Como comunicam os bebés antes das palavras? Pedro Caldeira da Silva
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Hoje abrimos uma porta especial: a porta para o momento em que a comunicação ainda não tem palavras. É ali, naquele segundo primordial, que tudo aquilo que somos, sentimos e esperamos cabe num olhar, num ritmo, num gesto que ninguém nos ensinou — mas que todos reconhecemos. Antes de falarmos, já comunicamos. Antes de dizermos “mamã” ou “papá”, já perguntamos: “Estás aí para mim?”
Este é um dos territórios mais fascinantes e menos compreendidos da vida humana: a comunicação dos bebés. Intuímos muita coisa. A investigação ilumina ainda mais. Mas a cada novo estudo percebemos que a comunicação nos primeiros dias de vida é infinitamente mais complexa, sofisticada e decisiva do que imaginávamos.
Para nos guiar, contamos com o olhar de Pedro Caldeira da Silva, fundador da Unidade da Primeira Infância do Hospital D. Estefânia e pioneiro da psiquiatria dos bebés em Portugal. Um clínico que passou décadas a observar esta dança silenciosa entre bebés e adultos — e que nos ajuda a ver o que tantas vezes nos escapa.
Como é que os bebés comunicam quando ainda não têm palavras?
Um tema que merece reflexão é: Como é que os bebés comunicam antes das palavras? Pedro Caldeira da Silva
A comunicação de um bebé recém-nascido não é um acaso nem um reflexo automático. É intenção. É relação. É um corpo que chama o outro.
E há sinais claros dessa comunicação precoce:
- A imitação involuntária de expressões faciais.
- A procura insistente do rosto humano.
- A preferência pela voz da mãe entre todos os sons.
- A capacidade de criar padrões rítmicos e emocionais.
- A repetição — o primeiro esboço de diálogo.
Antes de falar, o bebé já pergunta, já espera, já testa.
E, sobretudo, já organiza emocionalmente o mundo que o recebe.
E quando um bebé não comunica? O que significa o silêncio?
Se a comunicação precoce é natural, a sua ausência levanta perguntas.
Um bebé que não procura, não repara ou não repete, pode estar a emitir um sinal tão forte quanto o choro mais intenso.
Nem todo o silêncio é igual.
Há o silêncio que acalma — e há o silêncio que preocupa.
Pedro Caldeira da Silva ajuda a distinguir:
- O silêncio protetor: o bebé recolhe-se, mas volta.
- O silêncio sinal: o bebé não volta, não responde, não entra no jogo relacional.
E aqui entramos num dos temas mais sensíveis da atualidade:
o aumento dos diagnósticos do espetro do autismo.
O episódio não traz alarmismo — traz clareza. O que sabemos. O que ainda não sabemos. O que precisamos de observar com atenção genuína.
Da primeira infância à adolescência: o que muda na forma de comunicar?
A conversa leva-nos num arco completo: do recém-nascido ao adolescente.
E percebemos algo essencial: a comunicação humana é um contínuo, não um salto.
O bebé imita porque precisa de relação.
A criança repete porque precisa de segurança.
O adolescente contesta porque precisa de autonomia.
E nestas fases, pais, mães e cuidadores vivem um misto de responsabilidade, dúvida, exaustão e culpa.
É por isso que o episódio fala também dos “tutores de resiliência” — figuras decisivas que surgem quando a família não chega: professores, treinadores, amigos, adultos significativos que seguram o chão emocional de uma criança.
Os ecrãs fazem mal? Ou faz mal a ausência do adulto?
Este é um dos mitos mais persistentes. E a resposta surpreende.
O problema não é o ecrã.
É o bebé que passa horas a olhar para uma televisão que não o olha.
É a criança que perde ritmo, toque, olhar e reciprocidade.
É a relação que desaparece enquanto a tecnologia ocupa o espaço.
Um ecrã nunca é prejudicial por si só.
Prejudicial é a negligência, a ausência emocional do adulto, o vazio relacional.
O tédio também comunica
Vivemos uma infância hiperorganizada: horários, atividades, vigilância constante.
E, com isso, quase eliminámos um elemento crucial: o tédio.
O tédio é fértil.
É a matéria-prima da criatividade, da descoberta, da exploração.
É onde se inventa.
