O Tal Podcast

<p>Um espaço onde cabem todas as vidas, emocionalmente ligadas por experiências de provação e histórias de humanização. Para percorrer sem guião, com autoria de Georgina Angélica e Paula Cardoso.</p>

Ana Paula Tavares: “Comecei a seduzir pela palavra. Era eu que fazia as redações dos colegas. Era uma forma de exercer poder”

Hoje celebramos a vida e a obra de Ana Paula Tavares, que neste 30 de Outubro festeja o 73º aniversário, depois de no passado dia 8 ter sido aclamada vencedora da 37.ª edição do prestigiado Prémio Camões. O reconhecimento literário da poeta e historiadora dá o mote para esta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, iniciada com uma proposta de releitura da obra “Ritos de Passagem”. Quatro décadas depois da publicação, que marcou a sua estreia editorial, será que Ana Paula Tavares encontra novos significados nas palavras que escreveu lá atrás?  “Ultimamente, não só por causa do prémio e das entrevistas que provoca, senti muita necessidade de voltar aos princípios, a uma linguagem que escolhi, e que tinha, digamos, alguns frutos do bioma angolano, das coisas que são angolanas, e das coisas que chegaram ao país, entre os muitos trânsitos, e os milhares de migrantes que foram fazendo aquela entidade histórica, social, psicológica e linguística que é a Angola dos nossos dias”. Nesse exercício de regresso ao início, a poeta nota que ainda há muito “por nomear, por tratar poeticamente”, observação que pede “um novo ciclo de frutos, para ser outra vez transformado em objeto do poema”. Talvez resulte daí uma revisita aos “Ritos de Passagem”, antecipa Ana Paula, que neste episódio d’ O Tal Podcast partilha outros revisitares da sua história, por muitos ainda desconhecida. “É muito engraçada a cara de espanto com que as minha vizinhas agora me olham. Dizem: vi uma pessoa tão parecida consigo na televisão. E eu não desfaço este pequeno equívoco. De resto, a vida continua normal”, garante, recuando aos tempos de mobilização anticolonial. “Por volta dos 18, 19 anos, sou surpreendida com a grande tarefa de tentar fazer alguma coisa por Angola. Não digo que logo nessa altura tivesse consciência de me inscrever na luta armada, ou tomasse posições políticas fortes, mas, sobretudo a partir da orientação de pessoas mais velhas, houve maneira de tentar participar e sobretudo alfabetizar adultos” O compromisso para a libertação nacional sucedeu a uma rutura com a igreja – “aí por volta dos 16, 17 anos” –, experiência que a poeta recorda pela ligação ao campismo missionário, projeto “absolutamente colonial”, inserido “dentro daquelas normas de evangelizar os indígenas”. “Éramos um grupo de meninas, e íamos para o campo, com senhoras mais velhas, ensinar as mulheres, por exemplo, a dar banho aos bebés, a vesti-los, a fazer pequenas coisinhas como se não tivessem um ensinamento de séculos de como tratar dos seus filhos”, descreve a convidada de Georgina Angélica e Paula Cardoso, realçando a aprendizagem. “Forçou-me a olhar o outro, com outro olhar. Foi aí que comecei a interrogar: afinal, de que lado estou?” Além dos questionamentos individuais e das interpelações coletivas, Ana Paula Tavares percorre, neste episódio, leituras mais e menos proibidas; revela uma profunda conexão à filha e ao neto; surpreende pela veia musical; conta como fez da palavra instrumento de poder, e partilha uma ‘encomenda familiar’ que continua por desembrulhar.  “A minha avó Felicidade disse-me muitas vezes: foste a primeira pessoa da família que estudou, portanto tens a obrigação de contar a minha história, a da outra tua avó, a da tua mãe e a tua. E até te vou dar um título: “As Filhas da Pouca Sorte”. Nunca fui capaz de escrever”. Saiba porquê, ouvindo o episódio completo aqui.See omnystudio.com/listener for privacy information.

10-30
56:10

Miguel Cardoso: “Se pusermos de lado o compromisso com o antirracismo, o que antes eram fantasmas e agora são pessoas, vai ganhar mais força”

De um lado estavam os que torciam pelo Benfica e, por isso, queriam batizá-lo de Eusébio, figura ímpar na história dos encarnados e do futebol nacional. Do outro, aqueles que preferiam o Sporting, e insistiam em chamar-lhe Jordão, à letra de um ilustre leonino, também celebrizado na seleção das quinas. Quando este empate entre rivais de Lisboa parecia impossível de desfazer, o Brasil entrou em campo e resolveu. “Alguém sugeriu: ele tem o cabelinho parecido com o Pelé. Fica Pelé”. Nascia assim, entre jogadas de futebol de rua, a alcunha que acompanha a identidade de Miguel Cardoso desde os 10 anos. Hoje com 39, é fora das quatro linhas, numa frente de intervenção antirracista, que o convidado desta semana d’ O Tal Podcast deixa a sua assinatura. Diretor executivo da Black Europeans, iniciativa que no passado mês de setembro esteve sob ataque, na mira de uma campanha de desinformação, Miguel explica, nesta conversa, a importância do combate ao racismo. “Se pusermos de lado o compromisso com o antirracismo, o que antes eram fantasmas e agora são pessoas, vai ganhar mais força”, avisa, determinado em salvaguardar o futuro das próximas gerações. “A única forma de toda a gente ter uma vida melhor é cada um de nós dar um contributo significativo a esta luta antirracista”. O compromisso, sublinha Pelé, reforça-se a partir da paternidade: “Encontro esperança no meu filho. Olho para ele e vejo a força de querer continuar e construir uma sociedade melhor”. A inspiração para a mudança ativa-se não apenas a partir dos cuidados parentais, mas também de um cúmulo de microagressões. “Quando nasces num país, vais engolindo a história, a cultura, e foi nesse sentido que aprendi a amar Portugal. Mas o país demonstra que não gosta de mim, seja através de pessoas individuais, seja através de entidades públicas”. Um dos exemplos desse amor não correspondido está bem presente nas memórias de Miguel, que, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, recorda como foi arredado da possibilidade de arrendar um apartamento. “Falei ao telefone com o proprietário da casa, ele não percebeu a minha cor. Quando apareci, basicamente tinha uma pessoa a dizer: não lhe vou arrendar por causa da sua cor de pele”. A experiência está longe de ser um caso isolado, nota Pelé, que explica como encontrou no choro um meio de libertação.  “Percebi que tinha que chorar, porque não podia descarregar esta raiva sobre ninguém, não podia pegar na minha vivência e culpabilizar alguém. A sociedade foi estruturada desta forma, e tenho de aprender a lidar com o racismo”. Apesar dos sucessivos embates raciais, o gestor imobiliário garante que não guarda ressentimentos. “Não tenho nenhum rancor, nem ódio em relação ao país, mas eu não amo Portugal”, conta, insistindo na importância da reciprocidade. “Vibrava com a seleção nacional. Até dizia: sei o hino de Portugal, mas não o de Cabo Verde. Mas aprendi que esse amor não era recíproco” Noutras lições de vida, o convidado de Georgina Angélica e Paula Cardoso destaca os ensinamentos da ausência paterna. “Culpava a minha mãe por não ter um pai presente. Depois percebi, que ele não quis estar na minha vida. E comecei a questionar-me: porquê que não quis saber de mim?”. Ouça aqui este episódio d’ O Tal Podcast.See omnystudio.com/listener for privacy information.

