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Author: RFI Brasil

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Confira aqui as análises, entrevistas e repercussões de notícias que você pode ouvir e baixar. As reportagens +RFI propõem a cobertura de eventos importantes no mundo inteiro feita pelos repórteres e correspondentes da Rádio França Internacional.
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Os olhos do mundo estão voltados para a eleição presidencial nos Estados Unidos, disputada pela democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump. O magnata e ex-presidente do país está próximo da vitória após a divulgação dos últimos resultados da votação em estados decisivos, como a Pensilvânia e a Geórgia. Em Paris, na França, a prefeitura organizou uma "Noite Americana" para que as pessoas pudessem acompanhar o processo de votação, que aconteceu nesta terça-feira (5) nos Estados Unidos.O evento foi realizado no Théâtre de La Concorde, que fica no oitavo distrito da capital francesa, reunindo centenas de pessoas. Entre eles estavam os irmãos Emma e Ethan Liechtenstein, de 23 e 27 anos, que são franceses, mas estão atentos ao resultado do pleito nos EUA. Eles concordam que as eleições norte-americanas têm uma grande influência internacional.Leia tambémEleição presidencial dos EUA de 2024: mapa de resultados por estado em tempo real“Acho que este tipo de evento mostra uma preocupação global da Europa e do mundo sobre o assunto. Porque os Estados Unidos são a maior economia do planeta, que influencia o mundo inteiro. Qualquer decisão que eles tomem vai influenciar a França e a Europa. Então, essa é uma noite de eleições muito importante também para os franceses e para outros países”, opina Ethan.“Eu vim com colegas de rádio, estamos cobrindo muitas eleições e este é um assunto que nos preocupa muito, portanto era importante estar aqui hoje. Nosso produtor, por exemplo está em Washington (capital dos EUA) e nós estamos aqui para acompanhar o que se passa na América", explica Emma.A "Noite Americana", como o evento foi chamado, contou com uma mesa de debates com diversos convidados e seguiu até às 4h da madrugada, por conta da diferença no fuso-horário entre França e Estados Unidos.Noite à americanaAlém do evento oficial da prefeitura, as eleições americanas puderam ser acompanhadas em outros locais em Paris. No segundo distrito da capital francesa, por exemplo, um bar americano tradicional da cidade reuniu dezenas de pessoas para acompanhar o processo de votação.Para o norte-americano Mathew, de 33 anos, que vive em Paris há 15, é importante ficar de olho nas eleições, mesmo morando fora.“Acompanhar as eleições de longe também é muito interessante. Já faz 15 anos que eu moro fora e sigo de longe. Tenho amigos que acompanham de perto e são bem engajados. Fico muito feliz de vir aqui e encontrar muitos americanos que também acompanham essa noite de eleições e de passar uma noite excepcional com eles", diz."Acredito que os Estados Unidos são a polícia do mundo. Estamos votando por princípios que poderão influenciar em outros países. Através disso, a gente percebe um impacto no mundo. Entao, por isso sigo acompanhando de perto”, argumenta Mathew.Estima-se que cerca de 2,8 milhões de norte-americanos estejam aptos a votar fora do país, de acordo com o Departamento de Defesa dos EUA. Quase 160 mil deles estão na França. Diante do peso da economia dos Estados Unidos na geopolítica global, o mundo vai seguir de olho no que acontece na Casa Branca, independente do resultado, que aponta para uma vitória de Trump.
Em Washington D.C., a Howard University, onde estudou Kamala Harris, foi o local escolhido pela campanha da vice-presidente para recepcionar eleitores que aguardavam os primeiros resultados. A universidade, tradicionalmente associada à luta pelos direitos civis e à política progressista, se transformou em um ponto de encontro para muitos jovens que apoiam a democrata. Luciana Rosa, correspondente da RFI em WashingtonEntre o público estava uma estudante de 20 anos da Universidade de Georgetown, que, motivada pela questão palestina, optou por votar em um terceiro candidato. Ela preferiu não se identificar, temendo retaliações.Usando um keffiyeh, tradicional lenço árabe, a jovem explicou que o tratamento da questão palestina pelos principais partidos foi decisivo em sua escolha."Esta é uma eleição muito difícil porque, para muitos eleitores, um dos temas mais urgentes agora é a Palestina. Nenhum dos partidos está realmente discutindo isso", afirmou. "É difícil saber o que vai acontecer, especialmente quando uma questão tão crítica está sendo ignorada."A estudante destacou que seu voto em um candidato de terceira via foi uma forma de protesto contra políticas que considera prejudiciais. "Votei em um terceiro partido porque não me senti confortável em apoiar nada que, para mim, se alinha com genocídio. Acho que isso também passa a mensagem de que é preciso abordar questões críticas. Se esperam que todos votem em democratas ou republicanos, precisam incluir todos nas discussões."Insatisfação crescenteA postura da jovem reflete uma insatisfação crescente entre eleitores, especialmente jovens, que buscam alternativas políticas em um cenário de polarização e de temas sensíveis sendo desconsiderados.Brandon Hyde e Alex Hayden, amigos que se autodenominam "Homens Brancos por Kamala", viajaram de Dallas para acompanhar os resultados na festa da Howard University. Eles demonstraram otimismo em relação ao impacto da candidata nos direitos reprodutivos."Estamos acompanhando os primeiros números, e parece que Trump pode perder em Ohio, o que é surpreendente, já que é o estado natal de seu vice-presidente", comentou Brandon. "Vai ser uma disputa acirrada, mas estamos com os dedos cruzados."Questionados sobre os riscos de violência, Alex e Brandon se mostraram tranquilos, mas conscientes do clima tenso. "Não estamos particularmente com medo, mas nunca se sabe, dado o histórico recente", afirmou Alex.Os dois observaram as medidas de segurança em D.C., como os tapumes em prédios públicos, e reconheceram a possibilidade de protestos, mas não acreditam em grandes perigos.Caleb Kerr, 22 anos, estudante de Ciência Política de Boston, também estava presente na festa, usando uma camiseta com o nome "Philadelphia"."Para ser honesto, estou empolgado, mas não fiz muita pesquisa. Esta é uma marca de cream cheese também", explicou. Apesar da explicação descontraída, a camiseta tem um simbolismo importante, já que Filadélfia é a capital da Pensilvânia, um estado-chave nas eleições, onde cada voto pode ser decisivo.Caleb expressou otimismo quanto ao futuro, independentemente do resultado da eleição. "Estou confiante de que, seja qual for o resultado, vamos nos unir como americanos e ter esperança no futuro", afirmou.Para ele, Kamala Harris representa essa esperança. "Acho que o que Harris representa é esperança para o futuro. E acredito que somos capazes de superar o medo e esses sentimentos que nos pressionam a falar mal uns dos outros."O clima de votação na capital americanaA terça-feira de votação foi tranquila em Washington D.C., um reduto democrata. As urnas abriram cedo, às 7h no horário local, e muitos eleitores, como Boris Espinoza, advogado peruano que mora na cidade há 20 anos, votaram logo pela manhã.Em entrevista à RFI na Biblioteca Memorial Martin Luther King Jr., um dos pontos de votação da cidade, ele compartilhou suas reflexões sobre o processo eleitoral e a importância do voto em D.C."Eu estava animado para votar, mas aqui em Washington o voto não faz muita diferença, já que a cidade é muito democrata", comentou Boris. Para ele, a verdadeira importância do voto está nos estados decisivos. "Comparado a outros lugares, como os estados-pêndulo, onde você realmente não sabe quem vai vencer, é diferente. Esses estados são os que fazem a diferença."Esta é a terceira vez que Boris vota para presidente. Ao ser questionado sobre sua escolha, ele revelou que apoiou Kamala Harris. "Na verdade, nesta eleição, é a primeira vez que sinto que ela é a opção menos Eu não gosto muito dela, mas o Trump é pior", disse.Boris também expressou preocupações sobre a falta de opções melhores. "Talvez o governador Shapiro da Pensilvânia seria uma escolha melhor, se não estivéssemos na situação em que estamos agora", afirmou, referindo-se ao clima eleitoral acirrado.Quando perguntado sobre as chances de Kamala Harris ser eleita, Boris demonstrou otimismo. "Espero que sim. Eu me tornei um otimista nos últimos dois dias", disse. Ele explicou sua mudança de perspectiva, destacando que, nas últimas 48 horas, Harris parecia ter ganhado um pouco de impulso nas pesquisas, que anteriormente favoreciam Trump.Em um cenário eleitoral em constante mudança, Boris Espinoza reflete a incerteza e a esperança que muitos eleitores sentem enquanto aguardam o resultado das eleições.
No mês de dezembro, em Madri, como acontece em outras cidades espanholas, as luzes e os mercados natalinos presentes no centro lembram que as festas estão chegando, com as suas tradições típicas de cada país. Ana Beatriz Farias, correspondente da RFI na EspanhaO primeiro motivo para comemorar o nascimento de Cristo é representado por presépios de todos os tipos. Eles estão nas lojas, em diversos designs diferentes, e em versões "gigantes" em várias regiões do país. Em Alicante, por exemplo, fica o maior presépio do planeta, que integra o Guinness Book desde 2019. De acordo com o periódico El Mundo, a representação do menino Jesus mede 3,25 metros, a da Virgem Maria, 10 e a de São José, 17.  Quem estiver na Espanha pode descobrir muitas outras curiosidades da maneira espanhola de viver o período de festas. As tradições são variadas, como os “dulces navideños” (ou doces de natal, em tradução livre), que podem ser vistos nas prateleiras dos supermercados já a partir de outubro.Um dos clássicos é o “turrón”. A espanhola María Bosch trabalha na Jijonenca, fábrica que produz o doce e agora está a todo vapor. "Como a produção é sazonal e concentrada em poucos meses do ano, a partir de junho podemos ver muitos mais turnos de produção e  mais pessoas trabalhando nas fábricas, aumentando o ritmo de trabalho", diz.Apesar de ser principalmente natalino, em muitos lugares é possível comer “turrón” o ano inteiro. Segundo María, os principais ingredientes do doce são amêndoa, açúcar e mel. E, apesar de os “turrones” serem consumidos por toda a Espanha, algumas regiões são mais famosas pela fabricação. "Existem muitos tipos diferentes de ‘turrón’ no mercado e novos sabores aparecem todos os anos. Mas os ‘turrones’ mais tradicionais são o ‘turrón’ de Jijona e o ‘turrón’ de Alicante, feitos com as melhores matérias primas e os processos mais artesanais".LoteriaOutra tradição típica desta época, na Espanha, é apostar na loteria, conhecida como "El Gordo". Sim, os espanhóis têm uma espécie de versão da “Mega da Virada” brasileira. A venda de bilhetes para a loteria de “navidad” chega a gerar filas quilométricas nas casas de aposta mais tradicionais. O sorteio do primeiro prêmio, que vale € 400 milhões, acontece no dia 22 de dezembro e reúne multidões que o acompanham por rádio, televisão ou internet. O brasileiro, Rafael Silva mora na Espanha há 5 anos e sempre faz sua aposta. “Eu jogo em vários lugares, como todo mundo aqui, mas eu não  vou comprar, não pego as filas, mas eu jogo. Primeiro, porque todo mundo joga. Imagina se alguém do trabalho ganha e eu não ganho, eu vou ser o único que vou ficar no trabalho, né? Segundo, porque eu gosto. Eu sempre jogo a loteria. Eu acho que aqui é um pouco mais levado a sério que a Mega da Virada, mas você pode comparar, sim. Seria a nossa Mega da Virada”, conta.