É onde se cresce.
Ao retirar o tédio, retiramos à criança uma das primeiras formas de autonomia interior.
A ausência emocional: o silêncio que fere
Talvez o ponto mais duro — e mais urgente — do episódio:
a indisponibilidade emocional.
Não é ausência física.
É presença sem vínculo.
É um adulto que está, mas não responde.
Que ouve, mas não devolve.
Que vê, mas não repara.
Esse silêncio cava um buraco na criança — e as marcas chegam muitas vezes à adolescência e à idade adulta.
Falar deste tema é desconfortável, mas necessário.
Porque só nomeando podemos reparar.
Podemos reparar aquilo que falhou?
Sim.
E é uma das mensagens mais luminosas da conversa.
Mesmo quando falhou vínculo, tempo ou atenção, nada está perdido.
A experiência molda-nos, mas não nos fixa para sempre.
Basta uma relação capaz, um adulto atento, alguém com disponibilidade emocional para realinhar o caminho.
Humanamente, isto é extraordinário.
E é profundamente esperançoso.
O que fica desta conversa?
Que os bebés dizem muito antes das palavras.
Que as crianças comunicam mesmo quando não explicam.
Que os adolescentes falam mesmo quando parecem calados.
E que comunicar continua a ser uma arte de observar, responder e reparar.
No fundo, a pergunta que atravessa toda a vida — da primeira infância à idade adulta — é sempre a mesma:
“O que precisas de mim agora?”
LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO
Esta transcrição foi gerada automaticamente. Por isso, ela pode não estar totalmente precisa.
0:12
Ora, vivam bem vindos ao pergunta simples, o vosso podcast sobre comunicação?
Os abrimos uma porta rara, a porta para o momento em que a comunicação ainda não tem palavras.
Um instante em que tudo aquilo que somos, sentimos e esperamos.
Cabe num olhar, num ritmo, num gesto minúsculo que ninguém nos ensinou, mas que todos reconhecemos.
0:35
Antes de falarmos, já dizemos, muito antes de dizermos, mamã ou Papá, já perguntamos, estás aí?
Para mim, isto é um dos territórios mais fascinantes e talvez dos menos compreendidos da vida humana, a comunicação dos bebés.
0:51
Pelo menos para mim, todos intuímos algumas coisas.
Há muita investigação e há a cada passo.
Factos novos sobre a comunicação dos bebés não a fala, mas a intenção de comunicar a forma como um recém nascido convoca o adulto, cria padrões, imita expressões e constrói de forma surpreendentemente sofisticada, o seu primeiro mapa emocional do mundo.
1:13
E entramos acompanhados por alguém que passou décadas a observar esta dança invisível.
Pedro Caldeira da Silva, fundador da unidade da primeira infância do hospital dona Estefânia e pioneiro da psiquiatria dos bebés.
Ele ajuda nos.
A ver o que normalmente não vemos, o choro como mensagem, o sorriso como reforço, a imitação.
1:33
Como o pedido de relação mostra nos como um bebé antes de falar, já está a estabelecer expectativas, a construir memória e organizar o pensamento, testando se o mundo responde e porque.
A comunicação não é só técnica, é, sobretudo, vínculo.
1:50
Vamos também perceber como é que estas primeiras conversas deixam marcas.
Na forma como olhamos, na forma como escutamos, na forma como nos relacionamos mais tarde, já, adolescentes ou adultos.
Isto episódio é sobre bebés, mas também é sobre nós.
Sobre aquilo que herdamos, aquilo que aprendemos, aquilo que continuamos a tentar reparar.
2:19
É desconcertante perceber que um bebé de poucos dias já vem equipado com competências impressionantes, imitar expressões faciais, procurar um rosto, preferir a voz da mãe no meio de todos os solos do mundo, organizar padrões, criar uma espécie de música emocional interior que o ajuda a antecipar o que aí vem e, acima de tudo, comunicar ativamente antes de ter uma linguagem, uma linguagem, falar de bem entendido.
2:46
Mas.
Também é inquietante perceber o oposto, quando o bebé não procura, não repete, não repara, não responde.
O silêncio pode ser um pedido, pode ser um sinal, pode ser o início de algo que precisa de atenção.
Pedro Caldeira da Si















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