Saúde em dia

Entrevistas e reportagens com especialistas sobre as novas pesquisas e descobertas na área da saúde, controle de epidemias e políticas sanitárias.

Conheça Snoopy, o cão que alegra o dia a dia de pacientes com câncer em hospital de Paris

Desde 2022, Snoopy, um simpático setter inglês, faz parte do cotidiano do Instituto Curie, que atende pacientes com câncer. Ele atua em tempo integral, acompanhando pacientes e profissionais de saúde, ajudando a reduzir o estresse e a ansiedade provocados pelos exames e tratamentos.  A enfermeira e cientista francesa Isabelle Fromantin trabalha na unidade de "Feridas e Cicatrização" do instituto parisiense. Ela é coautora do livro Snoopy, um cão que faz bem, publicado pela editora Solar, e divide a “guarda” do animal com sua equipe, que o acolhe à noite e nos finais de semana.  “Colocamos o projeto em prática sem grandes dificuldades, pois já havíamos trabalhado com cães na detecção do câncer. Conhecíamos veterinários, especialistas em etologia e educadores caninos que nos ajudaram. Também abordamos questões relacionadas à higiene”, explica.  Snoopy é acompanhado de perto por um veterinário, toma banho com mais frequência do que outros cães e utiliza um vermífugo mais potente. Ele não pode entrar no quarto de pacientes que estão com as defesas do organismo enfraquecidas, mas pode interagir com pacientes em fim de vida.  Melhora da autoestima, humor e empatia Estudos mostram que a interação com animais pode favorecer o desenvolvimento da empatia e da autoestima, contribuindo para o bem-estar geral dos pacientes.  Entre os principais efeitos observados estão a melhora no humor, o estímulo à comunicação, o fortalecimento de vínculos afetivos e o incentivo à participação em atividades terapêuticas.  No dia 11 de julho, quatro deputados franceses apresentaram uma proposta de lei na Assembleia Nacional com o objetivo de regulamentar a prática da mediação animal. A enfermeira francesa lembra que 60% dos lares franceses têm um bicho de estimação, mas ressalta a alta taxa de abandono. “Sim, existe um entusiasmo em torno dessas terapias, uma grande demanda, mas a resposta precisa ser estruturada para que o animal esteja bem e traga os benefícios esperados”, orienta.  A reportagem do programa Priorité Santé, da RFI, acompanhou o trabalho de Snoopy no instituto francês de oncologia. Quando o cachorro chega à sala de espera, é recebido com entusiasmo. Aurore, que vai ao centro a cada quatro meses para exames de controle, lembra da primeira vez que o viu.  "É relaxante encontrar um animal calmo e gentil" “Todo mundo se jogava em cima dele, então fiquei só observando, mas foi um prazer encontrar o Snoopy!”, comenta. “Aqui estamos em uma situação particularmente excepcional, e isso muda o estado de espírito, focado no tratamento, na radioterapia e na quimioterapia, que são bem pesados. Por isso, é relaxante encontrar um animal calmo e gentil. Vivemos situações difíceis, e isso transforma o cotidiano no estabelecimento, marcado pela frieza”, completa a paciente.  “Nós observamos que uma relação se estabelece entre os pacientes em torno de um assunto comum, que é o Snoopy”, observa o enfermeiro Maxime Chéron, um dos responsáveis pela ponte entre o animal e os pacientes.  Segundo Isabelle Fromantin, Snoopy também ajuda os profissionais que lidam diariamente com casos graves. Ela ressalta que o cão não é um “terapeuta”, mas apenas um auxiliar. Por esse motivo, a atividade que o envolve não pode ser considerada uma prática de mediação animal.  “É interessante ver como ele foi adotado como um colega de trabalho. Quando passamos com o Snoopy pelo corredor, os profissionais o cumprimentam como se fosse gente e não deixa de ser engraçado ver as pessoas cumprimentarem um cachorro. Afinal, ele continua sendo um cachorro”, conclui. 

08-12
05:14

Instituto francês aposta em avanços da medicina nuclear para diagnosticar e tratar cânceres

As novas técnicas de medicina nuclear garantem mais precisão no diagnóstico e no tratamento, e já beneficiam diversos pacientes no Instituto francês Gustave Roussy, em Villejuif, nos arredores de Paris. O centro, que é uma referência mundial no combate ao câncer, pretende expandir esses procedimentos para vários tipos de tumores malignos, como os da próstata, da mama e do sistema digestivo.  Taíssa Stivanin, da RFI em Paris Durante muito tempo, as técnicas da medicina nuclear foram usadas principalmente para detectar e tratar cânceres da tireoide, mas os avanços tecnológicos ampliaram as possibilidades terapêuticas.  Nos corredores do Instituto Gustave Roussy, Désirée Deandreis, especialista em medicina nuclear aplicada à oncologia e chefe do setor, não esconde sua empolgação diante da imprensa, convidada para uma visita ao centro. Ela cita casos de pacientes que serão ou já foram tratados pelas novas terapias que utilizam a radioatividade. Para alguns deles, elas representam a última esperança de sobrevida.  O instituto também comemora a dupla autorização da Agência Regional de Saúde e da Autoridade de Segurança Nuclear e Radioproteção da França para testar as novas opções terapêuticas já na fase 1 de ensaios clínicos com humanos.  O centro tem o privilégio de aliar pesquisa clínica e aplicada, permitindo que, em determinadas situações, os pacientes se beneficiem com segurança de tratamentos que ainda não passaram por todas as etapas de validação científica.  No caso da medicina nuclear, isso significa, na prática, que pela primeira vez novos radiofármacos poderão ser administrados no homem. Em janeiro de 2025, uma paciente com câncer de mama pôde, por exemplo, ser tratada com essas substâncias, uma possibilidade até então inédita.  Os radiofármacos são moléculas marcadas por elementos radioativos que reconhecem receptores, enzimas ou outras proteínas no organismo. Eles atingem as células cancerígenas com uma precisão única, poupando os tecidos saudáveis.  A detecção precoce e a localização do alvo tumoral são possíveis graças às novas técnicas de imagem que utilizam os chamados traçadores radioativos, que também podem ser usados para destruir o câncer.  “A ideia é testar novas moléculas para vários tipos de câncer. Por ora, os tratamentos se restringem aos cânceres raros e de próstata. Começamos também a utilizá-los em cânceres de mama e, neste inverno (na Europa), vamos testá-los nos cânceres digestivos. Queremos também detectar doenças que ainda não contam com opções terapêuticas. A meta é desenvolver pesquisas e encontrar moléculas eficazes”, explicou Désirée Deandreis.  As novas terapias com elementos radioativos também podem ser associadas a outras já existentes, como a quimioterapia ou a imunoterapia. “Não podemos esquecer da toxicidade, que é importante para a qualidade de vida do paciente”, lembra a especialista francesa. “Graças ao teranóstico (terapia e diagnóstico), somos capazes de selecionar o paciente e tratá-lo com a molécula mais adequada ao seu caso.”  Novos radiofármacos  A radiofarmácia do centro de medicina nuclear do Instituto Gustave Roussy é coordenada pela radiofarmacêutica Lison Ferréol. Antes de visitar o local, é necessário vestir roupas especiais para evitar qualquer tipo de contaminação radioativa e utilizar um medidor para verificar o nível de radiação.  Segundo ela, os radiofármacos têm diferentes funções e são usados em diagnósticos e terapias. Podem, por exemplo, aliviar a dor de metástases ósseas, tratar tumores neuroendócrinos, de próstata ou da tireoide. Também são utilizados para mapear o metabolismo da glicose em exames como o TEP (tomografia por emissão de pósitrons), que permite identificar o estágio do câncer.  “O princípio da medicina nuclear é sempre o mesmo: temos um vetor que não é radioativo e que permite levar a radioatividade até o local desejado, integrando-se a um metabolismo fisiológico ou patológico”, explica.  “O objetivo, no fim, é visualizar as células cancerígenas nos exames de imagem, para identificá-las, tratá-las e destruí-las, quando utilizamos radionuclídeos que emitem radiações destrutivas.”  Neste contexto, Désirée Deandreis também destaca a importância da personalização da trajetória do paciente. “Com a ajuda da pesquisa fundamental e aplicada, podemos entender melhor os fatores que influenciam as respostas dos pacientes, como a radioresistência, que é a capacidade de uma célula, tecido ou organismo de resistir aos efeitos da radiação ionizante. A meta é obter mais informações que nos ajudem a escolher os tratamentos com ainda mais precisão”, conclui. 

07-08
05:33

Como prevenir as dores nas juntas? Especialista francês explica como evitar artrite e outras doenças

O corpo humano é formado por centenas de articulações. Esses sistemas complexos são cercados por músculos, tendões e formados por ossos, cartilagens, ligamentos, discos, membranas, líquidos e outros componentes, que permitem a fluidez do movimento. Com o passar do tempo, as juntas sofrem desgaste, aumentando o risco de lesões, dores ou doenças crônicas, explica o especialista francês Francis Berenbaum, coordenador do setor de Reumatologia do hospital Saint-Antoine, em Paris.  O médico lembra que as dores no corpo podem ter diferentes origens. “Pode ser uma lesão no tendão, que não atingiu a articulação. Neste caso, é uma tendinite, mas a pessoa mesmo assim vai sentir dor. Ou então uma capsulite, que limita a mobilidade da articulação, causa muita dor, sempre tem cura, mas demora para passar”.  Os sintomas dessas doenças, explica, podem ser parecidos com os da artrite e os da artrose. “A artrose aparece com a idade. Isso não significa que só atinja pessoas idosas: pode começar por volta dos 40 ou 50 anos. A articulação aos poucos é afetada, e há um desaparecimento da cartilagem. O processo envolve todos os tecidos das articulações”, diz.   Já a artrite, explica, é uma inflamação que pode aparecer até mesmo na infância e se desenvolver de diferentes formas ao longo da vida. Em todos os casos, os pacientes em geral consultam porque estão sentindo dor ou porque sentem perda de mobilidade.  Regra é manter a mobilidade  Para diminuir o desconforto e preservar as articulações, o movimento é fundamental. A dica vale também para os idosos. “O problema é que se não fazemos isso, a tendência é nos movimentarmos cada vez menos e termos cada vez menos vontade de nos movimentarmos”.  Alguns pacientes, ressalta, têm um maior risco de desenvolver artrose. “O sobrepeso e a obesidade são fatores importantes, principalmente em relação à artrose do joelho, que é a parte do corpo mais atingida. Há também o sedentarismo. Quando a gente não se movimenta, as articulações acabam enrijecendo. E quando isso acontece, ficam ainda mais doloridas”.  O sedentarismo gera, desta forma, um círculo vicioso que leva a uma diminuição dos movimentos e ao aumento da dor. O contrário também acontece. Às vezes o corpo é tão solicitado que as contusões e lesões são frequentes.   É o caso de Mateo Gouze, bailarino de 18 anos da Ópera de Paris, que integra o corpo de baile desde 2023. Ele voltou para as aulas de balé há duas semanas, mas ainda economiza nos saltos. “Eu me contundi em março, depois de um dia de muito ensaio. Durante um salto eu caí e bati muito forte no pé. O choque gerou um edema e a cartilagem foi atingida. Desde então estou parado e fazendo fisioterapia”, contou à reportagem do programa Priorité Santé, da RFI. Os exercícios propostos pelo fisioterapeuta Nicolas Brunet envolvem principalmente o reforço da panturrilha e a estabilidade do tornozelo.   Exercícios de força muscular Em todos os casos, o treinamento que envolve força muscular sem impacto é essencial para proteger as articulações. “Não apenas para os bailarinos. Esta é a chave do tratamento, para que as articulações se estabilizem: fortalecer os músculos que as rodeiam. Tudo isso fará que, quando nossas articulações forem mobilizadas, elas estarão no eixo correto. Por isso é tão importante ter bons músculos e por isso os exercícios físicos são tão importantes”.  Ele lembra, entretanto, que é necessário ter orientação. Começar a se exercitar de uma hora para outra pode ser perigoso e provocar sérias lesões. 