“Nochevieja” para celebrar um ano novoDias depois que os vencedores da loteria já foram anunciados e com todos já tendo comido seus respectivos pedaços de “turrón” após a ceia de Natal, chega o momento de celebrar o Ano Novo. Na Espanha, a última noite do ano leva o nome de “nochevieja”. Enquanto, no Brasil, parte da população está pulando 7 ondinhas para atrair sorte, na cultura espanhola, o que se faz é comer uma uva por cada badalada do sino que anuncia a meia-noite. Ou seja, no total, uma dúzia.Muitos acompanham o momento com as uvas já preparadas e de frente para a televisão, para poder comê-las assistindo ao soar do sino da Puerta del Sol, no centro de Madri. No supermercado, é possível encontrar, inclusive, embalagens com 12 uvas fabricadas especialmente para a ocasião. O costume, que atravessa gerações, cria uma demanda comercial. O mercado, por sua vez, traça estratégias para supri-la. Maite Sirvent, que trabalhou a vida inteira com a uva, passou os últimos 10 anos como responsável de controle de qualidade. Ela conta que este período do ano não é o ideal para a colheita da fruta, mas há técnicas que possibilitam que a tradição, que é ligada a um tipo específico da uva, continue sendo posta em prática. “Nem todas são adequadas, existem diferentes variedades, que são colhidas muito mais cedo. A variedade adequada para estas datas é chamada ‘aledo’. Conseguimos atrasar a colheita graças à técnica de ensacamento. Cada grupo é embrulhado num saco de papel, o que garante uma excelente qualidade nesta época do ano”, explica.Doce surpresaFernanda Chaves se mudou do Rio de Janeiro para Madri em 2021, ano em que viveu, pela primeira vez, as festas de fim e início de ano no estilo espanhol. Para a carioca, o clima frio e a super decoração madrilenha dão a sensação de viver um Natal “de filme”. Ao mesmo tempo, ela diz que o calor humano do Brasil fez falta na hora de festejar. Tanto que, neste ano, ela voou para a cidade maravilhosa para virar o ano ao lado da família. Mas, antes de ir, aproveitou para comer uma sobremesa tipicamente espanhola: “Eu comi o ‘roscón’ de Reis. Eu comi desde novembro este doce típico e pra mim é o melhor que tem de natal na Espanha. Inclusive, eles começaram a vender este ano já em agosto. Como eu já sabia que viria para o Brasil, queria comer antes”.O “roscón de reyes” é consumido, principalmente, nos festejos de reis, entre o dia 5 de janeiro e o dia 6, que é a data propriamente dita. Além de ser feito em um formato que faz referência a uma coroa, o doce também vem, literalmente, recheado de símbolos. É tradição que, na parte de dentro do roscón, sejam postas figuras, estatuetas em miniatura. Uma fava também costuma ser inserida na sobremesa. Neste caso, com um objetivo específico.Representante de uma das confeitarias mais icônicas de Madri, “La Mallorquina”, que tem mais de 128 anos de história, José Laguna detalha que, tradicionalmente, deve-se colocar um pequeno ornamento ou um símbolo dentro do ‘roscón’. Algumas pessoas até põem dinheiro e a imagem da fava. A função que tem é a de que quem cortar o pedaço de ‘roscón’ com a fava tem que pagar pelo doce. Alegra as pessoas, especialmente as crianças. Isso as deixa felizes quando cortam o ‘roscón’ e (dizem) ‘ah, eu tenho a estatueta’. É uma coisa engraçada”.Presente duplicadoComer o roscón não é a única tradição do dia dos reis magos. Na Espanha, a data é levada muito a sério e há quem diga que o ano só começa depois do dia 6 de janeiro. Algumas instituições, inclusive, fecham as portas de antes do Natal até depois da celebração de reis. Nas ruas de Madri, um desfile que acontece no dia 5, também chamado de cavalgada de reis, atrai milhares de espectadores. Outra característica desta data é que muitas crianças recebem presentes. Segundo a tradição, assim como se pede ao papai Noel, se pode pedir a Baltazar, Gaspar e Melchior.Letícia Pereira se mudou de São Paulo para Madri há 4 anos. Na casa em que vivem ela, o marido, Guilherme, e os dois filhos, Lucas e Stella, o costume de presentear em dia de reis é seguido à risca. “Acho que a tradição que a gente introduziu aqui foi essa questão de comemorar os reis, né? Que as crianças colocam leite, biscoitinho, debaixo da árvore, deixam a cartinha antes”, diz.Com a manutenção da entrega de presentes feita também pelo Papai Noel, o período de festas está saindo mais caro. “O bolso sentiu um pouco, porque a gente compra o presente e eles abrem no dia 6. Os amiguinhos da escola perguntam, quando voltam das férias, o que eles ganham de reis. Então foi uma coisa que a gente quis integrar até para eles também se sentirem parte da comunidade aqui, né? Mas, como, no Brasil, os primos também ganham presente do Papai Noel, a gente tinha que dar um jeito. Então a gente fez um pouco isso, eles fazem cartinhas para os dois. Este ano, eles fizeram cartinha. Uma só. Eu falei ‘faz uma só endereçada para Papai Noel e Reis’ para facilitar a vida”, relembra rindo.
O livro Brésil 1500-1549: Les premières cartes récits & témoignages (Brasil 1500-1549: primeiros mapas, relatos e testemunhos) é uma coletânea de 12 textos primordiais, ilustrados com imagens de época, que abordam a chegada dos europeus e os primeiros contatos com os povos originários. A publicação propõe uma releitura crítica desses relatos e imagens, aprofundando o olhar para revelar estratégias de sobrevivência dos indígenas.  Segundo a carta de Pero Vaz de Caminha, os portugueses chegaram ao Brasil em 22 de abril de 1500. Esse texto inaugural do "achamento" da nova terra pela armada de Pedro Álvares Cabral acaba de ser republicado na França pela editora Chandeigne & Lima. A carta, endereçada ao rei Dom Manuel I de Portugal, abre a coletânea. Brasil 1500-1549 é uma reedição ampliada e ilustrada do livro A Descoberta do Brasil, publicado em 2000 também pela Chandeigne & Lima. A nova edição conta com um prefácio inédito de Ilda Mendes dos Santos, professora da Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3. As ciências sociais e históricas evoluíram nos últimos 25 anos, e a mudança do título se mostrou necessária. A leitura contemporânea identifica, nessas narrativas, estratégias de sobrevivência dos povos indígenas. “Falar em descoberta, ou mesmo usar a palavra encontro, suscita dissonâncias e polêmicas, pois desde 2000 houve um intenso trabalho nas ciências sociais e históricas para restituir o lugar daqueles que foram colonizados e escravizados. Por isso, pensamos a complexidade em construção, para recuperar também parte da ação, da reação e da ponderação dos povos contactados, que os textos também revelam”, explica a organizadora Ilda Mendes dos Santos. A coletânea traz a tradução para o francês de 12 relatos, cartas e ilustrações. Os documentos expressam, além das imagens de uma terra paradisíaca e de indígenas dóceis, ambivalências, perplexidades, fascínio, medo, violência e ironias sobre as primeiras décadas da presença portuguesa e o contato fatal, mas irreversível, com os povos originários. Tudo é filtrado pelo olhar europeu. As ilustrações, gravuras de época e mapas, de impressionante precisão, dialogam com os textos. As imagens trazem clichês e fabulações, mas também indícios dos saberes indígenas. “Há uma escola brasileira de cartografia que está revisitando o que esses mapas dizem. Não devemos ver essas imagens apenas como ilustrações ou fabulações ocidentais. É preciso analisar os corpos, as tatuagens, os gestos. Ver também a complexidade da nomeação dos indígenas, que podem estar representados por artefatos ou pinturas corporais. Essas representações dizem algo que foi observado, e é importante lembrar que nossos saberes estão sempre em construção e devem ser constantemente confrontados”, salienta. O primeiro francês a desembarcar no Brasil Entre os 12 textos, está o relato da viagem do francês Gonneville a Santa Catarina, em 1503, que teria sido o primeiro francês a desembarcar no Brasil. Como outras nações, a França contestou a divisão do mundo entre portugueses e espanhóis estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas e enviou, desde os primeiros anos do século XVI, expedições à costa brasileira. No entanto, a historiografia atual questiona a veracidade da viagem de Gonneville. O texto pode ter sido uma ficção criada no século XVII, mas Ilda Mendes dos Santos optou por mantê-lo na coletânea por ter alimentado o imaginário histórico e cultural da relação França-Brasil. O relato da viagem de Paulmier de Gonneville, que teria trazido para a França o primeiro indígena brasileiro, virou livro de sucesso, inspirou filmes, como o curta Uns e Outros, de Tunico Amâncio, e é celebrado em Santa Catarina. “Os registros cartográficos e os testemunhos dos primeiros contatos franceses com o Brasil datam apenas de 1520, e não de 1505, como dizia Gonneville. Apesar disso, o que o relato diz sobre esses primeiros contatos é plausível. E mais: esse texto abriu um imaginário, uma história em Santa Catarina. Não é apenas uma filiação folclórica. Temos comemorações desde o século XIX, mas sobretudo nos últimos 21 anos. Isso também precisa ser levado em conta”, defende. Nomes múltiplos Novo Mundo, Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, Terra dos Papagaios, Canibais, Terra do Brasil. No início, o território recebeu muitos nomes. A impressão e circulação desses primeiros relatos e ilustrações desde o século XVI foram fundamentais para consolidar o nome “Brasil”, oriundo da principal riqueza local, e para construir um imaginário coletivo sobre a terra conquistada pelos portugueses. A coletânea termina com a carta do primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa, ao rei Dom João III, que marca o início de uma verdadeira política de colonização. E hoje? Citando o filósofo e ambientalista indígena Ailton Krenak, Ilda Mendes dos Santos desenvolve a tese do "eterno retorno do encontro". “Quando Ailton Krenak fala do ‘eterno retorno do encontro’, ele aponta que o texto de Caminha, o texto de Vespúcio, revelam essa ambivalência do contato, que pode ser mortal, mas que também continua até os dias de hoje. O Brasil é muita terra (...) ainda muito injustiçada, muito desigual, muito violenta, e é o que dizem esses processos descontínuos”, conclui Ilda Mendes dos Santos. Brasil 1500-1549 foi publicado em francês pela editora Chandeigne & Lima, em formato de livro de bolso, com o objetivo de facilitar a circulação dos textos essenciais sobre o início do contato entre europeus e povos originários.
Serão mais ou menos 3.500 quilômetros pedalados, do Rio de Janeiro até Belém, entre biomas e intempéries, com paradas no caminho para explicar a crianças e adolescentes o que é a mudança do clima, como ela afeta o dia a dia das comunidades e por que a COP30, em novembro, é importante. A ideia da expedição do geógrafo carioca Leandro Costa surgiu durante a pandemia, quando ouviu falar pela primeira vez de ciclistas ativistas mundo afora, que pedalavam em torno das várias edições da Convenção do Clima.  Vivian Oswald, correspondente da RFI no Rio de Janeiro Para Leandro Costa, o trajeto era evidente: saía do berço da Eco-92, que assistiu quando era adolescente, primeira de todas as COPs, até a sua versão amazônica. Da estrada, ele conversou com a RFI quando estava em Paraopeba, em Minas Gerais, já entrando no Cerrado. "Eu vi que a bicicleta era um grande fomentador de boas histórias. Porque onde você para com a bicicleta, em qualquer classe econômica ou faixa etária, perguntam de onde você está vindo, para onde você está indo. Ela abre portas no sentido de não ter barreiras. Ela destrói todas as barreiras", diz. Com muita disposição, um punhado de bananas, bananadas, paçocas e muita água, Leandro tem percorrido uma média de 80 quilômetros por dia, o que, a depender das condições do trajeto, dá algo em torno de quatro a seis horas de pedal. Já pegou temporais, testemunhou queimadas e pedalou sob o sol escaldante, trocou pneu e câmaras de ar. Ele sai cedo, por volta de 6 horas para poder chegar nas localidades perto da hora do almoço. Os encontros acontecem de várias formas. Leandro bate na porta das escolas ou, agora que começa a ser conhecido, é convidado por prefeituras e professores. Ele procura se alimentar bem e foca no descanso. O maior desafio é a cabeça. "Você fica às vezes quatro, seis, oito horas pedalando sozinho, com sol, com chuva – já peguei muita chuva até o momento. Tem horas que você para e pensa: por que estou fazendo isso. Quando você acorda cedo 4h30, 5h, para sair com o sol nascendo, pensa: por que fui inventar de fazer isso?", confidencia. Em pouco tempo, vem a resposta.  "Depois que você está sentado na bicicleta, vendo esse interior do Brasil maravilhoso, com as paisagens maravilhosas, as pessoas que há nesse interior do Brasil, você vê que tudo vale à pena", garante. Retorno à faculdade A aventura começou bem antes da largada, em 2017, quando o então analista de sistemas passou a achar monótono o ambiente de trabalho e resolveu mudar de vida. Aos 42 anos, se encontrou na universidade para cursar Geografia. Essa expedição, aos 50, é a prova de que buscava algo novo. Essa viagem representa, de acordo com o carioca, um divisor de águas em sua vida. "Eu já venho num processo de transição de carreira, de analista de sistemas para educador ambiental e climático, e queria fazer um coisa que impactasse positivamente a vida das pessoas por onde eu passasse", afirma. Nesse contexto, falar que está saindo o Rio de Janeiro para chegar a Belém do Pará de bicicleta, algo muitas vezes inimaginável para as pessoas, é um sonho realizado, que "pode gerar um sonho para elas também’, destaca. Pode parecer complicado, mas o que Leandro quer é simples. "Que as pessoas possam ter um pouco de entendimento sobre a sustentabilidade, os objetivos de desenvolvimento sustentável – os ODSs de que a gente tanto fala", diz. Ele leva seu conhecimento para territórios remotos, para ajudar os moradores a entender a necessidade de adotar práticas sustentáveis. "As pessoas não têm um mínimo entendimento para saber que um alagamento na rua delas, por causa de um evento climático extremo, está sendo negociado na COP”, afirma. O objetivo da expedição é estimular uma análise crítica e promover mudanças de comportamento e estilo de vida em populações que podem aprender a reduzir os impactos ambientais. Leandro levou um ano e meio para conseguir os patrocínios que o levarão ao centro das discussões climáticas em novembro. Ele contou com o aceno imediato do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Piabanha em Petrópolis, cidade onde foi criado, e, depois de centenas de contatos, das Embaixadas da Bélgica e da Holanda. O ativista ainda foi aceito pelo movimento COP30 Bike and Ride, dos ciclistas que saíram do Azerbaijão, onde aconteceu a COP anterior, e vão fazendo trechos de 100 quilômetros até chegar a Belém.
