#192 – Pequenas-grandes bibliotecas
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Este é o segundo episódio sobre acervos bibliográficos abrigados em museus-casas. Neste episódio você vai conhecer a história e as particularidades de três bibliotecas que estão abrigadas em museus-casas e que preservam a memória de três importantes intelectuais do nosso país: o Guilherme de Almeida, o Mario de Andrade e o Haroldo de Campos.
Você vai ouvir entrevistas com o Marcelo Tápia, poeta, ensaísta e tradutor, que dirigiu por quinze anos a rede de museus-casas da cidade de São Paulo; a Marlene Laky, conservadora-restauradora no Museu-Casa Guilherme de Almeida desde 2011; o Julio Mendonça, poeta e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, ex-coordenador do Centro de Referência Haroldo de Campos da Casa das Rosas e o Arthur Major, técnico de Programação Cultural e pesquisador do Centro de Pesquisa e Referência no museu Casa Mário de Andrade desde 2019.
Este episódio é parte da pesquisa do Trabalho de Conclusão de Curso na Especialização em Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp da aluna Lívia Mendes Pereira e teve orientação do professor doutor Rodrigo Bastos Cunha. As reportagens deste trabalho também foram publicadas no dossiê “Memória e Preservação” da Revista ComCiência, que você pode ler neste link Revista ComCiência.
[música]
Lidia: “Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da sua vista; o telefone é extensão da sua voz; ainda temos o arado e a espada, extensões do braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação” (Jorge Luis Borges)
Mayra: É assim que o escritor argentino Jorge Luis Borges inicia seu ensaio “O Livro”, texto escrito por ocasião da sua primeira aula, ministrada na Universidade de Belgrano, em 1979. No texto, o autor pensa o objeto-livro como um instrumento sem o qual não poderia imaginar a sua vida e que não era menos íntimo a ele do que os olhos ou as mãos.
Lívia: Se você já ouviu e lembra do episódio “Acervos pessoais abrigados em museus-casas”, nós já falamos sobre esse poder dos livros em instigar nossa imaginação e nos fazer recordar do passado.
Mayra: Mas, se você ainda não ouviu, a gente te lembra que esse é o segundo episódio sobre acervos pessoais e bibliotecas abrigadas em museus-casas, que são aquelas casas onde poetas ou intelectuais viveram e hoje em dia acomodam os arquivos pessoais deixados por eles. Se quiser entender melhor sobre arquivamentos e tratamento de acervos pessoais, volta lá e escuta o primeiro episódio, a gente te espera por aqui.
Lívia: Pra quem já ouviu o primeiro episódio, segue com a gente. Eu sou a Lívia Mendes, que você já conhece aqui do Oxigênio. Esse episódio foi resultado do meu Trabalho de Conclusão de Curso na Especialização em Divulgação Científica no Labjor da Unicamp.
Mayra: E sou a Mayra Trinca, que também fiz o Curso de Especialização e que você já me conhece aqui do Oxigênio.
[música de transição – vinheta]
Mayra: Como a gente já tinha anunciado, no estado de São Paulo, mais precisamente na capital, existem três museus-casas que preservam a memória de três importantes intelectuais para a cultura do nosso país. São as casas Guilherme de Almeida, Mario de Andrade e Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos. Elas são geridas pelo governo estadual em parceria com uma Organização Social, a Poiesis (Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura).
Marlene Laky: Como eu moro aqui na rua, ele falou assim, pode passar lá se quiser conhecer, a casa tava fechada para reforma na época, ela não tava desse jeito. Aí claro que a Abelhuda aqui veio tocar a campainha, né? Vim conhecer a casa. Aí comecei a percorrer assim, quando eu subi na mansarda, eu vi aquele lugar, falei assim: “Nossa, eu fiquei assim babando, eu falei: “eu preciso trabalhar aqui!”
Lívia: Essa é a Marlene Laky. Ela trabalha como conservadora e restauradora no Museu-Casa Guilherme de Almeida desde 2011. Ela contou pra gente que seu contato com o acervo do poeta Guilherme de Almeida foi paixão à primeira vista. Ela começou a trabalhar como voluntária e foi se encantando cada vez mais pela casa e pelo acervo. Aí, ela resolveu se especializar em conservação e cuidado de acervos bibliográficos.