06-24
06:00

Cientistas franceses identificam novos tipos de própolis eficazes contra a acne

Uma pesquisa recente realizada por uma equipe de cientistas franceses mostrou que dois tipos de própolis colhidos em Ruanda, na África, são eficazes contra acne e podem se transformar em tratamentos para a pele no futuro.  Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA doença, que provoca espinhas no rosto e outras partes do corpo, atinge mais de 28% dos jovens entre 16 e 24 anos, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). Os estudos foram coordenados pelo cientista francês Jean-Michel Brunel, do laboratório do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França) situado na Universidade de Marselha, no sul da França.  As conclusões são resultado de uma colaboração com o Observatório francês de Apidologia, que se dedica à pesquisa, proteção e promoção da apicultura e da biodiversidade relacionada às abelhas e reúne diferentes tipos de amostras de própolis, mel e outros produtos. A própolis é uma substância elaborada pelas abelhas a partir de resinas secretadas pelas árvores e serve para vedar os espaços da colmeia. Suas propriedades antibacterianas protegem a colônia contra a entrada de parasitas e a proliferação de germes. “Atualmente temos acesso a cerca de 200 tipos de amostras de própolis do mundo inteiro. Em nosso laboratório, nós caracterizamos a atividade antimicrobiana da substância e rapidamente percebemos que algumas delas, principalmente aquelas que vinham de Ruanda, eram muito ativas contra o micróbio que causa a acne”. A equipe começou a ter acesso às amostras há cerca de dois anos e, desde então, tem se dedicado ao aperfeiçoamento das técnicas para extrair a própolis. “Extraímos as moléculas ativas da própolis e a partir daí pudemos realizar os testes antimicrobianos”, disse o cientista francês. A própolis é diferente em função do ecossistema e das árvores utilizadas pelas abelhas para sua fabricação. “É claro que as espécies de árvores presentes na Europa e na África são totalmente diferentes. Em Ruanda, existe uma floresta primária. Isso significa que lá existem espécies de árvores que não são encontradas em outros lugares”. Segundo o pesquisador francês, essa diversidade dá uma dimensão da riqueza das moléculas da própolis. “Toda vez que uma colmeia se instala em algum lugar, terá uma própolis com outra composição. São cerca de 150 moléculas que agem de forma diferente contra bactérias, células cancerígenas, ou de outros tipos.”Modelos bacterianosNo laboratório em Marselha, os cientistas testaram as amostras de própolis disponíveis em bactérias, com o intuito de verificar se elas eram ativas. Após essa pré-seleção, a equipe utilizou métodos específicos para detectar quais moléculas faziam parte da composição dos diferentes tipos de própolis. “Quando obtivemos a chamada ‘carteira de identidade’ dessas própolis, analisamos as moléculas que já estavam disponíveis comercialmente, ou que já conhecemos, e testamos em nossos modelos bacterianos.” Após expor as bactérias patogênicas às própolis de Ruanda, os cientistas descobriram que elas inibiam o crescimento da C. acnes, micróbio responsável pelo desenvolvimento das espinhas da acne. Os pesquisadores também identificaram duas novas moléculas. Os cientistas franceses então testaram o efeito dessa substância em forma de creme, em camundongos, que  desenvolveram uma pequena espinha após serem inoculados com o micróbio da acne. “Constatamos, como ficou documentado em nossa publicação, um efeito anti-inflamatório e antibacteriano”. A descoberta da equipe francesa pode ser uma alternativa à resistência aos tratamentos contra a acne disponíveis no mercado. A eficácia do creme desenvolvido pelos cientistas à base dessa própolis de Ruanda foi validada no laboratório.  Para que o creme possa chegar às prateleiras, são necessários agora testes clínicos e parcerias com laboratórios farmacêuticos. O pesquisador lembra que as propriedades antibacterianas da própolis também são úteis para tratar cáries ou amigdalites, e outros produtos poderão ser desenvolvidos em forma de pomada ou spray. 

06-10
05:00

Por que passar o dia todo sentado faz mal à saúde, mesmo para quem pratica exercícios

O sedentarismo relacionado a certas atividades profissionais tornou-se um problema de saúde pública, segundo a endocrinologista e fisiologista francesa Martine Duclos, chefe do setor de Medicina do Esporte do Hospital Universitário de Clermont-Ferrand, no centro da França. O mais preocupante, alerta, é que a prática regular de uma atividade física não elimina os riscos associados ao hábito de passar várias horas sentado por dia.  Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA rotina de quem trabalha em um escritório é geralmente sempre a mesma: acordar, tomar café, às vezes levar as crianças para a escola e em seguida ir para a empresa  — de bicicleta, metrô, ônibus ou a pé. Mas, independentemente do meio de transporte, para todas essas pessoas é inevitável passar cerca de oito horas diárias sentadas. Algumas têm sorte (e tempo) para se exercitar durante o expediente, mas estudos recentes mostram que isso infelizmente não basta para impedir os efeitos nocivos do sedentarismo que representa passar várias horas na mesma posição, digitando em frente ao computador, alerta a médica francesa.As primeiras vítimas desse mau hábito são as artérias, que sofrem com a diminuição do fluxo sanguíneo. “Quando estamos sentados, os músculos das pernas não se contraem, e o fluxo do sangue diminui. Ele se mantém em certo nível, já que é necessário levar oxigênio aos músculos, mas é reduzido, o que diminui a pressão exercida nas paredes das artérias”, explica a fisiologistaAs paredes arteriais são formadas por células endoteliais, que são estimuladas pela pressão do sangue circulante, levando à produção de um gás chamado monóxido de azoto (óxido nítrico).  “O monóxido de azoto tem um efeito muito positivo nas artérias, pois induz a dilatação. Além disso, possui ação anti-inflamatória e inibe a agregação das plaquetas”, explica a endocrinologista francesa. Ficar sentado, mesmo por poucas horas, reduz a produção desse gás benéfico e aumenta a produção de endotelina-1, uma substância vasoconstritora, ou seja, que estreita os vasos sanguíneos. Esse processo favorece o surgimento da hipertensão e da inflamação, afetando diversas funções orgânicas.Sedentarismo afeta concentração, memória e atenção“Quando permanecemos sentados por muito tempo — duas ou três horas, por exemplo — há aumento da pressão arterial, da glicemia após a refeição e dos triglicerídeos, ou seja, da quantidade de lipídios no sangue, e uma redução da oxigenação cerebral. A capacidade de concentração, memória e atenção também diminuem”, alerta a especialista. As consequências para a saúde podem ser graves, considerando que um adulto passa, em média, mais de 12 horas por dia sentado, ao longo de vários anos. Esse sedentarismo, segundo a fisiologista, está diretamente associado ao aumento do risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, certos tipos de câncer, demência e morte prematura. “Infelizmente, essa rotina faz parte do nosso estilo de vida, que é totalmente mecanizado. Saímos de casa, pegamos o carro, estacionamos no trabalho, usamos o elevador, sentamos, ficamos em frente ao computador, pedimos comida, comemos na frente da tela, pegamos o elevador e voltamos para casa. Passamos o resto do dia, geralmente, diante de uma tela. É simples: podemos passar o dia todo sentados.” Como amenizar os efeitos dessa rotina nociva? Com o avanço da idade, as artérias tornam-se mais rígidas, e essas recomendações se tornam ainda mais importantes. Mas o risco do sedentarismo não poupa ninguém, nem mesmo pessoas saudáveis e fisicamente ativas, reitera. “O efeito negativo nas artérias está comprovado, mesmo na ausência de fatores de risco.” Mas é possível agir para diminuir as consequências de ficar muito tempo sentado. Segundo a especialista, estudos mostram que reduzir em 30 minutos o tempo total sentado por dia, praticando uma atividade física moderada, pode diminuir a mortalidade em até 40%. A redução é de 20% mesmo com atividades de baixa intensidade, como se levantar para beber água ou dar uma volta no escritório. Outra recomendação é não permanecer mais de uma hora sentado sem se levantar por alguns minutos. Ela também alerta para soluções ineficazes adotadas por algumas empresas, como trabalhar em pé. “Ficar de pé, sem movimentar as pernas, não serve para nada.” Por outro lado, a fisiologista recomenda o uso da pedaleira de escritório, um equipamento que pode ser colocado sob a mesa e utilizado enquanto se trabalha. O chamado "escritório ativo", com esteiras ou estações de movimento, também é uma boa solução. Martine Duclos lembra que 30 minutos de atividade física leve, duas vezes por semana, já trazem benefícios à saúde cardiometabólica. “O mundo do trabalho precisa agir para enfrentar esse problema, pois é lá que passamos a maior parte do tempo sentados.” 

05-27
09:01

Em livro, estudante de Medicina francês denuncia racismo e discriminação nos hospitais

O jovem francês Miguel Shema está no 5° ano de Medicina da Faculdade de Iasi, na Romênia. Apesar de passar boa parte do tempo mergulhado nos livros de sua área, ao longo dos anos ele começou a questionar a maneira como os pacientes negros e de outras etnias são atendidos nos hospitais.  Taíssa Stivanin, da RFI em ParisEssas são algumas das reflexões que o estudante de Medicina francês relata em seu livro “La Santé est Politique” (A Saúde é Política, em tradução livre), onde denuncia a discriminação de alguns profissionais da saúde. De acordo com ele, esse preconceito se manifesta de maneira inconsciente, ancorado em vieses cognitivos que "enganam” o cérebro na hora de tomar decisões.  O livro de Miguel é resultado de observações feitas em estágios nos hospitais franceses. Na obra, ele cita casos reais que escandalizaram a opinião pública, como o da jovem francesa de origem africana Naomi Musenga, 22 anos, que vivia em Estrasburgo, no leste do país.   Em 2017, vítima de fortes dores no abdômen, ela morreu por falta de atendimento. Horas antes, Naomi ligou para o Samu, o 192 francês, e foi ignorada pela atendente, que minimizou seu caso e a mandou procurar um médico. “Eu me interessei pelas Ciências Sociais no ensino médio. Tinha necessidade de entender por que eu passava por algumas situações e porque eu era alvo de insultos na escola. Precisava também entender o racismo que eu mesmo vivenciei”, explica.Foi nessa época que Miguel Shema passou a escrever artigos para o site francês Bondy Blog, criado para dar voz aos moradores dos subúrbios franceses. Uma de suas inspirações é o psiquiatra e militante martinicano Frantz Fanon, que em 1952 escreveu um célebre artigo descrevendo a Síndrome Norte-africana, "que questiona o racismo e o desprezo dos médicos pela dor do paciente", explica Miguel. Nesse mesmo período ele teve contato, pela primeira vez, com conceitos até então desconhecidos para ele, como a chamada Síndrome Mediterrânea. “É uma crença, um viés cognitivo, que alguns profissionais da saúde têm. Eles consideram que os magrebinos teriam uma propensão a exagerar a dor”.  A pandemia de Covid 19 também influenciou o engajamento do jovem francês. Miguel lembra que, em 2020, quando o vírus começou a se espalhar por toda a França, a população de alguns subúrbios de Paris foi acusada de contribuir para a propagação Sars-CoV-2 - por desrespeitar o lockdown e outras medidas restritivas.“Foi um momento de grande indignação. Ainda temos discursos distantes da realidade epidemiológica, política, social ou médica. Foi a partir daí que criei uma conta nas redes sociais, @sante_politique, e tive a vontade de questionar a relação de dominação existente entre os profissionais da saúde”, acrescenta.  "Médicos não têm como medir a dor"Durante seus estágios nos hospitais da capital e da região, Miguel, como observador, não podia intervir nas situações de abusos que testemunhava. Mas anotava tudo que poderia ilustrar o racismo e o preconceito presentes nos estabelecimentos. A questão da dor, e como os profissionais a avaliavam em função do paciente, foi para ele uma das mais marcantes.“Os médicos não têm como medir a dor. Considerar que ela é mais ou menos forte é uma questão puramente social. Acreditamos ou não em nossos pacientes. O que estou tentando dizer é que na Medicina francesa existe ainda a crença de que o olhar do clínico é neutro, mas na verdade ele não é. E a maneira como enxergamos o paciente vai influenciar na forma como avaliamos a dor dele”, observa.  Parlez-vous français?O estudante de Medicina também ficou surpreso com a falta de intérpretes para ajudar os pacientes que não falam francês nos hospitais, sendo que os estabelecimentos do país têm esse recurso à disposição. Segundo ele, após a consulta, o laudo é entregue em francês, e o paciente que fala uma língua diferente ou que não domina o idioma, em alguns casos acaba até abandonando o tratamento se não tiver a orientação adequada. “Se queremos cuidar direito das pessoas, se temos a pretensão de ser um sistema de saúde que atende todo mundo, temos que respeitá-las, em qualquer circunstância” diz Miguel.  “É essencial se comunicar bem com eles. A comunicação não para no diagnóstico. Precisamos ter certeza de que o paciente entendeu sua patologia, seu tratamento e as complicações que a doença e o tratamento podem acarretar”, afirma. A medicina, reitera o estudante francês, se desenvolveu no período colonial, e alguns desses preconceitos ainda persistem. “É importante que as ciências sociais, a história e a sociologia estejam mais presentes nos cursos de medicina. Negro, em termos médicos, não quer dizer nada”, diz. “Negro tem um significado sociológico. É importante, neste sentido, constatar como essas pessoas são tratadas, e qual é a percepção que se tem delas. A discussão para por aí. Ser negro significa ser alvo da negrofobia. E pronto.”