A fotografia brasileira é um dos principais destaques da 22ª edição do festival de fotografia Photaumnales, que reúne mais de 50 exposições em Beauvais e na região de Hauts-de-France, ao norte de Paris. O tema “Habitar” convida à reflexão sobre a complexidade da moradia, transcendendo o simples ato de residir para abordar questões como sentido, memória e vínculo com um lugar. Patrícia Moribe, enviada especial ao festival Photaumnales Em plena temporada França-Brasil 2025, o diálogo com o Brasil é privilegiado no festival Photaumnales, com várias exposições de artistas brasileiros — ou franceses, como o renomado Lucien Clergue, que documentou a nova capital Brasília no início da década de 1960. As imagens do nascimento da capital dividem espaço no Parc du Châtellier, em Clermont-de-l'Oise, com as fachadas coloridas de casas térreas registradas por Anna Mariani (1935–2022), que construiu um rico acervo de arquitetura popular de todo o Brasil, reunido na série “Pinturas e Platibandas”. O trabalho de Mariani ganhou projeção internacional após ser exposto na Bienal de São Paulo de 1987. Sua filha, Daniela Moreau, veio apresentar a obra da mãe ao público francês. “Acho importante essa redescoberta. É um trabalho muito relevante, que tem mais de 40 anos”, explica. Ainda no mesmo espaço verde, Mateus Gomes expõe “Escombros”, que aborda os impactos da exploração de minério de ferro e petróleo em Campos dos Goytacazes, no norte do Rio de Janeiro. “É um trabalho em que retorno com esses agricultores e seus familiares aos lugares onde moravam e de onde foram desapropriados por meio de uma lei válida, mas aplicada de forma equivocada.” Para o artista, era importante dar visibilidade ao descaso do poder público. “Na época, Sérgio Cabral, então governador do estado do Rio de Janeiro, e Eike Batista, dono do porto, chegaram a ser presos e admitiram que houve corrupção.” Mateus Gomes usou as fotografias como apoio ao seu trabalho de conclusão de curso em Direito. “Existe uma interdisciplinaridade entre a fotografia e várias áreas do conhecimento, como psicologia, sociologia, geografia e direito”, explica, enfatizando a “importância da pesquisa nas ciências sociais para desenvolver um trabalho artístico relevante”. Japão, Brasil, Bolívia, França Com uma abordagem distinta, Tatewaki Nio apresenta seu projeto “Neo-Andina” em Beauvais, focalizando a arquitetura de El Alto, na Bolívia, especialmente os edifícios conhecidos como "cholets". Nio explicou que sua intenção, ao documentar essas casas de eventos, majoritariamente construídas pelos Aimaras, é ir além da estética. “Meu interesse não é focar apenas no exotismo, mas trazer o aspecto econômico, fotografar as casas decoradas no meio dessas construções de tijolos vermelhos ao redor.” Nio nasceu no Japão, mas se considera um “fotógrafo brasileiro”, pois foi no Brasil — onde vive há quase 27 anos — que passou a exercer a fotografia de forma profissional. Seu projeto “Neo-Andina” recebeu o conceituado prêmio de fotografia do Museu do Quai Branly, em Paris, em 2016. Uma imagem da série foi escolhida para ilustrar a edição deste ano do Photaumnales, em cartazes e panfletos. A fotógrafa catarinense Andrea Eichenberger também participa das Photaumnales com duas exposições: “Translitorânea”, em Erquery, e “Pequena Enciclopédia Sociopolítica Ilustrada do Brasil Contemporâneo”, em Noyon. O festival tem direção artística de Fred Boucher, curadoria associada de Emmanuelle Halkin e colaboração da associação Iandé, dedicada ao apoio à fotografia brasileira na Europa.
"Você sabe o que faz os produtos de luxo franceses serem admirados e reconhecidos no mundo inteiro?" Em parte, é porque essa indústria se apoia na originalidade e em um forte trabalho artesanal. Essa fonte inesgotável de criatividade e expertise tornou-se um símbolo de sofisticação e elegância atemporal. Porém, há uma escassez de mão de obra no setor, e as empresas tentam atrair novos interessados. Um evento que vai até domingo (5), no Grand Palais, em Paris, permite ao público conhecer essa verdadeira arte, transmitida de geração em geração. Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris. Em um mundo globalizado, onde a produção em massa ganha cada vez mais espaço, o artesanato continua sendo um pilar essencial da indústria do luxo na França. Aqui, os artesãos que dominam técnicas tradicionais são os guardiões de uma herança em que cada gesto é executado com paixão, em busca da perfeição. É o que explica Fabien Lauch, que trocou o antigo emprego em comunicação para esculpir cristais: "É preciso ser delicado, minucioso, paciente, mas o resultado final é magnífico. E cada vez que vemos o resultado, nós dizemos: é realmente uma profissão bonita." Ele utiliza uma lixa especial para fazer os diferentes motivos que decoram os copos da marca St-Louis, que tem 430 anos de história. Fabien conheceu a profissão por intermédio de um amigo e decidiu seguir a carreira: "Desde pequeno eu sou bastante manual. Então, eu fiz uma reconversão. Antes eu era agente de comunicação e quis fazer alguma coisa com as minhas mãos." Magalie Yin ensina os pontos de costura usados na marca de sapatos J.M. Weston, fundada em 1891. Para confeccionar um modelo da marca, são necessárias 180 etapas. "Eu adoro trabalhar com as mãos, tocar a textura do couro, fabricar coisas", ela diz em entrevista à RFI. "O que me deixa orgulhosa é ver o resultado final do trabalho." A famosa porcelana de Limoges toma forma nos moldes manuseados por Antoine Bouby, artesão da empresa Bernardaud, fundada em 1863. "E agora nós tiramos do molde e aí está. Temos uma flor, você pode ver que o gesso absorveu toda a água da porcelana, o que faz com que possamos manipulá-la", mostra à reportagem. "Nos trabalhos manuais como este, é preciso ter paixão. É algo que só se faz com o coração." Depois, a peça vai ao forno e é pintada. "Isso que estamos mostrando é uma ínfima ideia de tudo o que podemos fazer com porcelana", diz ele, que não sente que está trabalhando, mas sim desfrutando do que faz. "Quando trabalhamos um longo tempo num projeto — dois meses, seis meses, até um ano ou dois — e vemos a peça sair do forno, é uma sensação incrível." Antoine conta que o trabalho de artesão chegou a ser "denegrido" há 20 ou 30 anos, como algo destinado a quem não tinha formação acadêmica. Hoje, a situação é outra: "No fim do dia, nós fizemos alguma coisa, é concreto", ele diz. "Há gente que fez grandes estudos e agora retorna aos ateliês." Um mercado que precisa recrutar Seja na criação de louças, roupas ou acessórios, o trabalho manual está presente em tudo. No mercado do luxo, os profissionais usam as mãos para criar peças únicas e sob medida. Bordadeiras, chapeleiras... todos trazem um toque de elegância artesanal a cada criação. Essas tradições são cuidadosamente preservadas para garantir a qualidade excepcional dos produtos acabados. Ao todo, 32 empresas exibem seus ateliês no Grand Palais, em Paris, assim como 18 escolas de excelência da França nas áreas de Moda, Artesanato e Design. Sob a cúpula de vidro deste monumento do fim do século XIX, centenas de artesãos demonstram sua destreza diante dos olhos atentos do público. "O evento Les Deux Mains du Luxe é destinado a provocar a vocação nos jovens e adultos em reconversão, porque faltam 20 mil artesãos na França para os próximos cinco anos", explica Bénédicte Epinay, diretora do Comitê Colbert. "É importante dizer que estas profissões não são exercidas por falta de opção, mas por escolha", completa a executiva do grupo que reúne 98 marcas de luxo e organiza o evento. "O artesanato de arte é a coluna vertebral da indústria do luxo que o mundo inteiro deseja." Bénédicte Epinay explica que a média de idade dos artesãos atualmente é de 55 anos. Mas ela alerta: para assumir um posto numa empresa de luxo, são necessários de cinco a dez anos de formação. "O artesanato de arte é a coluna vertebral da indústria do luxo que o mundo inteiro quer. Sem o artesanato, não há indústria do luxo. Então é preciso preservar essas profissões." "A maioria das Maisons do Comitê Colbert nasceu no começo do século XIX. Já passaram por crises econômicas, guerras e novas invenções. É nossa responsabilidade hoje transmitir novamente essas técnicas aos jovens que chegam ao mercado de trabalho." A RFI conversou com Lou Stepnewisky, estudante, sobre o interesse dos jovens nesse tipo de profissão. "Infelizmente, eu não acho que o artesanato interesse muito aos jovens hoje em dia", diz. "É muito legal ver eventos como este, em que podemos ver como eles trabalham e visitar tantos ateliês." Patrimônio francês Apurar uma fragrância ou fazer um simples laço no frasco de um perfume clássico exige técnica, como explica Didy Duchesme, artesã da perfumaria Guerlain. Ela mostra os detalhes da embalagem do centenário Shalimar: "Queremos mostrar aos jovens que estes trabalhos existem, que podemos lhes transmitir e tentamos passar o gosto e o interesse de exercer essas profissões que fazem parte do patrimônio francês." Antes, ela trabalhava na hotelaria, mas também decidiu fazer uma reconversão profissional e, oito anos depois, não se arrepende: "Eu aprendi um bom trabalho que me dá muito prazer e eu tento ser fiel aos meus clientes." As casas de luxo estão divididas em sete áreas temáticas: Louças, Couro, Decoração, Gastronomia e Hospitalidade, Joias e Relógios, Moda, Perfumes e Cosméticos. "Na Hermès, a maior parte das técnicas é feita à mão", explica Alice, que trabalhava com couro para confeccionar bolsas famosas diante dos olhos curiosos do público. "Não é difícil, nós temos as boas ferramentas e a formação completa, mas tem que amar esse trabalho com couro." Em parceria com o jornal Le Monde, o evento também oferece uma série de conferências que enriquecem a experiência da visitação com depoimentos, master classes e debates sobre design, o futuro das profissões de luxo, formação e trajetórias de carreira. Ao preservar essa herança artesanal, a moda francesa continua a inspirar e surpreender o mundo.
