# 200 – Ugo Giorgetti em 4 documentários – 1a parte
Description
Este é o primeiro episódio de uma série que a pesquisadora Liniane Haag Brum desenvolveu para o Oxigênio. Trata-se da divulgação de um conjunto de documentários produzidos pelo cineasta Ugo Giorgetti, que foram tema de estudo de um pós-doutorado que Liniane desenvolveu no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Unicamp, intitulado: “Contra o apagamento, o cinema de não ficção de Ugo Giorgetti”.
Neste episódio nossos ouvintes vão conhecer um pouco sobre os documentários “Pizza”, de 2005 e “Em busca da pátria perdida”, de 2008. Os dois próximos serão: “Variações sobre um quarteto de cordas” e “Santana em Santana”.
Acompanhe aqui a série!
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[Trilha sonora do documentário “Pizza”]
Liniane: O cineasta Ugo Giorgetti é conhecido por abordar a cidade de São Paulo em sua obra. Um dos seus filmes mais conhecidos é “Boleiros – Era Uma Vez o Futebol”. O longa-metragem apresenta histórias de um grupo de ex-jogadores que se reúne em um boteco paulistano e relembra glórias e fracassos da profissão. A produção é de 1998 e tem a participação de nomes como Denise Fraga e Lima Duarte.
A filmografia de Ugo Giorgetti conta com 31 títulos, entre longas-metragens ficcionais, documentários e peças audiovisuais de não ficção de formatos variados.
Mas, como o diretor continua em atividade, esse número não para de crescer.
Nesse episódio, iremos tratar de uma parte pouco explorada da obra de Giorgetti, – o perfil documentarista desse importante diretor brasileiro.
Meu nome é Liniane Haag Brum, sou doutora em teoria e crítica literária pela Unicamp e realizei a pesquisa de pós-doutorado “Contra o apagamento – o cinema de não ficção de Ugo Giorgetti” também na Unicamp, no Labjor, com o apoio da Fapesp.
Essa pesquisa surgiu da descoberta de uma lacuna. Percebi que não havia nenhum estudo sobre a obra de não ficção de Giorgetti. Apesar de ela ser tão expressiva quanto a sua ficção, e mais extensa.
Lidia: E eu sou a Lidia Torres, sou doutoranda em Ciências Sociais pela Unicamp e especialista em Jornalismo Científico pelo Labjor, também na Unicamp. Atualmente pesquiso memórias e oralidades, e também produzo documentários. Eu colaborei com o roteiro desse podcast e vou apresentá-lo junto com a Liniane.
Vamos trazer um recorte desse estudo. Ou seja, vamos apresentar dois filmes que fazem parte da pesquisa: os médias-metragens “Pizza” e “Em Busca da Pátria Perdida”. Em outro episódio traremos mais dois, acompanhe o Oxigênio para não perder.
Lidia: Você lembra que bem no início do episódio a gente afirmou que Ugo Giorgetti aborda a cidade de São Paulo em sua obra? Só que afirmar isso é um pouco “chover no molhado”. Que o cineasta retrata a metrópole em sua obra, muita gente sabe, o que poucas pessoas sabem é sobre quais os procedimentos e recursos de linguagem ele usou pra tratar o conteúdo dos documentários, trazendo toda a complexidade da capital paulista.
[Vinheta Oxigênio]
Liniane: Pra começar, vamos de “Pizza”?
[Trilha sonora do documentário “Pizza”, do Maestro Mauro Giorgetti]
Sabe aquele documentário que coloca o espectador aos poucos dentro da narrativa? “Pizza” é assim.
Ele inicia com dona Amélia Baraglia, que sempre morou no bairro da Mooca:
“Pizza”: Tinha um senhor, chamava César, o nome dele. E ele fazia pizza no fundo do quintal dele, ele tinha um forno à lenha, ele fazia pizza. Fazia um pizzinha assim, um pouquinho maior que o brotinho, mas era uma delícia a pizza dele. Aí ele enchia uma lata enorme de alumínio, com as pizzas uma em cima da outra; ele tinha um pano branco que era a coisa mais branca que eu vi na minha vida, ele jogava no ombro, punha aquela lata no ombro e saia nas ruas para vender pizza.
Liniane: O que esse depoimento desperta na gente é mais do universo afetivo e sentimental. Mas, aos poucos esse tom muda, fica mais direto, sem nunca perder a subjetividade do relato:
“Pizza”: A pizza da Castelões não é uma pizza de massa grossa, a massa é extremamente fina no centro, a única coisa, o que diferencia, é que a borda dela é alta, é uma borda que cresce. Isso é uma pizza tipicamente napolitana, de onde venho, a nossa receita.
Liniane: Esse que você acabou de ouvir é o Fabio Donato, dono da Castelões e neto de Vicente Donato, que fundou a pizzaria. Castelões talvez seja a cantina mais antiga da capital paulista. Ela foi inaugurada em 1924, no bairro do Brás, onde se concentrava parte dos imigrantes italianos que viviam em São Paulo.
Lidia: Logo no começo do documentário também tem o depoimento da Cibele Freitas, uma das sócias da pizzaria chamada A Tal da Pizza:
“Pizza”/Cibele Freitas: A Tal da Pizza é uma pizzaria diferenciada em primeiro lugar pela qualidade de seu produto, que é um produto escolhido por nós, os proprietários que fazemos as compras. Além da massa, que é receita e segredo da família, essa linguiça também era uma receita do meu avô e que era feita por ele até quando ele faleceu e hoje é feita por uma prima da minha mãe, que deu continuidade. Hoje a gente já desenvolveu né, a gente brinca que é como se fosse um blend, é um blend na verdade que é o segredo aonde naquele segredo é misturado a massa.