05-13
07:07

Como a poluição do ar em casa afeta a saúde e piora doenças respiratórias

Um levantamento feito em 2024 pela associação Santé Respiratoire France, a pedido da empresa francesa Murprotec, uma das maiores do setor, mostrou que a poluição em ambientes fechados é até nove vezes maior do que a atmosférica. A má qualidade do ar dentro de casa também é apontada como a responsável pela morte de 3,2 milhões de pessoas por ano, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). Mas este é um fato ignorado por cerca de 71% dos franceses. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisDe acordo com o pneumologista francês Frédéric Le Guillou, presidente da Associação Santé Respiratoire France, 272 pacientes que sofrem de doenças pulmonares e 38 cuidadores responderam a um questionário sobre a qualidade do ar dentro de casa. O objetivo foi determinar o impacto da poluição doméstica nos sintomas dos entrevistados – dois terços deles eram mulheres, participam mais desse tipo de estudo porque geralmente são mais atentas à própria saúde, lembra o pneumologista. Os resultados mostraram que a população tem noção dos riscos que envolvem a poluição em casa, mas, na prática, toma poucas medidas para melhorar a situação.Segundo Frédéric Le Guillou, 97% dos entrevistados estão conscientes de que a má qualidade do ar nos ambientes fechados tem um impacto na saúde respiratória e desestabilizam seus sintomas. Os participantes da pesquisa convivem com DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), a asma, alergias, fibroses pulmonares, dilatações e cânceres dos brônquios.“Os pacientes se preocupam com a qualidade do ar dentro de casa, principalmente porque todos já têm uma doença respiratória, mas 36% de suas moradias não têm ventilação mecânica controlada, a VMC”, lamenta o pneumologista. O sistema permite uma circulação contínua do ar e evita a umidade, fungos e bolor, prejudiciais para quem tem ou não problemas respiratórios.A umidade continua sendo um dos principais fatores de riscos para esses pacientes, diz Édouard David,  representante da empresa Murprotec, que encomendou a pesquisa. “É um fato que a umidade é um fator determinante na transmissão das doenças ou no desenvolvimento de uma patologia crônica”, diz. Mortes prematuras O levantamento ainda mostrou que 43% dos pacientes já foram expostos à umidade dentro de casa. “Existe um trabalho de informação que deve ser feito junto aos pacientes. São pessoas que já convivem com um problema respiratório”, alerta Frédéric Le Guillou.Ele lembra que a má qualidade do ar é responsável por cerca de 47 mil mortes prematuras na França e 20 mil novos diagnósticos de doenças respiratórias, dados ignorados por uma grande parte dos franceses. Este número é provavelmente mais elevado, já que os óbitos, frisa, estão relacionados apenas às partículas finas e ao dióxido de azoto.   “Existem diferentes tipos de poluentes que influenciam na qualidade do ar em ambientes fechados, que podem ser físicos, químicos e biológicos. O tabagismo dentro de casa é uma fonte de poluição, por exemplo, inclusive para aqueles que não fumam", cita.Há também os produtos de limpeza, a poeira, os pelos dos animais que podem causar alergias "e a pintura dos móveis que liberam compostos orgânicos voláteis", além dos ácaros. "Sem contar o aquecedor, que é uma das principais fontes de poluição doméstica”, acrescenta o especialista.A exposição a essas substâncias também pode desencadear doenças em caso de predisposição. Este é o caso da asma, das alergias e das bronquites. Pode também piorar patologias pré-existentes, que estavam controladas.Alguns hábitos também ajudam a melhorar a qualidade do ar, como abrir as janelas pelo menos dez minutos por dia e evitar colocar roupas para secar dentro de casa, por exemplo. “Quando temos uma doença respiratória, temos ‘brechas’ nas mucosas e todos os poluentes penetram mais facilmente. Tudo isso deve ser levado em conta, além da predisposição genética às alergias”, conclui o especialista francês.

03-12
08:02

Alta de casos de meningites bacterianas muda estratégias de vacinação na França

Dados do Centro Nacional de Referência dos Meningococos mostram um aumento dos casos de meningites e de outras infecções causadas pela bactéria no país, após o fim das medidas sanitárias adotadas durante a epidemia de Covid-19.   Taíssa Stivanin, da RFI em ParisSegundo a agência de saúde francesa Santé Publique France, em 2023 foram notificados 560 casos de meningite meningocócica - um aumento de 72% em relação a 2022. Deste total, 44% estavam relacionados ao meningococo B, 29% ao W e 24% ao Y.Esta alta é preocupante, pois a taxa de mortalidade de uma meningite bacteriana é de 10%, mesmo com um tratamento adaptado. Em média, a cada cinco pacientes, um terá sequelas graves, como explica o clínico-geral Samy Taha, pesquisador do Centro Nacional de Referência dos Meningococos do Instituto Pasteur, em Paris.  A doença, transmitida por gotículas e secreções do nariz e da garganta, como tosse, espirro e troca de saliva, ataca as meninges, três membranas que envolvem e protegem o encéfalo, a medula espinhal e outras partes do sistema nervoso central. Ela atinge em uma proporção maior bebês de menos de dois anos, adolescentes e idosos acima de 75 anos. De acordo com o pesquisador francês, o distanciamento social e o uso de máscaras durante a epidemia diminuíram, de forma geral, a circulação dos micróbios, incluindo as bactérias que causam as meningites. Houve também uma queda de 20% nas vacinações, que influenciaram a imunidade de parte da população. Cerca de 10% das pessoas carregam os meningococos nas vias respiratórias, lembra Samy Taha, sem desenvolver infecções, mas podem transmiti-los.Jovens retomaram vida normal mais rápido após a epidemiaA alta de casos na França após a pandemia de Covid-19 atinge principalmente adolescentes e se explica por várias razões, como a vida social mais intensa e a circulação entre populações de faixas etárias diferentes.“Há muitos fatores que entram em jogo. Mas é provável que, após o fim das medidas restritivas, as primeiras pessoas que retomaram a vida social, incluindo viagens ou outros grandes eventos, tenham sido os adolescentes e jovens adultos. É por isso que aumento de número de casos atingiu primeiramente essa faixa etária”, diz o pesquisador francês. Segundo ele, após a pandemia de Covid-19, outros sorogrupos de meningococos, antes raros no território francês, se tornaram mais frequentes nessa população. “Essa é a grande novidade. Depois do fim das restrições relacionadas ao Covid, houve um aumento importante das meningites relacionadas ao sorogrupo W e Y, principalmente na faixa etária entre 15 e 25 anos”. Como os dois sorogrupos provocam infecções graves, as autoridades de saúde francesas decidiram modificar o calendário e a recomendação vacinal na França. As novas regras entraram em vigor no dia 1º de janeiro. “O que mudou é que a vacina contra o sorogrupo C foi substituída pela tetravalente, que protege contra os sorogrupos A, C, W e Y. Ela será obrigatória, com uma dose aos seis e aos 12 meses", explica o pesquisador francês."A Alta Autoridade de Saúde também recomenda um reforço da vacina tetravalente para adolescentes entre 11 e 14 anos, e uma atualização no máximo antes dos 25 anos, com uma dose única. A vacina contra o tipo B, que era apenas recomendada, tornou-se obrigatória para os bebês, em três doses: aos três, cinco e 12 meses”, detalha. Antes, os bebês se vacinavam apenas contra o sorogrupo C, que hoje circula menos na França - apenas oito casos foram registrados em 2022. O sorogrupo B ainda é o mais comum e representa mais de 50% das infecções.Sorogrupos W e Y provocam infecções invasivas mais letaisSegundo Samy Taha, os sorogrupos W e Y provocam um número maior de infecções invasivas por meningococos consideradas “atípicas”, que são doenças diferentes das meningites. "Essas infecções, relacionadas aos sorogrupos W e Y, são mais letais e podem atingir o sistema digestivo e as articulações. São formas mais difíceis de serem diagnosticadas e, infelizmente, estão associadas a uma mortalidade maior, principalmente nas primeiras horas”. Ela destaca que a meningite é apenas uma das formas de infecções graves provocadas pelos meningococos, apesar de ser a mais frequente. “Este é um trabalho de sensibilização que deve ser feito junto à população e aos profissionais de saúde. É importante ter essa noção”. O pesquisador relembra ainda que é essencial também para pais e profissionais suspeitar de uma infecção invasiva diante de certos sintomas, que no início podem ser banais, como: pés e mãos gelados, febre alta, arrepios, intolerância à luz e ao barulho, dores musculares e nas articulações.  Muitos vírus estão por trás desses incômodos, mas em função do estado geral do paciente, a infecção pelo meningococo não deve ser totalmente descartada. No caso da meningite, existem outros sinais de alerta mais específicos, como rigidez no pescoço, dor de cabeça forte, vômitos, confusão mental e sonolência também devem alertar.  “As infecções invasivas causadas pelos meningococos são mortais sem tratamento. E mesmo se tratadas corretamente, com antibióticos e outros cuidados recebidos no Pronto-Socorro e nas UTIs, elas continuam apresentando uma taxa de mortalidade de 10%, com sequelas graves, neurosensoriais ou que levam a amputações. A melhor maneira de se proteger é a vacinação”, alerta Samy Taha.

