# 181 – Série Cidade de Ferro – ep. 3: Entre a vila e a mina
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Este é o terceiro episódio da série Cidade de Ferro, uma série sobre os impactos sofridos pela cidade mineira Itabira, conhecida por ser a cidade natal de Carlos Drummond de Andrade que usou de sua poesia e suas crônicas políticas para denunciar a destruição que a antiga Companhia Vale do Rio Doce – hoje, Vale, provocou na cidade, no Morro do Cauê, principalmente, que se tornou um buraco gigante. Em conversa com Lucas Nasser, pesquisador e advogado itabirano, autor do livro “Entre a Mina e a Vila: violações de direitos em Itabira”, Yama Chiodi, jornalista do Geict, colaborador do O2, mostra que Itabira não é só mineração, é uma cidade que tem memória, que tem povo, que tem multiplicidade e um tecido social muito heterogêneo, com várias experiências e modos de vida.
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Fernanda Capuvilla: A cidade que deu ao país mais de 6 bilhões de cruzeiros, saídos de seu subsolo, e que sustenta, sozinha, 70% da renda de uma grande ferrovia interestadual, continua sendo, paradoxalmente uma das mais desaparelhadas, mais melancólicas e mais esquecidas cidades brasileiras. Esta é a mancha escura, no quadro da indústria da mineração. E seria bom que deputados e senadores mineiros, sem distinção partidária, não somente secundassem aquele parlamentar, mas assumissem a dianteira de uma campanha que, afinal, se resume nisso: impedir que a exportação de hematita – o filé mignon da frase do cel. Juraci – deixe a Itabira, ou a Minas Gerais, apenas os ossos descarnados.
Correio da Manhã, 12 de junho de 1955.
Yama Chiodi: O trecho que você acabou de ouvir não vem do Drummond poeta, mas do Drummond cronista político, desencantando com o mundo pós-guerra e desolado do que foi feito da sua cidade natal. O trecho da crônica, como outros que você escutará nesse episódio, foram publicados no diário carioca Correio da Manhã, na década de 50. E a escolha desse período não é sem propósito. Foi na década de 50 que a então Companhia Vale do Rio Doce construiu sua primeira vila operária. Após sustentar o ferro necessário para a segunda guerra mundial, a Companhia vivia agora um segundo momento de sua produção. A hematita era arrancada da terra não mais apenas nos braços dos leões da Vale, mas com uso de explosões.
[som de explosão 1]
Não por acaso, a primeira vila operária recebia o apelido pejorativo de Explosivo. Longe do centro de Itabira e perto da mina do Cauê, a vila onde viviam os trabalhadores de mais baixa hierarquia da estatal ganhou nome jocoso que caracterizava uma das precariedades de viver tão perto das operações minerárias. O que havia entre a mina e a vila? A primeira vila operária foi também a primeira a ser removida quando o progresso que nunca chega passou com seu trator insaciável.
[ som de explosão 2]
Yama: Eu sou o Yama Chiodi, jornalista do GEICT, e neste terceiro episódio da série cidade de ferro, me encontro uma vez mais com o amigo itabirano Lucas Nasser, autor do livro “Entre a mina e vila: violações de direito em Itabira”. O episódio de hoje tem o mesmo nome do livro, que se encontra disponível pra download gratuito no link da descrição. Se você ainda não ouviu os dois primeiros episódios dessa série, corre lá antes pra ouvir.
[ Vinheta Cidade de Ferro ]
Yama: No episódio de hoje, a gente deixa a poesia de lado por um instante ao olhar pra geografia de Minas Gerais. Em uma das incríveis passagens do livro de José Miguel Wisnik sobre Drummond e a mineração, o autor diz que, abre aspas, “Os pontos culminantes da literatura mineira estão entranhados na geografia física, e em Minas Gerais a geografia física, entranhada na experiência individual e coletiva, é geografia humana”. E é isso que a gente busca aqui hoje. A geografia humana no coração da montanha, às margens da mina do Cauê. Das muitas remoções que aconteceram e acontecem até hoje, uma vila operária ganha protagonismo. Distante do centro de Itabira, mas perto da mina, a Vila Explosivo foi pioneira e o lar da família materna do Lucas.
Lucas Nasser: O Explosivo, além dela ser uma primeira vila operária da Vale, muito emblemática, porque ela cedeu espaço para a mina do Cauê, inclusive do Pico do Cauê, Famigerado, etc., que está na poesia do Drummond, que não existe mais. Tem uma relação familiar também. Meu avô foi um dos moradores da vila do Explosivo, do Pé de Pombo, minha mãe cresceu no Explosivo, meus tios, então sempre escutei histórias do Explosivo, do Pé de Pombo.
