Saber não-chegar: uma conversa entre Miró e João Cabral
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#104 – O poeta e diplomata pernambucano João Cabral de Melo Neto não tinha trinta anos quando foi enviado para trabalhar no consulado brasileiro em Barcelona. Foram quatro anos férteis de sua carreira, não no sentido literário – afinal, Cabral sentia dificuldade de escrever poesia – mas em relação às amizades que cultivou, ao que aprendeu naquele tempo.
Uma das amizades decisivas foi com o pintor catalão Joan Miró. Entre 1947 e 1950, os artistas se encontraram de modo regular. Franco havia vencido, e a pintura de Miró era mais conhecida fora da Espanha do que entre seus conterrâneos. Mas Cabral tinha contato direto com ela. Encontravam-se semanalmente durante longos períodos. E foi naquele momento, tendo acesso direto à sua produção, que o poeta resolveu escrever um ensaio sobre a pintura selvagem do amigo.
O processo não foi nada fácil. Cabral sofreu naquele ensaio. Abandonou e retomou o projeto algumas vezes. Escreveria a Lêdo Ivo em 1948:
"Ando nervoso, paulificado. Estou escrevendo um pequeno ensaio de 100 páginas sobre o pintor Miró e isso me tem trazido na ponta dos nervos. Como é pesado escrever!"
O ensaio, enfim, terminou. E o que se veria ali era nada menos do que um programa poético, em defesa da liberdade da criação, e de uma "atitude de vigilância e lucidez no fazer", avesso ao "espontâneo e ao acadêmico".
A lição de Miró – a lição de Cabral – é essencial, e é sobre ela que me debruço no novo episódio de Prelo.