10-23
59:09

Ana Markl: “A menopausa traz uma grande libertação. Não estava a contar, mas devo dizer que é um conhecimento sobre mim que me faz sentir mais jovem”

A idade que temos coincide com aquela que sentimos ter? Envelhecer retira prazer sexual? Porque é que homens e mulheres andam tão zangados uns com os outros? O feminismo está sob ataque, enquanto as masculinidades tóxicas progridem? Neste episódio d’ O Tal Podcast - gravado ao vivo, na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, e com o tema “Reescrever o Tempo”- Georgina Angélica e Paula Cardoso conversam com Ana Markl e Tânia Graça sobre o impacto da passagem dos anos, no corpo e na mente, e os progressos e retrocessos que nos acompanham neste tempo de ‘algoritmização’ acelerada. “A quantidade de informação é tão ansiogénica que nos paralisa”, nota Ana, alertando para a inércia coletiva que se observa diante de tragédias, como a da Palestina.  “Noutros períodos da história, as pessoas não sabiam o que se estava a passar e deixaram que acontecesse. Acreditavam na propaganda, nas narrativas. Neste momento não há desculpa”. Outro sinal da época em que vivemos evidencia-se nas masculinidades tóxicas, e o regresso a velhos e opressores papéis de género. “Como os valores do feminismo nunca se concretizaram por inteiro, estamos sempre a voltar para trás. E a falar do que falávamos nos anos 60”, assinala Tânia, perentória no diagnóstico. “Progresso mais forte traz contramovimento mais forte. Acho que tem sido isso que temos visto acontecer, não só em Portugal como no mundo, em que movimentos conservadores e políticos crescem, alimentam preconceitos horríveis”. Entre o que observamos à volta, e o que observamos em nós, que histórias estaremos a escrever e até a reescrever? “A menopausa traz uma grande libertação – sobretudo numa idade em que ainda estou bastante válida – em perceberes que já não estás a competir no mesmo campeonato a que a sociedade te obriga durante muito tempo, que é o de ser gira, desejável e fresca”, defende Ana. Preparada para dar a volta aos revezes do tempo a autora conta que, no verão passado, celebrou com um bolo a nova fase da sua vida adulta. “Não estava a contar, mas devo dizer que é um conhecimento sobre mim mesma que me faz sentir mais jovem”, revela, apaziguada com o que ficou para trás.          “O envelhecer enquanto estigma não me apoquenta. Angustia-me o receio de não ter saúde, até porque fui mãe aos 40, e quero desfrutar do meu filho”. Já Tânia Graça, lembra que muitas vezes o espelho devolve-nos a idade, a partir das pessoas que estão à nossa volta. “Vou vendo a minha mãe, que tem 71 anos, está ótima e com muita saúde, mas há esse confronto com a passagem do tempo”. Da mesma forma, a psicóloga e sexóloga, partilha a perplexidade de ver o sobrinho mais velho, de 17 anos, a avançar para a conclusão do ensino secundário. “Às vezes sinto uma certa crise existencial: tenho 33 anos, que coisas ainda me falta fazer? Será que tenho tempo para fazê-las? Às vezes isso dá-me uma sensação, que não é real, de que tenho pouco tempo”. A caminho de mais um aniversário, Tânia aponta um dos questionamentos que a idade lhe trouxe. “Tenho o cabelo super branco, e pintar ou não pintar é um debate interno. Porque os meus valores dizem: não tenho que pintar, não tenho que esconder o meu envelhecimento, mas é facto que tenho pintado”. A escolha, sublinha a psicóloga, evidencia o poder dos condicionamentos a que todas as pessoas estão sujeitas.“Aqui ninguém é alecrim dourado que nasce do campo sem ser semeado. Estamos todos em desconstrução”. Ouça aqui esta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, pontuada de gargalhadas e reflexões. See omnystudio.com/listener for privacy information.

10-16
01:29:41

Inocência Mata: “Tem de haver políticas linguísticas em África que promovam as línguas, mas não apenas como línguas folclóricas. Temos de transformá-las em línguas úteis, para se discutir, falar, conversar”

