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Podcast Mural Sonoro

Author: Soraia Simões

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Description

Com Bruno Peixe Dias (Bruxelas) e Soraia Simões de Andrade (Lisboa)

Conversas anartísticas sem guião pontuadas por histórias e músicas entre dois autores melómanos; às quais se juntam, algumas vezes, outros autores melómanos indiferentemente da disciplina artística em que laboram.

POPOL BUG

Não existe diferença sem mimese, nem nada que não o seja: diferente.
É de letras e poemas musicados, de músicas sem os vocábulos do léxico, de sonidos ou vocalizações, das mais veladas às mais guturais, de editoras e de streaming, de canções, em locais emparedados e sem paredes, dialogistas em experiências distintas, ora como participantes delas ora como ouvintes remotos de matrizes sonoras maternais, e, por isso, não menos indisputáveis nos nossos percursos, que falamos; tentaremos pouco que estamos cansados de nos ouvir. A premissa é voltar a escutar esses fonogramas, recuperar histórias tentando reproduzir o entusiasmo daquela primeira vez que fomos tocados pelos primeiros acordes de um disco ou os que não nos entraram nos tímpanos nem à lei da bala apesar de anos mais tarde não os conseguirmos largar.
Nenhuma banda nasceu de geração espontânea, nenhuma filosofia, sequer deidade simbólica, é indestrutível.
Todas as alturas em que matamos os tempos rebeldes aos discos e aos livros; para neles enrijecer e reconstruir a memória, pessoal ou colectiva, e os muitos chãos pisados entre concertos, danças, projectos edificados, aqui convergem. Alturas, em que podemos mudar as lentes, renovar a graduação, reajustar as agulhas do prato e as tonalidades discursivas, juntando as votadas ao desprezo e deixando umas tantas naquele outro lugar da estante improvisada num barracão granítico ao qual não desejamos regressar.
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2024 AH!, associação Mural Sonoro
montagem sonora: Paulo Lourenço
pequenos textos, sinopses, dos episódios: Soraia Simões de Andrade
21 Episodes
Reverse
Episódio 6

Episódio 6

2024-04-2303:08:08

Como reanimado no episódio anterior pela moça escrevente deste podcast, escorrendo diante de quem nos ouve tautologias nietzschianas que há muito a acompanham; se há, porventura, uma verdade mais líquida que as outras, a de que a vontade sustém uma orientação para o poder, parece ainda evidente. Prefigura-se na imagem ora eidética do universo artístico ora como uma captura momentânea de um pequeno lago transparente à procura de não se afundar nas massas pouco líquidas que cercam o fundo dos mares mais poluídos. O paroquialismo da televisão nos anos do fascismo, uma certa vertente pedagógico-propagandística da caixinha qualificada de 'mágica', fabricante das ilusões e soluções para quem a assistiu desde o primeiro momento e acompanhou a sua transição: dos jogos espelhados de uma cultura a preto-branco para o exercício pós-cultural e a cores, com todos os sentidos que não só a visão, num mundo que se vaticinava global e sem anzóis ou iscos homogéneos, foi transladada para as redacções dos jornais, e das redacções para as redes sociais. A uma escassez dos tempos lentos e ao culto das leituras superficiais contrapõem-se retratos adornados com livros e discos. Mas a escassez de tempo subtraiu os mergulhos fora do ecossistema televisivo-cibernauta. Porventura teremos nos perdido em algum momento numa atmosfera de aterradora cacofonia. O extenuante scroll down confunde-se com a audição de um álbum completo ou a leitura em papel de um livro, e estes com os códigos mais íntimos do instinto de sobrevivência dos artistas. A arte e o jornalismo desmaiam à vez na torrente de estímulos e notificações. Há excepções. Mas poucos são os que conseguem destrinçar as algas menos comestíveis das nutritivas quando já se alimentam em monodietas de fast-food.. Esmorecemos num mar indistinguível centrado na auto-promoção dos peixes que embora se mostrem como as sereias mais vistosas, dando a aparência de um intelecto, nunca alcançam o intelecto em si, nem por si. A paulatina falência dos órgãos humanos vitais imiscui-se nas necessidades económicas que outrora alimentavam bem aquele que já designámos de quarto poder. O jornalismo cultural não escapou ao desânimo crescente dos artistas nem às imposições das instituições culturais; ainda que, aparentemente, tenha trazido leitores e escreventes para as redes sociais. Há uma baleia a navegar no mar morto. Creio que não houve ainda um corte radical com as aspirações trazidas pelo modelo televisivo e a sua lógica de audiências nos anos oitenta e noventa do século passado, mas antes uma transferência das vontades do modelo televisivo para as redacções dos jornais e destas para as redes sociais, sendo, ao contrário do que se previa inicialmente, as lógicas comuns e subsistem em realimentação. A polémica e o voyeurismo transformou-nos em guionistas da nossa 'verdade'. O que o jornalismo diz ser e aquilo que já não pode ser não se condoem com aquilo que poderiam ser. Nomear a sua necessidade mais urgente, a de assunção da vulnerabilidade como nos diz Vítor Belanciano, autor e antropólogo-ensaísta, jornalista de cultura há trinta anos, com uma presença duradoura e conhecida enquanto crítico musical, acusado de plágio por uma leitora-investigadora em jornalismo (Joana Fillol) há dois anos, talvez fosse o primeiro acorde a alinhar para uma progressão sonora contrapontística e renovadora do estado da arte. Face à crise de confiança generalizada, à precarização dos meios, ao patamar de credibilidade e de legitimação que outrora lhe dera a aura de poder agora perdida, ao desfasamento entre velhos preceitos sob o qual se rege ainda a prática jornalística tendo em consideração os desafios contemporâneos, o que pode, afinal, o jornalismo? A dias do cinquentenário do 25 de Abril, foi esta a nossa conversa em língua franca, e iniciada há mais tempo que o do episódio que agora disponibilizamos, com o nosso colega Vitor Belanciano. Acompanham-nos musicalmente Lana Del Rey, De La Soul, Donna Summer e Tricky.
Episódio 5

