#196 – Bacteriófagos e Fagoterapia
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Um dos graves problemas da área da saúde é encontrar alternativas para tratar doenças causadas por bactérias. Neste episódio vamos entender como a fagoterapia, terapia à base de fagos, que são vírus, pode ser uma solução. Para ajudar a destrinchar como esse tratamento funciona, Bianca Bosso e Eduarda Moreira conversaram com as pesquisadoras Layla Farage Martins, do CEPID B3 e Silvia Figueiredo Costa, chefe do laboratório de Bacteriologia no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo, a USP.
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BIANCA BOSSO: Os antibióticos são uma das ferramentas mais usadas contra as doenças causadas por bactérias, como infecções na pele, no sistema respiratório ou mesmo em casos graves de sepse hospitalar.
EDUARDA MOREIRA: Mas o papel desses medicamentos tem sido desafiado por um processo chamado “resistência bacteriana”, que é quando microrganismos, como as bactérias, se tornam capazes de sobreviver e se reproduzir mesmo na presença dos antibióticos.
BIANCA: Em um cenário preocupante, onde cada vez mais bactérias estão se tornando resistentes, a atenção de médicos, biólogos e outros profissionais da saúde tem se voltado para uma alternativa antiga, mas que ficou de lado por bastante tempo no ocidente: os fagos e a fagoterapia.
EDUARDA: Eu sou Eduarda Moreira.
BIANCA:Eu sou Bianca Bosso.
EDUARDA: E neste episódio conversamos com Layla Farage Martins, bióloga e especialista de laboratório no Centro de Pesquisa em Biologia de Bactérias e Bacteriófagos, o CEPID B3, e com Silvia Figueiredo Costa, médica, professora e chefe do laboratório de Bacteriologia no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo, a USP.
LAYLA: A fagoterapia é uma terapia em que você utiliza os fagos para tratar doenças, infecções bacterianas.
BIANCA: Esta foi a Layla. Os fagos, ou bacteriófagos, citados por ela, são uma categoria específica de vírus que têm a capacidade de reconhecer e infectar bactérias.
LAYLA: Eles não têm um metabolismo próprio e eles dependem de outras células para poder se reproduzir. No caso dos fagos, eles dependem das células bacterianas. Então, eles só infectam e se reproduzem dentro de células bacterianas.
EDUARDA: Os fagos estão presentes em uma variedade imensa de ambientes, como o solo, a água e o ar.
Diferentes espécies infectam uma grande diversidade de bactérias e, como explica Silvia, alguns vivem, inclusive, dentro de nossos corpos, mas eles não causam nenhuma doença. Pelo menos não costumam causar.
LAYLA: Eles são as entidades mais abundantes do planeta. Onde tem bactéria, tem, necessariamente, fagos. E nós somos revestidos por bactérias, por fora e por dentro.
SILVIA: O fago, apesar de ser um vírus, ele vai agir só contra aquela bactéria e aquela bactéria que está causando aquela infecção.
Então não tem nenhum dos outros sintomas que uma infecção viral costuma causar.
SILVIA: Atualmente, a gente consegue fazer esse estudo por meio de biologia molecular, a gente consegue identificar fagos presentes também na nossa própria microbiota do trato gastrointestinal, também trabalhos de microbiota vaginal, né, da vagina.
BIANCA: Durante o processo de infecção e reprodução, o vírus bacteriófago injeta seu material genético dentro das bactérias, utiliza os mecanismos celulares ali disponíveis para se multiplicar e prejudica a sobrevivência da bactéria.
Em alguns casos, a bactéria é completamente destruída para que o vírus conclua seu ciclo e consiga se espalhar no organismo do hospedeiro.
EDUARDA: Por conta desse mecanismo, os bacteriófagos, nome que vêm do grego e pode ser traduzido como “comedores de bactérias”, são considerados agentes antimicrobianos, ou seja, com potencial de inibir ou eliminar bactérias, assim como os antibióticos.
BIANCA: Uma boa notícia para a área da saúde é que é possível aproveitar a capacidade desses vírus – que, afinal, não comem as bactérias – no desenvolvimento de novos tratamentos. A Layla explica:
LAYLA: A fagoterapia traz algumas vantagens em detrimento aos antibióticos. Uma delas é que os fagos são extremamente específicos contra a bactéria que está sendo tratada.
A vantagem disso é que ele não vai afetar bactérias benéficas à microbiota. Ele só vai afetar aquelas bactérias ou a bactéria que está causando a doença.
Além disso, ele tem uma propriedade que é de se propagar no local onde tem essa bactéria alvo. Então ele é capaz de aumentar o título, a concentração dele naquele local, impedindo que a bactéria se espalhe e que a doença aumente.
Enquanto o antibiótico pode perder a atividade dele ao longo do tempo.
EDUARDA: Embora seja um consenso científico que os vírus e, consequentemente, os bacteriófagos, não são seres vivos, eles têm capacidade de evoluir e se adaptar às mudanças de seus inimigos. Essa característica garante mais um benefício para aplicar essas entidades biológicas no combate às bactérias.
