#194 – Série Poluição Luminosa – Ep2: Como a luz artificial afeta a astronomia
Description
Este é o segundo episódio da série Poluição Luminosa, que foi produzida por Marco Centurion. Neste episódio, Marco, que é físico e especialista em jornalismo científico, trata dos impactos que o excesso de luzes artificiais geram para a pesquisa em astronomia. Essa poluição interfere nos equipamentos e dificulta o trabalho de pesquisa de astrônomos, que precisam se instalar em lugares cada vez mais remotos para realizar a atividade de pesquisa.
Os entrevistados do episódio são Renato Cássio Poltronieri, presidente e fundador da Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros (BRAMON); Marcelo Zurita, presidente da associação paraibana de astronomia e coordenador do Asteroid Day Brasil e diretor técnico da BRAMON; e Cledison Marcos da Silva, também membro da Associação Americana de Observadores de Estrelas Variáveis.
Esta série tem três episódios e foi produzida por Marco Centurion, como trabalho de conclusão do curso de Especialização em Jornalismo Científico, curso oferecido pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade, da Universidade Estadual de Campinas. O orientador do projeto foi Alfredo Luiz Suppia, colaborador do curso e professor do Instituto de Artes, da Unicamp.
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Roteiro
[trilha “’Six Coffin Nails’ by Kerosyn | Electronic Metal Music (No Copyright)”]
Marco Centurion: O avanço das luzes artificiais tornando as noites cada vez mais acesas, faz com que a pesquisa em astronomia observacional se torne um desafio crescente. A poluição luminosa não apenas apaga as estrelas do céu noturno, mas também interfere nos equipamentos e dificulta o trabalho de pesquisa de astrônomos, que precisam buscar locais cada vez mais remotos.
Renato Cássio Poltronieri: Essa alta poluição luminosa da lâmpada LED é diferente da lâmpada anterior. Eu venho notado na minha estação e alguns outros colegas, que ao adentrar a lâmpada LED, além de matar o céu, está cegando a câmera. O software continua… ele sabe que ele está posicionado. A câmera está travada naquela posição, na posição. Porém, mesmo com novas câmeras hoje em dia que nós estamos utilizando. A gente não vê mais as estrelas e a quantidade de meteoros registrados pelas câmeras caiu “barbarosamente”. Não caiu pouco não. Caiu muito, muito mesmo.
Marco: A pesquisa em astronomia, que será o foco deste episódio, se feita de maneira observacional, sofre muitos reveses com o crescimento de luzes urbanas que escapam para cima. Contudo, os riscos não se fecham somente na perda de dados científicos, o que por si só já é uma perda enorme, mas também podemos estar nos cegando a um problema muito maior.
Marcelo Zurita: Muitas vezes, a poluição luminosa, ela impede a realização de certas atividades, como, por exemplo, a busca por asteroides próximos à Terra. É praticamente impossível a gente fazer esse tipo de atividade em um local com poluição luminosa, porque os asteroides, né? Eles são os asteroides que a gente procura descobrir, são objetos muito tênues, então a gente não consegue exposição suficiente em ambientes com muita poluição luminosa. Então, isso impacta diretamente, inclusive é o trabalho de proteção planetária.
Marco: Meu nome é Marco Centurion e hoje falaremos de algumas iniciativas de ciência cidadã que tem suas atividades diretamente impactadas pelo avanço do mal uso da iluminação urbana.
A perda do céu noturno é um preço altíssimo a ser pago e a ciência é um dos atores da sociedade diretamente implicados. Para quem trabalha com a observação de estrelas variáveis, como os astrônomos da AAVSO – a Associação Americana de Observadores de Estrelas Variáveis –, a poluição luminosa é um dos maiores problemas, se não o principal.