Na infância e na adolescência, vividas em São Tomé e Príncipe, Inocência Mata idealizava Portugal à letra e à imagem do que os manuais escolares, ainda oficialmente coloniais, projetavam. “As representações são muito importantes, porque configuram o imaginário. Eu imaginava que Lisboa era o paraíso, que não havia sujidade”, diz a convidada desta semana d’ O Tal Podcast, encontrando semelhanças entre o desencanto que sentiu em relação à velha metrópole, e aquele que vem descrito na obra “O Retorno”, de Dulce Maria Cardoso. “É a história de um menino branco, Rui, que vem a Portugal pela primeira vez, depois do 25 de Abril, e que, ao sair do aeroporto, diz: Luanda é muito mais bonita, não é?”. Entre as páginas do multipremiado romance, e os capítulos da própria vida, Inocência relata uma desilusão que durante anos não conseguiu verbalizar. “Tive uma deceção quando, aos 18 anos, conheci o Rio Tejo, porque, como maior rio da Península Ibérica, achava que tinha de ser maior que o Kwanza”. Hoje especialista em Literaturas Africanas e pós-doutorada em Estudos Pós-coloniais, a professora reconhece nessas e noutras experiências a força engenhosa das narrativas, subtilmente enraizadas nas palavras que usamos. “A linguagem é ideológica, não é inocente”, sublinha, defendendo a necessidade de adequarmos o vocabulário, nomeadamente em relação a grupos historicamente marginalizados, como são os povos Romani e as comunidades negras. “Sim, eu policio-me. Há coisas que dizia e já não digo”. Da mesma forma que procura retirar velhas construções racistas e xenófobas da sua linguagem, a também ensaísta e investigadora alerta para novas ‘armadilhas’. “A palavra racializado é, para mim, a mesma coisa que pessoas de cor. É dizer que os brancos não têm cor, que não têm raça”, aponta, demarcando-se da disseminação do termo. “Estamos a partir do princípio de que a cor branca é a bissetriz. Eu não utilizo esta expressão. Digo não-brancos porque é disso que se trata”. O sentido crítico, tantas vezes expresso em contracorrente, vem de longe, e corre nas veias. “Tenho um problema em aceitar sem concordar”, adianta, recordando que, desde cedo, “estava sempre a argumentar, a contra-argumentar e a defender os outros”. A personalidade interventiva, que o pai chegou a predestinar como vocação para estudar Direito, acabou por ser decisiva para se afirmar profissionalmente. “Quando acabei o curso, em 86, disseram-me que não tinha condições para concorrer para dar aulas porque não tinha nacionalidade portuguesa. O meu advogado impugnou a decisão, e eu ganhei”, conta, por estes dias enredada numa nova ação judicial. “As pessoas estão habituadas a que ninguém conteste”, observa, ainda incrédula com o desfecho de uma avaliação, em que a sua carreira é reduzida à publicação de “um só livro, relativamente curto”. Doutora em Letras pela Universidade de Lisboa, a convidada de Georgina Angélica e Paula Cardoso revela como essa nova tentativa de descredibilização fez transbordar um já farto copo de agressões racistas. “O ano passado estive em completo burnout, com baixa médica e tudo. Nunca me tinha acontecido. Estou cansada. O racismo cansa, adoece e mata”. Ouça o episódio completo aqui.See omnystudio.com/listener for privacy information.

10-09
01:00:47

Israel Campos: “Termos a possibilidade de chegar a certos lugares também é consequência direta dos nossos privilégios”

Batizado à letra do nome de um dos estados que, nos últimos tempos, mais tem mobilizado protestos a nível global, o convidado deste episódio d’ O Tal Podcast, começa por partilhar o peso que cabe na sua identificação. “Não tem sido fácil carregar o nome Israel. Em Inglaterra, já me cancelaram viagens de Uber. Entrei no carro, e disseram: não te vamos levar por causa do nome. O clima é de tensão alta”, conta, amenizando, contudo, o “mal menor” que lhe coube em sorte. “Somos privilegiados, estamos numa parte do mundo em que podemos acordar, fazer a nossa vida, ir ao parque, trabalhar, brincar com os nossos. Mas o que devia ser tão comum e universal, não é”. Desde a infância atento ao que acontece ao seu redor, Israel Campos recorda, nesta conversa, como o ambiente familiar o preparou para ler, questionar e escrever sobre a atualidade. “Cresci em Luanda, ao lado de muitos ‘mais velhos’, no seio de jornalistas, a ouvir conversas sobre o estado do país e a política”. Filho de Graça Campos, referência incontornável do jornalismo em Angola, o convidado desta semana de Georgina Angélica e Paula Cardoso reflete sobre o acesso precoce a um manancial de conhecimentos. “Em casa já havia uma biblioteca, que era do meu pai e, portanto, sempre fui muito incentivado a ler. No contexto angolano é um grande privilégio”. Hoje com 25 anos, e várias distinções e prémios jornalísticos, académicos e literários, Israel faz questão de transformar as oportunidades e aprendizagens em vias de construção coletiva, talento que levou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a convidá-lo a integrar um grupo de jovens que reflete sobre o futuro de Portugal. “A noção de serviço público passou a ser um grande elemento na minha vida profissional e pessoal”, sublinha, recuando à experiência precoce como locutor de rádio, entretanto amadurecida na universidade e numa carreira em jornalismo. Tudo começou aos 12 anos, revela o também escritor, de volta ao momento que lhe abriu as portas da Rádio Nacional de Angola (RNA). “Fui convidado para ir ao programa infantil Kaluanda Pió, falar do meu interesse pela escrita e pintura. O produtor gostou muito da minha desenvoltura e convidou-me para ir voltando”. O primeiro contrato não tardou – “Tive que ir com a minha mãe assinar, porque era menor de idade” –, e marca um antes e depois nesta história. “A experiência na rádio foi muito importante para a minha formação pessoal e profissional”, nota Israel, que, a partir do rigor dos horários – “eram programas em direto, e em direto não há atrasos” –, aguçou o sentido de responsabilidade e compromisso cívico. “Hoje trabalho mais como freelancer, e estou mais dedicado a questões académicas, mas o serviço público continua a pautar a minha atuação: penso em que medida posso utilizar o privilégio que tenho, para servir de alguma maneira”. Entretanto desvinculado da RNA, na sequência de um episódio de censura, Israel Campos comenta, neste episódio, o estado do jornalismo e da política em Angola, inspirações para a tese de doutoramento que ganha forma a partir de Inglaterra. Muito mais do que um destino de estudos superiores, uma espécie de refundação de identidade. Saiba de que forma, na conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso. Para ouvir aqui.See omnystudio.com/listener for privacy information.