LAYLA: Existe o que a gente fala em inglês “Arms Race”, ou a corrida armamentista microbiológica, que as bactérias, elas sofrem mutações ao longo da propagação delas e algumas podem se tornar resistentes aos antibióticos, por exemplo, isso é uma das causas da resistência bacteriana quando é usado muito antibiótico.
Com tratamento com fagos acontece a mesma coisa. Algumas bactérias naturalmente vão ser resistentes por apresentar algumas mutações que impedem tanto a ligação do fago à bactéria quanto a propagação dele internamente nessa bactéria.
E essas bactérias resistentes escapam, então, a essa matança causada tanto por antibióticos quanto por fagos.
Só que os fagos também evoluem, porque ao longo da propagação eles também vão sofrendo mutações, e, com isso, eles podem chegar num ponto de começar a enxergar e infectar, serem capazes de infectar as bactérias resistentes.
Então, tem essa corrida armamentista que é uma evolução tanto da bactéria quanto por parte dos fagos, e os fagos têm a propriedade de mutar numa taxa muito mais rápida do que as bactérias.
BIANCA: Enquanto a atuação específica e as altas taxas de evolução dos vírus são dois dos maiores destaques da fagoterapia, a versatilidade de aplicações e a baixa toxicidade também são pontos promissores.
EDUARDA: Plantas, humanos e outros animais podem ser tratados com essa ferramenta em diversas situações. Por exemplo queimaduras, infecções urinárias e até mesmo como suporte para fortalecer e modificar a microbiota, ou seja, o conjunto de microrganismos que vivem naturalmente em nossos corpos.
BIANCA: No Brasil, até agora, a fagoterapia ainda é alvo somente de estudos teóricos e não é usada como tratamento padrão para nenhuma doença. No entanto, o cenário já é diferente em alguns países além-mar, como a Rússia.
LAYLA: Os fagos foram descobertos em 1896. Na verdade, o pesquisador era o Ernest Rankin, o inglês. Ele estava fazendo estudos com outras bactérias e outras doenças, por exemplo, com cólera na Índia. E ele viu a primeira evidência de lise bacteriana em rios, no Ganges e no Juna. No Rio Juna e no Rio Ganges.
Ele observava que pessoas que se banhavam nesses rios não contraíam a cólera.
Ele achou estranho, então ele testou em um laboratório que tinha nesses rios, que protegia essas pessoas de desinteria. E aí ele viu que a água pega desses rios matava, causava a lise das bactérias.
Só que ele não fazia ideia do que era, e aí ele fez alguns testes científicos que não comprovavam a existência dos fagos, ou de que era um vírus.
EDUARDA: Somente mais de 20 anos depois, em 1917, o pesquisador franco-canadense Felix d’Herelle – e aqui, perdoem a minha pronúncia – identificou e nomeou os bacteriófagos. Isso aconteceu antes mesmo do primeiro antibiótico chegar às prateleiras. A penicilina só foi descoberta 11 anos depois, em 1928.
LAYLA: Ele teve contato com Jorge Eliava, que é um russo, que foi para o Instituto Pasteur, onde estava d’Herelle, e aprendeu a fagoterapia com ele, estudou os fagos com ele, ficou encantado, apaixonado. E viu naquilo uma grande possibilidade como tratamento antimicrobiano e levou isso de volta para Tbilisi, na Rússia.
E, inclusive, ele inaugurou, ele que instituiu o Instituto Eliava, ele foi o primeiro laboratório a focar em fagos e fagoterapia humana, que existe até hoje.
Tem mais de 100 anos que são usados fagos na Rússia.
Então, Depois da descoberta do antibiótico, houve uma segregação política e farmacológica, vamos dizer assim, entre o Ocidente e o Oriente. A Rússia recusava tudo que viesse do Ocidente. Então, ela manteve os tratamentos e as terapias antimicrobianas com a base de fagos, que existe até hoje.
BIANCA: Nas Américas, as primeiras pesquisas sobre bacteriófagos também datam do começo do século XX.
LAYLA: Então, na América Latina a gente tem um histórico bastante antigo de fagoterapia que data de 1919 pelo doutor José Costa Cruz, que era da Fiocruz.
Então, assim, ele abarcou a fagoterapia nessa época, que foi durante a 1ª Guerra Mundial na Europa.
EDUARDA: O Doutor Costa Cruz era um médico paraense que trabalhava na Fiocruz, e conheceu D’Herelle durante os estudos sobre fagos.
LAYLA: Ele foi para o Instituto Pasteur, ficou encantado com a fagoterapia e trouxe para o Brasil essa ideia, essa inovação para tratar disenterias bacterianas.
Tratou muita gente, principalmente durante a Revolução Paulista, em 1924.
BIANCA: Após os tempos de guerra, diferente do que aconteceu na Rússia, o Ocidente, incluindo o Brasil, optou por apostar nos antibióticos como principal arma na luta contra infecções bacterianas, e acabou deixando os bacteriófagos de lado por um longo tempo.
LAYLA: Você pensa que é muito mais difícil você formular um fago, que é uma entidade biológica e que tem propriedades diversas e muito