Yama: Sem cerimônia, a vila criada nos anos 50 deixou de existir nos anos 70. A Companhia, ainda estatal, fortalecida em seu propósito desenvolvimentista da ditadura militar, iria começar um dos projetos mais destrutivos da história ambiental do Brasil: o projeto cauê. O mesmo que mudou a paisagem da cidade em definitivo, trocando um pico por um buraco de mais de 200 metros de profundidade. Como lembra José Miguel Wisnik, a maior das ironias que o Cauê dê nome à operação que causou seu extermínio. Do ventre da montanha foi tirado mais do que ferro. Entre outros muitos tecidos, mais e menos humanos, sucumbiu a Vila Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida como Vila Explosivo. Aos moradores que permaneceram quando tudo já era mais precário do que nunca, somente um aviso – uma data final para deixar tudo para trás. Casas, vivências, histórias e tudo que foi construído ao longo de mais de duas décadas. Não houve qualquer indenização, mas a empresa pediu que seus trabalhadores, agora ex-moradores da Vila, buscassem novas casas na cidade, mais distantes das minas de hematita infinita. Mas como operários de baixos salários e trabalho precarizados comprariam casas? Pagando por elas por toda vida, por financiamento viabilizado pela Vale, descontado diretamente dos salários. A quem já tinha casa, vida e comunidade foi retirado tudo. Em troca, receberam uma dívida que muitas vezes sequer acabou antes que os trabalhadores morressem. Longe dali, no Rio de Janeiro, duas crias Itabiranas pareciam fugir de seu destino mineral em trocas públicas que duraram décadas. O poeta desencantado com sua cidade engolida pela mineração, e a sede da Vale do Rio Doce – que retirava tudo de Itabira e não devolvia nada. Se recusava até mesmo a estar presente na cidade onde nasceu. Se na poesia e nas páginas dos jornais Drummond não deixava descansar o descaso e a destruição de sua cidade natal, a Companhia não deixava por menos sua mais famosa persona non grata. Em anúncio publicado em 20 de novembro de 1970 no jornal O Globo, que divulgava a escala faraônica do Projeto Cauê, não restava dúvidas sobre quem era o inimigo número um da estatal. Dizia o anúncio em letras garrafais: Há uma pedra no caminho do desenvolvimento brasileiro.
[ Transição – trem 2]
Fernanda: Nem haveria propriamente triunfo: ninguém quis derrotar a Cia. Vale do Rio Doce. O que se passou foi um desses episódios da crônica familiar, em que um dos cônjuges, por muito amar o outro, reclama contra sua falta de assiduidade, e vai buscá-lo no bar ou à mesa de buraco, onde ele permanece indefinidamente, esquecido de que seu lugar é na poltrona caseira, junto ao primeiro cônjuge e aos filhos. A Vale do Rio Doce levou a ausência a um ponto intolerável; gostou loucamente do Rio de Janeiro, e quase não se lembrava mais de que era uma senhora casada com o povo de Itabira.
Correio da Manhã, domingo, 17 de julho de 1955.
Yama: Em seguida, converso com o Lucas sobre direito à cidade e suas motivações como pesquisador e como militante para pesquisar Itabira. Depois, recupero trechos de nossa conversa sobre a Vila Explosivo. E por fim, refletimos um pouco sobre o momento atual e como a experiência de Itabira com as remoções e com o terrorismo de barragem tem a ensinar pra gente sobre as práticas de mineração no Brasil.
[ Transição – trem 1]
Yama: Lucas, vamos começar contando pros nossos ouvintes como que você começou a trabalhar com violação de direitos. Advocacia popular não parece uma escolha óbvia para recém-formados em direito, né?
Lucas: Acho que é uma escolha de vida, né? Eu falo não é do direito, de advocacia em específico, mas é uma escolha de vida… a luta política, então a advocacia popular veio nesse lugar.
Yama: Aham. E porque você fez essa escolha?
Lucas: Após formado, eu tive um contato com um do trabalho mais rígido do escritório, eu vi que não era aquilo que eu queria, fui para a advocacia popular atuando com violações de direitos humanos, né? Então atuei com desde violações de direitos humanos no sentido distrito da coisa, né? No penal, prisional e sobretudo aí na questão da terra, que era algo que sempre me despertou. Então, assentamentos rurais, ocupações, fazendo a defesa que nem sempre a Defensoria dá conta, e além da Defensoria não dar conta de ter também uma interlocução e sobretudo uma construção com as lutas populares, assim.
Yama: O Lucas além de advogado e pesquisador no campo de direito à cidade, é militante do PSOL de Belo Horizonte. A pesquisa de mestrado dele, que ganhou o prêmio de dissertações da UFMG, foi o que deu origem ao livro Entre a Vila e a Mina, sobre o qual a gente tem falado. Continuando a conversa, eu perguntei pra ele sobre como ele deu prosseguimento à pesquisa no doutorado e porque decidiu continuar pesquisando Itabira.
Yama: Você continuou com a pesquisa em Itabira no doutorado…
Lucas: É uma questão socioambiental que é muito gritante, no caso de Itabira, que a gente começa a se questionar e que nos afeta no sentido do afeto. Então, no doutorado da continuidade dessa pesquisa de violações de direitos, no caso de Itabir