02-18
07:55

Cientistas europeus desenvolvem plataforma para melhorar saúde mental dos adolescentes

Como antecipar e prevenir futuros casos de depressão ou ansiedade que podem afetar a saúde mental dos adolescentes? Este é o objetivo do estudo IMPROVA (Intervention Enhancing Mental Health in Adolescents), financiado pela União Europeia e criado por um grupo de cientistas europeus. A plataforma de saúde digital visa identificar fatores que influenciam o bem-estar dos jovens e detectar perfis propensos a desenvolver doenças mentais.  Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA ferramenta está em fase de testes desde setembro e o projeto é liderado pela pesquisadora francesa Maria Melchior, do Instituto Pierre-Louis de Epidemiologia e Saúde Pública, em Paris. O objetivo é que, dentro de alguns meses, a plataforma possa ser acessada gratuitamente pelo computador, celular e tablet. Segundo ela, a equipe recrutará cerca de 12 mil alunos do Ensino Fundamental e Médio em escolas na França, Espanha, Romênia e Alemanha para testar o dispositivo. Os participantes deverão responder a um questionário sobre sua saúde mental no início e no fim do ano letivo. Um outro grupo sem acesso à plataforma também terá acesso às questões, para que os cientistas possam comparar as respostas.O modelo, utilizado por profissionais da saúde, analisa cinco "dimensões psicológicas", que englobam problemas emocionais, nível de isolamento, agressividade, hiperatividade, falta de atenção e concentração, além de empatia.  A ferramenta traz ainda conteúdos que esclarecem dúvidas sobre a saúde mental e propõe exercícios que ajudam na gestão do estresse ou do sono - fatores conhecidos pela influência negativa no psiquismo dos jovens.Segundo a pesquisadora, estimativas mostram que os adolescentes passam em média 10 horas por dia no celular. Esse isolamento virtual se explica pela diminuição do contato com os amigos na “vida real”, típico da nova geração hiperconectada.Uma das consequências é que muitos jovens acabam abandonando atividades esportivas ou artísticas, antes consideradas prazerosas, o que contribui para a solidão.Maria Belchior explica que a plataforma não visa obter um diagnóstico, mas dar uma visão global do bem-estar do usuário e apontar possíveis riscos para a saúde mental.“Só o fato de fazer perguntas e querer saber como eles vão já vai ajudá-los, nem que seja um pouco, a desbloquear a expressão de certas emoções”, explicou a epidemiologista francesa à RFI.  Essa conscientização pode incitar alguns dos jovens a buscar ajuda, dentro escola ou fora dela, o que concretamente já ocorreu, explica. Para isso, linhas telefônicas específicas e endereços úteis também podem ser consultadas na plataforma. O projeto também propõe um site paralelo para professores e pais, que visa difundir informações sobre os problemas psicológicos mais comuns vividos pelos adolescentes e os fatores de risco, como a exposição ao bullying e as dificuldades de relacionamento, por exemplo. “A ideia é informar melhor os pais e as pessoas que trabalham com os adolescentes sobre a saúde mental, e tentar mudar um pouco o ambiente em que eles vivem. O objetivo é sensibilizar os adultos sobre essas questões, para que eles saibam o que pode ser feito se o adolescente não vai bem”, diz a epidemiologista francesa.DiversidadeO recrutamento dos adolescentes que participam da fase piloto na França foi feito em parceria com o Ministério da Educação e da Saúde. Em seguida, o projeto foi implantado nas escolas, em função do interessa das secretarias de Educação das regiões francesas.As cidades situadas na periferia de Paris, por exemplo, rapidamente demonstraram interesse pela iniciativa. Para selecionar as escolas participantes, a pesquisadora francesa utilizou como principal critério a diversidade. A preferência foi dada para estabelecimentos situados fora da capital, com alunos de diferentes classes e origens sociais. Maria Belchior destaca que as escolas em Paris não são apropriadas para o estudo porque são exemplos de “segregação”.De acordo com ela, existem dois tipos de estabelecimento: aqueles frequentados por famílias ricas e de classe média e outros por jovens em situação mais precária. “O que nos interessa é tornar essa ferramenta acessível para todos, não apenas para aqueles que vivem em famílias onde a saúde e o desempenho escolar são importantes”, frisa. Após a seleção das escolas com esse perfil, a equipe da pesquisadora apresentou o projeto nos estabelecimentos. Só na França, até agora 1.600 jovens se inscreveram para testar a plataforma. Pressão crescenteMaria Melchior lembra que a pressão em torno dos jovens na França vem crescendo após as reformas de acesso ao Ensino Superior implementadas pelo Ministério da Educação.  “Eles têm a impressão de que qualquer nota baixa ou avaliação ruim vão gerar consequências negativas para o resto da vida. Tudo isso traz ansiedade e mostra como é necessário se questionar sobre a adoção de certas políticas públicas”, observa. A ferramenta, reitera, deve ser um dispositivo a mais para os adolescentes, mas ela não substitui “uma terapia ou o contato com um humano”, conclui Maria Melchior. Ela lembra que o nível de ansiedade das novas gerações hoje é maior, e isso se deve em parte ao acesso generalizado à informação."O mundo em que vivemos é complicado e os jovens têm muito mais informações sobre isso, inclusive as crianças", diz. "Nós não falamos mais com elas da mesma maneira que falávamos com a geração anterior, que era poupada das discussões dos adultos. Isso é um fator que deve ser levado em conta, além de tudo o que envolve as mudanças climáticas”, conclui.

02-04
11:56

Em vez de “diabolizar redes sociais”, pedopsiquiatra francesa defende diálogo e regulação

Vários países, entre eles a França, vêm adotando medidas para controlar o acesso às redes sociais e proteger crianças e adolescentes, que podem ser induzidos a práticas violentas e até mesmo ao suicídio. Em busca de mais audiência, as redes utilizam algoritmos que adaptam o conteúdo em função dos dados e interesses do usuário. Mas esse efeito, conhecido como "filtro bolha", induz falsas percepções e reforça as próprias crenças e opiniões, afetando a capacidade de questionamento. O algoritmo do TikTok é apontado como um dos mais nocivos, mas não é o único. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisEm julho do ano passado, o governo francês promulgou uma lei que estipula a “maioridade digital” aos 15 anos, idade mínima autorizada para se inscrever nas redes. No Brasil e na França, celulares também estão sendo banidos das escolas. Neste contexto, como proteger crianças e adolescentes? Proibir o acesso adianta?  A RFI conversou com a professora Catherine Jousselme, uma das maiores pedopsiquiatras francesas, autora de diversos livros e estudos sobre a questão e que, ao longo de sua carreira, dirigiu vários centros infanto-juvenis no país. Para ela, não existe uma só solução, mas preconizações que envolvem a escola, os pais, governos e os profissionais da saúde. “Vivemos em um mundo onde deveríamos tomar consciência do perigo de certas práticas, não só para a saúde, mas também para o psiquismo dos jovens. São necessários filtros que funcionem nas redes sociais e restrições em função da idade, o que não é o caso”, alerta. Segundo a psiquiatra francesa, novos dados publicados no ano passado mostram que cerca de 45% de adolescentes entre 11 e 12 anos utilizam TikTok com frequência. Há vários riscos envolvidos, observa Catherine Jousselme. Os distúrbios do sono, por exemplo, são algumas das consequências da exposição excessiva às telas, principalmente de noite.  O uso do celular antes de dormir deixa o cérebro em alerta e aumenta a tentação do scrolling. Dormir pouco também aumenta a vontade de comer mais açúcar e desmotiva o adolescente a praticar uma atividade física, considerada como um dos elementos essenciais para o equilíbrio emocional.  “Essas ferramentas causam dependência. Sabemos que nosso cérebro tem um circuito de tratamento da imagem que é bem mais rápido do que o circuito que gerencia a linguagem e a reflexão”, explica. Para gerar essa dependência, redes sociais como TikTok se baseiam em um sistema algorítmico próprio e tóxico, com uso inapropriado dos dados, ressalta. Essa ausência de filtros faz com que imagens de extrema violência estejam ao alcance dos jovens de maneira ininterrupta. Alguns vídeos trazem até mesmo o “passo a passo” de como se suicidar, exemplifica Catherine Jousselme, “o que é, obviamente, gravíssimo”.  Infelizmente, em boa parte dos casos, os pais ignoram que esses vídeos estejam acessíveis e tenham sido consultados pelos filhos. Por curiosidade ou impulso, ou sugestão de amigos, os adolescentes muitas vezes não resistem a clicar em imagens, que geram, nas palavras da psiquiatra, “sideração psíquica”.  Em adolescentes vulneráveis, haverá uma tendência a buscar conteúdos de extrema violência, que criem uma identificação com seus próprios traumatismos. Essa exposição frequente à crueldade sem limites compromete o desenvolvimento da empatia, explica a pedopsiquiatra, e desencadeia comportamentos violentos. Diálogo e regulação O consumo ininterrupto do conteúdo gerado pelas redes torna os jovens presas fáceis. Esse risco cresce na adolescência, um período marcado por transformações e incertezas. “Se você assiste a vídeos sem parar durante duas ou três horas, seu cérebro não ativará seu sistema de reflexão. Ele estará o tempo todo focado no imediatismo provocado pelos circuitos que gerenciam o tratamento da imagem, que se ativará de forma permanente, sem nenhum senso crítico”, afirma a especialista. “O jovem pode ser influenciado, se fechar, não conversar mais com seus pais sobre aquilo que está vendo. Eles então continuam assistindo conteúdos violentos, que vão aumentar seu mal-estar, sem filtro”, alerta. “Se por acaso, por azar, nesse momento a pessoa está passando por um momento difícil, como o divórcio dos pais, esses vídeos podem induzir alguns deles ao suicídio, sobretudo na adolescência”. Segundo a psiquiatra, a maneira como esses adolescentes vão reagir aos conteúdos violentos é diferente e varia em função de como a família alertou para os riscos, do controle parental e dos traumas vividos.Manter o diálogo aberto e um bom relacionamento com os pais é fundamental para evitar situações trágicas, lembra a pesquisadora francesa, mas não é uma garantia, o que torna ainda mais necessária a regulação das plataformas. O que acontece no cérebro? Na adolescência, dois sistemas cerebrais se desenvolvem, mas de maneira assíncrona. Um deles é o límbico, que gerencia, entre outros aspectos, o apetite, o desejo e o prazer. Ele "amadurece" mais rápido do que o circuito ativado pelo córtex pré-frontal, responsável pela conexão com outras áreas do cérebro e pela planificação, o estabelecimento de metas, estratégias e tomada de decisões. Segundo a psiquiatra, como esses dois sistemas não se desenvolvem de maneira simultânea, o cérebro de todos os adolescentes está “naturalmente em desequilíbrio”, mesmo que não haja dificuldades particulares. “O adolescente quer tudo na hora, pensar menos e agir mais. Cabe aos pais lembrar que a reflexão é importante. Mas se eles dispõem de ferramentas, sem nenhum controle, que estimulam o inverso, se tornarão mais dependentes das telas do que os adultos” - e também mais propensos a atos violentos.A superexposição às telas e a ativação frequente do circuito que gerencia as imagens traz consequências cerebrais concretas. Elas vão solicitar a parte mais rápida e intuitiva do cérebro e o mecanismo de consolidação das informações na memória a longo prazo ficará em segundo plano. Os circuitos usados na capacidade de aprendizagem, de julgamento e de crítica acabam, desta forma, sendo pouco mobilizados, simplesmente porque “tudo vai rápido demais”, diz a psiquiatra. O sistema intuitivo acaba prevalecendo. “O movimento do olho para o polegar em direção à tela do celular é tão rápido que o córtex pré-frontal, a estrutura que regula a atividade cerebral, acaba sendo mobilizada para outra função, que é a de tomar decisões o mais rápido possível”, explica. O consumo irrestrito e ilimitado de conteúdos violentos nas redes é apontado como uma das causas da explosão dos casos de depressão, ansiedade e outros distúrbios mentais entre os jovens de menos de 20 anos, lembra Catherine Jousselme. Mas ela e outros profissionais da saúde concordam que "diabolizar" as telas e as redes sociais e proibir totalmente o acesso não é a melhor solução. Pelo contrário.“As telas não devem ser diabolizadas. Mas a exposição permanente, no início da adolescência, a conteúdos nas redes sociais que não são filtrados, e possibilitam o acesso a cenas traumáticas, que mesmo nós adultos não podemos suportar, não é aceitável”. Segundo ela, o único caminho possível é explicar para os adolescentes a importância das ferramentas digitais, lembrando de seus riscos e limites.  Recomendações A pedopsiquiatra recomenda dar o primeiro celular, sem acesso a internet, por volta dos 11 anos. Aos 13 anos, a internet só deve ser utilizada em casa e acessada pelo wifi com controle parental. O primeiro contato com as redes sociais só deve acontecer, no mínimo, aos 15 anos, com acompanhamento. O diálogo e os limites de consumo devem ser mantidos e as eventuais tensões com o adolescente não devem desencorajar os pais. Além disso, os pais e os próprios jovens devem se informar mais sobre o funcionamento cerebral na adolescência."O cérebro entre 0 e 15 anos não é o mesmo. Se ele só ativar o sistema intuitivo, ficará mais difícil desenvolver outras funções necessárias ao planejamento e análise na idade adulta", reitera.

