Em Portugal, a responsabilidade política é sempre um problema dos outros
Description
Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, em entrevista a Clara de Sousa, na SIC, deixou no ar várias considerações sobre o que é a responsabilidade política. No seu entender, essa responsabilidade passa em exclusivo por se saber se ele, como presidente, deu todas as condições materiais e financeiras para que a Carris funcionasse, fizesse a manutenção dos seus equipamentos e evitasse tragédias como a do elevador da Glória. Moedas diz que deu todas essas garantias, que a empresa é autónoma, que não deve assumir essa responsabilidade. Para a ciência política do futuro, deixou um novo axioma: responsabilidade política é saber que alguma coisa corre mal e nada fazer para a corrigir.
O debate sobre a responsabilidade política dos titulares de cargos políticos com funções executivas é antigo. Na Alemanha, a discussão que temos por estes dias, repete-se governo após governo porque, lá como cá, a responsabilidade política é sempre um dever dos outros, os da oposição, e nunca dos nossos. No Reino Unido, onde a responsabilidade política é uma espécie de convenção constitucional, há cientistas a dizer que a interpretação desse velho princípio mudou nos governos de Theresa May e de Boris Johnson. Falta ainda saber se foi um desvio passageiro da prática tradicional, ou uma mudança fundamental, na opinião do cientista Michael Gordon, da Universidade de Liverpool.
Interessa por isso saber se o princípio da responsabilidade política é uma mais valia para a democracia, ou não. Por um lado, exigir que um ministro ou um presidente de câmara seja responsável por dezenas de departamentos e milhares de funcionários, parece absurdo. Por outro, como lembrou o Presidente da República, a culpa não pode morrer solteira ou esvair-se entre explicações burocráticas. Na velha tradição britânica posterior ao século XVIII, como o rei era rei e não podia errar, então os ministros tinham de ser penalizados pelo que acontecesse nas áreas que tutelam. Não tendo culpa no sentido penal do termo, os políticos seriam responsáveis por tudo o de mal que acontecesse nessas áreas.
Faz isto sentido? Bem sabemos que o precedente de Jorge Coelho, usado e mal usado na pressão sobre Carlos Moedas, abriu um precedente que o próprio presidente da Câmara usou quando exigiu responsabilidade política, e a demissão, ao seu antecessor. Se a culpa não pode morrer solteira quando em causa estão acidentes com vítimas mortais, como diz Marcelo, fará sentido que a assunção dessa responsabilidade implique a demissão?
Convidámos para falar deste tema neste episódio o professor José Palmeira, doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais e professor auxiliar na Universidade do Minho.
See omnystudio.com/listener for privacy information.