10-02
01:02:03

Vânia Andrade: “Ser vegana trouxe-me muitas coisas. É um descanso. Sinto que o meu corpo está menos propício a ficar doente”

De microfone na mão, aos pés da escadaria da Assembleia da República, Vânia Andrade projetou a voz em defesa dos direitos das trabalhadoras da limpeza. O repto, lançado a 25 de fevereiro de 2023, marcou a primeira manifestação do movimento Vida Justa, e colocou no centro das atenções reivindicações habitualmente classificadas de periféricas. “Já me disseram: tu foste das primeiras mulheres a assumir, com a idade que tens, que trabalhavas nas limpezas”, conta Vânia, neste episódio de O Tal Podcast. Mais de dois anos depois dessa intervenção diante do Parlamento, a poetisa e performer sublinha a importância dos modelos de referência para a definição das nossas escolhas. “Acredito muito que tudo o que vamos fazer tem muito a ver com quem está à nossa volta. Há propósitos que seguimos quando somos impulsionados”. Da mesma forma que hoje outras mulheres olham para ela como uma inspiração, Vânia encontra sustentação nas suas raízes femininas. “As mulheres que me criaram dizem-me que sou inteligente, em silêncio, e isso é maravilhoso. São as que mais acreditam em mim”. Nascida em Portugal, com ascendência cabo-verdiana, ‘Puma’, como também é conhecida, expande a força construída no seio familiar a teias de transformação coletiva, onde se inclui o grupo “Mulheres Negras Escurecidas”. “Surge muito da minha vontade de estar e partilhar coisas com outras mulheres”, explica a ativista antirracista, destacando a necessidade de se proteger de espaços de opressão. “Tenho feito questão de estar em lugares onde sou acolhida, onde não sou vista como agressiva, como aquela que fala muito alto, que não quer ter amigos, que é muito antipática”. O autocuidado estende-se à intervenção no espaço público, que, cada vez mais, Vânia procura harmonizar com o descanso. “Aprendi a não me sentir mal quando não posso estar”. A busca de equilíbrio ganha novas urgências com a proximidade dos 40 anos. “Há um medo que aparece. Há várias coisas que ainda não estão feitas, que tens que fazer, e outras que não querias ter feito. Então, é um trajeto que começa a trazer algumas dúvidas e medos que, por vezes, começam a ser mais salientes. Tenho sentido isso”. Mais do que refletir sobre direções de vida, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, que pode escutar aqui, Vânia Andrade pondera o efeito das escolhas que fazemos, nomeadamente alimentares. “Ser vegana trouxe-me muitas coisas. É um descanso. Sinto que o meu corpo está menos propício a ficar doente, que estou mais calma desde que deixei de comer carne”.See omnystudio.com/listener for privacy information.

09-25
55:35

REWIND: Elisabete Moreira de Sá

Que histórias contamos a nós próprios? Como nos vemos, a partir dos lugares de onde vimos? Na Quinta da Princesa, um dos bairros mal-afamados do concelho do Seixal, ⁠Elisabete Moreira de Sá ⁠começou por encolher perspetivas, encerrada numa vida de impossibilidades, até começar a alargar o olhar. Foi então que ‘saiu da ilha’ para ganhar o mundo, viagem que lhe tem permitido SER, independentemente do que possa parecer. https://www.otalpodcast.com/p/elisabete-moreira-de-saSee omnystudio.com/listener for privacy information.

09-23
01:28

Saliu Djau: “Tendo nascido e crescido na Guiné, vivi muito a cultura comunitária, de entreajuda e ligação com outras pessoas”

Facilita encontros entre cidadãos e deputados à Assembleia da República, nos bastidores do Festival Política. Com o mesmo à-vontade, protagoniza campanhas publicitárias, vestindo a pele de modelo ocasional. Ao mesmo tempo, soma ligações a várias iniciativas de impacto social, compromisso cívico iniciado na Guiné-Bissau, onde nasceu e cresceu até à mudança para Portugal, já vivida na maioridade. Hoje com 30 anos, Saliu Djau percorre, neste episódio d’ O Tal Podcast, o tanto que já fez e faz, caminho academicamente demarcado por uma licenciatura em Relações Internacionais. “Nasci já muito velho, com os joelhos a doer”, brinca, situando na adolescência as primeiras experiências de cidadania ativa. “Em Bissau, na escola, criámos uma associação para jovens, fazíamos atividades culturais, organizávamos conferências e palestras, e tentávamos criar dinâmicas sociais e de partilha de conhecimento.  Queríamos só fazer coisas e conviver com amigos, mas desenvolvemos interesses, e acabámos por evoluir como pessoas”. Muitos projetos de associativismo depois, onde sobressai a ligação ao Festival Política, Djau encontra no chão de partida as raízes que sustentam a sua busca por justiça social. “Somos fortemente influenciados pelo nosso espaço e circunstância. Somos o resultado do nosso tempo e do nosso espaço. Tendo nascido e crescido na Guiné, vivi muito a cultura comunitária, de entreajuda e de ligação com outras pessoas”. Atualmente ao serviço da Fundação Calouste Gulbenkian, Djau trabalha como gestor de projetos, especializando-se, entre outros domínios, na promoção de literacia mediática, via necessária de combate à desinformação. Antes disso, ajudou a lançar, dentro de uma instituição financeira, um grupo promotor da diversidade e inclusão, iniciativa que traz para a conversa o desaproveitamento do alcance da responsabilidade social. “Ainda é uma coisa muito frágil em Portugal”. Consciente das inúmeras desigualdades que comprometem a coesão social, e atento aos desafios que ameaçam a dignidade humana, Djau estende a sua intervenção às escolas. “Volto sempre muito feliz. Os miúdos, que nunca viram um ‘rasta man’ a dar aulas, ficam super contentes e curiosos”, assinala, reconhecendo o poder transformador da representatividade. “Quando dizia ‘eu trabalho num banco’, ficavam: ‘uau, a sério’? Porque provavelmente nunca viram uma pessoa parecida comigo a trabalhar num banco. Acho que isso acabou por ser uma referência”, nota o gestor de projetos, despido de heroicidades. “Há sempre retorno nas coisas que fazemos. O altruísmo nunca é 100% puro”, diz nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, que pode seguir aqui.See omnystudio.com/listener for privacy information.