A primeira edição da Feira Internacional de Arte Urbana e Contemporânea Spera é realizada no espaço Beffroi de Montrouge, ao sul de Paris, até este domingo (5). Dentro da Temporada França-Brasil 2025, a cena artística brasileira é homenageada no evento, que acolhe célebres galerias e representantes do street art nacional. Daniella Franco, da RFI em Paris No total, 40 galerias e mais de 100 artistas vindos do mundo inteiro se encontram neste espaço de mais 1.000 m2 de exposição, entre eles as galerias Alma de Rua e A7MA, além de nomes como Tinho, Enivo, Andre Mogle, Rafael Sliks, Fefe Talavera, célebres representantes da arte urbana nacional. A ideia de criar o evento nasceu há cerca de três anos, quando um dos idealizadores da Spera, Gary Laporte, fundador da agência Naga Creativo, pensou em uma feira que fosse além do objetivo da aquisição de obras. "Eu tinha esta sensação de ser um objeto numa caixa. Então, eu queria criar algo novo, que quebrasse o código das feiras tradicionais, onde os participantes não estão lá só para vender mas também para viver uma experiência coletiva", diz. Uma das galerias representantes do Brasil na Spera é a Alma da Rua, do curador e colecionador Tito Bertolucci, que trouxe obras de sete artistas brasileiros. Para ele, este tipo de evento ajuda a internacionalizar a arte urbana do país. "Há uma expectativa muito grande de podermos nos comparar com grandes artistas da street art já renomados. A gente quer se igualar a eles e chegar nesse topo internacional", afirma. Entre os brasileiros representados pela galeria Alma de Rua na Spera está o grafiteiro paulistano Pardal é um dos artistas representados pela galeria Alma de Rua, que não esconde seu entusiasmo com a participação no evento. "O sentimento é de muita gratidão. É a primeira vez que eu venho para cá e eu sinto essa importância da amizade entre o Brasil e a França através da arte", destaca. "Cada vez mais a gente tem que se unir, abrir oportunidade para outros artistas, expandir esses conhecimentos e espalhar o amor, que é o mais importante", reitera. Conexão entre a França e o Brasil Vários artistas brasileiros escolheram trazer para a Spera obras que abordem aspectos da cultura nacional mas que possam se conectar com o público francês. É o caso de Enivo, cofundador da galeria A7MA, que comercializa na feira peças que façam uma ponte entre São Paulo e Paris. "Eu trouxe minha produção atual, que é uma produção mais lúdica, ligada à cidade, ao afrofuturismo, à cultura periférica, a visões de futuras civilizações, que é algo que surgiu na pandemia. Apresento aqui algumas obras que têm cenas de São Paulo, como a praça Roosevelt e a praça da República, e que lembram também um pouco do cenário parisiense", diz. Fefe Talavera, outra representante do Brasil no evento, diz acreditar que, apesar das diferenças entre a arte de rua do Brasil e da França, o público francês absorve facilmente as obras dos artistas nacionais. "Acho que toda a arte vai se conectar, independentemente de ser de lá ou daqui", avalia. "Eu gosto que as pessoas aqui não veem apenas o lado exótico do Brasil, mas elas gostam de entender sobre o que trata o nosso trabalho, de conhecer a história por trás dele, e eu acho isso muito interessante", comemora.   Colaboração celebra amizade Para celebrar os laços Brasil-França a primeira edição da Spera também apresenta uma mostra realizada em colaboração entre dois famosos artistas: o francês Seth e Tinho, pioneiro do grafite brasileiro. As obras que compõem a exposição foram criadas especialmente para o evento e celebram também a amizade deste dois gigantes da arte urbana. "Eu conheci o Seth no Brasil, há um bom tempo atrás. Desde lá a gente já começou a se conectar. A gente pintou muito junto lá. Depois que ele voltou para a França, a gente ainda se encontrou em vários outros projetos na China, na Tunísia, em outros lugares", conta. "Sempre foi uma alegria encontrar com ele, a gente sempre teve uma boa amizade. Acho que essa conexão de tanto tempo, de tanta amizade, facilitou bastante para a gente conseguir fazer um trabalho em colaboração", diz. 
A busca por serviços de saúde mental e apoio psicossocial tem crescido de forma significativa, nos últimos anos, entre brasileiros migrantes no exterior e refugiados que vivem no Brasil. O aumento reflete os múltiplos fatores de vulnerabilidade que afetam essas populações — desde os traumas e pressões anteriores à migração até os desafios enfrentados após o deslocamento. Luiza Ramos, da RFI, em Paris Somente no Instagram, tags como #terapiaonline e #terapiaonlineinternacional acumulam juntas quase 6 milhões de menções. Perfis de profissionais brasileiros de saúde mental nas redes sociais com atendimento voltado especificamente para pessoas migrantes e terapia intercultural também são encontrados com cada vez mais frequência, demonstrando uma demanda real crescente. O grupo de apoio emocional HarmoniosaMente nasceu em 2023, sem o foco em migrantes. No entanto, a produtora cultural carioca Kenya Maeda, idealizadora do grupo, notou que cerca de 70% a 80% das pessoas interessadas no apoio eram de brasileiros no exterior e explica sua percepção sobre este fluxo e as dificuldades enfrentadas por aqueles que decidem mudar de país. “Eu acho que a grande questão da imigração são todos os fatores de pressão que você adiciona sobre a jornada. Primeiro, você tem que se desligar da família e da sua rede de apoio, dos seus amigos, que são às vezes amigos de infância, mesmo que seja o seu maior desejo morar no exterior ou viver uma experiência nova”, enumera. Ela aponta ainda os fatores práticos: “há todas as questões legais da imigração, os custos e decisões grandes como se você vende ou não o patrimônio que você tem no seu país de origem. Nem sempre você consegue recomeçar na sua área de trabalho. Muitas vezes você começa numa área completamente diferente, geralmente uma área inferior”. Kenya lembra ainda pontos como adaptação à nova cultura, novas pessoas e às vezes uma língua diferente. Para ela, há uma pressão muito grande sobre o imigrante, “sem falar nas questões muitas vezes de racismo, de isolamento social, que essa pessoa pode sentir eu chegar em um novo país”. Leia tambémPortugal: nova unidade policial gera tensão entre imigrantes e preocupação na comunidade brasileira Grupos de apoio surgem como uma resposta à demanda crescente Kenya Maeda, que atua ao lado da psicóloga Jaqueline Costa e da médica Anna Paloma Ribeiro, defende a criação de grupos de apoio com base em sua vivência pessoal como imigrante no Japão e, atualmente, em Portugal. Ela acredita que partilhar experiências migratórias em um ambiente de pessoas que vivem situações parecidas é mais adequado do que se abrir com um profissional que às vezes não tem as mesmas percepções. “Eu tive uma percepção clara de que, mesmo conversando com profissionais da área da saúde, muitas vezes o profissional te trata apenas como um número ou como um diagnóstico. Não te acolhe, não te ajuda a se situar. Um grupo de apoio funciona de forma diferente de uma terapia em grupo. Nós levamos um tema — uma dor que seja comum à maioria das pessoas do grupo — e cada um faz sua partilha, fala das suas questões, das suas dificuldades ou dos seus acertos”, explica Kenya Maeda. Rima Awada Zahra, psicóloga especialista em migração do Conselho Federal de Psicologia, aprova a criação de grupos de apoio emocional nesse campo, desde que haja a mediação de pelo menos um profissional de saúde mental. Especialização para psicólogos  Rima também é membro do Psimigra, coletivo com cerca de 300 profissionais, criado em 2019 para atender à alta procura por atendimento psicológico por brasileiros emigrantes — o que desencadeou na abertura da primeira especialização na área há três anos, evidenciando uma necessidade atual de letramento dos profissionais.  “A partir do Psimigra nasce a primeira especialização em psicologia e migração do Brasil. A gente percebia esse vácuo, essa lacuna de formação para os nossos profissionais da psicologia”, afirma Rima Awada Zahra, que é coordenadora do curso online pela PUC Minas. O Psimigra é um núcleo de psicólogos que trabalham com brasileiros no exterior que possuem uma demanda intercultural. Mas não só isso, segundo a psicóloga também há psicólogos que trabalham diretamente na linha de frente com refugiados, em situações mais críticas, inclusive genocídio. “Temos os profissionais que já atendem, estudantes, profissionais que fazem parte do Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha, profissionais que estão dentro e fora do Brasil, mas que falam o português”, diz.  Estrangeiros no Brasil também buscam apoio  Além disso, Rima Awada, que nasceu no Líbano, também contou à RFI sobre uma demanda inversa: o aumento de imigrantes árabes no Brasil devido aos requerimentos de asilo decorrentes dos conflitos no Oriente Médio. Ela conta que esse fluxo fez surgir outro núcleo a partir do Psimigra, o Sout Vozes em Movimento, para atender refugiados no Brasil. “A gente está reunindo psicólogos e psiquiatras voluntários que consigam falar ou árabe, ou inglês. Esse grupo surgiu e em menos de dois meses pipocou de gente. A gente está em um país, com uma grande comunidade libanesa, árabe. A gente foi 'caçando' essas pessoas e nasceu esse coletivo lindo”, destaca. Segundo os especialistas, migrantes e refugiados enfrentam taxas mais elevadas de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, em comparação com a população geral. As demandas cada vez mais altas, que vêm levando a criação de grupos, núcleos profissionais e especialização, demonstram que o cuidado com a saúde mental é essencial para garantir a dignidade, a inclusão e o bem-estar também dos migrantes.
Durante dois dias, especialistas brasileiros e franceses se reúnem no Fórum do Amanhã Paris 2025, aberto nesta segunda-feira (29), no Hôtel de l'Industrie, no centro da capital francesa. O evento discute temas como biodiversidade, mudanças climáticas, saúde, povos indígenas e movimentos sociais. A troca de experiências visa ampliar a cooperação entre os dois países, por meio de conferências, apresentações de pesquisas, livros, exposições, filmes e shows.  Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris Os convidados são profissionais que celebram a relação de mais de duzentos anos entre o Brasil e a França, como explica Sophie Tzitzichvili, fundadora da Associação "Os Aprendizes da Esperança" e diretora artística do Fórum do Amanhã Paris.  "Nós somos estrangeiros, e o estrangeiro vai ser sempre visto como um colonizador. Não há a menor dúvida. Porém, é uma questão de consciência, de respeito e de postura: de se colocar à disposição das populações, e não o contrário."    O impacto social de empresas francesas no Brasil e a cooperação bilateral em ensino superior estiveram entre os temas de destaque. Uma das mesas-redondas tratou da formação de jovens pesquisadores.  Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Everton Viera Barbosa é pesquisador na Universidade Sorbonne Paris-Nord. "Eu vim falar sobre um projeto do qual faço parte, chamado 'Arquétipo Transatlântico', submetido no ano passado por uma equipe brasileira e francesa de pesquisadores e historiadores de diversas universidades, no quadro de um projeto do CAPES-COFECUB", explica em entrevista à RFI.  "É um projeto que começou este ano e que trata das relações entre intelectuais brasileiros e franceses em relação à História, dentro da Escola dos Annales e de Frankfurt. Então, há uma relação entre França, Brasil e Alemanha, no período que vai de 1945, após a Segunda Guerra Mundial, até 1968, quando ocorreram as manifestações estudantis de maio na França e, no Brasil, o AI-5, durante a Ditadura Militar", diz.  Estatisticamente, há mais estudantes brasileiros em universidades francesas do que o contrário. No período 2023-2024, eram 5.527 brasileiros no ensino superior na França, contra 238 franceses em instituições de educação brasileiras.  Em 2020, a França foi o sétimo país mais procurado por estudantes brasileiros. No topo da lista estão Argentina, Portugal e Estados Unidos.  Entre as dificuldades para o intercâmbio acadêmico estão o financiamento, os custos de logística e mobilidade, os vistos e as diferenças linguísticas.  Os temas mais abordados por pesquisadores brasileiros na França são biodiversidade, mudanças climáticas, gestão de recursos naturais, agricultura e saúde.  Serge Borg, ex-adido de cooperação linguística e educativa da Francofonia no Brasil e professor da Universidade Marie e Louis Pasteur, de Besançon, destaca que França e Brasil  têm uma parceria sólida e duradoura.  "É uma cooperação ampla, rica, sustentada pelas Secretarias de Educação de cada estado. Temos vários programas de promoção, bolsas acadêmicas e, por enquanto, a francofonia no Brasil está em ótima posição, apesar da concorrência com o espanhol e o inglês", diz.  "Não podemos esquecer que o país com o qual a França tem a maior fronteira é o Brasil, com a Amazônia. Então, há problemáticas conjuntas dos dois lados da fronteira, e esta é uma parceria durável", acrescenta Serge Borg.  .Outro painel foi dedicado às parcerias em inovação tecnológica e fitoterapia. O encontro explorou o potencial da medicina brasileira, nascida do encontro entre povos indígenas, europeus e africanos, integrando plantas medicinais, rituais e experiência cotidiana.  Entre as empresas participantes está o laboratório francês Apis Flora, que produz própolis em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, desde 2017, tornando-se o principal produtor desse produto originário de abelhas no Brasil. O grupo que atua em quase 40 países, tem um faturamento anual de R$ 120 milhões no Brasil, onde a empresa cresceu 160% nos últimos três anos.  "O Brasil, hoje em dia, é uma filial e um país muito importante, que nos permite ter um abastecimento de matéria-prima e plantas que são especialidades do grupo", disse Stéphane Lehning, presidente do laboratório Apis Flora, em entrevista à RFI. A empresa Meu Amour Brasil produz peças com uso do Capim Dourado, que nasce no Jalapão. "É um artesanato que preserva a natureza e que é um tesouro do Brasil, que tem que ser conhecido pelo mundo", diz a fundadora da empresa, Isabela Cardoso.  As discussões ao longo desses dois dias resultarão em um documento destacando os principais temas e desafios para o futuro, que poderá ser compartilhado com órgãos públicos e privados. O encontro ganha mais relevância às vésperas da COP 30 no Brasil.  Um desfile de moda e um concerto de choro encerram a programação do Fórum do Amanhã Paris 2025. 
