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Série Termos Ambíguos – #3 – Racismo Reverso

Série Termos Ambíguos – #3 – Racismo Reverso

Update: 2024-08-01
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Este é o terceiro episódio da série Termos Ambíguos, baseada na publicação “Termos ambíguos do debate político atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia”. O termo tratado neste episódio é Racismo Reverso. A partir do que a professora da UFRJ Fátima Lima escreveu no dicionário, e de entrevistas realizadas com a diretora executiva da ONG Koinonia, Ana Gualberto, da jornalista, diretora da consultoria Ser Antirracista, Paula Batista e do advogado Thiago Amparo, este podcast traz a resposta à pergunta: Racismo Reverso existe?


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Daniel Faria: Em janeiro deste ano, no estado de Alagoas, um homem negro virou réu em ação de injúria racial movida por um cidadão italiano branco. O italiano prestou queixa-crime após ser chamado de, entre aspas, cabeça europeia e escravagista, pelo réu, e teve a denúncia aceita pelo Ministério Público daquele estado, com base na lei N° 14.532, de 2023, que tipifica o crime racial. Porém, no artigo de número 20 desta lei consta que o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que causem constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência. 


Tatiane Amaral: Essa nota foi publicada no portal de notícias antirrascista Notícia Preta. Os comentários que seguem a nota são bastante indignados, como não poderia deixar de ser. Um disse: “só faltou o italiano ser minoria para a denúncia ter sentido, né?”. Outra pessoa afirmou: “Nada a ver o uso dessa lei para defender colonizador”. Segundo a defesa do homem negro, “Ao usar a lei para punir um homem negro de suposto racismo cometido contra um homem branco, de origem europeia, a ação admite a existência do ‘racismo reverso’. Isso representa uma verdadeira aberração jurídica, nas palavras do advogado”.


Daniel: Taí, a gente chegou ao tema deste episódio: Racismo reverso. Mas, será que isso existe? Faz sentido essa expressão cada vez mais propagada por vozes racistas ou de extrema direita no Brasil e em outros países? Eu sou o Daniel Faria.


Tatiane: E eu sou a Tatiane Amaral. E esta é a série Termos Ambíguos, que traz a cada episódio a explicação de uma categoria das muitas popularizadas pelos discursos da extrema direita em anos recentes. Essas categorias são analisadas nos verbetes da publicação “Termos ambíguos do debate político atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia”. 


Daniel: Esta série é uma produção do Observatório de Política e Sexualidade, da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, e do podcast Oxigênio, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da Unicamp. 


Vamos falar sobre racismo reverso, mas não dá pra falar desse assunto sem antes falar de RACISMO, que o dicionário Aurélio define como preconceito e discriminação direcionados a alguém em razão de sua origem étnico-racial. Embora essa definição seja aparentemente neutra, ela se refere à opressão e à discriminação que resultam da ideologia ou crença na superioridade da raça branca sobre as demais. Ou práticas de subordinação e exclusão baseadas na cor da pele ou origem étnica das pessoas “não brancas”. Ou seja, o questionamento do racismo é o questionamento de uma longa história de opressão, desigualdade e injustiças sócio-raciais. 


Tatiane: Há muito tempo as pessoas negras e de outras etnias têm interrogado de frente as teses da superioridade branca que está na origem da escravidão moderna. O combate ao racismo é antigo, e parece não ter fim, porque o racismo parece não ter fim. Desde o século 18, pelo menos, a crítica ao racismo elaborada por autores e autoras negras tem sido fundamental para nutrir a luta antirracista em todo mundo. São exemplos o ex escravizado Olaudah Equiano que lutou pela abolição da escravidão na Grã Bretanha, no século 18, assim como Frederick Douglas e Luis Gama, intelectuais abolicionistas do século 19, nos EUA e no Brasil.  Mais perto de nós, temos o movimento Black Power e os Panteras Negras, nos Estados Unidos, mas também o Movimento Negro Unificado no Brasil, cujas vozes intelectuais mais conhecidas foram Abdias do Nascimento e Lelia González. Não fossem essas lutas, estaríamos ainda mais longe de alcançar a igualdade racial. 