09-18
55:32

REWIND: Lura

Na vida de Lura, há um antes e depois da maternidade, que transporta força revolucionária. Mãe da pequena Nina, a cantora partilha, neste episódio, as maravilhas e os desafios dessa viagem, iniciada de forma profundamente consciente. “A minha filha é a prioridade, e depois organizo a vida em função dela”, conta, acrescentando que, por mais contraditório que possa parecer, essa é uma vivência que lhe trouxe mais liberdade.De que forma? Lura explica, numa conversa recheada de memórias, desfiadas com múltiplos significados.https://www.otalpodcast.com/p/luraSee omnystudio.com/listener for privacy information.

09-16
02:52

Carla Adão: “A maternidade traz-nos grandes inseguranças. Se calhar, até as sinto mais agora do que quando os meus filhos eram pequenos, porque eles estão crescidos, quase emancipados, e eu questiono: ‘Será que fiz tudo certo?’”

Subdiretora da RTP África, Carla Adão está no canal desde o arranque. Quase trinta anos depois, a jornalista destaca, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, as pontes que o projeto permitiu construir entre os países africanos de língua portuguesa, contributo que, defende, importa preservar, mas também reavaliar. “Quando a RTP África surgiu, os nossos países tinham meios de comunicação ainda muito incipientes, sobretudo a televisão. De repente, começámos a ligar, a fazer chegar as notícias de uns sítios aos outros. Agora já não tem esse peso, porque o mundo está de outra maneira”. Neste novo contexto, qual poderá e deverá ser o papel do projeto televisivo? “Devíamos, na comunidade afrodescendente, olhar mais para a RTP África como uma montra, difundir as imagens das pessoas que lá vão e que falam nos nossos programas, sobre todos os assuntos, nomeadamente política”, assinala, reconhecendo a importância de se diversificar o naipe de presenças na esfera mediática. “Como é que acabámos de ter umas eleições em Portugal e não há nenhum comentador negro, quando uma das questões que esteve em cima da mesa foi a imigração? As televisões continuam sem ter esse espaço, que eu acho que a RTP África tem e deve abrir ainda mais”. Neste episódio d’ O Tal Podcast, Carla Adão revela como a sua trajetória profissional a ajudou a perceber o impacto dessa pluralidade. “Quando chego a subdiretora da RTP África, começo a ver as reações [da comunidade afrodescendente], a alegria de muitas pessoas por eu estar nesse cargo, porque sentiam: é uma de nós, alguém que nos representa. Veio por aí o reconhecimento, e o meu autorreconhecimento”. Até esse momento, a jornalista conta que estava apenas a seguir o seu percurso, dentro de uma linha normal de progressão, sem consciência do significado coletivo das suas conquistas. Agora com uma nova consciência, a subdiretora da RTP África assume o compromisso de continuar a desbravar caminhos. “Tenho sonhado em dar e criar espaço para outras pessoas, em dar voz a histórias e pessoas que ainda não têm voz, em dar a conhecer histórias que estão esquecidas”, aponta, cumprindo os planos que a acompanham desde a infância. “Aos 9 anos disse à minha mãe que ia ser jornalista. E por volta dos 11, 12 anos, comecei a fazer um jornal no meu prédio, com uma máquina de escrever. Fazia inclusive os tracejados das palavras cruzadas que via noutros jornais”. A vocação, precocemente identificada, permitiu recuperar ligações africanas quebradas na infância com a saída de Angola para Portugal. “Quando fui à Guiné pela primeira vez, senti o chão, senti: ‘estou em casa’. Criei uma relação muito próxima com o país”. Esta é uma das experiências revisitadas neste episódio, onde Carla Adão partilha o reencontro emocionante com uma irmã perdida durante a guerra em Angola, bem como os desafios de ser mãe. “A maternidade traz-nos grandes inseguranças. Se calhar, até as sinto mais agora do que quando os meus filhos eram pequenos, porque eles estão crescidos, quase emancipados, e eu questiono: ‘Será que fiz tudo certo?’” Ouça aqui a conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso.See omnystudio.com/listener for privacy information.

09-11
47:13

REWIND: Victor Hugo Mendes

Pai de três, Victor Hugo Mendes (VHM) poderia muito bem fechar as contas da sua paternidade numa dezena de descendentes. Escrito de outro modo: gostaria de ter 10 filhos. O número impressiona, em especial numa Europa com algumas das mais baixas taxas de fertilidade do mundo, porém VHM não se deixa intimidar, assumindo valores ancestrais africanos na relação com a ascendência e descendência. https://www.otalpodcast.com/p/victor-hugo-mendesSee omnystudio.com/listener for privacy information.

09-09
01:24

Blessing Lumueno: “O grande marco é José Mourinho. Os treinadores desenvolveram-se muito a partir daí. O problema é que depois a própria máquina começa a asfixiá-los”

