#185 – Terapia gênica para anemia falciforme no SUS é viável?
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Neste episódio, apresentamos o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), suas origens e a relevância do programa no desenvolvimento e aprimoramento do SUS. Contamos a origem do projeto, que atua regulando a imunidade fiscal de hospitais filantrópicos, e discutimos a real capacidade de implementação de um produto de terapia gênica para doença falciforme no sistema público de saúde.
Para explicar como o programa funciona, sua relação com o grupo de pesquisa em terapia gênica do Hospital Albert Einstein e quais as implicações na saúde pública, conversamos com Guilherme Schettino, Ricardo Weinlich e Francisco Barbosa Junior. O episódio também conta com a participação de Simone Bruna, pessoa com doença falciforme e ativista na área.
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Roteiro
FRANCISCO: Eu como um ser humano, né? O que que o que que eu queria? Qual que seria o mundo ideal, né? Que existissem todos os tratamentos, todos os medicamentos e tudo para todo mundo, né? Então sem dúvida, esse é o mundo ideal, mas é a hora que a gente chega e fala ok? Como que a gente vai viabilizar a maior parte dos tratamentos para a maior parte das pessoas e não só o tratamento mais formas de tratar que daí vem a prevenção vem a educação, mas que a gente consiga levar à saúde para todo mundo para todos.
MAYRA: Segundo o Ministério da Saúde, a estimativa é de que existam entre 60 e 100 mil casos da doença falciforme no Brasil. Mas, o teste do pezinho, um teste de sangue que detecta a doença em recém nascidos, só foi padronizado no país em 2001.
ANDRÉA: E os hospitais só passaram a ser obrigados a notificar os casos da doença para o Ministério em 2023.
KARINA: Tem muita gente que nasceu para trás que às vezes não sabe que tem a doença e vai descobrir em idade jovem, idade adulta então existe aí provavelmente uma subnotificação. E isso é distribuído de forma heterogênea dentro do país, a gente sabe que, por exemplo, a Bahia é o estado que mais concentra casos de doença falciforme.
MAYRA: Essa distribuição da doença não é aleatória e tem tudo a ver com a história do Brasil.
ANDRÉA: Neste episódio, a gente vai te contar mais sobre a doença falciforme no Brasil e sobre uma tentativa de disponibilizar um tratamento mais efetivo para a população de graça através do SUS. Mas antes disso, deixa eu te avisar que esse episódio é a segunda parte de uma dupla de episódios. Você pode ouvir esse aqui agora, mas talvez ele faça mais sentido se você ouvir o primeiro o episódio anterior.
MAYRA: Se quiser, vai lá que a gente te espera por aqui.
ANDRÉA: Se você já ouviu o primeiro, segue aqui com a gente. Eu sou a Andréa Grieco.
MAYRA: E eu a Mayra Trinca. Este episódio é parte do trabalho de conclusão do curso de especialização em jornalismo científico, que fizemos no Labjor, da Unicamp.
[VINHETA]
MAYRA: No episódio anterior, a gente pediu ajuda da Karina Maio, médica hematologista, pra explicar pra gente o que é a doença falciforme:
KARINA: E aí o que que acontece por conta dessa mutação, então que é herdada do pai e da mãe, tá para que a pessoa tenha de fato a doença, tem uma hemoglobina ali que ela é estruturalmente diferente do que seria uma hemoglobina normal, ela acaba formando polímeros uma hemoglobina gruda na outra tá de forma assim muito forte e aí isso acaba formando polímeros dentro da hemácia dentro do glóbulo vermelho, que é o que dá algo vermelho o formato de foice que é muito característico da doença.
ANDRÉA: Nessa conversa, ela também explicou pra gente porque a doença falciforme não ocorre na mesma proporção no mundo todo.
KARINA: Tem um conceito que a gente fala de haplótipo. Então, existem algumas outras mutaçõezinhas ali, perto da mutação falciforme, alguns outros padrões de mutação que eles são herdados em conjunto. E é a partir desse padrão de mutações que a gente consegue rastrear essa origem e por isso que a teoria mais bem aceita é que a doença, ela se originou em 5 pontos diferentes e não em um ponto só que são República Democrática do Congo, Senegal, Camarões, Benim e tem um haplótipo que é o árabe-indiano.