Mais de um ano depois das enchentes históricas que assolaram o Rio Grande do Sul, algumas marcas e traumas da catástrofe continuam presentes. Para refletir e preservar a memória deste triste episódio, os artistas e pesquisadores gaúchos Marta Haas e Pedro Isaias Lucas iniciaram um trabalho conjunto de registros das consequências e das marcas deixadas pelas inundações, que aconteceram em maio de 2024. Renan Tolentino, da RFI, em Paris Os dois pesquisadores brasileiros vieram a Paris para mostrar o resultado de meses de pesquisa. A apresentação em solo francês faz parte da programação cultural do Ano do Brasil na França, que visa fortalecer os laços diplomáticos entre os dois países. No trabalho, Marta e Pedro abordam a temática da memória nas artes cênicas e no audiovisual. “A ideia da pesquisa surgiu a partir de uma conversa com a nossa orientadora acadêmica, professora Graça dos Santos. A partir daí, a gente resolveu trabalhar com as nossas impressões e vivências da enchente, levantar dados, buscar testemunhos e marcas na cidade (Porto Alegre). O objetivo era fazer uma coleta de informações e de imagens para formar um corpo de testemunho para as pessoas que não viveram essa catástrofe climática”, explica Pedro. Formados também em artes cênicas, eles aliaram os registros audiovisuais a uma palestra-performance intitulada "Anotações sobre uma enchente e suas marcas", para apresentar a pesquisa ao público de uma forma mais sensível e reflexiva. “A gente já tinha trabalhado com esse formato da palestra-performance antes, quando a gente esteve aqui em Paris apresentando outro trabalho, que fazia um paralelo sobre as ditaduras brasileira e portuguesa. Então, a gente pensou que este mesmo formato, no qual a gente traz esses dados da pesquisa, aliado a esse momento mais performático, no qual a gente traz a presença, traz o corpo e a encenação. Isso potencializa o impacto no público, como o público percebe as informações que a gente está apresentando”, complementa Marta. Leia tambémCientistas relacionam mudanças climáticas a quase 18 mil mortes durante verão de 2025 na Europa Na terça-feira (16), os dois estiveram na Universidade Paris Nanterre e, nesta quarta (17), apresentaram a palestra-performance na Casa Portugal, na Cidade Universitária, sob os olhares atentos dos alunos do Colégio Montaigne. “Foi marcante e impressionante, para mim, ouvir sobre essas inundações através do trabalho deles. Também foi interessante ouvir o relato dos moradores contando sobre como fizeram para sobreviver”, reflete a estudante franco-brasileira Madeleine Machado, que vive em Paris com a família. Uma terceira apresentação ocorrerá nesta quinta-feira (18), às 19h, na Casa Brasil, que também fica na Cidade Universitária. Cidade marcada pela inundação Imagens coletadas por Marta e Pedro em fachadas de imóveis mostram as marcas deixadas pela água, meses depois da tragédia. Pedro conta que foram feitas quase uma centena de imagens em diversos locais de Porto Alegre, onde a pesquisa se concentrou. A performance tem diferentes camadas, com elementos informativos e lúdicos, incluindo uma representação do cavalo ilhado em Canoas, que se tornou um dos símbolos da catástrofe, lembrando o drama vivido também pelos animais. Ao longo da apresentação, os dois se vestem com trajes de limpeza em referência aos trabalhos pós-inundações – etapa igualmente difícil de enfrentar, segundo eles.  Uma boa parte do tempo é dedicada ao relato pré-gravado de moradores que vivenciaram as inundações e tiveram suas vidas afundadas na lama, com danos materiais e emocionais. Vivendo drama na pele As enchentes de maio de 2024 foram as piores já registradas no Rio Grande do Sul, atingindo 450 cidades ao longo de duas semanas, deixando mais de 180 mortes e 200 mil desabrigados. Naturais de Porto Alegre, Marta Haas e Pedro Isaias sentiram na pele o drama da catástrofe. A sede do grupo teatral “Oi Nóis Aqui Traveiz”, do qual os dois fazem parte, foi invadida pela água, causando grande prejuízo material. “O teatro onde a gente trabalha também foi alagado. Permaneceu alagado durante quase um mês. A água chegou a 1,70m de atura. Também registramos a situação quando a gente pôde reabrir. É um momento bem impactante quando a gente reabre um espaço que ficou tanto tempo debaixo d’água, ao mesmo tempo que foi um ato coletivo a reabertura do teatro, porque tinha dezenas de pessoas dispostas a ajudar a limpar. Passamos muitos dias fazendo a limpeza”, recorda Marta. Também presente para acompanhar a performance, a professora Graça dos Santos, orientadora dos brasileiros e coordenadora do Departamento de Estudos Lusófonos da Universidade Paris Nanterre, estava no Brasil quando as enchentes começaram. Ela relatou sua incredulidade diante da quantidade de chuva que caiu no estado e ressalta a importância do trabalho dos pesquisadores brasileiros para gerar uma reflexão sobre o ocorrido. “Não parou de chover o tempo todo em que estive lá (10 dias) e a água começou a subir muito. Mas também pude constatar a solidariedade das pessoas, que se dispuseram rapidamente para ajudar o próximo (...) O trabalho que a Marta e o Pedro fazem é muito importante do ponto de vista científico e artístico, pois também são artistas, o que dá uma repercussão e força ao trabalho de investigação deles”, opina Graça dos Santos. Percepção atual Passados quase 18 meses da catástrofe, Marta e Pedro relatam o temor de que algo semelhante venha a acontecer novamente e lamentam que a sensação atual é de que não houve avanço no que diz respeito à prevenção. “A percepção que a gente tem é que ainda estão tentando consertar o sistema antienchente, a população quer isso, porém temos gestores públicos que negam o aquecimento global, acreditam que o que aconteceu foi um caso atípico, que a natureza foi a responsável”, lamenta Pedro. Os dois pesquisadores trabalham para preservar a memória das terríveis consequências das enchentes de 2024 no estado. A sociedade gaúcha, por sua vez, espera que as autoridades se mobilizem para que este episódio fique só na lembrança e não volte a se repetir.
Os versos “Pode crê! Mas só pra te lembrar: Periferia é periferia em qualquer lugar”, da música Periferia Brasília, do rapper GOG, abrem a exposição Les Lucioles (“Os vaga-lumes”, em português): arte, cultura e esperança nas periferias urbanas do Rio de Janeiro e de Paris. A mostra, resultado de uma pesquisa acadêmica conjunta entre França e Brasil, está em cartaz na Maison de Sciences de l’Homme, em Saint-Denis, na periferia norte de Paris. A exposição revela a prática e a produção de coletivos culturais das periferias do norte e oeste do Rio de Janeiro e de Paris, especialmente de Saint-Denis e Stains. Ela é fruto de uma pesquisa codirigida pelas professoras Silvia Capanema, da Universidade Sorbonne Paris Nord, e Adriana Facina, do Museu Nacional da UFRJ. Durante mais de dois anos, os pesquisadores observaram as formas de criação e resistência de 30 coletivos periféricos cariocas e parisienses. Com fotos, textos e vídeos acessíveis por QR Codes, a exposição destaca a produção de 14 desses grupos — metade brasileiros, metade franceses — evidenciando o caráter comparativo e dialógico da pesquisa.   “Uma teoria pensada no Brasil pode ajudar a refletir sobre as periferias francesas hoje (e vice-versa). Então, mostramos essa transferência de experiências práticas e de formas de pensar as periferias”, explica Silvia Capanema. O estudo revelou uma dinâmica intensa e uma diversidade cultural “impressionante” nas periferias, que vai muito além do hip hop. “Quando se pensa em periferia, muitas vezes se associa apenas ao movimento hip hop. Mas há muito mais: samba, coletivos de artistas, música clássica, teatro, choro... A cultura popular é muito rica”, afirma a professora da Sorbonne Paris Nord. Outro ponto relevante observado foi a presença do “Sul global no Norte global”, especialmente na Europa. “Vimos isso na França, nas periferias, com forte presença de imigrantes e do Caribe francês. O Carnaval chega à França por meio do Caribe francês e das periferias”, destaca Silvia Capanema. Carnaval como metáfora O Carnaval, representado na exposição por três coletivos — os brasileiros Loucura Suburbana e Barracão da Mangueira, e o francês Action Créole — aparece como uma metáfora poderosa dessa dinâmica. A antropóloga Patricia Birman, da UERJ, participou da jornada de estudos que inaugurou a exposição em 12 de setembro, falando sobre o Carnaval no Brasil e na França. Segundo ela, “o que une é a festa. Qualquer festa pode ter um sentido carnavalesco. E a música — a potência da música nos grupos é essencial”. Adriana Facina, que estuda há anos o coletivo Loucura Suburbana, destaca que os coletivos não fazem apenas cultura: “Para eles, cultura é trabalho”. Um bom exemplo é o Carnaval carioca. Sthefanye Paz, que defendeu uma tese de doutorado sobre a Mangueira, lembra que a importância do Carnaval para a comunidade vai muito além dos quatro dias de festa. “O Carnaval funciona com uma base de trabalho de cerca de dez meses por ano, não é só aquela única semana. São muitas pessoas envolvidas, correndo atrás dos seus sonhos para que o Carnaval aconteça nas ruas. Minha pesquisa faz essa relação entre a festa e o trabalho das pessoas que a constroem”, relata a pesquisadora, que também participa da cadeia produtiva da escola de samba desenvolvendo enredos.   Formas contemporâneas de movimentos sociais A precariedade de sobrevivência e a luta por reconhecimento e estabilidade são semelhanças estruturais entre as periferias dos dois países. Os coletivos culturais têm papel central na vida das comunidades e atuam como formas contemporâneas de movimentos sociais. Adriana Facina explica que o nome da exposição se inspira no conceito de “vaga-lumes” do filósofo francês Georges Didi-Huberman, que reflete sobre o papel dessas “luzes frágeis e intermitentes, que apontam caminhos alternativos em períodos muito sombrios”, como o fascismo. “Para nós, hoje, os movimentos culturais das periferias urbanas — especialmente em Paris e no Rio de Janeiro — são esses vaga-lumes. Eles enfrentam o racismo, a xenofobia, a extrema direita e o capitalismo em sua fase mais selvagem, marcada pela precarização e pela perda de direitos”, detalha a pesquisadora do Museu Nacional. “O que esses coletivos propõem em seus territórios aponta caminhos para transformar o mundo em outra direção”, completa. Orgulho suburbano A cultura periférica vem ganhando espaço e se tornando o centro da inovação cultural. Sandra Sá Carneiro, da UERJ, que estuda o coletivo 100% Suburbano, destaca a valorização atual da cultura suburbana. “Esses coletivos atuam justamente valorizando essa identidade e a cultura suburbana. Há várias manifestações culturais. O grupo que estudo trabalha com o choro, como forma de resgatar a identidade e a sociabilidade carioca. Outros coletivos atuam com cinema, teatro, Carnaval, samba... É uma grande aposta em repensar essas regiões, marcadas por forte territorialização e desigualdade social”, afirma Sandra Sá Carneiro. Lição brasileira de democracia A exposição Les Lucioles foi inaugurada no dia seguinte à condenação do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro pela trama golpista. A coincidência foi considerada simbólica pelas codiretoras da pesquisa. Segundo Silvia Capanema, que além de professora é deputada regional de Saint-Denis, “a França está interessada em entender que lição de democracia o Brasil está dando. Esses coletivos culturais também são frutos de processos democráticos. Sem democracia, não há cultura, não há diversidade. Eles também defendem a democracia, pois são fortemente contrários ao fascismo”. Adriana Facina retoma uma ideia do filósofo Paulo Arantes e fala da “brasilianização” do mundo, como a ampliação da precarização do trabalho. “Mas também há uma ‘brasilianização’ positiva, que é a potência das periferias.” Para ela, com a condenação de Bolsonaro, surge uma terceira comparação: “Hoje, podemos falar de uma ‘brasilianização’ do mundo no sentido de uma defesa radical da democracia. O Brasil está dando uma lição ao mundo. Espero que isso inspire outras democracias, às vezes consideradas mais fortes que a nossa”, diz.   Democratização da ciência Em vez de encerrar a pesquisa com os tradicionais artigos e livros acadêmicos, as organizadoras optaram por uma exposição para ampliar o alcance e democratizar a ciência. “Sabemos que livros e artigos são muito importantes, mas não atingem um público amplo, especialmente o não especializado. Nossa ideia foi fazer da exposição um resultado acessível da pesquisa, voltado ao maior número de pessoas possível — sobretudo aos próprios participantes da pesquisa: os coletivos culturais que abriram suas portas, responderam às nossas perguntas e atuaram como cocuradores, enviando fotos e participando ativamente do processo”, compartilha Adriana Facina. A exposição Les Lucioles: arte, cultura e esperança nas periferias urbanas do Rio e de Paris fica em cartaz na Maison de Sciences de l’Homme, em Saint-Denis, periferia norte de Paris, até 30 de janeiro de 2026.
