DiscoverPergunta SimplesComo continuar a comunicar quando a vida apaga a luz? Ricardo Miguel Teixeira
Como continuar a comunicar quando a vida apaga a luz? Ricardo Miguel Teixeira

Como continuar a comunicar quando a vida apaga a luz? Ricardo Miguel Teixeira

Update: 2025-10-01
Share

Description

Há histórias que parecem começar com um silêncio absoluto.


Um silêncio que não é apenas a ausência de som — é a ausência de luz, de perspetiva, de chão.


O que acontece quando a vida apaga o ecrã que julgávamos indispensável para nos orientarmos?


Como se comunica quando os olhos já não podem dizer o que o corpo sente?


Este episódio do Pergunta Simples é sobre um desses pontos de viragem. E é também sobre a força de uma voz que se recusa a ser reduzida a uma condição.


Ricardo Miguel Teixeira perdeu a visão na passagem da adolescência para a idade adulta. Tinha 18 anos, uma vida por desenhar e uma expectativa de normalidade igual à de qualquer jovem da sua geração. Subitamente, foi confrontado com a escuridão e com o peso do preconceito. Não apenas o preconceito social — das alcunhas, do paternalismo, da exclusão — mas sobretudo o preconceito linguístico. As palavras com que a sociedade olha para a diferença: “coitadinho”, “inclusão”, “tolerância”. Palavras que parecem bondosas, mas escondem distâncias e barreiras invisíveis.


Ao longo desta conversa, emergem três grandes lições sobre comunicação:


Primeira lição: a linguagem não é neutra.


Aquilo que dizemos molda como percebemos os outros. Ao chamar “coitadinho” a alguém, não descrevemos apenas uma condição; inscrevemos essa pessoa num lugar de subalternidade. A comunicação, aqui, torna-se uma ferramenta de poder. Ricardo lembra-nos que é possível inverter essa lógica com humor — usando a comédia como contranarrativa, desmontando estereótipos e criando espaço para uma relação mais verdadeira.


Segunda lição: comunicar é também aprender a ler o corpo.


Numa sociedade visual, esquecemo-nos de que a comunicação não passa apenas pela vista. Ricardo, que trabalha com bailarinos e artistas, mostra como os gestos, o ritmo, a respiração e a ocupação do espaço são formas de linguagem tão ricas quanto a palavra. Ensinar de olhos vendados, como faz nos seus workshops, é ensinar a escutar o corpo. É perceber que comunicar não é só falar, é também sentir e interpretar sinais invisíveis.


Terceira lição: comunicar é criar redes.


A comunicação não existe sem eco. Ninguém constrói um percurso sozinho. Amigos, família, colegas de trabalho — todos formam a teia que sustenta as histórias individuais. Ao longo da vida, Ricardo aprendeu que pedir ajuda não é um gesto de fraqueza, mas de inteligência comunicacional. Reconhecer a interdependência é reconhecer que o diálogo é sempre um exercício coletivo.


Este episódio não é apenas sobre a cegueira ou sobre a superação pessoal. É sobre a forma como olhamos — e falamos — uns com os outros. É sobre o risco de transformar a diferença em rótulo e a necessidade de a integrar como normalidade. É sobre como as palavras que escolhemos podem abrir portas ou fechar mundos.


Na tradição das grandes crónicas radiofónicas, esta é uma conversa que não se limita a narrar uma biografia. É um ensaio vivo sobre linguagem, sociedade e comunicação. É um convite a pensar até que ponto cada um de nós, no quotidiano, contribui para a exclusão ou para a aceitação.


Ricardo Miguel Teixeira traz-nos, em registo cru e sem filtros, a memória da dor, mas também a ironia que salva. Usa o humor como ferramenta crítica e pedagógica, recusa o conforto do politicamente correto e insiste na urgência de aceitarmos a diversidade sem diminutivos, sem piedade, sem paternalismo.


No fundo, este episódio responde a uma pergunta central:


como comunicar melhor num mundo onde a diferença ainda é olhada de lado?


Fique connosco. Vais descobrir que, às vezes, é preciso fechar os olhos para aprender a ver — e a comunicar — de forma mais humana, mais justa e mais verdadeira.


Este episódio do Pergunta Simples mostra como a linguagem e o humor podem mudar a forma como olhamos a diferença. A missão do programa é simples: aprender a comunicar melhor. Partilhe a sua opinião, deixa comentários e ajuda-nos a levar estas conversas mais longe.


LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO


Viva Ricardo Miguel Teixeira, muito bom dia. Humorista, és argumentista e recuperas,

recuperas e lesões, lesões de performers, de artistas, de

pessoas que precisam de dançar. Trabalho com bailarinos, precisamente com bailarinos. Não trabalho só com bailarinos, mas

maioritariamente. Sim. E eles são difíceis quando pessoas ou pacientes? com pacientes são impacientes.

Não são impacientes, são persistentes no trabalho deles. Podem ter uma fratura,

uma rotura, vão para palco na mesma. Não interessa. Eh, raramente aparece um bailarino a dizer: “E pá, não quero

trabalhar por causa disto”. O objeto muitas das vezes o trabalho é fazê-los, é convencê-los de que têm que estar

parados a parar, porque não podes fazer isso. Tá quieto. É muito, mas é muito difícil isso. É

muito difícil porque eles ficam frustrados. Já quero falar desta parte do teu trabalho. Tu usas a ferramenta humor no fundo para

afastar os teus fantasmas, imagino, para te recuperares, porque há um acaso, um

acidente ou um duplo acidente na tua vida que te retira a visão. Queres-me contar essa história desde o início? Eu

eu nasci sem problemas oftalmológicos, mas com 7 anos perdi a visão do olho esquerdo porque pronto, parti a cabeça.