Episódio 5

2024-04-1902:28:17

As contradições da criação, nós e os outros, nós nos outros Não para assinalar a efeméride e o seu quinquagésimo aniversário, já que procuramos cumpri-la, apesar de todas as dificuldades sociais e culturais, ao longo dos anos, temos dois debates no Popol Bug. No primeiro voltamos a ter connosco o anarquista coroado, Elagabal Aurelius Keiser, daqui a umas semanas o jornalista-crítico Vítor Belanciano. A partir de um trecho fílmico do documentário Around the World With Orson Welles, do lettrisme e da poesia sonora, escolha da mulher escrevente deste podcast, lançamo-nos a um conjunto de assuntos que tem aumentado o volume e a tensão de nossas sensibilidades estéticas e pensantes. O movimento preconizado pelo romeno Isidore Isou, ajuda-nos a traçar e estraçoar avenidas de compreensão marcadas pela criação de intervalos rítmicos e sónicos, por rimas, aliterações e paralelismos, por assincronias e anfibologias nas relações das imagens e dos sons. Mas não só. Por via dos desvios de vanguardas que nos precederam, voltamos ao debate das ideias, como o da suposta morte da arte, enunciado de alguns autores, a vontade de poder, os direitos de autor, as estruturas culturais e o que é isso de ser uma entidade independente sendo estruturalmente semelhante a estruturas dominantes na sua exploração. Se o autor está ao serviço da estrutura, no sentido em que não aufere nenhuma recompensa pelo seu trabalho se não tiver como mediador esses papões (um contrato editorial, uma mediação da SPA com mapas de vendas que permitem aferir quanto cabe ao autor e assim recompensá-lo ao longo da vida) trata-se de abuso e de mais um braço do capitalismo, por mais pequeno que seja. Neste episódio há quem desenhe, com gozo perverso, a cultura kinky e BDSM, e talvez isso fosse suficiente para entender que há várias maneiras de contradizer as contradições discursivas dos que gozam de visibilização mediática, no fundo no livro de desenhos Mistérios da Castração de Urano houve quem quisesse mandar para o c*r*lh* as estruturas e as mega-estruturas, as suas promiscuidades e o seu ego-trip, que é como dizer escrevendo: todos aqueles que alimentam estas trapaças, onde pretensos artistas se tornam coleccionadores das suas obras para assim terem valor no Imenso Comércio do Nada, título do ensaio em andamento da moça: as press releases, as galerias, as técnicas publicitárias que querem persuadir permanentemente como se as nossas caixas de e-mail fossem receptáculos da REMAX pós-cultural mesmo que à entrada tenhamos ‘esta caixa não aceita publicidade’, ainda menos quando vier embrulhada como se de uma recensão empenhada em mudar o estado de sítio se trate. A caminho da meia-idade a força da dita juventude não esmoreceu, apenas se tornou mais selectiva e impaciente. Diálogo a três, ou mais, por estarem à mesa os nossos fantasmas predilectos. Ora em consonância ora em dissonância, ressuscitamos o Gil Wolman, o Maurice Lemaitre, o Gabriel Pomerand, o Guy Debord que enveredaram pelos recitais letristas e pela publicação de revistas como a Dictature Letriste e a Ur; o Nietzsche e o Hegel, o Antonin Artaud, o dadaísmo e a anarte, as causas e os propósitos daquilo que andamos por aqui a fazer pejados de contradições que urge enfrentarmos todos os dias e cada vez mais. Terminamos com sexo e soul-music, dizem que é assim que muitas discussões acabam bem, na cama, se for consistente e não do IKEA, de outra maneira podemos acabar, impotentes e no chão.
Episódio 4

Episódio 4

2024-03-2802:18:18

EPISÓDIO 4 - POPOL BUG Salvar as Estruturas Humanas Conversas anartísticas sem guião pontuadas por histórias e músicas entre dois autores melómanos; às quais se juntam, algumas vezes, outros autores melómanos indiferentemente da disciplina artística em que laboram. Numa altura em que o humano se vai perdendo vagarosamente, ‘mas não é a cor que desmaia’ como escreveu Osvaldo Alcântara, pseudónimo poético de Baltazar Lopes da Silva; as cicatrizes da vida, o deboche e as religiosidades, as histórias do esclavagismo, da febre amarela, e das doenças venéreas estão neste episódio lado-a-lado com um corpo musical de raízes densas em crioulo, tão fortes que se afirma hoje parecendo ter um futuro auspicioso tendo em consideração o número de ouvintes; daí passamos para a Grande Depressão económica norte-americana e a prodigiosa Memphis Minnie que emerge como se de uma ‘pandemia ianque’, o rock’n’roll, se tratasse na União Soviética; ainda visitamos um planeta bastante colorido, satírico, e electrónico com nome de mulher que temos pena de não ‘ouver’ num filme do Almodóvar, pelo kitsch, pelas fantasias, por livros que lemos ou andamos a ler e pela grande música do improviso, becos com e sem saída. Não por força desta realidade, mas também não necessariamente pela abstração dela, a interlocutora adverte que chamou ao Francis Black: Black Francis, mas isso é porque ainda não se compôs, estes anos todos, por ele não ter valorizado a grande Kim Deal em Pixies. Para sermos honestos, estava dopada por causa da gripe e o companheiro de faladura, qual quadrilheira de companhia, também estava dopado e não fez o favor de a corrigir. Para saber mais sobre o que se fala e escuta é picar para ouvir. Nota: a gravação, com pequenas falhas de internet, deixa por vezes o raciocínio suspenso, contamos com um melhor router de segunda geração nas próximas conversas e mais debate de ideias. ------- Recolha com Bilan sugerida na conversa: https://www.muralsonoro.com/mural-sonoro-pt/2015/9/17/bilan-intrprete-compositor-cabo-verdiano ------- 2024 AH!, associação Mural Sonoro montagem sonora: Paulo Lourenço micro textos/sinopses dos episódios: Soraia Simões de Andrade
Episódio 3