01-14
13:43

Infectologista francês fala sobre prós e contras de antirretroviral semestral contra HIV

O HIV continua um desafio para a saúde pública. Em 2022, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 39 milhões de pessoas conviviam com o vírus em todo o mundo. Mais de dois terços dos pacientes estão na África.   Embora nenhum medicamento seja ainda capaz de eliminar completamente o HIV do organismo, um novo tratamento inovador, o lenacapavir, baseado em duas injeções anuais, é considerado extremamente promissor. Mas o custo do medicamento - cerca de US$ 40.000 - ainda continua elevado e as indicações de uso são específicas. O Sulenca, nome comercial do antirretroviral, é um inibidor da função do capsídeo, a capa da proteína que envolve o vírus HIV-1. Ele atua nos estágios iniciais e finais do ciclo de replicação.  Seu mecanismo de ação permite alcançar e bloquear vírus que se tornaram multirresistentes em pacientes soropositivos e por isso ele é indicado como tratamento complementar, ou seja, associado a outros comprimidos.Nos estudos, o lenacapavir, encontrado nas formas oral e injetável, também demonstrou uma eficácia de quase 100% na prevenção contra a contaminação no caso de uma exposição ao HIV. O laboratório Gilead, que fabrica a molécula, assinou um acordo com seis fabricantes que permite a produção genérica do medicamento e o tornará acessível em 120 países.O Brasil ficou de fora dessa lista e um grupo de organizações pediu no último dia 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids, medidas para acelerar o acesso. Fim da epidemia?A OMS, o Fundo Global e o UNAIDS estabeleceram 2030 como meta para o fim da epidemia. O lenacapavir pode ajudar a atingir esse objetivo? Segundo o infectologista francês Jade Ghosn, ainda existem obstáculos para disseminar o uso da nova molécula. Ghosn é coordenador regional da luta contra o HIV e as Doenças Sexualmente Transmissíveis da região Île de France, onde está situada Paris. Segundo ele, a molécula tem duas principais vantagens."A primeira é que o lenacapavir vem de uma nova classe de medicamentos", explica. "A segunda é que ele foi formulado para ser injetado por via subcutânea, ou seja, da mesma forma que a insulina, heparina, ou os anticoagulantes, e é administrado a cada seis meses.”Atualmente, os comprimidos para tratar o HIV devem ser tomados diariamente, o que exige disciplina – as pílulas não devem ser consumidas em jejum, por exemplo. No cotidiano, essa organização gera uma sobrecarga mental elevada. "O paciente também deve andar com a caixa de remédios na bolsa", lembra o infectologista, o que pode colocá-lo em situações constrangedoras, ou o "obriga", socialmente, a ter que expor seu problema de saúde, explica.“Os remédios fazem o paciente lembrar diariamente que têm a doença, eles comentam. Em termos de carga mental, não ter que pensar nisso por seis meses é um verdadeiro alívio e uma melhoria real na qualidade de vida das pessoas”, explicou Ghosn.Mas, apesar de todas as vantagens e de ser uma pista para avanços concretos na gestão cotidiana da doença, o lenacapavir custa caro e ainda é um tratamento complementar, reitera. Para controlar a carga viral, ou torná-la indetectável, o paciente soropositivo deve utilizar uma combinação de medicamentos, já que o vírus sofre mutações muito rapidamente. “Isso significa que, hoje, se você quiser utilizar o lenacapavir no tratamento, ele deverá estar necessariamente associado a outros comprimidos. O paciente então perde o benefício do tratamento injetável. Se no futuro as pesquisas identificarem uma molécula associada eficaz que também possa ser administrada a cada seis meses, aí teremos realmente o benefício de um tratamento 100% injetável”, analisa. Acesso gratuitoDe acordo com o infectologista francês, a Agência Nacional de Pesquisa sobre Aids e Hepatites Virais está realizando uma série de estudos para avaliar como a nova droga poderá ser integrada aos sistemas de saúde dos diferentes países, incluindo a França. No país, desde 2013, todos os soropositivos têm acesso gratuito aos tratamentos, independentemente da carga viral. Mas, o grande desafio continua sendo o diagnóstico, já que muitas pessoas não sabem que foram contaminadas e continuam transmitindo o vírus. Cerca de 43% das infecções são descobertas em um estágio avançado. Para o infectologista francês, os pacientes ainda têm medo de descobrir que são soropositivos e serem estigmatizados, mesmo após mais de 40 anos da descoberta do vírus.  Em sua opinião, há também menos informação do que deveria sobre as terapias que impedem a contaminação e controlam a evolução da doença. “O que é importante é que a mensagem e a comunicação em torno da infecção pelo HVI sejam mais positivas. Temos que explicar às pessoas que existem opções. Você é negativo? O importante é continuar negativo. Há ferramentas para evitar a contaminação", ressalta."Caso você seja positivo, hoje tratamos a infecção como uma doença crônica, como hipertensão, diabetes ou colesterol. Temos tratamentos que vão estabilizar a doença de forma permanente. A infecção nunca evoluirá para a AIDS e, principalmente, o vírus não será transmitido aos seus parceiros se você for tratado”, resume o infectologista francês.

12-17
05:40

Como os hormônios influenciam o sono das mulheres ao longo da vida?

Diversos estudos buscam entender como as variações hormonais e o meio-ambiente influenciam o sono das mulheres em diferentes etapas da vida. Mas ainda faltam dados para identificar com precisão todos os fatores que explicariam por que as pacientes acumulam mais noites maldormidas do que os homens. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisDe acordo com a Santé Publique France, a agência de saúde francesa, entre 15 e 20% da população do país sofre de insônia e mais mulheres do que homens declararam ter o sintoma. As mesmas conclusões foram divulgadas em um estudo publicado em março deste ano pelo Instituto Nacional do Sono e da Vigilância.As diferenças no padrão do sono de homens e mulheres foi um dos destaques de um congresso que reuniu pesquisadores franceses e de vários países no final de novembro em Lille, no norte da França. O evento foi organizado pela Sociedade Francesa de Pesquisa e Medicina do Sono (SFRMS, na sigla em francês) e o Grupo Sono da Sociedade de Pneumologia em Língua Francesa (SPLF).A neurologista Isabelle Lambert, que participou da palestra sobre o tema, dirige o centro dedicado aos distúrbios do sono no hospital universitário de Marselha, no sul da França.De acordo com ela, suas pacientes apresentam mais problemas de insônia do que os homens, em uma proporção que varia entre 30 e 40%. Os hormônios são provavelmente a causa dessa prevalência no sexo feminino, mas essa hipótese, ressalta, ainda não foi validada pelos estudos científicos que estão em andamento em vários centros especializados no mundo.“Não faz tanto tempo assim que nós, cientistas, nos interessamos às especificidades do sono das mulheres”, explica a neurologista francesa.Desde 2014, um grupo de trabalho criado por pesquisadores franceses se dedica ao assunto e os dados obtidos até agora pelos cientistas mostraram que os franceses e francesas dormem, em geral, o mesmo número de horas diárias, com uma pequena variação de 20 minutos.Há, entretanto, diferenças nos ciclos do sono profundo, ou não-REM (sigla para rapid eyes mouvement), sem sonhos e essencial para o descanso cognitivo, que seriam mais curtos nas mulheres. As fases do sono, traduzidas em ondas cerebrais, podem ser registradas pelos médicos em um exame chamado polissonografia, que grava a atividade cerebral do paciente quando ele está dormindo. Mulheres têm mais insôniaSegundo a neurologista, pesquisas com animais também confirmaram as evidências de que as mulheres seriam mais propensas a outros distúrbios do sono, como a chamada Síndrome das pernas inquietas, que provoca movimentos involuntários quando a pessoa está dormindo.Os remédios usados para tratar essa e outras doenças do sono também não surtiriam o mesmo efeito em homens e mulheres, acrescenta, e algumas moléculas exigem adaptações terapêuticas. Uma das explicações é que os testes clínicos dos medicamentos aprovados ao longo das últimas décadas não levaram em conta as especificidades femininas.Os estudos ainda revelam que as diferenças de padrão de sono entre gêneros são estabelecidas principalmente na puberdade e continuam nas diferentes etapas da vida da mulher, em função das variações hormonais.“Por que essas mudanças acontecem e qual a relação com o sono? Porque nosso cérebro é cheio de receptores de estrogênios e de progesterona. Muitos desses receptores estão localizados em estruturas cerebrais envolvidas no controle da hora de dormir e acordar e no ritmo circadiano”, explica Isabelle Lambert.“Nós sabemos que a regulação hormonal na mulher é complexa”, acrescentou a ginecologista Christine Rousset Jablonski, que participou da mesma palestra no congresso francês.A partir da puberdade, o corpo da mulher se prepara para a reprodução. Os ovários são responsáveis pela produção da maior parte do estrogênio e da progesterona, os principais hormônios femininos. As glândulas suprarrenais, consideradas uma extensão do sistema nervoso, produzem os andrógenos adrenais que poderão em seguida ser convertidos em hormônios sexuais.Essas mudanças hormonais que começam na pré-adolescência e duram até depois da menopausa seriam uma das causas das noites maldormidas de muitas pacientes. “Essas taxas dependem e variam de mulher para mulher e há muitas variações individuais”, diz a especialista. E isso acontece mesmo em mulheres que não apresentam anomalias no ciclo ovulatório.Flutuações na menopausaAlém da gravidez, a perimenopausa, que dura vários anos, e a menopausa, que marca o fim das menstruações, são etapas determinantes para o equilíbrio orgânico feminino. Nesta fase, as variações hormonais estão associadas à diminuição do estrogênio, com pouca “impregnação” da progesterona. “Isso pode, potencialmente, ter um impacto no sono”, reafirma a ginecologista francesa. Na menopausa, além da questão hormonal, há também o fenômeno da vasoconstrição, que corresponde ao estreitamento dos vasos sanguíneos. Ele é frequente nessa etapa da vida da mulher e está associado aos fogachos e suores noturnos.“Esses sintomas atingem 80% das mulheres na menopausa, e duram, em média, sete anos e meio, mas podem variar. Para um terço das mulheres, eles vão durar mais de dez anos", alerta Christine Rousset Jablonski."Sabemos que esses sintomas vasomotores podem estar associados a distúrbios do sono e são mais intensos de noite do que de dia. Mas também há mulheres na menopausa que têm problemas de sono sem sintomas vasomotores associados”, explica. A boa notícia é que já existem medicamentos para tratar esses sintomas e, desta forma, melhorar o sono.A associação entre a fisiologia dos fogachos e o ritmo circadiano da mulher, o relógio biológico que regula várias funções orgânicas, incluindo o sono, é um assunto ainda pouco compreendido e que deve ser mais estudado, ressalta a ginecologista francesa.Enquanto isso, ter uma alimentação equilibrada, fazer exercícios e evitar o estresse ajudam a dormir bem e a preservar a saúde. Esses são fatores que a Ciência já provou que são benéficos para dormir bem e prevenir praticamente todas as doenças.