Num autorretrato que cabe em três palavras, Blessing Lumueno apresenta-se: “Fanático pela liberdade”. É assim que se vê, na relação com os outros, o mundo, e com ele próprio, revela neste episódio d’ O Tal Podcast, gravado antes de rumar para o Kuwait, como treinador-adjunto do Al-Arabi. Tema incontornável na história de Blessing, o futebol ocupa um lugar tão central na sua vida, que não hesita em declarar que estão unidos em matrimónio. Com uma visão de jogo aprimorada nos relvados, entre construções de equipas técnicas, o convidado desta semana de Georgina Angélica e Paula Cardoso também tem partilhado táticas como comentador desportivo, somando intervenções na TSF, Canal 11 e RTP, e publicações no Expresso, além da autoria do blogue “Posse de Bola”. É com esta experiência que aguça a sua leitura crítica, além das quatro linhas. “Não há muito investimento em Portugal para os clubes. Há poucas oportunidades para os treinadores se profissionalizarem”, nota, antecipando resultados nada promissores, a partir de um foco cego no rendimento. “O mercado é muito violento, e os treinadores, fruto disso, vão procurando atalhos, e quando o fazem estão a tirar possibilidades aos jogadores de terem um tipo de evolução diferente”. A “máquina”, conforme descreve, calibrou-se com outro engenho a partir de José Mourinho, mas parece viciada numa programação que promove a medianidade em detrimento da excecionalidade. “Estamos a perder os melhores, em prol de termos de jogadores, jogadoras assim-assim, que fazem o trabalho ‘benzito’”, alerta, sublinhando a importância do tempo para afinações. “Se ao primeiro erro és massacrado, e ao segundo erro és espezinhado, acabou. A partir daí, a reação mais normal, quando queres tentar qualquer coisa que ainda não tentaste, é retraíres-te e nem sequer o fazeres”. O preço a pagar, aponta, é o défice de inovação, que, prenuncia, vai implicar uma crise de talentos nas próximas gerações, e não apenas de futebolistas. A análise, conta Blessing, influencia o seu comportamento não apenas nos clubes, mas também em casa. “Tenho uma ideia de parentalidade muito aberta, de deixar experimentar, de não ser excessivamente interventivo no processo de crescimento da minha filha”, diz, sem nunca esquecer as suas próprias aprendizagens. “Cresci com mulheres. Deu para perceber as dificuldades que qualquer uma tem para conseguir um cargo decente, fazer valer aquilo que são as suas melhores qualidades, e nunca ser olhada de lado por usar o cabelo mais comprido ou andar de vestido e, sobretudo, nunca ser deixada para trás por causa da maternidade ou por ser mais verdadeira com as emoções do que os homens, que conseguem esconder e manipular de outra forma”. A proximidade feminina permitiu-lhe também observar a sua resiliência. “Vejo nas mulheres a capacidade para, dentro de situações horrorosas, dramáticas, de crise, continuarem a lutar. Acho isso ímpar”, destaca, sublinhando que foi a partir de muitos sacríficos da mãe e das tias que conseguiu dar “um salto geracional”. Vamos perceber de que forma nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, em que se revisitam feridas do colonialismo, desigualdades raciais, e desafios sociais. Sem nunca perder de vista as lições da vida. “Aprendi, pelo rumo da vida da minha mãe e das minhas tias, que podem ser solteiras e felizes. Não necessitam um parceiro de vida disso para isso, podem fazer uma vida perfeitamente plena sem estarem ligadas, do ponto de vista afetivo, a um homem ou a uma mulher” Ouça a conversa n’ O Tal Podcast.See omnystudio.com/listener for privacy information.

09-04
55:54

REWIND: Henda Vieira Lopes

Henda Vieira Lopes, psicólogo e diretor do Espaço Yanda, acumula mais de 20 anos de experiência na promoção de competências, incluindo uma forte intervenção comunitária. Com uma abordagem afrocentrada, integra práticas ancestrais africanas na psicologia clínica. Neste episódio, Henda Vieira Lopes aponta caminhos que nos ajudam a separar o homem do masculino, e a construir uma masculinidade positiva e inclusiva. https://www.otalpodcast.com/p/henda-vieira-lopesSee omnystudio.com/listener for privacy information.

09-02
01:56

Verónica Pereira: “A verdade liberta, não me causa medo. Se não a contar, não tenho paz”

Tinha 36 anos quando se tornou a primeira e, até agora, única diretora da edição impressa do “Novo Jornal”, em Angola. Cerca de uma década depois, Verónica Pereira revisita, neste episódio d' O Tal Podcast, as marcas que acumulou com essa experiência. “Vi-me, durante muito tempo a carregar um peso muito maior do que eu, e uma exigência, como mulher, de ter que estar sempre com determinada postura, de acordo com aquilo que achavam que deveria estar, ser e fazer”. Além das pressões constantes a nível profissional – “não tinha noção do que era exercer um cargo de direção [de um jornal] num país como Angola, num contexto político terrível” –, Verónica relata o peso agravado das convenções sociais que encontrou. “Desde o início que ouço a mesma crítica: tu trabalhas demais, tens que olhar mais para outras áreas. Por exemplo: casa e família”, conta, sublinhando como as expetativas de género, e os resquícios coloniais dificultaram – e ainda dificultam – o processo de adaptação à sociedade angolana. A viver em Luanda há 16 anos, a hoje coordenadora de comunicação do Mosaiko - Instituto para a Cidadania, admite que ainda não se sente “devidamente integrada”, ainda que profissionalmente valorizada. “Decidi ir para Angola pela oportunidade de emprego, e possibilidade de crescer e fazer carreira, que aqui não teria”. Depois de um sólido percurso no mundo da comunicação social, que incluiu o lançamento do “Expansão” – o primeiro semanário de economia do país –, Verónica encontrou na área da defesa e promoção de Direitos Humanos um novo campo de especialização. “Era muito naïf, pensava que no jornalismo estaria a fazer aquilo que estava de acordo com os meus princípios, os meus valores. Quando percebi que não, saí”. Há sete anos no Mosaiko, a responsável de comunicação conhece agora uma Angola que vive longe das páginas de jornais, mas mais perto da pessoa que cresceu para ser. “[Nestas funções] sinto um encontro com aquilo que se calhar eu não sabia, mas estava dentro de mim desde muito criança”. Nascida em Portugal, filha de mãe angolana e pai cabo-verdiano, Verónica encontra na infância um manancial de lições de humanidade. “Vivia num bairro de lata, e ia para um colégio privado estudar. Já adulta, ponho-me a pensar: como é que era sair do bairro, encontrar o asfalto e atravessar aquilo tudo com a cabeça erguida?” Enquanto observa que “trabalhar direitos humanos com pessoas desumanizadas é muito mais difícil”, a convidada de Georgina Angélica e Paula Cardoso, afasta os estereótipos de insegurança associados aos chamados bairros de lata. “Em momento nenhum senti medo ou insegurança. Foi o lugar de pertença, em que me senti integrada, me deu um sentido de comunidade, e também uma cultura e ancestralidade”. A par das aprendizagens do passado e dos ensinamentos do presente, Verónica traz para a conversa os prenúncios do futuro. “Estou a aprender a aceitar a mudança que tem que ver com a idade”, diz, livre de subterfúgios. “A verdade liberta, não me causa medo. Se não a contar, não tenho paz”, revela nesta conversa d' O Tal Podcast. Para seguir aqui.See omnystudio.com/listener for privacy information.