As ruas de Paris ganharam um colorido baiano neste domingo (14) com a Lavagem da Igreja da Madeleine, que acontece anualmente desde 2002 na capital francesa e já faz parte do calendário oficial da prefeitura parisiense. O evento tem raízes na tradicional lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador. Renan Tolentino, da RFI, em Paris Esta 24⁠ª edição também faz parte da programação do Ano do Brasil na França, que tem o objetivo de fortalecer os laços históricos e culturais entre os dois países, em comemoração aos 200 anos de suas relações diplomáticas. “Para mim, é uma alegria passar a mensagem dessa história da Lavagem para a França e para o mundo afora (...) Essa edição é especial por conta do Ano do Brasil na França. Isso fortalece a difusão, também temos mais apoio. A Lavagem também faz parte do patrimônio cultural imaterial da França, isso é bom para proteger e perenizar o evento, que vai ficar no calendário. Essa relação França-Brasil vai continuar por uma longa data”, diz Robertinho Chaves, idealizador da Lavagem da Madeleine. “Quando começamos lá atrás, há mais de 20 anos, não imaginava que seria tão apoteótico do jeito que é hoje. Fico feliz que tenha dado certo”, comemora Robertinho. A modelo e apresentadora carioca Cristina Córdula, personalidade conhecida do público francês e que vive em Paris, é madrinha do evento e também celebra esse reconhecimento. “Sou madrinha do evento há muitos anos. Para mim é uma honra. É um movimento muito bonito, na paz, sem briga, todo mundo junto para dançar e passar um momento legal, com essa bênção final na igreja. E este ano, a Lavagem da Madeleine tem muita força por ser o Ano do Brasil na França”, pontua Cristina. Olodum aquece o público debaixo de chuva Entre diversas atrações, a programação deste ano trouxe, pela primeira vez, o grupo baiano de percussão Olodum, que animou o público ao lado de Armandinho em cima do tradicional trio-elétrico. “Primeira vez que o Olodum vem, sempre tive esse sonho de trazê-los e agora foi realizado. Por ser um grupo tão grande, também fortalece a divulgação e o interesse das pessoas no evento”, destaca o organizador Robertinho.  “É muito bom trazer a cultura da Bahia e de Salvador para Paris, com muita energia, muita elegância, com esse samba-reggae, que é uma música do mundo. Impressionante o número de pessoas que estão aqui. É muito gratificante para nós do Olodum viver essa atmosfera brasileira em Paris”, conta Thiago Silva, percussionista do grupo. Leia tambémJau celebra retorno a Paris na Lavagem da Madeleine ao lado do Olodum Nem a chuva foi capaz de esfriar a disposição das milhares de pessoas nas ruas, entre brasileiros e franceses. Para a baiana Carla Rodrigues, acompanhar a apresentação do Olodum em Paris fez reviver memórias afetivas. “Estou muito feliz que o Olodum está aqui hoje. Me toca muito, porque a última vez que estive no show deles foi em Salvador, junto com a minha avó, que Deus a tenha. Foi um momento muito importante para mim que não vou esquecer nunca. É uma forma também de estar perto do Brasil. Acredito que todo mundo aqui hoje está com a mesma sensação, de estar em casa, de acolhimento”, conta Carla. Já a pernambucana Deusamir, que vive em Paris há 17 anos, viveu uma experiência inédita, tanto na apresentação do grupo quanto na Lavagem da Madeleine. “É a primeira vez que venho ao evento e é a primeira vez que vou ao show do Olodum. No Brasil nunca tive oportunidade. Que maravilha, estou muito contente. A gente está aqui para dançar, sorrir e mostrar para esse povo que o Brasil está na moda”, celebrou. Entre o público presente, cada participante vivencia de uma forma particular este evento multicultural. Cátia, por exemplo, aproveitou para comemorar seu aniversário. “Estou fazendo 50 anos hoje e vim festejar aqui, com o Olodum, na Lavagem da Madeleine”, contou a brasileira Cátia. Aos 74 anos, Nilza dos Santos conta que acompanha a Lavagem da Madeleine há quase 17. Quase todos os anos ela viaja de Salvador para Paris para participar do cortejo, junto com a filha, Viviane, que mora na Holanda. “Minha filha mora aqui na Europa há 30 anos e foi ela quem me falou desse evento. Como eu faço parte de outros movimentos culturais em Salvador, achei interessante. Aí, me encantei pela Lavagem da Madeleine. Acompanho já há 17 anos e quase todos os anos estou aqui. A integração e o encontro de pessoas é sempre bom. Isso faz bem tanto para Paris, como para Salvador e a Bahia”, diz dona Nilza. “Me senti como se eu estivesse participando de um evento na Bahia, de onde eu venho. É uma coisa muito impressionante fechar as ruas de Paris para que o cortejo brasileiro possa passar”, conta Viviane dos Santos. Manifestações políticas Além de festejar muito, parte do público aproveitou o evento também para se manifestar politicamente. Ao longo do cortejo, um grupo apartidário ostentava cartazes com a frase "Sem Anistia", em referência ao julgamento dos suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe de Estado no Brasil, no ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos de prisão. “Somos um grupo apartidário, onde todos são bem-vindos, basta ser antifascista. Temos que entender que tudo é político, então, devemos aproveitar todos os espaços para nos manifestar. E a Lavagem tem uma visibilidade muito grande, até internacional”, explica Marcia Camargos, coordenadora do grupo Sem Anistia. “Neste momento, temos que unir todas as forças, as forças progressistas, de esquerda em defesa do Estado Democrático de Direito”, opina. Após duas horas de cortejo e muita música, a euforia dá lugar à reflexão e ao sincretismo religioso com o início da lavagem das escadarias da Madeleine, comandada pelo babalorixá Pai Pote ao lado do pároco da igreja, o monsenhor Patrick Chauvet. “Estamos aqui representando o povo negro, brasileiro, celebrando nossa resistência, nossa negritude, mas também estamos celebrando a paz, o amor e a alegria no mundo. Muito axé para todos”, disse Pai Pote. No Ano do Brasil na França, a Lavagem da Madeleine mostra que a diplomacia e a boa relação entre dois países se constrói também nas ruas, através de uma rica mistura cultural.
Lisboa será, entre os dias 11 e 14 de setembro, palco do Brasil Origem Week, evento internacional que celebra a diversidade cultural, gastronômica e empresarial do Brasil. A programação acontece no Pátio da Galé, na Praça do Comércio, e reúne chefs renomados, empresários, autoridades e especialistas. O evento inclui workshops, fóruns, apresentações culturais e experiências gastronômicas. Luciana Quaresma, correspondente da RFI em Lisboa A gastronomia brasileira é um dos grandes destaques do evento. Entre os chefs convidados estão Márcio Ricci, que apresentará o tradicional arroz Maria Isabel; Cidália França, com receitas à base de tapioca e Natacha Fink, com seu prato inovador de camarão Uareni. Carol Brito conduzirá o showcooking “O Pequeno Notável da Cozinha Baiana: Acarajé”, trazendo ao público os sabores típicos da Bahia de forma criativa e contemporânea. Carolina Sales, conhecida por seus doces sofisticados, compartilhará a receita do “Brigadeiro de laranja: a bossa doce do Rio”. A chef carioca defende que a cozinha brasileira tem papel essencial na valorização da biodiversidade e da identidade cultural. Segundo ela, é importante revelar novas facetas da culinária nacional além do churrasco e da feijoada, apostando em propostas autorais e contemporâneas que serão apresentadas no evento. “Quero revelar uma faceta mais autoral e contemporânea da cozinha brasileira. O brigadeiro, por exemplo, pode ser reinventado com chocolate amargo e laranja, trazendo sofisticação, frescor e equilíbrio à doçura, mostrando que nossa confeitaria dialoga com a alta gastronomia”, explica Sales. Além da gastronomia, Raquel Lopes, da Casa Cachaça, conduzirá experiências sensoriais com a tradicional bebida brasileira, apresentando sua história e os processos de produção. Para a especialista e curadora, o maior desafio ainda é o desconhecimento do público em relação à bebida símbolo do Brasil. “Nossa equipe tem exatamente esse objetivo: desenvolver um trabalho pedagógico com consumidores e bartenders, mostrando a diversidade das madeiras, as possibilidades de criação de drinques e, claro, o prazer de apreciá-la pura”, explica. Segundo ela, a participação no Brasil Origem Week reforça esse movimento de valorização. "Já é a terceira ou quarta vez que participo, e é maravilhoso, porque o público tem contato direto com a gente. Podemos contar a história da cachaça, orientar nas degustações e até ajudar na escolha de uma garrafa para levar para casa ou oferecer de presente. Essa conexão é muito importante para o futuro da cachaça”, afirma. Impacto e objetivos Para Marco Lessa, idealizador do Brasil Origem Week, o evento vai muito além de uma feira cultural ou da promoção de produtos brasileiros. Segundo ele, trata-se de uma celebração do Brasil. O evento, diz, reúne diferentes setores ligados ao país, desde produtores com potencial de exportação até agentes de turismo, passando por cultura, arte e ciência. “Ele reúne vários ativos do Brasil, tanto do ponto de vista de quem mora no exterior quanto de quem produz e sabe que tem potencial para exportar, além de quem tem capacidade de receber o visitante estrangeiro e promover o turismo”, explica. Além de negócios e investimentos, o Brasil Origem Week promove o encontro de brasileiros residentes fora do país com visitantes internacionais. “Todo mundo se reúne para viver um pouco do Brasil”, completa. A estratégia do evento, segundo o organizador, é mostrar que cada aspecto da cultura e dos produtos brasileiros contribui para a reputação global do país. “Um produto brasileiro, uma característica do Brasil, um aspecto cultural transfere reputação para outro ativo e faz com que a gente tenha ganho de qualidade. Dessa forma, o Brasil pode mostrar toda a sua riqueza por meio das diversas atividades durante o evento.” Segundo Lessa, a promoção de destinos e produtos brasileiros não está apenas associada ao turismo. “Trata-se de construir narrativas consistentes que unem identidade, cultura, sustentabilidade e inovação. Lisboa é um ponto estratégico para apresentar o Brasil à Europa e fortalecer conexões duradouras”, afirma. O evento também contará com um espaço dedicado à música e aos sabores do Brasil, com apresentações ao vivo, incluindo Theodoro Nagô interpretando clássicos de Jorge Aragão, proporcionando aos visitantes uma verdadeira imersão na cultura musical brasileira. Fóruns e workshops temáticos O Brasil Origem Week vai oferecer uma série de fóruns e workshops especializados. Entre eles, está o workshop de internacionalização, voltado para estratégias que permitam a empresas brasileiras expandirem suas operações para Portugal e outros países da Europa. O Fórum Mulher abordará a atuação feminina nos negócios e na cultura, enquanto o Fórum Brasil-Portugal discutirá oportunidades de cooperação internacional, intercâmbio e fortalecimento das relações comerciais entre os dois países. Larissa Abreu, uma das palestrantes do evento, destacou como sua identidade luso-brasileira molda a forma de comunicar no ambiente digital e levará o tema ao público presente. “No Brasil, temos intensidade, calor humano. Em Portugal, encontramos profundidade e tradição. No digital, a mágica acontece quando conseguimos juntar as duas coisas”, afirmou. Segundo ela, sua palestra será um convite para repensar a maneira de vender serviços. “Quero mostrar como gerar desejo pelo seu serviço sem cair no óbvio, sem ser chato. Porque vender não é insistir. É despertar curiosidade e criar conexão.” Larissa reforça que suas estratégias se adaptam tanto ao público português quanto ao brasileiro, sempre com autenticidade. “No fim, comunicar é sobre encantar, não apenas convencer. É isso que eu levo comigo: um pedacinho do Brasil, um pedacinho de Portugal e a certeza de que, quando contamos nossa história de verdade, as pessoas não só escutam, elas desejam fazer parte.” A abertura oficial do evento contará com o workshop internacional de turismo, com a presença de representantes do Governo da Bahia, do turismo de Ilhéus e de Maricá, além de especialistas em estratégias de promoção internacional de destinos. O painel terá como tema “Brasil: Um País, Tantos Destinos – Diversidade, Sustentabilidade e Estratégias para a Promoção Internacional”. Cultura e experiências imersivas O Brasil Origem Week também busca impulsionar oportunidades de negócios e intercâmbio, destacando o Brasil como um país plural e inovador, capaz de gerar experiências culturais, gastronômicas e comerciais de relevância internacional. A curadoria do evento, segundo Frederico Pimentel, um dos organizadores, foi pensada para refletir a riqueza e a pluralidade da gastronomia brasileira, unindo ingredientes, histórias e territórios de diferentes biomas. Ele destaca que a seleção de chefs e produtores priorizou autenticidade, tradição e inovação, trazendo tanto os clássicos da cozinha nacional em sua forma original quanto releituras criativas. “Nosso objetivo é projetar o Brasil como um país de criatividade, diversidade e excelência gastronômica, fortalecendo a imagem do país junto ao público europeu”, afirma. Para ele, a gastronomia é uma forma de arte e comunicação cultural, capaz de transmitir identidade e contemporaneidade, criando pontes entre cultura, turismo e negócios. Nesse sentido, o Brasil Origem Week se consolida como uma plataforma de encontros, onde produtores apresentam produtos de origem com valor agregado, chefs reinterpretam tradições e o público vive experiências sensoriais únicas. “A tradição aparece nos pratos e nas histórias, enquanto a inovação surge nas técnicas e conexões criadas, projetando um Brasil contemporâneo e autêntico”, completa.