12-03
06:26

Cientistas franceses identificam linfócitos envolvidos no aparecimento de cânceres

Um grupo de pesquisadores franceses descobriu que a presença de um subtipo do linfócito Th17, uma das células que compõem nosso sistema de defesa, pode contribuir em alguns casos ao desenvolvimento de certos tipos de tumores, como os do intestino, fígado ou pâncreas. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisO estudo foi realizado durante quatro anos por especialistas do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França), do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), da universidade Claude-Bernard Lyon 1 e do Centro de Pesquisa Oncológica de Lyon.Os cientistas franceses identificaram um dos mecanismos do processo inflamatório presente em algumas doenças crônicas que levaria ao surgimento de certos cânceres, disse à RFI Brasil o imunologista francês Julien Marie, que participou da pesquisa, publicada no final de julho na revista científica Nature Immunology.Para entender como os pesquisadores chegaram a essa conclusão, é necessário compreender o papel dos glóbulos vermelhos ou brancos, os linfócitos, em nosso organismo. “Os glóbulos vermelhos são responsáveis pelo transporte do oxigênio no sangue e os brancos combatem os agentes infecciosos e as células defeituosas”, explicou o cientista francês.Os glóbulos brancos são divididos em dois grandes grupos, formados pelos linfócitos B, que produzem os anticorpos, e os linfócitos T. A função deles é destruir células defeituosas ou que foram contaminadas por um vírus ou uma bactéria, por exemplo. Para isso, libera moléculas como as citocinas, que vão criar a inflamação e favorecer a cicatrização e a cura.O problema é que esse processo às vezes pode sofrer alterações e gerar doenças ou agravar infecções – um exemplo é a forma grave da Covid-19. A equipe francesa descobriu que o linfócito Th17, presente na Doença de Crohn, uma patologia crônica intestinal, poderia atuar no aparecimento de células cancerígenas.Muitos tumores, lembra Julien Marie, surgem a partir de uma inflamação crônica. Quando ela atinge uma parte específica do intestino, como é o caso dos pacientes que têm Crohn, as células vão se modificar e se tornar cancerígenas exatamente na porção inflamada. “No nosso estudo, tentamos entender quais eram as células do sistema imunológico na origem dessa inflamação que vai gerar o câncer. São etapas extremamente precoces do desenvolvimento da doença”.Esse mecanismo localizado ajudou a equipe a “cercar” a área onde ocorre todas as modificações celulares. Os cientistas então constataram que um subtipo dos linfócitos Th17 estava na origem de alguns tumores. “Hoje temos técnicas que permitem analisar uma célula de cada vez. Percebemos que as células Th17 tinham oito subtipos, e um deles podia desencadear o câncer através da inflamação criada por ela mesma”, explica.Citocina bloqueia aparecimento do câncerO estudo analisou os linfócitos invitro, no laboratório, as células das biópsias de pacientes que tinham a Doença de Crohn. Eles têm, em geral, quase seis vezes mais chances de desenvolver um câncer colorretal que um indivíduo normal, explicou o cientista francês, e entender o porquê era um dos objetivos da equipe.Durante o estudo, os pesquisadores conseguiram provar que o linfócito Th17 estava presente nos pacientes que desenvolveram os tumores. “No nosso artigo científico caracterizamos os linfócitos que geram o câncer, fazemos uma descrição deles e definimos um certo número de marcadores que propomos para defini-los", explicou. "Fomos ainda mais longe, porque toda a questão por trás da nossa pesquisa era saber se podíamos bloquear o aparecimento do câncer”, acrescenta.Foi justamente essa uma das grandes descobertas da pesquisa. “O desenvolvimento das células cancerígenas pode ser bloqueado pela presença de uma citocina, TGF–β (TGFBETA)”. Se o nível dessa citocina diminui no intestino, por exemplo, favorecerá o aparecimento do câncer, reitera Julien Marie.A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de novas terapias contra o câncer e também na prevenção, através da utilização dos marcadores propostos no estudo. Eles são preditivos do risco de desenvolvimento da doença e permitirão um diagnóstico precoce ou até mesmo antecipar o risco do paciente antes de o câncer aparecer.Para Julien Marie, o estudo também é importante porque quebra um paradigma: o nosso sistema imunológico, criado para proteger o organismo, às vezes pode ser nocivo. De cada três cânceres, lembra, um se desenvolve a partir de uma inflamação crônica – um mecanismo que ainda continua sendo, em parte, um mistério para a Ciência.

09-24
05:34

"Saúde mental é caminho para o alto desempenho", avalia psicóloga de atletas do Time Brasil em Paris

O Brasil encerrou a sua participação nos Jogos de Paris com 20 medalhas. Por trás de muitas delas, há o trabalho de psicólogas e psicólogos que ajudam a cuidar da saúde mental dos atletas. Como Aline Arias Wolff, que atua junto ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) há mais de uma década, e esteve na capital francesa dando suporte a alguns esportistas do Brasil, como Rebeca Andrade. Renan Tolentino, da RFIEm entrevista à RFI, Aline explicou como é o trabalho com os atletas, que tiveram acompanhamento psicológico durante os jogos. Ela avalia que é importante manter este trabalho contínuo junto a eles, não só ao longo das competições, mas também antes e depois, independentemente do resultado. “Na minha visão, a saúde mental é o caminho para o alto desempenho. Quando a gente tem um atleta que está inteiro, que está feliz, que se cuida e se observa, ele tem muito mais chances de alcançar um altíssimo nível. Então, não é uma coisa ou outra, essas duas coisas precisam andar juntas. Saúde mental precisa andar junta com o alto desempenho. Porque aí a gente realmente consegue ter um desempenho ainda melhor”.Aline acredita que estas foram as “Olimpíadas da saúde mental”, por conta da relevância que o assunto tomou nos últimos anos também no âmbito desportivo, com alguns atletas “reforçando e reconhecendo o quanto isso é importante”. Como as próprias Rebeca Andrade e Lorrane Oliveira, entre as ginastas brasileiras. Ainda na ginástica artística, outra que reforça esse discurso é a norte-americana Simone Biles, estrela da modalidade, que em 2021 desistiu de disputar os Jogos de Tóquio justamente para tratar do seu bem-estar psicológico.“Esse é um ponto muito importante (...) cuidar da saúde mental não é ‘mimimi’. Essa pessoa (atleta) tem que estar bem cuidada, tem que estar inteira e não tem como fazer isso sem cuidar da saúde mental”, reforça a psicóloga.Não existe receita prontaUma das atletas do Time Brasil acompanhadas por Aline Arias Wolff é Rebeca Andrade, que em Paris se tornou a atleta brasileira com mais medalhas em Olimpíadas e não esconde o quanto o acompanhamento psicológico ajuda na sua vida.Durante uma entrevista, por exemplo, questionada sobre o que pensa antes de competir, a ginasta surpreendeu e disse que às vezes pensa nas “receitas que vou fazer quando voltar para o Brasil”. Aline explica que Rebeca tem essa capacidade de “ligar e desligar o foco” quando necessário, sendo uma maneira natural que a atleta encontra de aliviar uma eventual pressão antes das provas.“É uma resposta inusitada e muito autêntica. Ela é bem assim. Todo mundo fica muito curioso sobre isso. É uma estratégia? É intencional? Na verdade, não. É algo natural dela. Porque as pessoas tendem a achar que para fazer algo tão difícil, como um salto que ela executa, o atleta precisa estar ali focado o tempo inteiro, mas, na verdade, ele precisa estar focado no momento da execução da tarefa. Antes, aquela espera, que é longa, é supersaudável inclusive que o atleta vá e pense em outras coisas, desde que ele consiga focar na hora que realmente importa", explica."E aí, naquele momento, a mente dela (Rebeca) foi para coisas que ela estava querendo experimentar nas receitas quando ela voltasse para o Brasil. Ela funciona assim, ela tem uma facilidade de desligar o foco e voltar o foco”, detalha Aline.Mas a psicóloga esclarece que não existe uma fórmula ou receita pronta para todo mundo. Cada atleta pode se comportar de maneira diferente para lidar com a ansiedade antes de competir. O importante nessas horas é conhecer bem a si mesmo.“As pessoas são diferentes. Gosto sempre de dizer que não existe uma fórmula. É muito importante que o atleta consiga se entender, entender o que funciona para ele. O que o ajuda e o que não o ajuda. Varia de atleta para atleta”, conclui.Leia também“Estou muito feliz de voltar com o ouro que os brasileiros mereciam”, diz Rebeca Andrade após vitória no solo em Paris

08-13
05:44

Casos de queimaduras graves crescem no Brasil durante período de festas juninas

Acidentes com fogos de artifício e fogueiras são comuns durante as festas de São João, alerta a cirurgiã Suzy Vieira, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Segundo dados do Governo do Estado de São Paulo, o número de acidentes relacionados ao período vem crescendo e subiu cerca de 63% em 2023. O período de festas juninas é propício para os acidentes com combustíveis, usados para acender as fogueiras. Mas há também os incidentes que ocorrem na hora de soltar os fogos. “As queimaduras causadas pelos fogos de artifício são provocadas pelas chamas ou pela pólvora. Elas aumentam durante as festas juninas e queimam não apenas quem está soltando os fogos, mas também outros que estão em volta. As pessoas que estão próximas também acabam sendo atingidas pela explosão”, ressalta a cirurgiã. A incidência cresce em todo o país no mês de junho, destaca a especialista. “Nessa época, o número de atendimentos aumenta bastante. Existe, inclusive, em alguns hospitais, centros de tratamento de queimaduras reservados para os casos mais graves, que atingem mais de 30% do corpo e demandam cuidados especiais”.De acordo com Suzy Vieira, é comum os pacientes vítimas de queimaduras graves precisarem ficar internados e se submeterem a várias cirurgias. Muitas vezes, os curativos também precisam ser realizados e trocados em um centro cirúrgico, em função da dor do paciente.Nas queimaduras que ocorrem durante as festas juninas, as partes do corpo mais atingidas são, em geral, o rosto e os membros inferiores e superiores. “Elas atingem a roupa e podem se tornar ainda mais profundas e graves. Nesse caso, o ferimento se espalha e queima outras partes que inicialmente não haviam sido atingidas”, diz. “Por isso é importante despir a pessoa que esteja com a queimadura. Por exemplo, se ela é atingida por um líquido quente ou por um ácido, e se ele fica na roupa, terá um contato mais prolongado com a pele e a queimadura será ainda mais profunda e grave”, alerta.Projeto de lei quer proibir fogos que façam barulhoAs vítimas, diz, são de diferentes faixas etárias. “Já atendi famílias inteiras que chegam queimadas porque uma pessoa foi soltar o rojão, o rojão queimou, atingiu quem estava do lado, a mãe foi ajudar e estava de meia calça e queimou também”, descreve.A Lei de Crimes Ambientais no Brasil, de 1998, proíbe a fabricação, venda e uso dos balões de ar, usados antigamente nas festas juninas, que provocavam incêndios e geravam muitos acidentes. O desrespeito à norma é passível de um a três anos de prisão ou multa. Em relação aos fogos de artifício, alguns Estados e municípios adotam a proibição de fogos com estampido que façam barulho. Um projeto de lei de 2022 que tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado prevê que essa proibição se estenda a todo o território nacional.  “Existe também uma legislação que exige que as lojas sejam afastadas e sejam dotadas dos equipamentos para controle do fogo. Mas, infelizmente, essa legislação não é cumprida como deveria”, lamenta a cirurgiã brasileira.

