APONTAMENTOS PARA UMA ANTOLOGIA DA ASNEIRA
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Foi a 12 de Dezembro que afirmei aqui ter o Bloco de Esquerda acompanhado o PCP numa recusa de condenação do banho de sangue no Irão. Asneira minha! A sigla que acompanha a do PCP no voto é a do PEV, não do BE. Pela acusação infundada, peço desculpa ao Bloco de Esquerda, aos ouvintes e editores da ‘105 FM’ e agradeço aos que me assinalaram o erro.
E se há um vocábulo alemão internacionalizado, Schandenfreude, que exprime a nossa satisfação pelo mal dos outros, dos piores sentimentos que nos podem possuir, não é menos verdade que o mal alheio relativiza o nosso e, na circunstância, quero agradecer ao Ministro Santos Silva e ao senhor Presidente da República o de terem relativizado a minha asneira.
Há 30 anos, George Bush, depois de recordar a sua obrigação infantil de comer brócolos, anunciou que, presidente dos Estados Unidos, se iria dispensar de o fazer. A aparentemente inócua crítica aos brócolos acabou num imenso embaraço presidencial e num pedido oficial de desculpas aos produtores de brócolos.
Se o Presidente dos Estados Unidos não pode dizer que não gosta de brócolos, o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros deveria entender que fazer julgamentos menos lisonjeiros de empresários é, por definição, asneira.
E passo agora ao nosso Presidente, que medalhou um treinador de futebol afirmando, em jeito de justificação, que a sua notoriedade seria comparável à do Infante que inspirou a medalha atribuída.
Marcello Rebello de Sousa fez-me lembrar Lambaréné, cidade gabonesa a que Albert Schweitzer deu notoriedade. Admirei-me quando visitei a cidade há uns anos atrás de o lendário médico alsaciano ser aí menos conhecido que o treinador português da equipa local de futebol.
E por todos os cantos do mundo em que passei – excepção feita a Goa onde Vasco da Gama e António Costa, por esta ordem, são os mais populares – pude dar-me conta que nenhum navegador, líder nacional ou escritor português podem rivalizar com a notoriedade de inúmeras figuras portuguesas do mundo do futebol, de grande parte das quais eu nunca tinha ouvido falar.
Contrariamente ao nosso presidente, contudo, não me passou pela cabeça sugerir a hierarquização das personalidades nacionais em função da sua popularidade, menos ainda fazê-lo por ocasião da atribuição da mais importante distinção nacional.
Resta-me esperar que um serão no Outeiro, um banho na ‘Praia da Areia’ ou um passeio pela Caldeira possam ter ajudado o nosso Presidente na passagem do ano no Corvo a entender que nem tudo se resume à notoriedade.
Bruxelas, 2020-01-01
Paulo Casaca