Episódio 3

2024-03-1502:24:01

EPISÓDIO 3 Outro Estado da Consciência Conversas anartísticas sem guião entre autores melómanos. Habitualmente com Bruno Peixe Dias e Soraia Simões de Andrade; desta vez o nosso micro plenário sonoro foi gravado no dia de eleições em Portugal a partir de três cidades: Bruxelas-Lisboa-Berlim, e contou com uma terceira voz, a de Elagabal Aurelius Keiser, nome de guerra. Alguns reconhecê-lo-ão pelos desenhos para capas de livros e cadernos (ou entre páginas), como os de António Barahona, de Sandra Andrade, de Soraia Simões de Andrade. Mas, isso é uma ínfima parte daquilo em que se tem envolvido; Keiser é também autor de um livro de desenhos, Mistérios da Castração de Urano, publicado pela Douda Correria há sete anos. No prelo está um segundo livro de desenhos do autor na colecção ثريا dos Cadernos AH! em papel; será, coincidentemente, o segundo desta compilação de sete. Na colecção digital de Cadernos AH! publicada no website Mural Sonoro trimestralmente poderão lê-lo (Caderno AH! nº1 intitulado A Prova do Vácuo II). Fez um mestrado em escultura, um doutoramento em Estética; esfalfado na cátedra das Belas Artes decidiu prosseguir a sua investigação de modo independente: tem explorado, entre outros assuntos, a relação da performance com a especulação da 'Morte da Arte'. Co-criou com os performers e coreógrafos Mariana Tengner Barros, António Mv e Rogério Nuno Costa, o projecto Bela TV, retirado escandalosamente da internet devido a conteúdos 'de coisinhas menores' explícitas, ou por aquelas manias da propriedade privada com que pincelaram o décor, vá-se lá saber... Desenvolveu várias performances como anartista e exposições em Berlim, onde reside desde a Troika, integrando o colectivo de artistas do Bestarium e da associação Mural Sonoro. Se quiserem saber por que razão a arte a que chamamos contemporânea é capaz de ser uma continuação do romantismo, e como é que os historiadores da arte, da cultura, da música, em menos de um século irão agregar tudo o que fizermos a esta nominata (r o m a n t i s m o), terão de ouvir este episódio profético. Pensando melhor, se o romantismo, ao ser teorizado, fez uma ruptura com o mundo clássico mais dura que movimentos anteriores, talvez vos consigamos converter a esta tese. Deslindamos a irracionalidade do sublime ao som da ‘Moss Garden’ de Bowie; descemos ao inferno, tudo ao contrário da beleza apolínea e racionalizável. Votamos na substituição do prazer pelo gozo perverso, no sentido freudiano, enquanto pomos os ouvidos pela enésima vez no moog synthesizer de Fricke, e nos voltamos a inclinar para o yoga, para o marxismo, para amanhãs que sussurram ilhas de utopia e satori, para a tão industrializada Düsseldorf e as capitosas Berlim e Munique. De uma certa maneira, para as manias da arte de que já os gregos falavam. AH! Popol significa povo, Bug não carece de tradução. Terminamos o encontro a três agitando o UK com um álbum de 2011, de uma mulher, e que mulher: um fonograma que tece a teia harmónica motivada pelo mal-estar da guerra, da memória, do abrigo desabrigado das raízes quando exploradas tardiamente. Não esquecemos deslocações, fraseados musicais, sequer os intentos discursivos das músicas feitas de detritos, de ruídos e silêncios, de sons da natureza e de melodias arremessadas onde o canto é fantasmagoria ancestral… Procurando, sempre, ajustar e contrapor as experiências aos mesmos gravadores ainda que em velocidades díspares, pelo meio voltamos a sugerir livros como becos onde umas brechas ainda possibilitam fugas.
Episódio 2

Episódio 2

2024-02-2702:52:17

EPISÓDIO 2 Popol Bug Perverter tradições: Masculino- Feminino, Erotismo-Poder, Máquinas-Humano Conversas anartísticas sem guião entre dois autores melómanos, pontuadas por histórias e músicas Voltámos a perambular pelas  estantes de discos e livros, harmonizando — entre intervalos, mistérios, realidade, biografias pessoais e fantasia —, a mesma perversão de códigos do primeiro programa, quer no que diz respeito à notação musical como a elementos linguísticos e sonoros. Os corpos trazidos à luz neste segundo episódio são de mulheres: autoras, compositoras e performers que desafiaram tradições penosas e lampejos de uma língua presa às bíblias e demais determinismos de fonte comum. Autoras que subverteram ou subvertem a tradição, o masculino, o feminino, as máquinas, até teomitias religiosas. Intérpretes que talharam raízes e lapidaram com fino  esmero dispositivos tecnológicos, procurando ressignificar noções de presencialidade, erotismo, poder e identidades. Na orquestra polifónica de hoje convivem arranjos e disposições lexicais incomuns, sinfonias, improvisações e tumultos, títulos de livros e editoras. Um mundo de oficinas poéticas, baixos, baterias e mbiras.  Dilaceramos os fantasmas presos à memória mais selectiva e percutimos detalhes mais e menos impressivos destas vidas que, graças (e glória) às artes musicais, reluzem e se refugiam nas claves omissas dos sentidos. Além dos discos, há livros e textos mais e menos ensaísticos sugeridos nesta conversa ao correr das músicas (terão de escutar o episódio). ------- 2024 AH!, associação Mural Sonoro montagem sonora: Paulo Lourenço micro textos/sinopses dos episódios: Soraia Simões de Andrade
Episódio 1