06-25
05:52

Cientistas franceses descobrem nova molécula que provoca alergias respiratórias

O pesquisador francês Jean-Philippe Girard, diretor de pesquisa do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa da França), e sua equipe identificaram uma molécula que atua no processo inflamatório que causa doenças como a rinite alérgica e a asma, por exemplo. Batizada de TL1A, ela é liberada pelo epitélio respiratório alguns minutos após a exposição a uma substância alérgica e integra a família das alarminas. Taíssa Stivanin, da RFILiberadas em grande quantidade, as alarminas podem iniciar a inflamação, estimular a atividade das células imunológicas e desencadear uma série de reações no corpo, como as alergias. O estudo foi publicado em abril na revista científica Journal of Experimental Medicine.“Nas alergias, um dos fatores mais importantes é o meio ambiente, além das substâncias alérgicas presentes nele e no ar que respiramos em ambientes fechados ou do lado de fora. Ao ar livre, o pólen e alguns tipos de fungos são os que provocam mais reações”, explicou o cientista francês à RFI.Um desses fungos é o Alternaria alternata, que está relacionado a crises de alergia e de asma severa, principalmente quando o tempo está úmido, favorecendo sua dispersão no meio ambiente. A alergia respiratória é a quarta doença crônica mais comum no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), e deve atingir a metade da população mundial até 2050. Só na França, a estimativa é que 17 milhões de pessoas sejam alérgicas e 4 milhões sofram de asma.Entre 200 e 400 mil desenvolvem a forma severa da doença e podem ter crises graves, que provocam dezenas de mortes no país. Um dos principais objetivos do estudo, segundo Jean-Philippe Girard, foi justamente encontrar um tratamento alternativo para evitar esses óbitos.A equipe do cientista francês estuda há mais de uma década o efeito do fungo alternata no organismo dos alérgicos. Durante a pesquisa, eles perceberam que 15 minutos após o contato com a substância, todas as células que formam o epitélio pulmonar liberaram um sinal de alarme para as defesas do organismo. "Essas alarminas, presentes no tecido, dialogam com nosso sistema imunológico, explica o cientista.“São esses sinais de alarme que chamamos de alarminas. Elas alertam nossas defesas naturais, nesse caso, contra uma substância alérgica. Essas alarminas presentes no pulmão, brônquios e alvéolos pulmonares também avisam quando há um vírus, como o da gripe ou do resfriado”, exemplifica.Alerta para os glóbulos brancosUma das funções da molécula é alertar os glóbulos brancos, presentes nos pulmões, da presença de um corpo estranho. Eles vão, dessa forma, produzir mediadores da reação alérgica, entre eles uma proteína responsável pela produção de muco, que obstruirá os brônquios e causará a inflamação. “Ao bloquearmos as alarminas, que dão início a essa cadeia de reações, reduzimos a inflamação. Se agimos no meio do processo, há outros mecanismos que podem compensar essa ação, mas agindo desde o começo, bloqueamos tudo. Esse é o conceito das alarminas, e é isso que é importante” frisa Jean Philippe Girard.Com a nova descoberta, já são três as alarminas identificadas até agora pela Ciência. Uma delas já havia sido detectada há mais de 20 anos pela equipe do cientista francês e em breve beneficiará pacientes que sofrem de patologias como a BPCO, a doença pulmonar obstrutiva crônica.Segundo ele, os pacientes integram seis estudos de fase 3 conduzidos por grandes laboratórios e recebem anticorpos que bloqueiam a molécula. Os resultados devem ser divulgados em 2025 e, se tudo correr bem, um novo medicamento chegará às prateleiras.O objetivo agora é que a nova alarmina, que acaba de ser identificada, também possa ser testada em larga escala. “Nossa nova descoberta virá reforçar o arsenal terapêutico e as possibilidades de tratamento para os pacientes.”Para isso, é preciso investimento para colocar em práticas os testes clínicos necessários para validar o estudo em humanos e obter um medicamento contra a asma severa. Em seu laboratório, Philippe Girard, continuará suas experiências com outras substâncias alergênicas, como ácaros ou polens, que também estão na origem de alergias graves.

05-14
05:22

Conheça o pesquisador francês que conseguiu rejuvenescer células centenárias

Por que nós envelhecemos? O que acontece dentro das nossas células com o avanço da idade e como reverter esse processo? Em suas pesquisas, o biólogo francês Jean-Marc Lemaitre, diretor do Instituto de Medicina Regenerativa de Montpellier, no sul da França, já provou que é possível rejuvenescer células e, no futuro, ajudar as pessoas a envelhecer melhor. Taíssa Stivanin, da RFIEm 2011, Jean-Marc Lemaitre conseguiu uma proeza: rejuvenescer células senescentes, ou seja, que deixaram de se replicar, de um homem de mais de cem anos. Elas voltaram a ser embrionárias e conservaram essas características após sofrerem novas divisões.“Imagine quantas portas essa nova descoberta abre? Nossa hipótese, no início, era que, quando nós envelhecemos, nossas células também envelhecem. Quando isso acontece, ou elas sofrem danos quando devem se reconstituir, ou não são mais capazes de se reconstituir”, explica.Muito antes dessa descoberta, Jean-Marc Lemaitre estudou, no início de sua carreira, a chamada replicação do genoma, que nada mais é do que a transmissão do material genético. Ela é fundamental para entender o envelhecimento e suas consequências para o organismo.O pesquisador partiu de uma hipótese surpreendente: será que era possível reverter esse processo? Existem dois tipos de células no corpo: as "envelhecidas", já defeituosas, mas que ainda conseguem se diferenciar, e as senescentes, que perderam essa capacidade e, basicamente, estão à beira da morte.O genoma é organizado nas nossas células durante o desenvolvimento embrionário. Os genes têm “interruptores” que vão agir na maneira como eles serão acionados ao longo da nossa vida. Esses genes, em função de inúmeros fatores, incluindo ambientais, vão se "expressar" e influenciar, ou não, funções de nosso metabolismo.Mas, com o tempo, esse mecanismo deixa de funcionar como deveria, por conta da alteração da fisiologia da célula causada pelo envelhecimento. Assim, com o avanço da idade, a célula não funciona mais da mesma maneira. Em suas pesquisas, a equipe de Jean-Marc Lemaitre buscou, então, reativar esses “interruptores”, essenciais para o funcionamento celular.Estágio embrionárioPara provar essa hipótese, o pesquisador francês partiu da descoberta do cientista japonês Shinya Yamanaka, feita em 2007. Ele provou que, ao inserir um “coquetel” de quatro genes no núcleo de uma célula de um adulto, era possível revertê-las em células-tronco. O estudo rendeu o prêmio Nobel de Medicina de 2012 ao pesquisador.A equipe de Jean-Marc Lemaitre foi além e descobriu que as células senescentes, ou seja, que não conseguem mais se dividir, também podiam voltar a ser embrionárias, graças à inclusão de dois outros genes identificados pela equipe.Em 2022, a equipe do cientista francês também conseguiu comprovar, em modelos animais, que era possível aumentar o tempo de vida.“Se destruímos as células senescentes, ganhamos 30% de longevidade em boas condições de saúde, sem doenças ligadas ao envelhecimento. Se reprogramamos novamente as células dos camundongos, acontece a mesma coisa”, explica.“Trabalhamos com essas duas possibilidades e a ideia agora é tentar fazer uma combinação. Devemos tratar esses dois tipos de células ao mesmo tempo se queremos que o tecido rejuvenesça totalmente e frear o envelhecimento”, afirma.Morrer em boa saúdeO objetivo é evitar doenças que acometem com frequência os mais velhos, como o diabetes, as patologias cardiovasculares e cânceres. “Não vamos criar seres eternos. Vamos apenas atrasar o envelhecimento o máximo possível, já que todas as vezes que interferimos nesse processo rejuvenescemos também nossos tecidos. Talvez, um dia, a gente possa morrer em boa saúde”.As próximas etapas agora envolvem os testes clínicos com humanos. Sua equipe vai testar a reprogramação celular nas células da pele. A expectativa é ter uma “prova de conceito” dentro de três anos para avaliar a eficácia do tratamento e organizar, em seguida, os testes com voluntários humanos.“Há uma profunda injustiça em relação ao envelhecimento. Não envelhecemos todos na mesma velocidade. Encontrar soluções para que todos nós possamos chegar à terceira idade com uma boa saúde e aproveitar o tempo que sobra, é um desafio importante”, conclui.

02-06
05:27

Você conhece a SHUa? Doença rara que atinge os rins pode ser fatal sem diagnóstico

A SHUa (Síndrome Hemolítico Urêmica Atípica) é uma doença tão rara que às vezes os próprios médicos têm dificuldades em diagnosticá-la. No Brasil, o COMDORA (Comitê de Doenças Raras da Sociedade Brasileira de Nefrologia) divulgou o primeiro relatório sobre a doença em 2022, que atinge, em média, entre 2 e 5 pessoas a cada um milhão, em todo o mundo. Taíssa Stivanin, da RFIO relatório, coordenado pela nefrologista Maria Helena Vaisbish, do Hospital das Clínicas de São Paulo, mostra que 56% dos pacientes são jovens mulheres de cerca de 20 anos, que apresentam insuficiência renal.“Trata-se de uma doença ultrarrara. Existe todo um programa de educação continuada para tentar ampliar o conhecimento dessa doença entre os próprios profissionais de saúde”, disse a especialista à RFI.Segundo Maria Helena Vaisbish, muitas vezes as equipes se deparam com pacientes em estado grave, com alterações sanguíneas e renais, sem ter ideia de que os sintomas possam estar relacionados à síndrome.“Para você pensar em uma doença rara, tem que ter ouvido falar dela. Muitas vezes a gente acaba se deparando com casos em que os profissionais não têm ideia do que seja essa patologia”, explica.É essencial, diz a especialista, que os exames sejam feitos antes de qualquer intervenção médica, já que não existe, por enquanto, um teste diagnóstico específico.O exame que detecta os genes alterados e envolvidos no desenvolvimento da patologia mostra que a doença pode estar presente em cerca de 60% dos casos, segundo a nefrologista, e demora cerca de um mês para ficar pronto. Como a patologia é uma emergência médica, não é possível aguardar o resultado dos laudos.“É uma doença que ainda está sendo mapeada no mundo, inclusive em relação às alterações genéticas. Existe muita necessidade de esclarecimento sobre a SHUa e seus diagnósticos diferenciais”, reitera Maria Helena Vaisbish.A síndrome altera o chamado sistema do complemento, que atua nas defesas do organismo. Ela desregula algumas das proteínas codificadas por um grupo de genes, explica a nefrologista.“Nessa doença, existe uma exacerbação da reação natural, que é a defesa do organismo. Ela acaba levando a uma lesão celular na parede do vaso sanguíneo e à formação de trombos dentro das células. O paciente terá então anemia e perda de plaquetas", descreve Maria Helena Vaisbish."Forma-se uma espécie de coágulo dentro dos vasos sanguíneos, impedindo a oxigenação adequada dos órgãos irrigados por esses vasos, levando a uma deficiência do funcionamento deles. Um dos fatores observados em quase 100% dos casos da SHUa é a lesão renal aguda”, explica a médica brasileira.Neste contexto, a identificação da patologia é essencial para que a função renal seja preservada e também para evitar o recurso crônico à hemodiálise e às vezes até ao transplante renal. Mas a doença não se restringe aos rins. Os pacientes também podem ter sintomas gastrointestinais, cardiovasculares e até cerebrais.A boa notícia é que se for diagnosticado a tempo, o paciente fica protegido das complicações. O tratamento é feito com anticorpos monoclonais específicos. Nos adultos, a SHUa pode se manifestar de várias maneiras e existem diferentes gatilhos, como a existência de outras doenças autoimunes, gravidez ou até cirurgias.Nutricionista milita para divulgar a doençaA nutricionista Pamela Notario, 37 anos, de Rondonópolis, descobriu que tinha a doença em 2018. Ela foi diagnosticada durante a faculdade, após desistir da carreira de professora de Direito. “Tive muita sorte. Todo esse meu empenho com a alimentação fez muita diferença no meu diagnóstico, na recuperação e no meu período no hospital.”Antes de descobrir que tinha a SHUa, Pamela pegou uma pneumonia que se tornou crônica. “Os médicos diziam que era coisa da minha cabeça, que eu não sarava porque não queria e tudo isso era emocional”, diz.Até que um dia ela saiu com o marido para comer um lanche e acordou no dia seguinte com muito inchaço. A nutricionista pensou que fosse uma alergia e foi para o hospital, onde a informaram que seus rins não estavam mais funcionando. “Fui do Pronto-Socorro direto para a UTI”, lembra.Pamela foi então transferida de Cuiabá (MT), onde estava morando, para São Paulo, já que seu quadro piorou e ela corria risco de morte. “Fomos de UTI aérea para São Paulo e o diagnóstico também demorou. Precisei de hemodiálise e troca de plasma, e acabei tendo o diagnóstico da síndrome", relata."A questão emocional é muito forte. Os médicos te tratam como um estudo de caso. Lembro de uma cena que me marcou muito. Eu estava no quarto, na UTI, e chegaram 39 médicos. Eles conversavam como se eu não estivesse ali. Eu me senti como um bicho de zoológico”, compara.A nutricionista demorou seis meses para retomar uma vida normal após o diagnóstico. Neste período, o cansaço a impedia de trabalhar e estudar, mas ela diz que tem sorte: sua função renal voltou aos poucos, mesmo antes de iniciar o tratamento com a medicação injetável, a cada 15 dias. A molécula é fornecida pelo seu plano de saúde, mas também está disponível no SUS.Em muitos casos, conta, os pacientes não têm acesso gratuito aos remédios, que são muito caros, e acabam ficando dependentes da hemodiálise. Alguns chegam até mesmo a mudar de país. “É difícil lidar com essas doenças invisíveis. As pessoas não entendem o que é você estar sentada e cansada, e precisar deitar. A fadiga é extrema”.Hoje Pamela não precisa de hemodiálise e vive normalmente. Ela tem seu próprio consultório e diz que, apesar do cansaço que às vezes surge alguns dias depois de tomar a medicação, ela mantém suas atividades e diz que busca transformar sua experiência em algo positivo. Ela trabalha para divulgar a doença e é representante do Brasil no Conselho Internacional sobre a doença.