Daniel: É Tati, mas nem todos compartilham a ideia de que pessoas negras  – ou de outras etnias tenham os mesmos direitos que as pessoas brancas. Isso em relação à formação escolar, emprego, moradia, bens, acesso à saúde, à educação superior e tudo o mais que tem sido garantido às pessoas brancas desde sempre. Na verdade, foi quando se anunciaram medidas do estado e de outras instituições para promover a igualdade racial que surgiu essa acusação de Racismo Reverso.


Tatiane: Conversamos com Ana Gualberto, que é mestra em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia e História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Ela também é diretora Executiva de Koinonia, organização cuja missão é mobilizar a solidariedade ecumênica e prestar serviços a grupos histórica e culturalmente vulneráveis e pessoas em processo de emancipação social e política. Segundo ela:


Ana Gualberto: Racismo reverso não existe é uma grande falácia quando a gente começa a pensar num racismo, numa possibilidade de aplicar a condição do racismo de uma forma inversa para pessoas que não sejam negras ou de povos originários. A gente vai pensar que o racismo é um sistema de controle e de diminuição da humanidade de pessoas não brancas, então a gente tá partindo de um pressuposto que existe o ser humano e existem uns não humanos. Então como que a gente vai aplicar isso de forma reversa? Só se a gente será se a humanidade e voltar a todos os processos para que os povos negros os povos originários se sentissem num processo de superioridade com relação aos caucasianos e isso não tem condições de acontecer. Não tem condições da gente aplicar com pessoas brancas, né, com essa parcela da sociedade, tudo que aconteceu historicamente, socialmente com essas populações não brancas. É impossível.


Tatiane: A professora Fátima Lima é antropóloga e professora associada do Centro Multidisciplinar da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Centro Federal de Educação Tecnológica, também do Rio. Ela foi a autora do verbete Racismo Reverso no Dicionário de Termos Ambíguos, no qual contou  a história dessa categoria, mostrando que de fato surgiu no âmbito dos movimento anti racistas norte americanos, para depois ser desfigurada por setores da sociedade que se opunham a demandas por direitos civis e justiça racial. Vamos ouvir esse trecho do texto na voz de Simone Pallone. 


Simone Pallone: “No início dos anos 1960, o termo racismo negro foi usado quase que exclusivamente pela comunidade negra para nomear questões internas ao movimento negro envolvido na luta por direitos civis. Por exemplo, discussões sobre se a comunidade negra deveria sempre votar num candidato negro, ou se ser negra ou negro era condição imprescindível para que uma pessoa merecesse o voto da comunidade. A pergunta que se fazia era: não será isso uma outra forma de racismo? 


No final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, porém, houve uma virada no uso do termo. Isso aconteceu por conta da intensificação das revoltas contra o racismo. Essas mobilizações já começavam a alterar as relações de poder entre pessoas brancas e negras. A partir desse momento, tanto nas relações cotidianas quanto na mídia, o termo “racismo reverso” passou a ser usado por pessoas brancas contra militantes negras e negros, principalmente do movimento black power”.


Daniel: No Brasil, esse termo apareceu mais tarde, em parte motivado pelas primeiras políticas de reparação racial. A Constituição de 1988, por exemplo, aprovada no ano em que a abolição formal da escravidão completava 100 anos, adotou princípios de igualdade e não discriminação, assim como o direito da população quilombola às terras que ocupavam. Mais tarde,em 2003, foi criado o Dia Nacional da Consciência Negra, em 2010 foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial e, em 2012, foi sancionada a Lei de Cotas para o Ensino Superior.


Tatiane: A partir dessas transformações, pessoas brancas passam a recorrer à acusação de “racismo reverso” sempre que seus privilégios se veem questionados ou diminuídos. Um caso recente que teve grande visibilidade foi o ataque ao programa de trainees da rede de lojas Magazine Luíza, criado em 2021 para capacitar pessoas negras. A iniciativa gerou críticas e debates na mídia, nas redes sociais e até mesmo no âmbito jurídico, tendo sido qualificada por várias vozes como racismo reverso. Ou seja, um programa que seria discriminatório das pessoas brancas. Houve até quem defendesse que poderia ser considerado anticonstitucional por supostamente violar o artigo Quinto da Constituição, que trata de violações aos direitos e liberdades fundamentai

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