Episódio 1

2024-02-1801:32:01

Popol Bug com Bruno Peixe Dias e Soraia Simões de Andrade (Bruxelas-Lisboa) Conversas anartísticas sem guião entre dois melómanos, pontuadas por histórias e músicas Não existe diferença sem mimese, nem nada que não o seja: diferente. É de letras e poemas musicados, de músicas sem os vocábulos do léxico, de sonidos ou vocalizações, das mais veladas às mais guturais, de editoras e de streaming, de canções — em locais emparedados e sem paredes — dialogistas em experiências distintas, ora como participantes delas ora como ouvintes remotos de matrizes sonoras maternais, e, por isso, não menos indisputáveis nos nossos percursos, que falamos — tentaremos pouco, que estamos cansados de nos ouvir – a premissa é voltar a escutar esses fonogramas, recuperar histórias tentando reproduzir o entusiasmo daquela primeira vez que fomos tocados pelos primeiros acordes de um disco ou os que não nos entraram nos tímpanos nem à lei da bala apesar de anos mais tarde não os conseguirmos largar. Nenhuma banda nasceu de geração espontânea, nenhuma filosofia, sequer deidade simbólica, é indestrutível. Todas as alturas em que matamos os tempos rebeldes aos discos e aos livros; para neles enrijecer e reconstruir a memória, pessoal ou colectiva, e os muitos chãos pisados entre concertos, danças, projectos edificados, aqui convergem. Alturas, em que podemos mudar as lentes, renovar a graduação, reajustar as agulhas do prato e as tonalidades discursivas, juntando as votadas ao desprezo e deixando umas tantas naquele outro lugar da estante improvisada num barracão granítico ao qual não desejamos regressar. ------- 2024 AH!, associação Mural Sonoro montagem sonora: Paulo Lourenço textos/sinopses dos episódios: Soraia Simões de Andrade ------- pedaços do argumento e da pesquisa para o documentário de Alexandre Nobre citado: https://www.muralsonoro.com/mural-sonoro-pt/2015/12/31/angola-o-itinerrio-da-palavra-na-cano-e-a-emancipao-da-cultura-popular-face-ao-imperialismo-portugus-1961-1975-por-soraia-simes considerações sobre a braguesa, título de disco citado e sobre a guitarra: https://www.muralsonoro.com/mural-sonoro-pt/2014/3/5/viola-braguesa; https://media.rtp.pt/extra/eventos/guitarra-coimbra-soraia-simoes-conta-historia-deste-patrimonio-imaterial/ breves sobre a quimera punk em Portugal: https://www.ruadebaixo.com/do-novo-rock-a-quimera-punk-em-portugal.html
Cantar os outros em jeito de crónica. «Como tive de me apagar um bocadinho no início de Deolinda para a personagem poder viver, senti muitas vezes que as pessoas me confundiam com a personagem. Isso não é justo nem para a personagem nem para mim. As pessoas deviam estar à espera que eu usasse as mesmas roupas que usava em palco e eu comecei a não querer ser um cartoon na cabeça das pessoas. Eu não queria que as pessoas me achassem um cartoon, não é? Então, comecei a sentir necessidade de pôr mais um 'pózinho' de Ana (...). Comecei a sentir que algumas coisas me estavam vedadas, porque eu não tinha a ''imagem certa''. E o que é que era a imagem certa? Quem me procurava achava que a minha imagem não era sofisticada e na altura eu era mais gorda e isso era um problema. Servia aquela personagem, mas não me servia muito bem a mim (...)». É com Ana Bacalhau que estou à conversa neste episódio, depois de mais um período de pausa prolongada neste podcast. Esta entrevista, gravada há cerca de um ano e agora publicada, mantém (pela temática que subjaz o podcast) a actualidade e insere-se, de igual modo, no primeiro número da revista Mural Sonoro que será publicada no decorrer do mês de Junho. Boas audições e leituras. Ilustração de João Pratas Indicativo de Amélia Muge Sonoplastia de Paulo Lourenço Música neste episódio: «Desafiar Estereótipos» de Ana Bacalhau Autoria, coordenação, investigação, entrevista de Soraia Simões de Andrade
«Eu estava a ouvir o outro dia a Antena 2, estavam a falar da Guilhermina Surggia (GS), até acho que foi no Dia da mulher, e a GS como o pai era músico ela desde cedo se interessou pela música e pediu para tocar violoncelo, mas ela tinha que tocar violoncelo com o violoncelo de lado porque ficava mal uma menina tocar com as pernas abertas, o que ela tinha que fazer para tocar com uma técnica completamente desproporcionada ao instrumento...» «Há muito formalismo ainda no ensino (...) aprendemos sobretudo repertórios de compositores homens» Nasceu em Braga no ano 1983. É pianista e tem abraçado como intérprete deste instrumento, em colaborações e parcerias, além da música as áreas da dança, do cinema, do teatro e da fotografia. Já editou, compôs, gravou com autores ou agrupamentos como Luís Fernandes, Ricardo Jacinto ou as integrantes do grupo Sopa de Pedra, entre outr@s. Em 2016, com o apoio da Antena2, dedicou-se num projecto de homenagem e celebração aos cento e cinquenta anos do compositor francês Erik Satie do qual resultou mais uma edição discográfica. Em 2017 defendeu a tese de doutoramento Estudos Interpretativos de Música Portuguesa Contemporânea para piano: o caso particular da música evocativa de elementos culturais portugueses na Universidade de Évora. É com Joana Gama que estou à conversa neste episódio que marca o regresso deste Podcast depois de um período de recolho com cerca de dois anos em que estive, como explico aqui, dedicada à finalização de outros/as projectos e propostas. Ora sejam bem-vind@s novamente! Boas audições. Autoria, coordenação, investigação, entrevista e texto de Soraia Simões de Andrade Ilustração de João Pratas Indicativo de Amélia Muge Sonoplastia de Paulo Lourenço Música neste episódio: «Let Bygones Be Bygones», Joana Gama e Luís Fernandes