08-28
51:04

REWIND: Ana Sofia Martins

Da projeção à notoriedade, Ana Sofia Martins traça distâncias. Quão longe fica uma realidade da outra? Que caminhos se atravessam entre os dois pontos? Aos 37 anos, com muitas perguntas e respostas ainda por encontrar, a atriz faz questão de mergulhar numa busca por si própria. Afinal, quando se assume precocemente a responsabilidade de cuidar dos outros, que tempo e espaço sobram para reconhecer e acolher as próprias necessidades? https://www.otalpodcast.com/p/ana-sofia-martinsSee omnystudio.com/listener for privacy information.

08-26
01:27

Milton Gulli: “O papel dos artistas é muito importante, porque a arte tem de questionar, criticar, apontar o dedo”

Guarda memórias de tempestades de areia, vividas na primeira infância, a partir de uma mudança familiar profissionalmente determinada. “O meu pai, que é engenheiro civil, conseguiu trabalho na Arábia Saudita. Houve uma altura em que vivemos no deserto, porque estavam a construir uma autoestrada”, conta Milton Gulli, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso. Filho de moçambicanos que se estabeleceram em Portugal depois do 25 de Abril, o músico adianta que perante a falta de oportunidades em terras lusas, a família acabou por se deslocar novamente, dinâmica que se tornou habitual.  “Os meus pais sempre viajaram muito, e levaram-nos a muitos sítios. Então, temos desde pequenos uma visão alargada do mundo”, revela Milton, que conjuga as recordações no plural, por serem indissociáveis das duas irmãs. Foi também em família que, em 2006, Moçambique se tornou destino de férias. “Ficámos lá um mês, e para mim e as minhas irmãs foi um bocado um choque cultural porque tínhamos uma ideia um bocado romantizada do país”. A desconstrução da imagem criada em Portugal passou por um reconhecimento do território: “Eu sempre achei que em Moçambique se falava português no país todo. Não é verdade. Fala-se português nas cidades, mas fora das cidades pouca gente fala”. Mais do que desfazer mitos linguísticos, Milton assinala os perigos de uma ilusão lusófona. “Acho que muito português acaba por ter a ideia de que quando vai para os PALOP a cultura, os costumes e a maneira de estar são iguais”, nota o músico, perentório na desagregação: “Não são”. Entre as narrativas sobre Moçambique e a realidade, o músico quebrou fronteiras – “Hoje vejo África de outra maneira, é um continente riquíssimo, com muito potencial humano” –, e traçou novas rotas: cerca de cinco anos depois da viagem familiar, trocou Lisboa por Maputo. “Regressei muito diferente. Estive lá quase dez anos, e sinto que cresci bastante. Fiquei mais atento, mais cuidadoso, e com mais paciência”. As vivências ganham expressão no primeiro álbum a solo de Milton, intitulado “Quotidiano”. Lançado em 2022, ano em celebrou 25 anos de carreira, o disco é descrito pelo músico como um retrato do dia-a-dia na chamada Pérola do Índico, e uma homenagem ao seu povo. “Sempre toquei com várias bandas e vários artistas. Nunca tinha pensado fazer um projeto a solo, mas quando cheguei a Moçambique comecei a compor várias coisas que não encaixavam em nenhum dos projetos que tinha”. Com um currículo artístico que inclui referências como os Philarmonic Weed e Cool Hipnoise, Milton celebra, no próximo dia 4 de setembro, no Lux Frágil, em Lisboa, os 20 anos dos Cacique’ 97. A história desta banda, e o despertar musical vivido na adolescência, na Ilha da Madeira, são recordados neste episódio d’ O Tal Podcast, no qual o artista, partilha como o encontro com Azagaia, ícone moçambicano falecido em 2023, continua a marcar a sua trajetória. “O papel dos artistas é muito importante, porque a arte tem de questionar, criticar, apontar o dedo”.See omnystudio.com/listener for privacy information.

08-21
49:33

REWIND: Isabél Zuaa

No passado, as mulheres negras tiveram de pegar em armas para defender os territórios e corpos das invasões coloniais. No presente, um dos maiores combates que travam é no campo afetivo, procurando viver para além da condição de guerreiras. A multifacetada artista Isabél Zuaa partilha como tem feito esse caminho de emancipação emocional, a partir de um lugar de amor-próprio e de autocuidado. Lembrando que uma mulher negra feliz é um ato revolucionário, Isabel também reflete connosco sobre a potência política do amor vivido entre pessoas negras. https://www.otalpodcast.com/p/isabel-zuaaSee omnystudio.com/listener for privacy information.

08-19
01:44

Iris de Brito: “Fiz a audição para o filme Evita com um dos bailarinos principais do Michael Jackson. Fiquei, saltei, estava toda contente”

