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Como se filma uma boa história? Manuel Pureza

Como se filma uma boa história? Manuel Pureza

Update: 2025-11-261
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Há criadores que operam dentro das fronteiras técnicas do seu ofício. E há outros que as redesenham.


Manuel Pureza pertence à segunda categoria — a dos artistas que não apenas produzem obras, mas insinuam uma forma diferente de olhar para o mundo.


Ao longo da última década, Pureza foi aperfeiçoando um dialeto visual singular: um equilíbrio improvável entre humor e melancolia, entre disciplina e improviso, entre ironia e empatia. Cresceu no ritmo acelerado das novelas, onde se aprende a filmar com pressão, velocidade e um olho permanentemente aberto para a fragilidade humana. Dali trouxe algo raro: um olhar que recusa o cinismo fácil e que insiste que até o ridículo tem dignidade.


Na televisão e no cinema, a sua assinatura tornou-se evidente. Ele filma personagens como quem observa amigos de infância. Filma o quotidiano com a delicadeza de quem sabe que ali mora metade das grandes histórias. Filma o absurdo com a ternura de quem reconhece, nesse absurdo, o lado mais honesto do país que habita.


Um humor que pensa


Pureza não usa humor para fugir — usa humor para iluminar.


Em “Pôr do Sol”, o fenómeno que se transformou num caso sério de análise cultural, a comédia deixou de ser apenas entretenimento. Tornou-se catarse colectiva. Portugal riu-se de si próprio com uma frontalidade rara, quase terapêutica. Não era paródia para diminuir; era paródia para pertencer.


“O ridículo não é destrutivo”, explica Pureza. “É libertador.”


Essa frase, que poderia ser um manifesto, resume bem o seu trabalho: ele leva o humor a sério. Independentemente do género — seja melodrama acelerado ou ficção introspectiva — há sempre, no seu olhar, a ideia de que rir pode ser um acto de lucidez.


Num país onde o comentário público tantas vezes se esconde atrás da ironia amarga, Pureza faz o contrário: usa a ironia para abrir espaço, não para o fechar.


A ética do olhar


Filmar alguém é um exercício de confiança. Pureza opera com essa consciência.


Não acredita em neutralidade — acredita em honestidade. Assume que cada plano é uma escolha e que cada escolha implica responsabilidade. Entre atores, essa postura cria um ambiente invulgar: segurança suficiente para arriscar, liberdade suficiente para falhar, humanidade suficiente para recomeçar.


Num set regido pelo seu método, a escuta é tão importante quanto a técnica. E talvez por isso os seus actores falem de “estar em casa”, mesmo quando as cenas são emocionalmente densas. A câmara de Pureza não vigia: acompanha.


É aqui que a sua realização se distingue — não por uma estética rigorosa, mas por uma ética clara. Filmar é expor vulnerabilidades. E expor vulnerabilidades exige cuidado.


Portugal, esse laboratório emocional


O país que surge nas obras de Pureza não é apenas cenário: é personagem.


É o Portugal das contradições — pequeno mas exuberante, desconfiado mas carente de pertença, irónico mas sentimental, apaixonado mas contido. É um país onde a criatividade nasce da falta e onde o improviso se confunde com identidade.


Pureza conhece esse país por dentro. Viu-o nos sets frenéticos das novelas, nos estúdios apressados da televisão generalista, nas equipas improváveis de produções independentes. E filma-o com um olhar feito de amor e lucidez: nunca subserviente, nunca destructivo, sempre profundamente humano.


Há nele uma capacidade rara de observar sem desistir, de criticar sem amargar, de rir sem ferir.


Infância, imaginação e paternidade


Numa das passagens mais íntimas desta conversa, Pureza regressa à infância — não como nostalgia decorativa, mas como território de formação.


A infância, para ele, é o sítio onde nasce a imaginação, mas também o sítio onde se aprende a cair, a duvidar, a arriscar. Esse lugar continua a acompanhar o seu trabalho como uma espécie de bússola emocional.


Falar de infância leva inevitavelmente a falar de paternidade.


Pureza rejeita a figura do pai iluminado, perfeito, imune ao erro. Fala antes da paternidade real: aquela onde se erra, se tenta, se repara, se adia, se volta a tentar. A paternidade que implica fragilidade. A paternidade que obriga a abrandar num mundo que exige velocidade.


Talvez seja por isso que, quando dirige, recusa o automatismo: a vida, lembra, é sempre mais complexa do que aquilo que conseguimos filmar.


Escutar como acto político


Se há uma frase que atravessa toda a conversa, é esta:


“Nós ouvimos pouco.”


No contexto de Pureza, ouvir é um verbo político. Num país saturado de ruído, opiniões rápidas e indignações instantâneas, escutar tornou-se quase um acto contracultural. Ele trabalha nesse espaço de atenção — aquele que permite às pessoas serem pessoas, antes de serem personagens, headlines ou caricaturas.