«Eu por exemplo, o meu discurso poético, está bastante alterado desde há um ano, ainda nem havia Bolsonaro no panorama (...) neste momento o que me vem, aquilo que eu estou a escrever agora, e aquilo que eu vou trabalhar daqui para a frente são coisas como eu nunca fiz na vida. É pé na terra. Olhos bem abertos. E abri uma porta dentro de mim para falar de coisas que eu nunca falei na minha vida (...)». «(...)Há quem não esteja a reagir, há pessoas que estão paralisadas, há pessoas que estão no medo. Eu acho que o medo não pode existi. A gente tem que parar para pensar e reagir (...)». Filha dos escritores E. M. de Melo e Castro e Maria Alberta Menéres, cedo conviveu com poesia. A ligação do pai ao Brasil reflectiu-se também nos discos que trazia, e é aí, na infância, que toma contacto com o trabalho de inúmeros músicos brasileiros, alguns dos quais com que mais tarde acaba por trabalhar. Precursora, perseverante, a partir da década de 1980 começa (logo) a intensificar as suas parcerias com alguns dos mais consolidados músicos e autores brasileiros: Tom Jobim, Chico Buarque, Simone, Caetano Veloso, Milton Nascimento são alguns exemplos. Rasga e aproxima fronteiras musicais e culturais. Afirma-se no panorama musical brasileiro, mas mantém a sua residência base em Portugal, onde mais de duas dezenas de discos seus são gravados. Acumulou experiências no teatro, com o grupo Ânima (que fundou e onde desenvolveu trabalhos de poesia experimental encenada) e com o grupo de Teatro A Barraca, e participou em filmes de Joaquim Leitão e Djalma Limonge Batista. Em televisão foi autora e produtora musical, compositora e apresentadora. No ano de 2007 Eugénia Melo e Castro foi distinguida com o prémio Qualidade Brasil pelo conjunto da sua obra musical, integralmente lançada no Brasil. Em 2008 o seu programa de televisão Atlântico foi considerado um dos 50 melhores programas de televisão em Portugal. A literatura e o intercâmbio cultural estabelecido com o Brasil, desde o início da década de oitenta, são um traço forte na sua trajectória. É sobre os papéis e resistências que foi assumindo ao longo de já mais de três décadas nesse contexto e a conjuntura política do Brasil em 2018 que estou à conversa com Eugénia Melo e Castro neste episódio. Boas audições. [Convidada: Eugénia Melo e Castro, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Canção usada: «Paz», disco Paz de Eugénia Melo e Castro, 2002]
«No colégio inglês sim, no colégio inglês eu senti isso. Eu tinha 10 anos quando fui para lá, saí quando tinha 13 (...) e a minha colega detrás disse para a outra ''ai, a nova é tão feia''. Portanto foi logo assim para começar, estás a ver?. E nos primeiros tempos, imagina o que é que isto faz a uma miúda, para eu me lembrar até agora, é claro que eu sofri bullying, é claro. Mas, eu nunca fui vítima, sabes? Porque eu arranjei uma maneira de dar a volta aquilo (...)». «Quando eu comecei (no jazz) não havia quem se dedicasse a 100% e foi uma boa altura, porque era uma altura em que se permitia (às pessoas) mais tempo. Eu tive tempo para me instalar, para crescer um bocadinho, foi-me permitido esse crescimento. Eu acho que agora é mais rápido, é tudo muito mais rápido, tem de se apresentar o produto logo. As pessoas já têm que estar ali acabadas. A arte não está nunca acabada. Nós como músicos não estamos nunca acabados, estamos sempre a percorrer este caminho (...)». Iniciou a sua trajectória na música por um acaso, depois do convite de um amigo para ingressar no seu grupo de rock, foi esse amigo que no início da década de oitenta, quando abrem as inscrições na Escola de Jazz do Hot Club, a desafia para a audição. Em 1984 foi anfitriã de um programa de televisão e é também nesse ano que é distinguida com o prémio revelação. O ano de 1986 marca a sua internacionalização, dá mais de duas dezenas de concertos em 5 semanas (pela Alemanha), o seu terceiro disco é inclusive lançado nesse ano pela editora alemã Nabel. Precursora no universo do jazz em Portugal, com mais de duas dezenas de discos gravados, tem um estilo interpretativo singular e difícil de igualar, apesar dele ser uma referência para muitas intérpretes de jazz em Portugal. É sobre algumas particularidades do seu caminho na música e modos como observa as indústrias musicais e os papéis das mulheres desde que se iniciou no jazz que estou à conversa com Maria João neste episódio. Boas audições. [Convidada: Maria João, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Canção usada «Fiona», disco Plástico, Maria João & Ogre, 2015]
«Toca-me mais uma obra feita em cima de um episódio de sofrimento, ou depois de um episódio de sofrimento (...), As mulheres são sujeitas a muito mais pressão, porque são julgadas até pelos seus pares (...), «Ainda estamos numa época muito sexista e com avanços perigosíssimos no mundo inteiro de teorias e de ideologias que as põem em prática(...)», «(hoje) música de intervenção para mim é a música que dá voz a coisas que as pessoas calam (...) a coisas que as pessoas tentam silenciar (...)». No secundário tocava cavaquinho e cantava fados tradicionais, fez teatro e integrou o grupo A Naifa como intérprete vocal. Há cerca de três anos criou com Sandra Baptista (ouvir Episódio 2) o grupo Señoritas, onde compõe, canta, toca guitarra, adufes e outras percussões. Não acredita que a música que faz, especialmente quando não (se) vive das indústrias musicais, se desligue das conjunturas sociais em que é realizada. Essa liberdade na criação das letras, nos arranjos, na edição e masterização está bastante presente em Señoritas e nas duas edições discográficas do grupo. Vive há mais de uma década das terapêuticas não convencionais, depois de ter feito um curso de medicina tradicional chinesa. E explica de que modo a sua profissão se conjuga e até alimenta o universo artístico. É sobre o seu envolvimento no universo musical mas também no modo como vê a representação das mulheres na música em Portugal que estou à conversa com Mitó neste episódio. Boas audições. [Convidada: Mitó, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Canção usada «NOVA», disco Acho Que É Meu Dever Não Gostar, Señoritas, 2016]
«Quando me enviou o e-mail a dizer que ia falar desse disco (referindo-se ao 'As Meninas Boas vão para o Céu As Más para Toda a Parte', 1994) fiquei a reflectir sobre isso (...). Naquilo que nos é possível reconstruir daquilo que sentia na altura, estamos a falar de 1994, o que me parece, ou a impressão com que fiquei, foi a de que eu estava profundamente desiludida com o futuro, porque o que ali está, aquela expressão tão revoltosa, tão acutilante, não tinha muito sentido na época, de facto vivia-se um período de relativo bem-estar, de relativa estabilidade económica e social, muitas das liberdades que vinham a ser reclamadas desde o 25 de Abril estavam em franco processo/evolução, e aliás eu tive algumas críticas de amigos a não perceber porquê que eu estava a ser tão acutilante naquele momento. Mas, o que me pareceu é que naquela época é quando se está a esboçar um dos braços daquilo que é o capitalismo (...)». A Xana de Rádio Macau, grupo com o qual grava de 1984 a 2008, a Xana intérprete, autora, compositora na década de noventa. Com dois discos a solo, o primeiro editado em 1994 pela BMG (As Meninas Boas Vão para o Céu, as Más para Toda a Parte), o segundo editado em 1998 pela Norte Sul (Manual de Sobrevivência). Figura feminina indissociável da Música Popular gravada em Portugal, do 'rock'n'roll' da década de oitenta. 