Lidia: A Tal da Pizza tem unidades no Itaim Bibi e na Granja Viana, bairros nobres localizados no oeste da capital paulista. Ela foi criada com o propósito de reproduzir um ambiente aconchegante e íntimo, onde os clientes pudessem servir-se e comer sem o atendimento de garçons, ao som de um piano e de músicas suaves.
Lidia: Além da Castelões e da Tal da Pizza, Ugo Giorgetti e sua equipe estiveram em estabelecimentos espalhados por outros seis bairros: Heliópolis, Centro, Mooca, Belenzinho, Jardim Paulista e Jardim Ângela.
[Som de tráfego de cidade grande: buzinas, carros e ruídos de fundo diversos.]
Liniane: O documentário fez um verdadeiro passeio por São Paulo. Entrevistou pizzaiolos, gerentes e proprietários de pizzarias, entregadores e até clientes. Por isso, parece óbvio concluir que o documentário é sobre pizza: como é feita, suas origens, os tipos e sabores. Inclusive se você pesquisar na internet, talvez encontre a seguinte sinopse:
“A cidade de São Paulo é o pano de fundo deste documentário em que o tema é a especialidade da culinária paulistana, a pizza”.
[Música “Funiculí, Funiculà”, de Francesco Daddi, 1906.]
Lidia: Pois é, “Pizza” dá a entender, no começo, que seu principal assunto é, justamente, a pizza.
Liniane: Só que a pizza é apenas um pretexto para que o documentário trate das contradições da cidade, de suas desigualdades, diversidade e cosmopolitismo. Eu conversei com Ugo Giorgetti sobre esse e o outro filme que esse episódio vai tratar. Ele me explicou o seguinte:
Ugo Giorgetti: Olha, eu tô sempre à procura de temas, temas que tenham algum significado na vida, né, na sociedade, e que também se originem dela. Porque que não adianta eu fazer alguma coisa absolutamente extravagante, que não se relaciona com nada, com o real. São certas coisas assim que você não dá nenhuma importância, a história do cotidiano mais vulgar, que no fundo são importantes. Então a pizza é isso, eu sempre achei que ela era uma coisa que você podia falar dela, sem precisar falar sobre todo mundo, sem precisar dar lições de sociologia: essa região assim, essa região assado, essa região come assim ou come assado. A pizza resolve todos esses problemas. E além do que ela te proporciona uma visão de certos lugares da cidade. Vários lugares da cidade, não certos, vários.
Lidia: Agora você vai ouvir o Raimundo Vieira de Oliveira, proprietário da Pizzaria Copan, que fica no Edifício homônimo, localizado no centro de São Paulo. O prédio foi projetado por Oscar Niemayer e uma de suas principais características é abrigar um número imenso de moradores em 1.160 apartamentos. Escuta só:
“Pizza”: Eu inventei uma pizza, a pizza Viagra, que é muito boa. Que o composto dela, os ingredientes, que é mussarela, ovo de codorna, amendoim, champignon; são produtos, são ingredientes afrodisíacos. E realmente faz um sucesso aqui. Ugo Giorgetti: Vem cá, você inventou essa pizza especialmente no Copan, tem alguma ligação aí? Raimundo: Não, só foi por causa da novidade do remédio que foi lançado aqui no Brasil, acabei lançando essa pizza que foi um sucesso.
Lidia: Faltou informar que “Pizza” é uma produção de 2005. Isso para dizer que Raimundo Vieira de Oliveira foi entrevistado lá em 2004, OK?
[Efeito sonoro de carros trafegando]
Liniane: A câmera de Giorgetti também registrou Heliópolis, bairro de aproximadamente 1 milhão de habitantes situado no sudeste de São Paulo, no distrito de Sacomã. Lá o Alexandre Tadeu Pinto, conhecido como Cuca e dono da pizzaria Mestre Cuca, contou para o diretor que inventou uma pizza chamada Larica.
“Pizza”: Porque o pessoal, principalmente os jovens hoje, falam nossa eu tô na larica, né. Tá na maior fome, precisa de uma pizza legal. Aí eu botei vários ingredientes. E fico legal, pegou.
Liniane:O diretor do documentário conversou com Celso Ferreira Alves, pizzaiolo da Pizzaria do Cuca, para saber mais sobre a invenção culinária:
“Pizza”: Ugo Giorgetti: E a pizza larica? Celso Ferreira Alves: Larica é boa. Povo só come quando tá na larica mesmo. Ugo Giorgetti: Como é que é? Celso Ferreira Alves: Ela vai bastante coisa, é mussarela, milho, bacon, palmito, catupiry e calabresa e presunto. O que tem na pizzaria, vai tudo nela. Quando sai uma aqui na pauleira é o maior trabalho, viu!
Lidia: Mas a conversa não parou por aí. Ouvindo o diálogo, a gente percebe que o diretor documentou os modos de fazer a pizza, mirando nas histórias de vida das pessoas. Outro trecho da conversa de Ugo Giorgetti com Celso Ferreira Alves, o pizzaiolo da Pizzaria do Cuca, revela como os modos