Paris se transformou em um terreno de debate e conscientização ambiental no Dia Internacional da Amazônia, celebrado nesta sexta-feira, 5 de setembro. Para marcar a data, o Greenpeace França realizou em frente à prefeitura da capital um evento de mobilização em defesa da maior floresta tropical do mundo, com a participação de representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Renan Tolentino, da RFI, em Paris Para Luana Kaingang, que integra a Apib, esta é uma oportunidade de levar à comunidade internacional as reivindicações dos povos originários, que têm uma relação de subsistência com a Amazônia. “A gente vem construindo esse espaço há muitos anos. A gente costuma dizer que é uma luta para poder fazer a preservação dos biomas brasileiros e poder também garantir o futuro dos nossos filhos”, reflete Luana Kaingang. O objetivo principal do evento é alertar governantes e a população em geral sobre a urgência de agir para evitar a destruição do ecossistema da Floresta Amazônica, que atualmente tem mais 17% de território degradado, segundo dados do Greenpeace e de outros órgãos que fazem esse monitoramento. Efeitos do acordo entre Mercosul e UE Entre as principais pautas está o acordo de livre comércio entre os países sul-americanos do Mercosul e a União Europeia (UE). Os representantes da Apib se posicionam contra o tratado por temerem que ele contribua para o aumento da degradação florestal. Por isso, pedem também que a Regulamentação da União Europeia sobre Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês) se estenda ao Brasil. Essa lei visa impedir a entrada em países da UE de produtos que contribuem para a degradação ambiental em sua produção. “Aqui em Paris, a gente vem para afirmar que somos contra o acordo entre a União Europeia e o Mercosul e também exigir que a EUDR seja assinada. "A proteção dos nossos territórios depende do acordo não ocorrer e essa regulamentação também ser aprovada”, explica Luana. Também representante dos povos indígenas no evento em Paris, Otacir Pereira, da etnia Terena, avalia que o acordo entre os dois blocos pode enfraquecer a proteção sobre áreas demarcadas para atender ao aumento da demanda de mercado. “O acordo entre o Mercosul e a União Europeia traz um fortalecimento do aumento da produção. Para aumentar a produção precisa aumentar sua área de capacidade de produção de milho, de gado, de carne bovina, de soja, entre outros. E isso está ligado diretamente às áreas indígenas”, argumenta. “Os problemas de exploração ambiental dentro dos territórios indígenas são generalizados para todo o Brasil. Todas as áreas indígenas estão sujeitas a serem exploradas pela legislação de hoje”, critica Otacir. Cenário preocupante  A Floresta Amazônica se estende por oito países, mais a Guiana Francesa, com uma área de quase 7 milhões de quilômetros quadrados. A maior parte deste território, 60%, está no Brasil. Mas a preocupação é global, já que a floresta é importante para a estabilidade climática do planeta. No entanto, essa função é profundamente prejudicada pelo desmatamento, que libera uma grande quantidade de gás carbônico na atmosfera, contribuindo para o aumento do efeito estufa. Leia tambémIncêndios na Amazônia comprometem qualidade do ar em outros países, aponta relatório Questões que poderão ser debatidas na próxima COP30, que será realizada em Belém, no Brasil, em novembro. “Esperamos que a COP30 não seja apenas um palanque de publicidade do clima. Esperamos resultados de fato, que os países façam valer o papel do Acordo de Paris — assinado em 2015 para combater as mudanças climáticas”, projeta Otacir. Apesar da falta perspectiva, os representantes dos povos indígenas e ativistas esperam que o Dia da Amazônia não seja só mais uma data no calendário, mas que, através de ações e debates, contribua para uma virada de chave no combate ao desmatamento florestal.
A guerra entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza já matou mais de 200 jornalistas desde que começou, há cerca de dois anos. Motivadas por esse dado alarmante, as ONGs Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e Avaaz, que dá voz a ações da sociedade civil na internet, lançaram neste mês de setembro uma campanha de apoio aos jornalistas palestinos no território, com a participação de mais de 150 veículos de comunicação de todo o mundo. As organizações pedem proteção para os profissionais e o acesso da imprensa internacional ao enclave. Correspondente da RFI em Gaza, Rami El Meghari, elogia a iniciativa e alerta para o risco de vida que os profissionais de imprensa encaram neste momento naquela região para levar informações ao mundo sobre o dia a dia do conflito. “A meu ver, a campanha da Repórteres Sem Fronteiras é muito importante. Para mim, El Meghari, jornalista de longa data da Rádio França Internacional, é realmente muito importante. Especialmente neste momento crucial em que profissionais de imprensa estão sendo alvos, de uma forma ou de outra, por ações militares israelenses. Então, agradeço de verdade por essa iniciativa”, comenta o correspondente. Leia tambémGaza: ONGs lançam campanha em solidariedade a jornalistas palestinos e pretendem criar redação flutuante Em meio à guerra entre Israel e Hamas, a Faixa de Gaza vive sob um quase blackout midiático. Os jornalistas palestinos são alvos de ataques e os estrangeiros não são autorizados a entrar. El Meghari, que trabalha há 14 anos para a RFI, é um dos que resistem. Neste cenário catastrófico, seu dia a dia se resume a duas palavras: sobreviver e trabalhar. “Um dia típico para jornalistas em Gaza começa com a busca por necessidades básicas como a água. Você precisa garantir que haja água disponível o tempo todo, onde quer que esteja. Precisa garantir que sua família tenha o suficiente para comer, no café da manhã, no almoço. Você precisa garantir energia elétrica para carregar seu telefone, para recarregar suas luzes de LED. O dia de um jornalista [em Gaza] é, portanto, bastante intenso. Você se divide entre suas responsabilidades profissionais e suas responsabilidades como chefe de família”, explica. Apesar dos riscos, o correspondente continua trabalhando e indo ao campo de refugiados de Meghazi, no centro de Gaza, movido pelo sentimento de obrigações com sua família e com a sociedade. “Para mim, como repórter há 25 anos, sempre me pareceu um dever fazer todo o possível para contar essa história ao mundo. Principalmente porque, hoje, não há jornalistas estrangeiros em Gaza. Então, é minha responsabilidade fazer o meu trabalho”, diz El Meghari. “Outro motivo, é a obrigação comigo mesmo e com a minha família. Porque essa é a própria natureza do meu trabalho como jornalista independente. Se eu não trabalhasse, isso significaria que eu morreria de fome, não teria o que comer e não conseguiria alimentar minha família. Se eu trabalho, eu posso sobreviver. Sem isso, minha família e eu não conseguiríamos aguentar”, pondera. “Sonho deixar esta parte do mundo” Para El Meghari, a Faixa de Gaza é o lugar mais “mortal do mundo”. Sentimento reforçado pelos números do conflito. Desde o início da guerra, mais de 63 mil pessoas foram mortas no território palestino, a maioria civis, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo governo do Hamas. Por conta disso, além de trabalhar diariamente, neste momento o repórter também luta para ser removido do território palestino junto com sua família. Um sonho, em suas palavras, que ele tenta realizar há mais de um ano: “Em fevereiro de 2024 foi minha primeira tentativa de sair. Porque sempre senti que a situação estava se tornando cada vez mais perigosa. Não é mais um lugar habitável. Não apenas para mim como jornalista, mas também como pai, cuidando dos filhos, que precisam de um presente e de um futuro melhor. Mas tanto o presente quanto o futuro estão faltando em Gaza no momento. Não é mais seguro, não é mais habitável. Sonho em deixar esta parte do mundo”, conta. O correspondente conclui fazendo um apelo para que o governo francês retome a evacuação de jornalistas em Gaza. “Assim, eu e outros poderemos deixar Gaza muito em breve”, diz esperançoso. Também por isso é atual e necessária a campanha lançada pela RSF em solidariedade aos jornalistas palestinos em Gaza. Para preservar a vida daqueles que, assim como Meghari, arriscam sua própria segurança para levar ao mundo todos os fatos do conflito.
Em Portugal, a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (Unef), subordinada à Polícia de Segurança Pública (PSP), tem causado apreensão entre imigrantes que vivem no país e despertado alerta entre representantes da comunidade brasileira. Lizzie Nassar, correspondente da RFI em Lisboa A Unef foi anunciada pelo governo português em setembro de 2024 e entrou em funcionamento no dia 21 de agosto. A nova força herdou cerca de 100 mil processos pendentes de afastamento de imigrantes em situação irregular, alguns estavam parados há 50 anos. Somente em Lisboa, estima-se que existam 20 mil processos ativos. Até outubro de 2023, o extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) era responsável tanto pelo controle de fronteiras nos aeroportos como pela gestão de processos de residência e expulsão. Após a extinção do órgão, parte das competências passou para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima).  Com a criação da Unef, a PSP deixa de atuar apenas na execução das ordens de expulsão e passa a assumir todo o processo burocrático de retorno de estrangeiros. A mudança é significativa e, para organizações da sociedade civil, representa um passo em direção à “securitização” da imigração. “Criminalização da imigração” Para Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil em Lisboa, a criação da Unef reforça uma lógica de criminalização dos imigrantes. “A questão principal que está por trás é a lógica de securitização da imigração, de criminalização da imigração, que é uma lógica terrível. Considerar a imigração como um problema, ver as pessoas imigrantes como um risco, constantemente sob escrutínio. Essa narrativa de ameaça e criminalização é o problema principal”, afirma. Ana Paula lembra à RFI também episódios de violência envolvendo agentes da PSP: “Existe um histórico de violência policial dentro da PSP. Muito recentemente, um imigrante foi supostamente assassinado no Algarve, pelas mãos da polícia. Em 2020, outro imigrante, o ucraniano Igor Homeniuk, foi assassinado no aeroporto de Lisboa. Há também um histórico de racismo dentro da PSP, com casos simbólicos que já aconteceram em Portugal”. Leia tambémCom aumento dos crimes de ódio em Portugal as "pessoas sentem que o seu modo de vida está em perigo"   A dirigente ressalta ainda que muitas pessoas não estão propriamente em situação irregular, mas sim à espera de autorizações de residência que demoram meses — até anos — a serem emitidas.   “As pessoas não estão irregulares. Elas estão à espera de uma autorização de residência, de um processo administrativo que é moroso e desorganizado. Esse clima de medo, com a criação de uma unidade policial, reforça a sensação de que podem ser expulsas ou tratadas indignamente”, explica. Consulado do Brasil emite recomendações Diante da entrada em funcionamento da Unef, o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa divulgou recomendações à comunidade brasileira. O órgão orienta que os cidadãos portem sempre documentos de identificação válidos, como passaporte, título de residência ou comprovativos de contribuições à Segurança Social. O cônsul-geral Alessandro Candeas explica que o objetivo do aviso é orientar os brasileiros sobre como agir em caso de abordagem. “É uma informação direta, objetiva, sem juízo de valor. Apenas comunicar a comunidade brasileira sobre como se portar se for abordada por agentes dessa polícia. O mais importante: portar sempre um documento de identificação válido”, enfatiza. O diplomata sublinha que o Brasil acompanha de perto o processo e espera que as mudanças respeitem os compromissos internacionais. “As alterações são o resultado da soberania de Portugal, mas devem ser feitas em respeito aos direitos humanos, ao direito dos imigrantes e aos tratados bilaterais que o Brasil tem com Portugal. Estamos bem informados e conscientes de todo o processo”, esclarece. Candeas reforça que todos os cidadãos brasileiros têm direito ao apoio do consulado: “Não importa o status migratório. Seja irregular, em trânsito, residente ou binacional, todo brasileiro tem o dever de ser bem atendido e bem recebido pelo consulado”. Governo defende eficiência, imigrantes temem exclusão A Unef começou com 1.200 agentes, mas o contingente deverá chegar a 2 mil nos próximos anos, incluindo técnicos especializados, prestadores de serviço e representantes de organizações não-governamentais. O governo português argumenta que a nova unidade vai aumentar a eficiência do sistema migratório. Já para associações de imigrantes, a aposta numa estrutura policial em vez de resolver os atrasos nos processos de residência pode acabar apenas por ampliar o medo e a insegurança entre estrangeiros que vivem no país.
