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Paulo Autran - Quadrante - Podcast
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Paulo Autran - Quadrante - Podcast

Author: paulo autran

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Para falar a verdade, eu nunca pensei em rádio na minha carreira. Eu sou um ator de teatro. Fiz televisão acidentalmente, fiz rádio por convite e nunca pensei num programa de rádio, nunca criei projeto algum, nesse sentido. Comecei a trabalhar na Rádio MEC, em 1957, a convite de Murilo Miranda que, então, dirigia a Rádio. Ele era um homem que tinha trânsito por todos os meios intelectuais do país. Era amigo pessoal de Mário de Andrade, que já tinha morrido nessa época. Existem até as cartas de Mário para ele e dele pra o Mário, maravilhosas. Era um homem com uma visão sobre cultura extraordinária. E ele teve então a idéia de fazer o programa Quadrante, que eram cinco minutos em que eu lia crônicas. E os cronistas eram a nata da inteligência do Rio de Janeiro. Era Carlos Drummond, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, enfim, um para cada dia da semana. Então era um programa privilegiadíssimo. Durava no máximo cinco minutos, que era o tempo de leitura de uma crônica. Ia ao ar às oito horas da noite, e era repetido no dia seguinte, ao meio-dia. Era um dos programas de maior audiência. O sucesso do Quadrante foi uma coisa extraordinária, na época, porque a Rádio MEC nunca teve a pretensão de rivalizar com nenhuma rádio comercial - é uma rádio que sempre se dedicou mais às coisas culturais e sabia, portanto, que teria menos ouvintes, habitualmente. Foi a primeira vez na história da Rádio em que um programa teve maior audiência que os programas das rádios comerciais. Às vezes eu falava com alguém pelo telefone e a pessoa perguntava: ;Não é o Paulo Autran?, e eu dizia ;Como é que você sabe?, e ela: Estou reconhecendo sua voz da Rádio MEC.; Isso aconteceu inúmeras vezes.
Quando foi editado o livro Quadrante, na noite de autógrafos compareceram todos os cronistas, e o Carlos Drummond escreveu uma das coisas que mais me envaidece na minha carreira. Ele escreveu ;Para o Paulo Autran, que transformou em arte todos esses meus modestos trabalhos.; Pode até ter sido ironia dele, mas não era. Ele era muito sincero, uma pessoa extraordinária.
Quando veio o golpe militar, a Rádio MEC caiu nas mãos de um senhor chamado Eremildo Viana, que, se tinha cultura não demonstrava, se tinha algum conhecimento não demostrava. Ele queria mesmo era acabar com todo e qualquer programa que tivesse liberdade artística de escolha ou qualquer coisa assim. E então ele acabou com o Quadrante. A essa altura eu já tinha vários anos de Rádio MEC, já estava como funcionário público da Rádio, e continuei a participar de outros programas, lendo sempre crônicas ou trabalhos de alguém. Ele quis, então, me obrigar a cumprir um horário, e eu lhe disse que era impossível. Os outros funcionários da casa achavam um absurdo, pois sabiam que eu trabalhava com teatro. Então o Eremildo começou a me atribuir outras funções. Um dia, quis que eu lesse uma crônica a respeito de um novo pintor. A crônica era assinada por um rapaz do Rio de Janeiro e dizia coisas inacreditáveis a respeito do pintor. Que era um pintor jovem, musculoso, de olhos verdes, e eu lhe disse que não poderia ler aquela crônica, pois ela parecia uma declaração de amor e não uma crônica sobre pintura. E não li a crônica. Ele não podia me demitir, mas continuou me dando coisas completamente desinteressantes para ler no microfone, e eu acabei pedindo demissão da Rádio Ministério da Educação, contra a vontade dos colegas.
Esta foi a minha passagem pela Rádio MEC, uma passagem muito agradável, de glórias, até o golpe de 64, e, depois, uma coisa meio constrangedora.