'COP da ação’ começa em Belém, sem EUA e com China pronta para impulsionar transição
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Chegou a hora da diplomacia brasileira colocar à prova o seu talento em um contexto internacional nada favorável para uma Conferência do Clima da ONU. A COP30 começa nesta segunda-feira (10) em Belém, com o desafio de transformar em ação as sucessivas rodadas de promessas dos países sobre o combate ao aquecimento global.
Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Belém
Pelo menos 191 países participarão das negociações para acelerar a implementação de medidas que levem à queda das emissões de gases de efeito estufa. A transição energética para uma economia de baixo carbono, com o abandono gradual da produção e consumo de energias fósseis, como o petróleo e o carvão, é uma etapa crucial para evitar que a humanidade chegue ao final do século com uma alta de até 2,8 °C nas temperaturas.
A presidência brasileira do evento mantém viva a esperança de limitar a, no máximo, 1,5 °C a extensão do problema. Na Cúpula do Clima, realizada na quinta e sexta-feira (6 e 7), com chefes de Estado e de Governo, o Brasil pediu que a conferência entregue "um mapa do caminho para superar a dependência dos combustíveis fósseis”.
Ao redor da mesa de negociações, entretanto, poucos países concordam em começar essa conversa, e ainda menos têm bons resultados a apresentar. O próprio Brasil assume suas contradições, ao se lançar a uma nova frente de exploração do óleo em plena foz do Amazonas, ao mesmo tempo, em que deseja que os recursos do petróleo financiem a transição energética.
Transição demorada, mas em curso
No mundo, as guerras na Ucrânia e em Gaza desviaram para gastos militares os recursos financeiros que deveriam financiar esse objetivo e a adaptação às mudanças do clima. Em nome da soberania energética, em um contexto de perda de confiança até mesmo entre antigos aliados, plantas de carvão foram relançadas mundo afora – enquanto, em paralelo, a expansão das renováveis bate recordes.
Em 2024, fontes energéticas como a solar e a eólica representaram cerca de 32% da geração global de eletricidade, conforme a Agência Internacional de Energia (AIE). Por trás dessa revolução em curso está a China. Pequim vê o setor como estratégico e é responsável por fazer despencar os custos mundiais de painéis solares, baterias e outros equipamentos fundamentais para a transição energética.
É esperada uma atuação ativa da diplomacia chinesa não apenas na COP30 em si, como em acordos negociados entre países ou blocos de países, à margem das discussões oficiais da conferência.
Segundo maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, os Estados Unidos, governados por um presidente negacionista, estarão oficialmente ausentes das discussões. Mas o setor privado americano, a academia e organizações do país, além de uma comitiva de líderes do Partido Democrata, participarão do evento.
'Mecanismo de Belém'
No delicado campo do financiamento climático, os países vão discutir um pacote proposto pelas presidências desta COP e da anterior, no Azerbaijão, para solucionar os impasses. Em 2024, chegou-se a um acordo para viabilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para as nações menos desenvolvidas, porém ainda não se conseguiu esclarecer como será possível atingir esse valor.
O aspecto da transição justa é prioritário para a diplomacia brasileira e deve ser uma das entregas da conferência.
"Provavelmente a gente vai ter uma decisão significativa. A sociedade civil tem pedido por um mecanismo que fale da implementação dessa transição justa”, antecipa Stella Hershmann, especialista em negociações climáticas do Observatório do Clima, que reúne mais de 160 organizações.
"Isso pode ser um legado importante para o Brasil. Inclusive, a proposta do nome é Mecanismo de Belém, para marcar o nome da cidade-sede da COP e entrar para os anais da história da conferência.”
Quanto à adaptação aos efeitos da mudança do clima, o objetivo é conseguir definir indicadores que possibilitem mensurar os avanços dos países no enfrentamento de secas, enchentes, incêndios e outros impactos.
Efeitos colaterais da transição
A realização do evento é também uma ocasião para a sociedade civil discutir e apresentar suas soluções alternativas. Muitas delas contrariam o que está sendo negociado pelas delegações oficiais, nas salas climatizadas das COPs.
Do lado de fora do Centro de Conferências da Amazônia, 1.100 movimentos sociais e mais de 60 países vão realizar uma “antiCOP”, a Cúpula dos Povos. O Movimento pela Soberania Popular na Mineração, por exemplo, vê a transição energética como mais uma forma de exploração do sul global pelas potências mundiais.
“Pelo que está posto, é uma transição que não inclui os povos. É uma transição feita de cima para baixo, que exclui as pessoas e tem apontado para uma expansão energética, em que a gente vai consumir ainda mais minerais críticos e terras raras”, explica Isabelly Miranda, dirigente do MAM. "A gente não está falando de uma transição energética: a gente está falando de uma expansão, e ela não nos contempla."
Neste domingo, na véspera da abertura da COP30, o secretário-executivo da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), Simon Stiell, ressaltou que o evento “precisa conectar a ação climática com a vida real das pessoas”. Ele salientou que as populações devem sentir os benefícios dessa jornada contra o aquecimento global: ela ajuda a “reduzir os custos e ampliar o acesso à energia, trazer mais empregos, melhorar a saúde e diminuir a poluição”, escreveu.