No Brooklyn, em Nova York, e também em Nova Jersey, consumidores e comerciantes começam a sentir no bolso os efeitos da alta de preços provocada pela política comercial do presidente Donald Trump. Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York As novas tarifas sobre produtos importados já impactam itens básicos e, em alguns casos, os clientes precisam mudar os hábitos para continuar consumindo. No bairro do Brooklyn, encontramos a família Puma. Jeannette, nascida nos Estados Unidos, e sua mãe, Angelina, que veio de Porto Rico, dizem que a alta é generalizada.  "Tudo aumentou. Tudo está mais caro. A carne, sobretudo, subiu muito de preço", diz Jeannette Puma. A mãe de Jeannette, Angelina, conta que o café é um dos produtos que mais pesa no orçamento. "O café subiu muito. Eu adoro coar meu café e ele está caríssimo. Então, o que eu faço é reduzir para uma ou duas xícaras por dia." Carnes e enlatados A alta atinge também alimentos enlatados, como o atum. Angelina lembra que antes pagava três latas por US$ 5 e agora encontra cada uma por quase US$ 6. Boa parte do atum em lata consumido nos Estados Unidos vêm de países como a Tailândia e Indonésia, países atingidos pelas tarifas em 36% e 19% respectivamente.  O equatoriano Juan Llambo confirma que a mudança já afeta o cardápio. "Já não consumimos muita carne, porque está muito cara. Compramos mais frutas no lugar da carne. Arroz, muito pouco, porque também está bem mais caro. Café também. Isso afeta a gente como trabalhador, porque já não dá para tudo." O casal Michelle e Joel Garcia confirma que percebeu que produtos importados ficaram mais caros. "Muita coisa importada aumentou de preço. A gente vinha aqui ver esses produtos japoneses, por exemplo, e os preços estão definitivamente mais altos." Eles, porém, não atribuem o aumento diretamente às tarifas, mas à pandemia. "Se você parar para pensar, desde a pandemia tudo disparou, do leite a outros produtos básicos." Preocupação por parte dos distribuidores Para quem importa e distribui produtos, o impacto já está no horizonte. Em uma torrefadora de café no Brooklyn, o sócio Howard Chang explica que a incerteza causada pelas tarifas encarece a compra dos grãos e dificulta fechar contratos. "As tarifas deixaram o café cru mais caro. A falta de certeza tornou mais difícil buscar fornecedores e planejar contratos. Os custos aumentaram em todos os segmentos", diz o empresário. Segundo ele, a estratégia tem sido diversificar fornecedores e buscar alternativas para manter a qualidade. "Isso nos forçou a ser mais criativos e diversificar os critérios de compra para criar novas relações com produtores." Chang diz que ainda é cedo para medir o impacto exato sobre o café do Brasil, já que os estoques atuais não foram afetados. Mas, se a tarifa de 50% for aplicada, já há planos para importar mais de outros países e reduzir o impacto. No setor de bebidas, o brasileiro Leonardo de Oliveira, gerente de uma distribuidora em Nova Jersey, afirma que ainda não houve aumento expressivo para cervejas mexicanas, mas alguns vinhos portugueses já ficaram mais caros.  "As empresas ainda têm estoque comprado antes das tarifas. A expectativa é que os preços subam quando esse estoque acabar", explica. Para se antecipar, ele decidiu comprar em grandes quantidades: "Aumentei minhas compras de cerca de 200 para 720 caixas de (cerveja) Coronita, o que me permitiu manter a margem de lucro sem repassar os custos para o cliente". Enquanto consumidores reduzem porções ou trocam produtos, distribuidores e comerciantes se reinventam para segurar os preços. Mas a sensação geral é de incerteza: até onde esses aumentos vão chegar e por quanto tempo vão durar? Essa resposta, por enquanto, ainda não tem previsão.
A cidade de Briançon, no coração dos Alpes franceses, se prepara para acolher a 20ª edição do Festival Violoncelles en Folie, que será realizada de 9 a 16 de agosto de 2025. Criado pelo violoncelista brasileiro Fernando Lima, o evento nasceu do desejo de oferecer um espaço dedicado ao encontro e à criação em torno do instrumento. Vinte anos depois, o evento tornou-se uma referência, reunindo artistas consagrados, jovens talentos e um público fiel que compartilha a paixão pelo violoncelo. “Esse ano o Violoncelles en Folie completa 20 anos. Ele nasceu nos Alpes, em torno de Briançon, como um pequeno encontro de violoncelistas”, recorda Fernando Lima. “Hoje, reúne cerca de 130 músicos e atrai mais de 4.000 espectadores. Tornou-se uma referência para o violoncelo na Europa”, completa. Segundo o idealizador, desde o início o objetivo foi cultivar a excelência artística em um ambiente de liberdade criativa e alegria. “Queríamos um espaço de expressão, onde a busca pela qualidade fosse acompanhada de leveza, de prazer em fazer música.” O Brasil ocupa um papel de destaque nessa trajetória. “Sempre teve um lugar especial no festival, porque tem um lugar especial para mim”, afirma Lima. “Ao longo desses 20 anos, cerca de 40 jovens músicos brasileiros passaram por residências em Briançon. Alguns ficaram e hoje são professores e artistas do festival.” Entre os nomes que construíram essa ponte cultural entre Brasil e França, estão o clarinetista Alison Pereira, os violoncelistas Diego Coutinho e Diego Cardoso, e o compositor Kali Akel, residente no festival desde 2018. “Ele contribui de forma importante para enriquecer o repertório contemporâneo do violoncelo”, destaca. Para marcar a data, a programação de 2025 aposta em encontros musicais inspiradores. Ao lado de artistas franceses de prestígio — como o violoncelista Victor Julien-Laferrière e a violinista Manon Galy, vencedores do prêmio Victoires de la Musique — o festival receberá o virtuoso cavaquinista brasileiro Matheus Donato, em uma celebração da diversidade estética que marca o espírito do evento. “São concertos variados, com música clássica, jazz, música brasileira e sons do mundo inteiro. É um festival de encontros — e de muito amor pela música”, resume Lima. Entre os destaques da programação estão o Trio Zeliha, o duo formado por Julien-Laferrière e Théo Fouchenneret, o Tansman Cello Quartet, além de apresentações coletivas com artistas residentes que interpretarão repertórios que transitam de Schubert a Piazzolla, de Brahms ao tango contemporâneo. Uma experiência musical nas alturas Durante o dia, a Académie Violoncelles en Folie transforma Briançon e seus arredores em um laboratório vivo de formação musical. Crianças, jovens e adultos de diferentes níveis participam de aulas individuais, oficinas criativas, ensaios coletivos e projetos de música de câmara. No final da semana, os alunos dividem o palco com artistas consagrados. A experiência se desdobra entre 1.500 e 1.800 metros de altitude, integrando música, natureza e patrimônio arquitetônico local. O clarinetista Alison Pereira, um dos músicos brasileiros que passaram pela residência do festival e hoje atua como professor convidado, será protagonista de dois momentos especiais. Na programação oficial, participa de um trio ao lado do violoncelista Diego Coutinho e do acordeonista Jérémy Vannereau, com repertório que une Piazzolla, Chico Buarque e composições autorais de Vannereau. “Será um belo concerto, misturando estilos e timbres, do canto à música instrumental”, adianta. Pereira também assina o concerto de encerramento, no dia 16 de agosto, à frente de um grupo festivo criado especialmente para a ocasião. “É com muita felicidade que vejo chegar esse aniversário de 20 anos. O festival sempre contou com artistas brasileiros de renome e encanta o público com esse universo sonoro que traz à região. Agora é a nossa vez de contribuir com uma gota de alegria nesse grande vaso musical. Vamos fechar com festa: músicas dos anos 1980, Gilberto Gil e companhia, para todo mundo dançar”, celebra. O violoncelo e a voz humana O violoncelista Diego Cardoso participa das comemorações pelos 20 anos do festival, evento que acompanha sua trajetória artística desde 2007. Ao longo desses anos, Cardoso passou de aluno a professor, artista residente e convidado, consolidando uma relação duradoura com o festival. “Comecei como aluno e, com o tempo, retornei como professor, violoncelista em residência e artista convidado”, relata o músico. Entre os momentos marcantes de sua participação, destaca colaborações com o grupo Ansombro Nemesis, a equipe do Tempo de Brasil e o pianista César Birchner, além de outras experiências musicais e humanas que considera inesquecíveis. Cardoso também reflete sobre a natureza expressiva do violoncelo, instrumento que, segundo ele, se destaca por sua proximidade com a voz humana, tanto em tessitura quanto em timbre. “Quando a gente toca, ele vibra com o nosso corpo, e essa vibração cria uma conexão muito forte, como se os dois corpos, o do músico e o do instrumento, virassem um só”, explica. Para o músico, essa característica torna o violoncelo especialmente capaz de "transmitir emoções de forma direta e sensível ao público". Além de sua expressividade, o violoncelo é, segundo Cardoso, um instrumento versátil: “Pode cantar, acompanhar, fazer acordes, ser rítmico, até percussivo. É possível explorar muitos estilos e sons com ele”. Ainda assim, ele ressalta que a verdadeira magia do instrumento está na sua capacidade de "ressonar com quem toca e com quem escuta". Neste ano, sua participação no festival ganha um significado especial. Como artista residente, Cardoso está envolvido em diversas frentes: ensaios, aulas, concertos e interações com alunos e público. Um dos destaques será a estreia mundial de uma obra inédita do compositor Kali Akel, escrita especialmente para ele e para o festival. A peça, para violoncelo solista e orquestra de violoncelos, será apresentada pela primeira vez durante o evento. Acessibilidade e espírito comunitário Com ingressos a preços acessíveis - 20 €, com descontos para jovens e estudantes — o festival reafirma seu compromisso com a democratização do acesso à música de qualidade. Crianças de até 12 anos têm entrada gratuita, e há também a opção de passes semanais com tarifas sociais. A 20ª edição do Festival Violoncelles en Folie segue até 16 de agosto, em Briançon.
No dia em que o mundo recorda os 80 anos da bomba atômica lançada pelos Estados Unidos em Hiroshima, no Japão, em 6 de agosto de 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, tensões crescentes entre potências nucleares reacendem o temor de que um ataque como esse volte a acontecer. Em entrevista à RFI, especialistas analisam o ritmo acelerado de uma nova corrida armamentista nuclear.  O mês de julho de 2025 começou com o presidente americano Donald Trump ordenando o reposicionamento de dois submarinos nucleares, após declarações do vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, sugerindo a possibilidade de guerra. O pesquisador Gabriel Merino, chefe do Departamento de Estudos de Eurásia na Universidade de La Plata, em Buenos Aires, lembra que desde a saída dos EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, em 2019, o mundo vive uma nova corrida armamentista. Ele destaca que Washington planeja posicionar mísseis intermediários na Alemanha, enquanto a Rússia investe na produção em massa dos hipersônicos Loretchnik, que podem transportar ogivas nucleares e são quase impossíveis de ser interceptados pelos sistemas de defesa ocidentais. O especialista avalia que o uso de armas nucleares estratégicas continua improvável por causa da dissuasão mútua, mas alerta para a possibilidade de armas táticas – de menor poder destrutivo –, o que mantém elevada a tensão global. Proliferação de ogivas nucleares Em 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente, matando entre 129 mil e 246 mil pessoas. Foi a única vez na história em que armas nucleares foram usadas em combate, encerrando a Segunda Guerra Mundial e inaugurando a era nuclear. Para Merino, esse aniversário deve servir de alerta: “Com as capacidades nucleares de hoje, um conflito teria consequências devastadoras para a humanidade. É essencial que a dissuasão prevaleça para que a história de 1945 jamais se repita.” Em 1945, os EUA eram a única potência nuclear no mundo, lembra o historiador Matthew Pauly, da Universidade Estadual de Michigan. "O presidente Harry Truman justificou os ataques como forma de evitar uma invasão terrestre do Japão, que poderia causar ainda mais baixas entre soldados americanos e aliados", lembra o professor, ressaltando que o contexto atual mudou. Atualmente, há um equilíbrio maior de forças com a Rússia, a China e outras nações ampliando seus arsenais, segundo Pauly.  Rússia e Estados Unidos respondem atualmente por cerca de 90% das 12 mil ogivas nucleares do mundo, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), que alertou, em junho, para uma nova "corrida armamentista nuclear".  Na segunda-feira (4), a Rússia anunciou que pode voltar a instalar mísseis de curto e médio alcance, acusando os Estados Unidos de posicionarem armas semelhantes na Europa e na região da Ásia-Pacífico. Moscou declarou que está abandonando a moratória que mantinha por conta própria, alegando que "deixaram de existir as condições" para manter o compromisso.  Entretanto, o que está em jogo, atualmente, são os custos elevados de uma guerra tradicional, afirma Gabriel Merino. "Os custos incluem o risco de desaparecimento da humanidade como um todo", conclui. A esperança dos estudiosos do assunto é que Hiroshima ainda sirva de alerta e que a dissuasão nuclear continue prevalecendo, para que a história de 1945 jamais se repita.   
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