1994 é também o ano em que decide ingressar no ensino superior, tinha então vinte e oito anos. Fez filosofia e interessou-se pelo filósofo Henri Bergson nesse período. Pensador que se opôs ao psicologismo e às teorias do pensamento lógico e que privilegiava a componente intuitiva. O pós 25 de Abril de 1974 trouxe outros desafios à sua geração, uma busca maior de realização pessoal, de alteração no que diz respeito aos costumes e às liberdades individuais. Em 2015 defendeu uma tese de doutoramento na área de especialização em Filosofia, mais especificamente em Estética e Filosofia da Arte com o título «Henry Maldiney. Vertigem da Existência e Arte Existencial». Maldiney chamou à atenção sobre formas de ver e sentir as obras, questionando as teorias e noções de arte que iniciam com uma tentativa de interpretação e explicação das mesmas. As letras de Xana falam especialmente da sua existência e da existência dos outros. É sobre o modo como olha para o seu passado no universo musical português e para alguma complementaridade que possa existir entre o seu caminho como investigadora e o seu percurso enquanto autora e intérprete que estamos à conversa neste episódio. Episódio que marca o regresso deste podcast após duas semanas em suspenso devido à recuperação de uma amigdalite, que me obrigou a repousar a voz. [Convidada: Xana, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Canção usada «Alibi», disco As Meninas Boas Vão Para o Céu As Más Para toda a Parte, BMG, 1994]
Nasceu em Moçambique. É autora, compositora e intérprete. Colaborou ao longo do seu percurso com diversos autores nacionais e internacionais. Musicou vários poemas da sua autoria e poemas de poetas como Fernando Pessoa ou Grabato Dias. Teve as suas primeiras experiências musicais ainda em Moçambique. O grupo Irmãs Muge, com a sua irmã Teresa, as influências moçambicanas das amas que tomavam conta de si e dos seus irmãos, ou as referências culturais trazidas pelo pai do norte de Portugal seriam determinantes. Já em Portugal começou por gravar com músicos como José Mário Branco, Júlio Pereira, Gaiteiros de Lisboa ou João Afonso. Ou mesmo com autores internacionais como Amancio Prada, Camerata Meiga, Lucilla Galiazzi, no colectivo Terras do Canto, Carlo Rizzo e Ricardo Tesi, entre outros. Mas, foi a solo, em 1991, com Múgica, que se destacou na introdução de uma ''gramática'' diferente no universo musical português. Os discos, os quais menciono neste introito, que editou demonstraram a diversidade das temáticas das canções que musicou, bem como um leque de desafios permanentes aos estilos interpretativos, no campo dos arranjos e no cruzamento de instrumentos musicais com características distintas de disco para disco. Estreou-se na dramaturgia com O Dono do Nada, uma peça pensada e escrita para crianças e adultos, que procurou instigar a capacidade de concentração das crianças, ao mesmo tempo que as alertava para a importância do som, do uso da palavra, dos poetas e do que está presente em ideias como «identidade» e «espaço sonoro». Escreveu canções para fadistas como Ana Moura, Mafalda Arnauth, Mísia, Cristina Branco ou Pedro Moutinho e participou activamente em temas musicais de Gaiteiros de Lisboa e Rui Júnior, mentor do projecto TocARufar, escrevendo letras para ambos. É tendo alguns destes trabalhos discográficos, e os espectáculos que coordenou ou dirigiu musicalmente com mulheres e/ou sobre mulheres (Afinidades no âmbito da Expo 98, no qual tocou com as Vozes Búlgaras do Pirin Folk Ensemble, ou o tributo a Joni Mitchell, que actuou em 2013 no auditório do Centro Cultural de Belém) como ponto de partida, que Amélia Muge conversa comigo neste episódio. Boas audições. [Convidada: Amélia Muge, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Canções usadas «Taco a Taco», «Um início»]
«Esta economia que expulsa quem vive na cidade» «A minha grande batalha, e só descobri isso muito mais tarde, foi ser aceite pelos músicos era eu não ter estudado música e ser mulher. Não era o facto de eu não ter estudado música, porque muitos deles não tinham estudado música, era o eu ser mulher e não ter estudado música(...) demorei muitos anos a perceber isso» Nasceu em Lisboa no ano 1972. Devido à actividade profissional da mãe, professora, e aos vários locais onde esta foi destacada para trabalhar, gosta de dizer que viveu como migrante no seu país. Gosta também que lhe chamem «Marta e Miranda». Como refere algumas vezes, a Marta trabalha para a Miranda poder cantar. No grupo OqueStrada, o qual ajudou a fundar há mais de uma década, multiplicou funções: foi intérprete, autora, envolveu-se na montagem, na produção, no agenciamento, e até na distribuição dos pagamentos aos restantes músicos. Caeli Gobbato, uma pesquisadora brasileira, fez em 2009 uma investigação tendo como ponto de partida o repertório de OqueStrada. O artigo de Gobbato, que cito no decorrer desta entrevista («há uma forte tendência a classificar a cultura como nacional e estrangeira, presente em território nacional, como se houvesse forma possível de encerrar a cultura, imobilizá-la e impedir que contatos frequentes produzam qualquer interferência»), foi publicado em 2014 no meu portal (Mural Sonoro) com o título OqueStrada: uma Lisboa cantada sobre e para todas as pessoas que vivem nesta cidade. Podem lê-lo lá integralmente, está em acesso livre. As ideias de vivência na periferia ou no subúrbio, do território, ou a recuperação de sons e de vozes que se tornaram invisíveis na sociedade portuguesa, têm um lugar no repertório literário e musical do grupo OqueStrada. Numa altura em que pensar o urbanismo, o logro imobiliário, a cidade onde vivemos, estão na agenda é importante relembrar que há 14 anos este agrupamento musical da margem sul criava dramaturgias acústicas consoante a rua onde tocava, resgatava imagens sonoras e do teatro popular, recolhia histórias sobre colectividades votadas ao abandono, questionava o direito à cidade e à habitação e levou esses temas para a música e para o seu primeiro disco editado em 2009 (Tasca Beat, Sony Music Portugal). É com Marta Mateus ou «Marta e Miranda» que estou à conversa neste episódio. [Convidada: Marta e Miranda, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Canção: «Se esta Rua Fosse», Tasca Beat, OqueStrada]
