ouvir novas composições é difícil”, admite Nara, que, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, revela que as perdas da pandemia não ficaram para trás. “Talvez nunca me recupere, porque, por mais espiritualizados que nós sejamos, somos humanos. É difícil quando alguém muito próximo parte”. O processo, partilha a artista, constrói-se com Amor, que descreve como um “ato revolucionário”. Ouça o episódio completo aqui.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Ainda miúda, Solange Salvaterra Pinto “tomava conta da hora de almoço” da família com as novidades que encontrava nas publicações do Centro Cultural Português de São Tomé e Príncipe, país onde nasceu e cresceu. “Lia revistas de fofocas, livros, jornais”, conta a ativista social, recuando à origem de uma alcunha de boa memória: “France Presse”. Foi desta forma que o pai a apelidou, a partir de um hábito que o próprio ia estimulando, com uma simples pergunta: “Então, o que é que há hoje?”. Havia sempre muita coisa, porque, antes como agora, a são-tomense gosta de estar informada sobre o que vai acontecendo no mundo. Mais do que isso, Solange faz questão de partilhar conhecimento. Na pandemia, por exemplo, tornou-se uma voz ativa na sensibilização da comunidade são-tomense para a prevenção e tratamento da covid-19. Também nessa época, criou o podcast “Perguntas Incómodas”, no qual conduzia conversas sobre temas da atualidade, sem nunca perder de vista o propósito social. “A comunicação permite defender as pessoas, porque quando estás a dar voz, pões a pessoa em casa a ouvir e dizer: ‘Olha, nunca tinha pensado nessa perspectiva”. Herdeira de uma linhagem de combatentes pela Independência de São Tomé e Príncipe, há muito que Solange se faz ouvir como ativista social. “Se os meus avós, na altura do colono, não se vergaram, hoje eu não vou reclamar? Eu trabalho, voto, faço os meus descontos, sou uma cidadã exemplar. Tenho que reclamar, mas reclamar com soluções”. Dona do seu lugar, a também empreendedora explica, neste episódio, como a atitude confiante e a consciência dos seus direitos têm sido fundamentais para lidar com a doença crónica do filho, “desde os dois anos habituado a tomar morfina”. Hoje maior de idade, Maysha é “vida” e aprendizagem aos olhos da mãe. “Quando tens pessoas [no hospital] que estão com o teu filho durante 18 anos, a tratar, a dar carinho, tens a obrigação de pensar nos outros”. O compromisso coletivo, hoje vivido no ativismo, dirige-se, no futuro, para a Presidência da República de São Tomé e Príncipe, ambição política assumida sem hesitações, e já com o primeiro discurso presidencial esboçado. Para ouvir nesta conversa, com Georgina Angélica e Paula Cardoso.See omnystudio.com/listener for privacy information.
Junho começou com a comemoração do Dia da Criança e, n’ O Tal Podcast, a data foi assinalada na companhia do estudante Francisco Borges, que, depois das aulas, ainda teve energia para conversar sobre direitos e deveres. “Um direito seria, na escola, os professores também deixarem-nos ter ideias”, sugere, explicando que as disciplinas acabam por se tornar um bocado chatas, quando os alunos não têm a oportunidade de participar. Mas, atenção: “algumas matérias não têm cura”, avisa Francisco, rápido em identificar o que há de melhor em ser criança. Por um lado, “fazer anos”, diz; por outro, “o desvio às responsabilidades”. A caminho dos 13 anos, que celebra em setembro, o convidado deste episódio gosta de festejar o aniversário, mas faz questão de dizer que não tem pressa para chegar à idade adulta. “Acho que ainda tenho um bom tempo para pensar naquilo que quero ser quando for mais crescido”. Para já, especializa-se como “devorador de livros”, assinatura que criou nas redes socias, com a ajuda da mãe, a partir de uma das suas grandes paixões: a leitura. Habituado, desde bebé, a ouvir histórias, tornou-se um leitor tão voraz que já perdeu a conta ao número de livros que leu este ano. Mas tem, na ponta da língua, o último recorde. “Costumo ler 10 livros por semana, só que como parti o pé, comecei a ler quase 10 por dia”, conta. Ainda a recuperar dessa fratura, que aconteceu enquanto jogava à bola no recreio da escola, Francisco conta, neste episódio, como tem sido chato ficar quieto, mesmo com tantas histórias para “devorar”. Percebe-se porquê, quando ficamos a conhecer as suas atividades extracurriculares: além de jogar futebol, treina kickboxing, faz natação, arranja tempo para umas partidas de xadrez, e ainda participa em conferências. Sempre com a mãe do lado, e sem telemóvel. “Acabo sempre por me divertir”, conta, desejoso de voltar à rotina desportiva. Até lá, continua a partilhar nas redes sociais outras aventuras do dia-a-dia, que, volta e meia, incluem idas ao tribunal, ou não fosse a mãe advogada. “Na minha página no Facebook e Instagram, partilho as minhas atividades, e também o meu gosto pela leitura”. Nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, Francisco deixa ainda uma mensagem para as crianças – “leiam mais livros” – e uma receita para sociedades melhores: “O mundo precisa de mais paciência”.See omnystudio.com/listener for privacy information.
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