É por isso que o seu trabalho ressoa: porque devolve humanidade ao que, tantas vezes, o discurso público reduz.


O que fica


No final, a impressão é clara: Manuel Pureza não realiza apenas obras.


Realiza ligações.


Realiza espelhos que não humilham.


Realiza pontes entre o ridículo e o sublime.


Realiza histórias que, ao invés de nos afastarem, nos devolvem uns aos outros.


Há artistas que acrescentam ao mundo um conjunto de imagens.


Pureza acrescenta uma forma de ver.


E num tempo em que olhar se tornou um acto cada vez mais acelerado — e cada vez menos profundo — isso não é apenas uma qualidade artística.


É um serviço público da imaginação.


LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO


Esta transcrição foi gerada automaticamente. A sua exatidão pode variar.

0:12

Ora, vivam bem vindos ao pergunta simples, o vosso podcast sobre comunicação?

Hoje recebemos alguém que não apenas realiza séries e filmes, mas realiza no sentido mais profundo do termo, a forma como olhamos para nós próprios, a maneira como nos espelhamos.

0:28

Manuel pureza é daqueles criadores que trabalham com rigor e com leveza, com inteligência, com humor, com disciplina e com um caos.

Ele cresceu nas novelas, aprendeu a filmar sob pressão, descobriu um olhar que combina ternura com ironia e tornou se uma das vozes mais originais da ficção portuguesa.

0:46

E é capaz de pegar no ridículo e transformá lo em verdade, de pegar no quotidiano e transformá lo em drama, de pegar no drama e transformá lo em riso.

Tudo sem perder a humanidade, o coração e a ética de quem sabe que filmar é escolher, ter um ponto de vista e que escolher é sempre um ato moral.

1:06

Neste episódio, abrimos as portas ao seu processo criativo, às dúvidas e às certezas, às dores e às gargalhadas, às memórias da infância e às inquietações da idade adultam.

Falamos de televisão como um espaço de comunhão.

Das novelas como um ginásio, do humor, como o pensamento crítico da arte de ouvir e de ser pai no mundo acelerado, da vulnerabilidade que existe por detrás de uma Câmara e, claro, de Portugal, este país pequeno, cheio de afetos e de feridas, onde tudo é simultaneamente muito absurdo e muito verdadeiro.

1:38

Pureza fala com profundidade e como honestidade às vezes.

Desconcertante é uma dessas conversas em que senti que estamos a ver para além do artista, estamos a ver a pessoa, a sensibilidade das dúvidas, a Esperança e a inquietação de alguém que pensa o mundo através das histórias que nos conta.

2:05

Ao longo desta conversa, percebemos como as histórias, para Manuel pureza, não são apenas entretenimento.

São uma estrutura emocional de uma forma de organizar o caos, uma linguagem antiga que herdamos mesmo antes de sabermos ler ou escrever.

Falamos do poder das narrativas para dar sentido à vida, mas também do seu lado perigoso, porque todas as histórias têm um ponto de vista, todas têm escolhas e omissões, todas moldam a forma como vemos o que é real.

2:33

E ele, pureza.

Assume isto sem medo.

Assume que filma com olhar assumidamente subjetivo e que essa subjetividade é precisamente a sua assinatura.

Não procura parecer neutro, procura ser honesto.

Também exploramos a sua relação com o humor.

2:49

O humor que nunca é cínico, nunca é cruel, nunca é gratuito.

O ridículo não é uma arma para diminuir os outros.

É uma maneira de libertar, de expor o que há de comum entre nós, de desmontar o que é pomposo e de aliviar o peso de viver.

3:04

Diz na própria conversa que tudo pode ser ridículo e isso é uma forma de Redenção.

O riso organiza o pensamento, afia o espírito, desarma o mundo e, talvez por isso, o pôr do sol.

A série tem sido mais do que um fenómeno cômico, foi um fenómeno emocional quase terapêutico.

3:20

Um espelho carinhoso onde Portugal se reviu e se perdoou, um bocadinho.

Falamos da ética, da ética, do olhar, de como se almar alguém.

É sempre um ato de intimidade.

De como se cria confiança dentro de um set de filmagens, como se dirige atores diferentes, como se acolhe fragilidades?

3:38

Várias.

E falamos da amizade e esse tema que atravessa todo o trabalho de pureza, porque para ele, realizar não é apenas uma técnica, é uma escuta, uma presença, um cuidado.

Ouvimos muitas vezes ao longo deste episódio, uma afirmação quase simples.

Nós ouvimos pouco.

3:55

E quando alguém é capaz de.

A olhar tanto e nos diz que ouvimos pouco.

Vale a

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