Hamlet
Description
Responda rápido: qual peça de Shakespeare lhe vem primeiro à cabeça? Ou qual citação: “Ser ou não ser”? “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”? “O resto é silêncio”? Ou qual a primeira cena: um jovem de preto interpelando uma caveira? Será coincidência que por trás de tudo isso repouse um único nome?
Hamlet é, de todas as obras do teatro moderno, a que exerce o fascínio mais persistente – e implacável. A tragédia do príncipe dilacerado entre a reflexão e a ação atravessa os séculos como um espelho oblíquo, turvo, fissurado da condição humana, onde cada época descobre suas próprias inquietações e conjura seus próprios fantasmas.
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A peça desafia toda classificação. É, a um tempo, drama familiar, meditação existencial, thriller político, crítica social e uma reflexão sobre o teatro e o próprio ato de representar. É intriga de corte, mas também metafísica do ser. É paralisia excruciante numa espiral de choques e rupturas. No coração do drama pulsa não só um vingador hesitante, mas um palco povoado por máscaras, danças macabras, jogos de aparência e silêncios perturbadores. Entre o espectro do pai assassinado, a mãe desposada pelo assassino, um amor despedaçado, amizades fraudulentas e uma carnificina apoteótica, o príncipe da Dinamarca – soturno, sardônico, sagaz – se move num labirinto de espelhos como um ator de si mesmo – ensaiando ações, testando palavras, pensando alto diante do abismo e transmutando a dúvida em imagens líricas de alta voltagem.
Com sua tapeçaria de temas – a loucura e a razão, a justiça e o crime, a fantasia e a verdade, a corrupção do poder e a fragilidade da vida –, nenhum outro drama entrelaça com tanta densidade a inquietação filosófica e a paixão poética. Entre os solilóquios torturantes e o sarcasmo dos bobos, não só transbordam os dilemas do herói, mas a consciência moderna em ebulição. De Montaigne a Nietzsche, de Freud a Camus, Hamlet antecipa temas arquetípicos de nossa cultura: o “gênio melancólico” do romantismo, a “angústia da escolha” existencialista, os “complexos neuróticos” da psicanálise.
Se Hamlet é um enigma, é também um espelho – e uma ferida. O que nele hesita, pensa. O que nele pensa, sangra. E o que sangra, pergunta. Pergunta como só a poesia sabe perguntar: sem esperar resposta – mas com a estranha esperança de que o ato de falar ainda possa nos redimir.
Convidados
José Francisco Hillal Botelho: escritor, poeta, crítico e tradutor de Shakespeare.
Fernanda Medeiros: professora de Literatura Inglesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e co-organizadora de O que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe.
Liana Leão: professora de Literatura Inglesa da Universidade Federal do Paraná e co-organizadora de O que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe.
Referências
- O que você precisa saber sobre Shakespeare antes que o mundo acabe, org. F. Medeiros e L. Leão.
- Shakespearean Tragedy (Tragédia Shakespeariana), de A.C. Bradley
- Hamlet in Purgatory, de Stephen Greenblatt.
- Shakespeare: The Invention of the Human (Shakespeare: A Invenção do Humano) e Hamlet: Poem Unlimited (Hamlet: Poema Ilimitado), de Harold Bloom.
- Shakespeare Our Contemporary (Shakespeare, Nosso Contemporâneo), de Jan Kott Methuen.
- Hamlet and Oedipus (Hamlet e o Complexo de Édipo), de Ernest Jones.
- What Happens in Hamlet, de J. Dover Wilson.
- “Hamlet and His Problems”, em The Sacred Wood, de T.S. Eliot.
- The Cambridge Companion to Shakespeare (Guia Cambridge de Shakespeare), ed. por Emma Smith.
- “Hamlet”, entrevista para o programa In Our Time da rádio BBC 4.
- Discovering Hamlet, documentário de Lyndy Saville.
- Falando de Shakespeare e Shakespeare: o que as obras contam, de Barbara Heliodora.
- “Hamlet”, The Play Podcast.
- “Hamlet”, podcast Shakespeare for All.
- Hamlet e a filosofia, de Pedro Süssekind.
Ilustração: gerada por IA.
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