MAYRA: A partir desses pontos de origem, a mutação falciforme se espalhou em diversas populações africanas e só passou a estar presente por aqui depois das migrações forçadas da África para o Brasil durante a invasão e colonização das Américas. As localidades que receberam mais africanos são as que têm maior prevalência da doença, ainda hoje.
ANDRÉA: Isso também significa que a população mais afetada pela doença é a população negra, que é historicamente negligenciada, com menor renda e mais dependente de serviços públicos, como o acesso à saúde via SUS.
MAYRA: Como diz a Simone Bruna, pessoa com doença falciforme
SIMONE: Mas eu acredito que você ter uma doença falciforme independente do seu fenótipo, né? Você sofre o racismo que a doença sofre, né?
MAYRA: Por isso, não dá pra pensar em um tratamento para doença falciforme que não passe pela saúde pública. Então a gente queria falar um pouco sobre como funciona o Sistema Único de Saúde pra entender como ele pode levar a terapia gênica que está em desenvolvimento para o maior número de pessoas possível.
FRANCISCO: A saúde pública em uma frase é a saúde acessível a todos, independente do seu status social do seu estado civil da sua orientação política ou religiosa. Essa é a saúde pública, tá ali para entregar saúde para levar saúde. Independente de quem você seja e que não tenha nenhuma influência positiva ou negativa nessa na entrega de saúde, né no seu atendimento na saúde.
ANDRÉA: Esse que você ouviu agora é o Francisco Júnior
FRANCISCO: Eu sou formado em informática biomédica pela USP de Ribeirão Preto. Fiz também mestrado e doutorado no programa de saúde pública também da faculdade de medicina de Ribeirão Preto.
MAYRA: A gente foi falar com o Francisco pra entender melhor esse cenário da saúde no Brasil. Perguntamos pra ele quais os pontos fortes do SUS e ele destacou dois. O primeiro, é a capilaridade do sistema.
FRANCISCO: A estrutura do SUS, eu vejo ela organizada de maneira muito inteligente, pois a gente começa sempre pensando em prevenção na atenção primária e com a entrada o fluxo do paciente caminhando da atenção primária. Então com isso subindo a estrutura do SUS, né? Ele consegue sair para um hospital, né de média complexidade. E se não for possível ele ser encaminhado também para um hospital de alta complexidade
ANDRÉA: E o segundo, é justamente esse foco da atenção primária na prevenção e educação.
FRANCISCO: o SUS é muito mais do que um hospital, né?
ANDRÉA: ele engloba também a vigilância sanitária e a distribuição de medicamentos, por exemplo.
MAYRA: sem contar que é o maior sistema público de saúde do mundo, atendendo mais de 190 milhões de pessoas!
ANDRÉA: Resumindo, muita gente depende do SUS, e isso envolve muito dinheiro! Como o Francisco comentou na abertura desse episódio, o ideal da saúde pública seria que todas as pessoas tivessem igual acesso
MAYRA: E que tivessem todas as suas necessidades atendidas…
ANDRÉA: Mas a gente sabe que a realidade tá distante disso
SIMONE: E eu também sou privilegiada, eu tenho plano de saúde, então eu tenho condições de ter esse acesso de buscar é especialistas, né? E infelizmente não é a realidade da maioria das pessoas com doença falciforme, que às vezes ficam em filas gigantes de especialistas.
MAYRA: Essa é de novo a Simone Bruna, ela é uma pessoa com doença falciforme e atua nas redes sociais criando conteúdo sobre a doença, tentando fazer com que informações sobre ela cheguem a mais pessoas. Além de lutar pela garantia de direitos. Ela já dividiu um pouco da sua experiência no primeiro episódio.
ANDRÉA: Mas, pra além da vivência pessoal dela, a Simone também comentou sobre a realidade de muitas outras pessoas, que acabam não tendo acesso ao tratamento adequado. Por exemplo, são comuns relatos da dificuldade em conseguir a hidroxiureia, que é o tratamento base mais comum nos casos de doença falciforme.
SIMONE: Todos, né, em território nacional, tem direito. Inclusive tem muitas pessoas que quase que diariamente vem até mim com dificuldade de conseguir o acesso. Tem alguns estados que às vezes eu sei que tem falta, eu nunca tive falta nesse tempo todo de t