Cledison Marcos: A AAVSO é uma associação bem antiga já. Ela não é a mais antiga, né? Tem uma na Inglaterra que é mais antiga que ela. Mas a AAVSO, ela é a maior instituição em relação a membros, número de membros e número de observações recebidas no banco de dados. A AAVSO foi fundada em 1911 porque os egípcios já sabiam que estrelas variavam. A própria Algol e eles tinham um cálculo bastante preciso do período dela. Claro, eles não sabiam a causa da variabilidade, mas sabiam que ela variava. Os aborígenes têm relatos de estrelas variáveis. Eles têm lendas sobre Antares, Betelgeuse, Aldebaran. Índios na Bolívia viram supernova. Os próprios aborígenes viram pessoal da Mesopotâmia, viu? Mas isso lá no passado, na nossa época, né? O primeiro registro de estrela Variável foi feito em 1572 pelo Ticho Brahe. 1596 o Davi Fabricius viu Mira a olho nu. Em 1604, o Johannes Kepler viu uma supernova também. Então perceberam que existia uma crença aristotélica que não estava fazendo tanto sentido. O céu não era perfeito, ele mudava, ele passava por alterações. Então começaram a investigar esses objetos e um certo número de estrelas variáveis foi descoberto ali no finalzinho do século XVI, século XVII até o século XVIII. No final do século, ali por volta de 1890, alguma coisa assim, finalzinho do século XIX, um alemão chamado Argelander começou a reunir um catálogo dessas estrelas e fazer algumas observações. Então, William Tyler Olcott, junto com outros americanos ali, eles decidiram criar uma instituição dedicada para o estudo de estrelas variáveis, onde pudessem reunir essas observações e disponibilizá-las de forma pública. Assim nasceu a AAVSO, né? Então, a grande maioria dos contribuidores desde 1911 são amadores. São pessoas que não têm astronomia como fonte de renda, não é? Não atua como profissional. Inclusive o próprio William Tyler Olcott era advogado e começaram a reunir essas observações e a instituição foi só crescendo. O próprio nome diz Associação americana.
Então, no começo era só ali nos Estados Unidos. Com o tempo, foram entrando outras pessoas e hoje acho que mais de 80 países, né? Tem, AAVSO tem membros ali e recebendo observações, inclusive entre 18 a 20 brasileiros enviando observações, né? Tem muitos brasileiros como observadores. Não são membros, né? Mas estão ali enviando as observações, sim. Então, a AAVSO, ela continua com o mesmo objetivo, que é reunir observações de estrelas variáveis de diferentes tipos, qualquer, qualquer tipo de estrela variável, qualquer tipo de cadência, qualquer tipo de período, etc. E também servir como hospedeira desses dados para que possíveis pesquisadores, sejam eles profissionais ou amadores, possam recolher esses dados através de download, publicar seus artigos e claro, dar crédito aos, as pessoas que contribuem, né? Então a gente vê pessoas que observam a olho nu com seus dados, servindo para estudos publicados em revistas fora do país. A gente vê pessoas que observam visualmente ali, com telescópio, binóculo também contribuindo. E a gente sabe que as observações são usadas porque a AAVSO nos avisa, né? Todo domingo a gente recebe um e-mail dela com as observações baixadas ali nos últimos sete dias e não a pessoa que baixou, né? Mas a gente sabe se é um professor, se é um estudante, se é um profissional, se é um amador. Aí fica a cargo do pesquisador nos avisar se ele pretende nos oferecer a coautoria ou se ele quer que a gente seja pelo menos listado ali nos agradecimentos, o que acontece na grande maioria das vezes. Então, a AAVSO, ela é uma instituição que une observadores de estrelas variáveis e também reúne essas essas observações para fins científicos, e educacionais, né? Já que um dos objetivos também da associação é passar a ciência de estrelas variáveis, a astronomia de estrelas variáveis adiante, atraindo mais observadores.
Marco: Conforme salientado pelo físico, pedagogo e astrônomo Cledison Marcos, a associação reúne observadores do mundo todo para monitorar o brilho e o comportamento de estrelas, algo essencial para entender fenômenos estelares e até mesmo para a busca por exoplanetas, que nada mais são que planetas que não estão contidos em nossos sistema solar. Mas a cada nova luz acesa nas cidades que ilumina para cima, uma parte do céu fica mais difícil de ser observada. O brilho excessivo oculta estrelas tênues e prejudica a precisão das observações. A AAVSO e outras entidades têm se empenhado para conscientizar sobre a necessidade de proteger o céu noturno, incentivando o uso de iluminação eficiente que reduzam o impacto da poluição luminosa. Cledison ressalta que, uma vez que o céu perde o seu brilho, as pessoas passam a buscar por outras formas de observação ou simplesmente, o interesse pelo estudo do espaço sideral.
Cledison Marcos: Ninguém vai querer olhar para algo e não ver algo, né? Então, um céu sem estrelas, ele não é atrativo. Você sabe que a estrela está ali, mas você não está vendo ela justamente por causa da luz parasita, né? Isso pode tirar um pouco do interesse da pessoa para a parte observacional e essa pessoa acabar se aventurando aí por outros meios, seja por meios digitais, etc, projetos na internet, o que é muito válido, claro. E a pessoa acaba indo para esse meio digi