Partículas elementares <small>– Michel Houellebecq - 1998 d.C.</small>
Update: 2018-09-05
Description
Capítulo Sétimo do romance homônimo de Michel Houellebecq. Paris, 1998 d.C.
Tradução de Juremir Machado. Editora Meridional.
oferecimento
Alguns dizem:
“A civilização que construímos ainda é frágil,
Estamos apenas saindo da noite,
Dos últimos séculos de infelicidade, ainda carregamos a imagem hostil;
Não seria melhor que tudo isso continuasse escondido?”
O narrador levanta-se, concentra-se e lembra Com equanimidade, mas firmeza, levanta-se e lembra
Que uma revolução metafisica aconteceu.
Assim como os cristãos podiam ter uma representação das civilizações antigas, podiam formar
uma imagem completa das civilizações antigas, sem ser atingidos por interrogações ou dúvidas, Pois tinham superado um estágio,
Um patamar,
Tinham atravessado um ponto de ruptura;
Assim como os homens da era materialista podiam assistir, sem compreender, sem mesmo realmente ver, à repetição das cerimônias rituais cristãs,
Também não podiam ler e reler as obras originárias da antiga cultura cristã fora de uma perspectiva quase antropológica,
Incapazes de compreender os debates que tinham agitado seus ancestrais em torno das oscilações do pecado e da graça;
Da mesma forma, podemos, hoje, escutar a história da era materialista
Como uma velha história humana. História triste, mas não ficaremos, realmente, tristes
Pois não nos parecemos mais com esses homens. Filhos da carne e dos desejos deles, rejeitamos as suas categorias e filiações
Não conhecemos as alegrias deles; não conhecemos tampouco os sofrimentos deles,
Afastamos
Com indiferença
E sem nenhum esforço Esse universo de morte.
Os séculos de dor que são nossa herança,
Podemos, hoje, tirá-los do esquecimento
Algo aconteceu como uma segunda partilha,
E temos o direito de viver a nossa vida.
Entre 1905 e 1915, trabalhando quase sozinho, com conhecimentos matemáticos restritos, Albert Einstein conseguiu, a partir da primeira intuição que constituía o princípio da relatividade limitada, elaborar uma teoria geral da gravitação, do espaço e do tempo que exerceria influência decisiva sobre a evolução posterior da astrofísica. Esse esforço aleatório, solitário, realizado, conforme os termos de Hilbert, “para honra do espírito humano”, em campos sem utilidade aparente e, na época, inacessíveis à comunidade dos pesquisadores, pode ser comparado aos trabalhos de Cantor que estabeleceram uma tipologia do infinito em ato, ou aos esforços de Gottlob Frege para redefinir os funda mentos da lógica.
Pode-se também, destaca Hubczejak, na introdução a Clifden Notes, compará-lo à atividade intelectual solitária de Djerzinski, em Clifden, entre 2000 e 2009 – ainda mais que, tanto quanto Einstein, Djerzinski não dispunha de bagagem matemática suficiente para desenvolver as suas intuições a partir de uma base de fato rigorosa.
Topologia da meiose, sua primeira publicação, lançada em 2002, teve, contudo, considerável repercussão. Estabelecia, pela primeira vez com base em argumentos termodinâmicos irrefutáveis, que a separação cromossômica ocorrida no momento da meiose, gerando gametas haplóides, era, em si mesma, uma fonte de instabilidade estrutural; em outros termos, que toda espécie sexuada era necessariamente mortal.
Três conjecturas de topologia nos espaços de Hilbert, publicada em 2004, surpreenderia. Foi tomada como uma reação à dinâmica do contínuo, uma tentativa – de ressonâncias estranhamente platônicas – de redefinição de uma álgebra das formas. Embora reconhecendo o interesse das conjecturas pro postas, os matemáticos profissionais não deixaram de sublinhar a ausência de rigor das proposições, o caráter um pouco anacrônico da abordagem. De fato, Hubczejak confirma, Djerzinski não tinha, na época,
Tradução de Juremir Machado. Editora Meridional.
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Alguns dizem:
“A civilização que construímos ainda é frágil,
Estamos apenas saindo da noite,
Dos últimos séculos de infelicidade, ainda carregamos a imagem hostil;
Não seria melhor que tudo isso continuasse escondido?”
O narrador levanta-se, concentra-se e lembra Com equanimidade, mas firmeza, levanta-se e lembra
Que uma revolução metafisica aconteceu.
Assim como os cristãos podiam ter uma representação das civilizações antigas, podiam formar
uma imagem completa das civilizações antigas, sem ser atingidos por interrogações ou dúvidas, Pois tinham superado um estágio,
Um patamar,
Tinham atravessado um ponto de ruptura;
Assim como os homens da era materialista podiam assistir, sem compreender, sem mesmo realmente ver, à repetição das cerimônias rituais cristãs,
Também não podiam ler e reler as obras originárias da antiga cultura cristã fora de uma perspectiva quase antropológica,
Incapazes de compreender os debates que tinham agitado seus ancestrais em torno das oscilações do pecado e da graça;
Da mesma forma, podemos, hoje, escutar a história da era materialista
Como uma velha história humana. História triste, mas não ficaremos, realmente, tristes
Pois não nos parecemos mais com esses homens. Filhos da carne e dos desejos deles, rejeitamos as suas categorias e filiações
Não conhecemos as alegrias deles; não conhecemos tampouco os sofrimentos deles,
Afastamos
Com indiferença
E sem nenhum esforço Esse universo de morte.
Os séculos de dor que são nossa herança,
Podemos, hoje, tirá-los do esquecimento
Algo aconteceu como uma segunda partilha,
E temos o direito de viver a nossa vida.
Entre 1905 e 1915, trabalhando quase sozinho, com conhecimentos matemáticos restritos, Albert Einstein conseguiu, a partir da primeira intuição que constituía o princípio da relatividade limitada, elaborar uma teoria geral da gravitação, do espaço e do tempo que exerceria influência decisiva sobre a evolução posterior da astrofísica. Esse esforço aleatório, solitário, realizado, conforme os termos de Hilbert, “para honra do espírito humano”, em campos sem utilidade aparente e, na época, inacessíveis à comunidade dos pesquisadores, pode ser comparado aos trabalhos de Cantor que estabeleceram uma tipologia do infinito em ato, ou aos esforços de Gottlob Frege para redefinir os funda mentos da lógica.
Pode-se também, destaca Hubczejak, na introdução a Clifden Notes, compará-lo à atividade intelectual solitária de Djerzinski, em Clifden, entre 2000 e 2009 – ainda mais que, tanto quanto Einstein, Djerzinski não dispunha de bagagem matemática suficiente para desenvolver as suas intuições a partir de uma base de fato rigorosa.
Topologia da meiose, sua primeira publicação, lançada em 2002, teve, contudo, considerável repercussão. Estabelecia, pela primeira vez com base em argumentos termodinâmicos irrefutáveis, que a separação cromossômica ocorrida no momento da meiose, gerando gametas haplóides, era, em si mesma, uma fonte de instabilidade estrutural; em outros termos, que toda espécie sexuada era necessariamente mortal.
Três conjecturas de topologia nos espaços de Hilbert, publicada em 2004, surpreenderia. Foi tomada como uma reação à dinâmica do contínuo, uma tentativa – de ressonâncias estranhamente platônicas – de redefinição de uma álgebra das formas. Embora reconhecendo o interesse das conjecturas pro postas, os matemáticos profissionais não deixaram de sublinhar a ausência de rigor das proposições, o caráter um pouco anacrônico da abordagem. De fato, Hubczejak confirma, Djerzinski não tinha, na época,
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