Mayra: Mas quem foi Guilherme de Almeida, afinal?
Lívia: O Guilherme foi um poeta muito influente na década de 1920 no Brasil, ele se formou em direito, mas se dedicou à carreira literária e passou por diversos modelos textuais. Ele ajudou a fundar e foi editor da revista Klaxon, além de ter sido o criador da icônica capa da revista e de produzir anúncios publicitários dos patrocinadores. Esses anúncios foram precursores na visualidade da arte de vanguarda e da própria propaganda moderna.
Mayra: E ele também participou da Semana de Arte Moderna de 1922, né?
Lívia: Sim, ele foi um membro ativo da organização. E, não para por aí, ele ainda atuou como tradutor de obras em diferentes línguas e como jornalista na crítica literária e cinematográfica, com uma coluna no jornal Estado de S. Paulo, que se chamava “Cinematographos”, que circulou entre as décadas de 1920 e 1940.
Marlene Laky: O Guilherme, ele era um cara muito bem articulado, socialmente então assim conhecia todos os políticos, né? Essa gente assim, que mexia com Lei e etc., ele fez o hino da polícia, teve todo esse envolvimento dele, né? Ele morre em 1969. E aí assim começa uma conversa em 1972, a gente tá em plena ditadura militar, que isso se tornasse um museu, pra preservar essa memória do Guilherme.
Mayra: A Marlene relembrou essa influência política do Guilherme, que até compôs o hino da polícia militar, a pedido do capitão Antonio Augusto Neves, em 1964. Então, a ideia da abertura de um museu com todo o seu acervo começou logo após a sua morte e em 1979 ele já foi inaugurado. No mesmo sobrado onde ele viveu, de 1946 até sua morte, na rua Macapá, no bairro do Pacaembu.
[Música de transição]
Lidia:
“A casa na colina é clara e nova.
A estrada sobe, pára,
olha um instante e desce”.
Lívia: Inspirado por esses versos, do poema “Dez versos para a Casa da Colina”, publicado no livro Poesia Varia (1944-1947), Guilherme chamava o sobrado carinhosamente de “Casa da Colina”. Ali ele viveu com sua esposa, Baby de Almeida. Eles tinham o costume de receber amigos e faziam saraus poéticos. Entre eles estavam Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Anita Malfatti.
Marcelo Tápia: Felizmente, a viúva e o irmão dele negociaram com o governo a aquisição de tudo, por um preço meio camarada, um inventário, assim, bem plausível, tá certo? Porque se fosse considerar o valor daquelas obras de arte mesmo, não sei se o governo adquiriria. Mas, felizmente, eles tomaram providência e aquilo se manteve.
Mayra: Como o Marcelo Tápia, que foi diretor da casa por dez anos, explicou, a casa foi vendida para o estado de São Paulo de portas fechadas. A viúva e o irmão do Guilherme negociaram com o governo a aquisição de tudo que estava na casa por um preço bem abaixo do mercado.
Lívia: O prédio foi tombado como museu biográfico e literário pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, o Conpresp, em maio de 2009. Além do importante acervo de obras de arte, como quadros de Di Cavalcanti, Lasar Segall e Anita Malfatti, ali também estão guardadas as primeiras edições dos jornais em que o poeta publicou textos, toda a sua biblioteca pessoal e os mobiliários, como algumas relíquias da Revolução de 1932.
Mayra: Lembra que a gente explicou, lá no episódio sobre acervos pessoais, como funciona a catalogação e o tombamento dos livros de uma biblioteca que faz parte de um acervo pessoal? Na biblioteca do Guilherme de Almeida foram feitos aqueles mesmos procedimentos. Os livros têm um número de tombamento museológico e um outro número sequencial, que faz referência ao lugar de cada um deles na prateleira da biblioteca.
Lívia: Mas, aquelas etiquetas que a gente tá acostumado a v