11-14
08:54

Como melhorar a vida das pacientes depois do câncer de seio?

O Outubro Rosa foi criado para conscientizar sobre a importância de prevenir e diagnosticar o câncer de mama. Mas, depois que a doença aparece, como melhorar a qualidade de vida das pacientes durante e após o tratamento? Taíssa Stivanin, da RFIAntecipar soluções e colocá-las em prática é o objetivo da equipe da oncologista portuguesa Inès Vaz-Luis, do Instituto francês Gustave Roussy, uma das maiores referências mundiais no tratamento contra o câncer.A pesquisadora catarinense Maria Alice Franzoi, 34 anos, integra esse projeto há dois anos. “Sempre me interessei por pesquisa, querendo aprender mais e oferecendo estratégias mais inovadoras para os pacientes. Sempre tive essa vontade”.Maria Alice então se candidatou para uma vaga de pesquisa clínica em câncer de mama no Instituto Jules Bordet, em Bruxelas, onde ficou por dois anos.Em seguida, a oncologista brasileira foi convidada para trabalhar no instituto francês, há cerca de três anos. O foco de suas pesquisas é a personalização das trajetórias de pacientes com câncer de mama. “Com o avanço dos tratamentos e o diagnóstico precoce, e o conhecimento sobre a biologia molecular do câncer de mama, as taxas de cura têm aumentado muito”, diz.Mais de 90% das pacientes ainda estarão vivas após dez anos, lembra a pesquisadora. “Ao mesmo tempo, sabemos que esse pós-câncer não é tão fácil quanto parece. Cerca de 50% das pacientes vão sofrer com uma sequela física, com impacto na vida diária, 30% têm stress emocional, como ansiedade ou depressão, e 20% têm dificuldades para voltar ao trabalho, quatro anos depois do tratamento.”Personalização do tratamentoPor essa razão, uma das metas da equipe é personalizar os tratamentos. “Trabalhamos neste tópico há mais de sete anos e muitas das informações que temos vêm de um estudo de coorte (observacional), chamado CANTO. É um grande grupo de pacientes recrutados em toda a França. São cerca de 12 mil  que são acompanhadas dez anos após o diagnóstico.”Essas pacientes, explica Maria Alice Franzoi, respondem a questionários anuais sobre diversos sintomas, saúde sexual, mental, qualidade de vida e  retorno ao trabalho. O estudo, diz, possibilitou quantificar o impacto do câncer de mama e dos tratamentos na vida das mulheres.Os dados também permitiram a criação de algoritmos de predição para que a equipe pudesse entender porque algumas pacientes tinham mais risco de desenvolver alguns sintomas do que outras. Esses algoritmos, diz, permitem estimar esse risco de sequela no momento do diagnóstico.“Expandimos essas análises para todas as pacientes, incluindo as que foram ou não tratadas com quimioterapia.” Os resultados foram apresentados na Asco, o maior congresso de oncologia do mundo, que acontece todos os meses de junho em Chicago.Muitos dos fatores de risco identificados depois do câncer, são modificáveis, diz a oncologista. Entre eles, uma fadiga existente no momento do diagnóstico, o tabagismo, sobrepeso ou a depressão, além de outros. “Se agirmos sobre esses fatores, a trajetória dessa paciente poderá talvez ser diferente”, conclui.O trabalho da equipe busca predizer quais pacientes correm mais risco de ter sequelas e como utilizar os dados para influenciar positivamente trajetória da mulher que terá um câncer de mama. “A ideia é agir nos fatores modificáveis e empoderar a paciente o máximo possível, para que ela entenda o que é possível fazer para melhorar sua qualidade de vida e diminuir o risco de sequelas.”Em 2024, a equipe iniciará a um ensaio clínico, recrutando cerca de 150 mulheres, para testar o efeito das estratégias personalizadas identificadas nos estudos dos fatores de risco e sequelas.“Um mecanismo muito importante, que acreditamos no grupo, é o empoderamento do paciente. Para que ele tenha informações suficientes para iniciar as discussões com a equipe médica e para que faça a auto-gestão de sua saúde. Tem várias coisas que o paciente pode, fazer, ele mesmo sem estar no hospital, para se ajudar”, diz Maria Alice.Estratégia digitalO Instituto Gustave Roussy também trabalha, desde 2011, com uma start-up chamada Resilience no desenvolvimento de uma estratégia digital.Ela inclui um aplicativo que oferece conteúdo educacional sobre a doença, efeitos secundários a seus tratamentos e também programas de autogestão. Entre eles, exercícios físicos, meditação, yoga e terapias cognitivo-comportamentai, baseados em evidências científicas, dirigido a sintomas específicos das pacientes.Além disso, também é possível realizar o monitoramento remoto através da ferramenta, melhorando a comunicação da paciente com a equipe médica.“Cerca de 80% das pacientes têm o que chamamos de câncer de mama hormônio positivo e devem tomar um comprimido de hormonoterapia de 5 a 10 anos para aumentar as chances de cura e prevenir a recidiva. Entretanto, sabemos que 50% delas interrompem a medicação antes dos 5 anos por conta dos efeitos colaterais crônicos que impactam a qualidade de vida”, diz a oncologista.“Se fizermos o manejo da toxicidade (com medidas farmacológicas e comportamentais) podemos aumentar a tolerância desta medicação e melhorar as chances de cura da paciente”, explica.Durante o tratamento quimioterápico, as pacientes respondem semanalmente um questionário sobre sintomas. “Se a paciente tiver um sintoma de alto grau, é enviado um alerta à equipe de saúde que entra em contato com a paciente para resolver o problema”, explica a oncologista.A iniciativa já foi implantada em cerca 30 centros de câncer com 4 mil pacientes e visa principalmente melhorar a comunicação com o sistema de saúde. “Na maior parte do tempo, a paciente está em casa. Então ela precisa ter ferramentas para compreender sua doença, autogerir seus sintomas e contactar a equipe de saúde em caso de problemas”, conclui.

10-24
05:30

Medicina integrativa: quando o primeiro remédio para o paciente é o acolhimento

Uma ciência humana ou técnica? Tênue parece ser a linha que divide os avanços científicos e um atendimento mais humanizado dentro da medicina. A França, um país com 68 milhões de habitantes, soma 400 milhões de consultas médicas por ano. Em mais de 90% dos casos há a prescrição de medicamentos, em que apenas a metade é utilizada. A outra metade, desperdiçada, representa € 7 bilhões jogados fora todos os anos. Caroline Paré e Ophélie Lahccen, da RFIEsses números levam à reflexão sobre o verdadeiro conceito de “boa saúde”, em que, além dos cuidados com o corpo, também devem ser contemplados o lado social e mental, o bem-estar sexual e emocional, em que o cuidado começa pelo diálogo.Repensar tratamentos mais humanizados é a bandeira do oncologista francês Alain Toledano, fundador do primeiro centro de medicina integrativa e gratuita da Europa, o Institut Rafaël.“A medicina é todo o conhecimento que se propõe a aliviar, prevenir e tratar feridas e doenças. Ou seja, com palavras podemos curar e com palavras podemos matar. E a medicina tem sido confundida com o progresso técnico, então essa palavra integradora nos interessa porque passamos o tempo sendo especialistas, diferenciando, classificando. A integração é uma visão que consiste em sintetizar, coordenar, aproximar”, ele conceitua.“E o que vamos integrar na medicina?”, se pergunta Toledano. “Emoção, atividade física, bem-estar, sexualidade. A medicina integrativa vai se apropriar do que há de melhor na chamada medicina convencional e na medicina complementar e focar no paciente”, ele mesmo responde.Em sua opinião, é preciso haver um compromisso moral de considerar todas as abordagens que possem aliviar o paciente. “Nosso objetivo é passar de uma medicina centrada na doença para uma medicina centrada no indivíduo e no seu projeto de vida”, ele sintetiza.“Pelo menos 90 segundos para se expressar uma emoção”Nesta evolução da medicina prescritiva para a medicina integrativa, uma primeira mudança de paradigma é o tempo dedicado a ouvir o paciente, quando será estabelecida a relação de confiança com o médico.“Precisa-se de pelo menos 90 segundos para se expressar uma emoção simples. E a verdade é que o paciente é interrompido em sua fala, em média, após 23 segundos [de consulta]”, cronometra o médico francês. “Com isso, as consultas já começam com um sentimento de frustração. O paciente tem a impressão de ser ‘coisificado’ quando fala dos problemas do seu corpo e, acaba por guardar os problemas de sua alma. Essa dissociação faz com que os eles se sintam desconfortáveis”, ele garante.Neste aspecto, Toledano é enfático: “O primeiro remédio para uma pessoa doente é uma recepção acolhedora”.“Apoio pode amenizar a dor e o estresse”A jovem Isabelle é uma das pacientes atendidas no Institut Rafaël, e ela enfatiza como um tratamento humanizado, individualizado, mudou sua experiência no tratamento do seu câncer.“Há muitos efeitos colaterais bem desagradáveis, e você passa a aprender como conviver com isso. Aqui [no instituto] eu faço atividades físicas adaptadas, osteopatia, terapia floral para esses efeitos colaterais”, ela descreve. “Eu não encontrei isso em outros lugares onde me tratei, isso de ser ouvida. Aqui os profissionais passam mais tempo com você”, compara Isabelle.Um atendimento humanizado, desta vez em um hospital de Dacar, capital do Senegal, também mudou completamente a experiência de Noelia no momento do parto. “Eu fui muito bem recebida por duas médicas do hospital, e foi mantido um relacionamento com elas desde então. O parto não foi fácil, eu sentia muita dor, chorava, mas elas me ajudaram, me ajudaram muito, com palavras doces, pequenas massagens nas pernas, na minha coluna”, ela lembra.Noelia conta que o tratamento diferenciado criou um vínculo que ela preserva até hoje com as médicas, que “sempre têm notícias do seu filho”. “O apoio que recebemos de cuidadores, médicos, é algo que pode amenizar a dor e o estresse durante o parto. Isso me ajudou muito”, acrescenta.Atendimento humanizado x precariedadeO atendimento humanizado pode se tornar também uma solução para compensar a falta de recursos em alguns sistemas de saúde que operam com precariedade.“Há famílias que se deslocam por 500 km para vir a Ouagadougou [em Burkina Faso] para nos ver, então tentamos ser o mais humanos possível. Utilizo uma linguagem simples e clara, bastante compreensível. Eu sinto empatia por esses pacientes, eu me coloco no lugar deles. Eu acho que é um fator que ajuda os pacientes a terem confiança”, avalia Adama Sawadogo, cirurgião cardiovascular e do tórax no Hospital Universitário de Ouagadougou.Ele conta que, ao final de cada consulta, refaz um resumo, eu explicando a doença de forma simples para o paciente. “Explico a evolução e as complicações, se não houver tratamento. E, claro, se vamos operar, as principais etapas da cirurgia e também os resultados que já obtivemos em pacientes que foram operados para a mesma patologia. (...) Mas os relatos dos pacientes nos mostram que outros médicos não têm o mesmo princípio”, lamenta Sawadogo.Mas para quem escolhe a medicina mais humanizada, os resultados podem ser vistos a olhos nus. Dr. Toledano, do Institut Rafaël, conta que, em 4 anos, a medicina integrativa aplicada em seu centro de saúde garantiu uma queda de 60% dos casos de depressão entre os pacientes, além de uma grande redução do sentimento de isolamento, de problemas digestivos, distúrbios do sono, que interferem diretamente na cura e no bem-estar destas pessoas.

08-22
08:31

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