Um foi um um embate muito forte para com descamenteo retina no olho esquerdo. Ainda muito ainda ainda fiz cirurgias

ainda tentaram recuperar não foi recuperável na altura. Eh, portanto, aos 7 anos fiquei fiquei cego do olho

esquerdo. Depois o que é que te lembras dessa altura? Ah, dessa altura não tenho assim grandes

memórias. Eu eu eu descobri, eu percebi que tinha que não estava a ver do olho

esquerdo a brincar porque estava a espreitar por um tubo e

punha-me a espreitar por um por um olho e pelo outro e e reparei que quandoitava pelo olho esquerdo não via. Hum.

É assim, era um miúdo perfeitamente normal. Era um miúdo que, pronto, fazia, era um miúdo de 7 anos normal. Pronto,

andava sempre lá para outro, sempre a correr, sempre aquelas coisas normais. Depois, hã, comecei a ter alguns

problemas mais tarde no olho direito, h, que começaram a surgir também devido a

esse, a esse pancadão que dei na altura. Hum, começaram a surgir uma série de

outros problemas. Tive um desculamento de retina, também comecei a ter problemas de tensão ocular, portanto

glaucoma e tive que ser operado também ao olho direito. Aí correu tudo bem,

fiquei fiquei a ver bem. Eh, fiquei com marcas muito visíveis no olho, que que

foi foi ótimo para a adolescência, né? Hum. Para a tua autoestima também, imagino.

Para tudo, para a autoestima. E porque é pá, adolescentes, principalmente ali entre os 13 e os 15, 16, são aquilo que

são, não é? Portanto, eu na escola durante todo esse período, eu até aos meus 18 anos, hum, em três escolas,

portanto primária e no secundário do quinto ao nonº fiz numa escola, depois ao 10º fui para outra.

O que é que acontecia? Era por causa dessas marcas. Neste caso era uma marca, o olho direito estava visivelmente saliente devido ao glaucoma. Eh, e pá,

bocas e nomes, alcunhas, era todos os dias. Isso era certinho. Pronto, desde

manhã à tarde, desde que entrava na escola, praticamente até que saía. Isso era de maltrato. Sim, sim, sim. Eh, era o olho morto, o

olho vivo, sei lá. Era, pronto, era todo um todo um dicionário de de nomes

e a linguagem pesa, obviamente. Eh, sim, mas pesavam mais às vezes a questão física, porque também acontecia.

HH de vez em quando vinham assim carícias a alta velocidade, bati-te, chegou a acontecer. Chegou, cheguei a

ser agredido por causa disso na escola e na rua. Portanto, sim, portanto, sem sem nenhum

motivo, não era aquele, é aquele era aquele h uma lógica quase social

daquela comunidade de de bater naquilo que é mais fraco. É um bocadinho, é um bocadinho porque depois eu isolava-me também, não é? e

não não repostava, não não respondia, não depois passei a responder e houve

uma vez ou outra que que que respondi fisicamente, mas já assim para aí com 17

anos, 16, 17, começou assim a ferver um bocadinho, não é? E a paciência começou-se a a esfumar.

E o círculo dos teus amigos, lá está, tinha um um núcleo pequeno, mas forte.

Normalmente é sempre assim, né? são são núcleos pequeninos. Tinha e tenho ainda um um dos meus melhores amigos, um

grande amigo meu que pá conhecemos desde os 5 anos, desde a prim, desde a pré-primária, 5 se anos.

H, que sempre se manteve comigo, eh, sempre se manteve perto de mim, sempre

me ajudou tremendamente. Depois, mais tarde, conheci uma amiga minha com 17 anos. Aos 17 anos

tínhamos os dois, que ficou uma irmã até hoje. Hã, e ela apanhou precisamente,

ela conheceu-me e poucos meses depois eu perdi a visão, portanto ela apanhou ali aquela transição. Hum.

E e um outro amigo meu que eh vive agora tá a viver na Alemanha já há uns bons anos fomos colegas, conhecem-nos no 10º

ano quando mudei de escola. Hum. Hum, foram assim naquela altura, foram assim,

eram assim os três fortes, eram assim os três e fora

amigos, eram assim aqueles três fortes. Os meus pais tiveram sempre presentes, sempre, sempre, sempre, sempre. Eh,

deram-me sempre toda a ajuda, todo o apoio que que podiam dar, que que conseguiam dar. Hum,

mas lá está, o meu período de escola eh foi,

eu não quer dizer traumático, porque não guardo traumas dessa altura, não guardo rancores dessa altura. Eh, mas foi foi

puxadote, porque assim, vontade de ir à escola depois era nenhuma, não é? E isso chegou-se a refletir nas not

Comments 
00:00
00:00
1.0x

0.5x

0.8x

1.0x

1.25x

1.5x

2.0x

3.0x

Sleep Timer

Off

End of Episode

5 Minutes

10 Minutes

15 Minutes

30 Minutes

45 Minutes

60 Minutes

120 Minutes

Como continuar a comunicar quando a vida apaga a luz? Ricardo Miguel Teixeira

Como continuar a comunicar quando a vida apaga a luz? Ricardo Miguel Teixeira