Diante da pergunta “Que idade tinhas quando a dança entrou na tua vida?”, Iris de Brito revê a resposta de sempre. Habituada a apontar como referência a iniciação no balé, vivida quando tinha cerca de 8 anos, hoje a coreógrafa partilha outro entendimento.  “A dança e o movimento entraram em mim quando comecei a andar”, realça no início deste episódio d’ O Tal Podcast, já livre das velhas programações. “Esta sociedade do Norte Global incorporou a ideia de que tudo da mente tem uma hierarquia maior, e que o conhecimento do corpo não tem tanta importância. Mas tem”, sublinha, lembrando a necessidade de soltar as próprias amarras: “Cresci a pensar que o que tenho na cabeça e a universidade é que é importante”. A crença, observa Iris, tem sido desconstruída, permitindo reconhecer que “o movimento é uma das tecnologias ancestrais – africanas e não africanas – que mais ajuda a tudo”. Não surpreende por isso que o pessoal da dança “diga sempre na brincadeira: se os governantes dançassem mais estaríamos um bocadinho melhor”. Aliás, nota a também professora, há um provérbio, “talvez nativo-americano”, que reforça essa associação entre movimento e adoecimento. Segundo o ditado, “quando alguém chega a um xamã e diz ‘estou doente’, ele pergunta: quando é que você parou de dançar, de cantar, de contar ou de ler histórias?”. Iris nunca marcou passo, e a determinada altura Portugal tornou-se pequeno. “Trabalhei no teatro de revista, fiz o Crime da Pensão Estrelinha na televisão com o Herman José, e foi muito engraçado, mas senti que não conseguiria ir mais longe. Por isso quis sair para Nova Iorque”. Mais do que um plano, Iris alimentava o sonho de integrar a companhia Alvin Ailey, mas não tinha meios nem conhecia ninguém na ‘Grande Maçã’. Por isso Londres, onde tinha ‘rede’, impôs-se como destino. “Aí tive a oportunidade de fazer formação com um mestre incrível, William Luther, um dos primeiros bailarinos da companhia de Alvin Ailey”, diz a coreógrafa, assinalando como o ciclo acabou por se completar. Foi também na capital britânica que fez um curso em Teatro Musical e o mestrado em Pedagogia das Danças Afrolatinas, além de ter trabalhado com artistas como Jay-Z, Enrique Iglesias ou Kylie Minogue. Pelo caminho, enfrentou vários castings, incluindo para o filme Evita e o musical Chicago, experiências que revisita neste episódio. “Fiz a audição para o Evita com um dos bailarinos principais do Michael Jackson, o Vincent Paterson.  Fiquei, saltei, estava toda contente, e ele deu-me os parabéns e um toque: da próxima vez, muda de botas. Elas estavam a cair aos pedaços”. O episódio é recordado não apenas por ter sido selecionado, mas também pela lição, que Iris faz questão de partilhar: “Acreditem em vocês porque um bom coreógrafo, um bom diretor, consegue ver mesmo através da vossa imagem”. Com três décadas de profissão, a coreógrafa partilha igualmente um alerta: “Infelizmente, não existe nos países PALOP uma proteção da herança imaterial, que inclua o movimento, a dança. Estamos completamente desprotegidos. Então, nos festivais querem mudar a Kizomba e dizer que é evolução”. Longe disso, Iris de Brito vê nessas jogadas mercantilização e desvirtuação, reflexões para acompanhar na conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso.See omnystudio.com/listener for privacy information.

08-14
55:43

REWIND: Dino D' Santiago

Entre o desejo de ser pai, e o medo de falhar nesse papel, Dino d’ Santiago encontrou na terapia um lugar de entendimento. De si próprio e da sua família, que deixou para trás alguns pesos, onde se inclui a história de uma morte trágica. “Queria agradar para me sentir incluído, desagradando-me constantemente”, admite o músico, que, nesta conversa, partilha o seu profundo processo de desconstrução…e de libertação pelo amor. Hoje, em vez de forçar uma existência de “super-humano”, o músico reivindica “apenas” um espaço para ser humano.   -- https://www.otalpodcast.com/p/dino-dsantiagoSee omnystudio.com/listener for privacy information.

08-12
01:30

Saint Caboclo: “A música não é suposto ser elitista, mas para todos. As pistas de dança foram criadas de uma certa forma de rebelião”

Tatuou na mão direita “Saint”, identidade construída a partir de uma relação amorosa. “Namorava com uma pessoa que disse que eu tenho essa coisa de achar que sou um santo, que estou sempre certo. Então virou uma piada para mim”, introduz Saint, antes de completar a apresentação: “Caboclo é como a minha mãe me chamava quando eu era mais novo”. O tratamento materno, explica Saint Caboclo, neste episódio d’ O Tal Podcast, tem raízes ancestrais e culturais. “A minha família tem mistura com índios, e de onde nós somos, de Marabá, no Pará, tem essa coisa de chamar as crianças que têm mistura com índios de caboclo. Então foi assim que eu cresci”. Desde a adolescência a viver em Portugal, o paranaense conta que foi por cá que se despediu completamente do Eudes, nome de batismo que repete a identidade paterna. “Foi como um ultimato: coloquei que o meu nome ia ser Saint e pronto – é Saint”. A determinação reflete-se nessa tatuagem: “Está na mão com que eu cumprimento as pessoas, escrevo, seguro o microfone, com que eu faço tudo. É a minha identidade, a minha pessoa”. Além de marca pessoal, Saint Caboclo tornou-se também sinónimo de revolução nas noites lisboetas. Criador das festas Dengo, o DJ, constrói, há quatro anos, uma comunidade que agrega, juntando pessoas de contextos, identidades e pertenças distintas. A proposta cultural inclui as chamadas “listas trans”, que também está a tentar introduzir em Espanha. O conceito é simples: quebrar barreiras no acesso. “As pessoas que participam nas festas Dengo sabem que o bilhete está a ser convertido para ajudar aquela amiga ou amigo trans”, aponta Saint, atento às resistências: “Claro que há pessoas que vão falar: mas por que eu tenho de pagar bilhete e essa pessoa não?”. Sem hesitar na resposta, o DJ atira: “Talvez não entendam o conceito de comunidade, e esse evento não seja para elas”. Firme na visão de que “a música não é suposto ser elitista”, mas sim “para todos”, o brasileiro lembra que “as pistas de dança foram criadas de uma certa forma de rebelião”. Hoje, porém, sofrem de uma certa ‘contaminação’, alerta o artista: “As pessoas não se divertem tanto na discoteca, porque todo o mundo está com medo de ser gravado a fazer algo que não devia”. O receio, nota Saint, vem da quantidade de câmaras que se posicionam nas pistas de danças em busca de um momento viral na internet. Apesar de garantir que não se opõe à presença de telemóveis nas festas, o DJ vê neles uma barreira à liberdade. “Faço parte dessa geração que publica tudo [nas redes sociais], então eu sei que sou parte do problema”, diz, revelando, contudo, que também usa o telemóvel como uma espécie de escudo. “Se estou a andar na rua, em volta de estranhos, estar com o meu telefone na cara vai-me deixar menos ansioso”. A aprender a viver com o diagnóstico de ansiedade, Saint Caboclo assinala, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, que a terapia tem sido um apoio importante. Acompanhe aqui 'O Tal Podcast'. See omnystudio.com/listener for privacy information.

08-07
57:04

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