«Eu durante muitos anos (...) era um bocado estranho verem-me nesta área. Era mais fácil verem-me como produtora ou como agente. No palco, por exemplo ao vivo, o que achavam é que eu estava a fazer outra coisa. Percebiam que eu estava a fazer som e era sempre com alguma renitência. No estúdio eu não senti tanto isso, mas ao vivo sim. É um mundo maioritariamente de homens (...)» Nasceu há trinta e cinco anos em Leiria. Trabalha num mundo maioritariamente masculino. Tirar médios graves, graves, médios, médidos altos e agudos fazem parte da sua rotina. De ouvido atento, é uma das poucas mulheres com formação na área musical e do áudio em Portugal que encontramos atrás de uma mesa grande com dezenas de botões e entre esparguetes de cabos. No âmbito da engenharia ou técnica de som diz-se, muitas vezes, que é fundamental uma boa comunicação com o músico, que ela é tão relevante como as circunstâncias técnicas na gravação de uma performance. Não obstante as notas musicais poderem ser afinadas, as frequências manipuladas, e as dinâmicas modificadas. Fez o som de músicos consolidados cá e internacionalmente, sonoplastia para cinema e teatro e cooperou com a RTP, nos concertos e gravações com Orquestras Sinfónicas, no domínio do broadcast. Estudou percussão, passou pela Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo onde fez Produção e Tecnologias da Música e é Mestre, pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em Multimédia, na vertente Música Interactiva e Design de Som. Fazem parte do seu caminho a colaboração com diversas instituições, como a Casa da Música, os Coliseus do Porto e dos Recreios, mas também o CCB, o Centre Pompidou, a Companhia Olga Roriz, O Bando, ou o Sintra Estúdio de Ópera, entre outros. Num dos ofícios da música gravada em Portugal em que mais conhecimentos técnicos se exigem, onde existe um desenvolvimento maior das sensibilidades do domínio sonoro, há também um campo de relações interpessoais, entre técnico e performer, moldado por emoções e muitas escutas. É com Suse Ribeiro, a mulher que manipula o som seguindo standards profissionais de áudio que estou à conversa neste episódio. [Convidada: Suse Ribeiro, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Gravação usada na entrevista de um registo de obra de Suse Ribeiro tocada por uma orquestra]
«(...) Havia uma grande falência no meu país e um enorme êxito no estrangeiro, onde a minha imagem era uma mais valia, aqui foi sempre um entrave (...)» «(...) Sem mentor, sem nenhum mentor masculino, porque há sempre ou é um apresentador de televisão que protege, ou o namorado que é guitarrista, ou não sei quem que é dono de uma casa de fados, há sempre uma figura masculina e são raras as excepções (...)» Foi em Espanha, país da mãe e da avó, que iniciou a sua trajectória no mundo artístico. Há cerca de três décadas. Primeiro como bailarina e depois como cantora. A mãe era bailarina catalã, e a avó, que a educou, ''artista de burlesque'', num período de pós-guerra civil. Diz que a sua relação com o Fado é lhe tão familiar e impactante quanto as relações mantidas com a sua mãe e a sua avó, fundamentais no seu crescimento pessoal mas igualmente artístico. Teve em Amália, Maria Teresa de Noronha, Beatriz da Conceição ou António dos Santos, apreciado pela avó, as suas primeiras referências no universo interpretativo do fado. E em poetas como David Mourão-Ferreira, Pedro Homem de Melo, entre outros, as primeiras referências de poesia musicada neste universo. Considera que «há também uma autoria» na escolha que faz do repertório poético ou literário e, à época em que iniciou, foram incomuns as selecções de poetas e escritores que escolheu cantar. Uma boa parte da sua discografia foi pensada e, em boa medida, produzida por si, desafiando papéis habitualmente atribuídos no Fado às mulheres. Nem sempre os seus trabalhos tiveram uma boa aceitação no universo fadista. O seu caminho musical foi rompendo convenções e pré-juízos. O álbum Drama Box, de 2005, apresentado no Teatro Nacional D Maria II, que a levou a ser distinguida com a Comenda da Ordem de Mérito do governo português, foi disso exemplo juntando-se a outras distinções estatais em outros países. Hoje são cerca de treze discos editados, duas participações em peças de teatro (O Matadouro Invisível de 2013 levado à cena no Teatro da Malaposta e Giosephine levada à cena no Teatro Regio em Buenos Aires) e um conjunto de memórias a eles ligados por partilhar. É com Mísia que estou à conversa neste episódio, o qual marca também o regresso, depois de umas férias, deste podcast. [Convidada: Mísia, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Tema: «O Manto da Rainha», Mísia, Senhora da Noite, 2011]
Curiosidades sobre a representação de mulheres na música em Portugal Este Podast vai de férias em Agosto e regressa na primeira semana de Setembro, às quintas como habitualmente, com mais quatro entrevistadas, no entanto deixo-vos algumas curiosidades que fazem parte da minha pesquisa para um artigo no prelo, assim como pistas sobre a entrevista que abrirá o mês de Setembro. Após consulta à documentação e registo de obras musicais na Sociedade Portuguesa de Autores, constato que o primeiro registo de uma composição musical feito por uma mulher em Portugal nesta instituição aconteceu em Junho de 1928. Adelaide Saguer, violoncelista, foi a primeira mulher compositora a fixar nesta entidade uma obra da sua autoria com o título «Valsa Lenta». Não obstante, as suas criações musicais serem anteriores a essa data, como se pode verificar no número 360 da revista Arte Musical, dirigida pelo musicólogo Michel’Angelo Lambertini publicado a 15 de Dezembro de 1913. Já agora, a respeito do repertório para violoncelo em Portugal, sugiro uma leitura, a dissertação de mestrado defendida por Ana Cláudia Serrão em 2016 na Universidade Lusíada de Lisboa, também ela violoncelista, na área de especialização em Ensino da Música com o título Repertório para violoncelo em Portugal nos séculos XX e XXI: uma abordagem preliminar. Já Fernanda de Castro, escritora, poetisa e tradutora seria a primeira mulher a registar na Sociedade Portuguesa de Autores uma obra literária. No ano 1925 (...) (continua, picar para ouvir) Desde 1928 até ao presente a Sociedade Portuguesa de Autores tem 1008 mulheres registadas como compositoras ou compositoras e autoras (com categoria de C ou CA) e 8241 homens registados como compositores ou compositores e autores(com a categoria de C ou CA). Estes e outros dados são desenvolvidos no artigo em questão. Até lá. Boas férias e Saudações Sonoras. [Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Temas usados: «Aqui dentro de Casa» de José Mário Branco (Margem de Certa Maneira, 1972), «O Manto da Rainha», Mísia (Senhora da Noite, 2011)]
«Assim que se ouve o som das guitarras apetece logo cantar», «Antigamente cantava-se nuns tons muito altos, depois baixámos os tons», «Quando eu canto mal eu digo que canto mal, às vezes a gente quer e não consegue, isto não é uma máquina», «A gente canta como sente, como é que isso se pode aprender? Eu não sei para ensinar». Noventa e cinco anos e setenta e três de percurso, a mulher em Portugal com mais tempo de actividade quase ininterrupta. Ironia dos destinos (ou dos Fados), como o demonstra o texto que acompanha o arranque deste podcast a 12 de Julho, este episódio estava destinado para sair numa quinta-feira, 2 de Agosto de 2018, a fechar o mês de estreia do mesmo composto, como os restantes meses, por quatro entrevistas a mulheres que escolhi, por motivos distintos, para este, também, dossier temático. Celeste Rodrigues partiu ontem, a 1 de Agosto de 2018. No Fado, o desígnio «criador/a» é atribuído aquele/a que grava, interpreta pela primeira vez e celebriza um tema. Celeste Rodrigues foi a criadora de Fados que fazem parte da memória colectiva de amantes do Fado e da História deste universo musical. Foram disso exemplo «Saudade Vai-te Embora» (de Júlio de Sousa), «Lenda das Algas» (de Laierte Neves – Jaime Mendes), «O meu xaile» (de Varela Silva), o tema «Gaivota Perdida» ou o fado de Manuel Casimiro «Olha a mala», que se tornou o seu maior sucesso de vendas, entre os cerca de sessenta discos que gravou. Convém registar que as primeiras letras de Fado, transmitidas por via da oralidade, eram anónimas. Uma situação que só se começou a modificar a partir de meados dos anos 20. Para isso contribuiu primeiramente um conjunto de poetas populares como João da Mata, Frederico de Brito, Carlos Conde , Gabriel de Oliveira ou João Linhares Barbosa. Mas, é a partir dos anos cinquenta do século XX que o Fado se começou a relacionar com a poesia erudita. Diisso foram exemplo os papéis representados neste universo pelo compositor Alain Oulman e os textos de poetas como Pedro Homem de Mello, David Mourão-Ferreira, José Régio, Luiz de Macedo e, mais tarde, Alexandre O’Neill ou Vasco de Lima Couto, entre tantos outros. Celeste Rodrigues faz parte de um leque de precursores do Fado que efectivamente se internacionalizaram. Cantou em algumas das maiores cidades do mundo e em palcos mundiais, como falámos no decorrer desta entrevista gravada. Até há umas semanas continuava a cantar com regularidade no Café Luso, no Bairro Alto, e na Mesa de Frades, em Alfama. Para quem a ouvia, e continuará a ouvir, e via, ao vivo ou em vídeo, percebe que era comum fazê-lo de olhos fechados e, isso, talvez tenha uma explicação, como procurou aqui responder. Há nove anos, um entrevistado, num outro contexto e pesquisa, expressava a importância, tão descurada, de nos ouvirmos: «Os estudos que têm a música como ponto de partida e/ou de chegada, na pauta, no disco, na sociedade de um dado período, só têm importância a partir do momento em que há um ouvido humano para as escutar: às músicas e aos/às que lhe dão vida e corpo». Neste meu ofício, o de ser investigadora no campo das músicas populares, é nisso em que, ao fim destes anos, continuo a acreditar. Obrigada Celeste. [Convidada: Celeste Rodrigues, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Tema: «Fado Celeste», Tiago Torres da Silva e Pedro Pinhal]
«(...) Todas as bandas militares são agrupamentos profissionais, o nível de exigência para esses agrupamentos profissionais tem que ser elevado, porque vão pertencer a uma instituição militar, e têm de estar preparados para essa realidade, depois a parte musical é um concurso específico e é lhes exigido o mesmo que para uma orquestra profissional, porque ela o é (...)» As bandas de música estão disseminadas em Portugal desde o século XIX e, desde então, a sua actividade tem sido uma das principais práticas musicais no país, pese embora os obstáculos de natureza diversa, sobretudo entre as décadas de 1950 e 1970. Depois do 25 de Abril de 1974 a actividade das bandas refloresceu e beneficiou de múltiplas mutações, quer ao nível da disponibilidade de recursos humanos, quer do ponto de vista da solidez financeira, da aposta na formação musical dos músicos, nas novas tipologias de reportório ou nos novos espaços performativos (...). Miriam Cardoso deu os primeiros passos na música no ano de 1996, na banda da Sociedade Musical e Desportiva de Caneças. Tinha apenas 11 anos. Primeiro com as aulas de Solfejo com o Ti Augusto Claro, como era carinhosamente tratado pelos alunos, e posteriormente de flauta transversal com o ainda maestro Carlos Gomes. Foi a primeira, e até hoje uma das poucas, mulher na Banda Sinfónica da GNR (criada em 1838). É sobre o percurso que tem feito na música que estamos à conversa neste episódio. [Convidada: Miriam Cardoso, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Tema: Entre Madeiras Trio - Divertimento em Trio - Sérgio Azevedo - I Andamento]
«(...) Tinhas uma série de clichés na altura, não era bem visto (...) hoje em dia vês uma mulher a tocar bateria, o que não é muito usual, não é muito visto uma mulher a tocar bateria, e ainda reparas 'olha, aquela banda tem uma mulher a tocar bateria'» Destacou-se no grupo Sitiados na década de 1990 ao substituir Manuel Machado no acordeão, mas tocou também concertina e baixo eléctrico, quer em Megafone como no grupo A Naifa (no qual se assumiu como baixista, papel ocupado anteriormente por João Aguardela). Há cerca de dois anos formou, com Mitó, o grupo Señoritas. Quer a recriação dos estilos interpretativos dos repertórios tradicionais como a introdução de instrumentos musicais, confinados em décadas anteriores à de 1990 a outros domínios da música, incitaram músicos de outros universos a uma (re) descoberta dos padrões quer sociais como culturais associados a essas práticas ainda vigentes fora da capital, mas também a novas práticas decorrentes destas, que as aproximaram de outros espaços onde tanto umas como outras, ora por si mesmas ora dialogando, se estenderam a um maior e mais diversificado conjunto de grupos sociais e culturais. É com Sandra Baptista que estou à conversa neste episódio. [Convidada: Sandra Baptista, Autoria,Texto e Edição: Soraia Simões de Andrade, Ilustração: João Pratas, Design de Som: António José Martins, Indicativo: Amélia Muge, Tema de Señoritas: «Solta-me»]
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