O QUE DIZEM AS PALAVRAS SOBRE NÓS? Marco Neves
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Falar bem português e escrever em bom português é absolutamente crítico para comunicar na nossa língua.
E sim, calhou-nos uma língua complexa na rifa, difícil, cheia de palavras e regras.
Algumas até de difícil compreensão ou mesmo aparentemente contraditórias.
Deixem-me dar-vos o exemplo das vírgulas. Onde se põem as vírgulas.
Das várias fontes que consultei há, em princípio, 4 regras principais.
Mas depois são afinal 11 que até podem ser 15.
Se alguém tem outro número queira mandar uma mensagem ou deixar um comentário.
Mas o exemplo das vírgulas é tão fascinante que até há uma regra opcional.
Leio no ciberdúvidas que a frase ‘Depois, vamos sair para jantar.’ pode ter essa vírgula, ou, simplesmente, se quiser dar mais ritmo à frase, pode escrever sem vírgula ‘Depois vamos sair para jantar.’
Esta é conversa sobre línguas, sobre pontuações e até sobre palavrões.
Que são umas palavras muito especiais.
Cada língua leva dentro de si a cultura de um povo.
Mas não só.
Sim o poeta Fernando Pessoa disse:
“Minha Pátria é minha língua.” Mas a frase continua assim:
“Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo.”
Dificilmente encontramos uma frase que nos defina melhor, ao longo da história.
Volto às línguas.
Elas não são actos de cultura e comunicação.
Foram nascidas e talhadas como arma política.
Os franceses não falavam francês. Os italianos também não falavam a língua com que os ouvimos hoje descrever as mais belas coisas do mundo.
E as palavras tem significados literais e simbólicos.
São as chamadas expressões idiomáticas.
O “prego” italiano não é para pregar tábuas nem pregar aos peixes. Será o nosso “de nada”
E o “Raconter de salades” não é contar saladas, mas sim “contar uma história.”
E a história tem muito peso nesta coisa das línguas.
Porque a língua foi um instrumento político de unificação de um estado.
E, portanto, imposto ao povo. Muitas vezes usando o fio da espada.
Com esse conceito da língua enquanto norma, levamos todos com a mil regras a cumprir. Mas as línguas continuam vivas, recebendo influências das outras ou dos nossos brilhantes pontapés na gramática.
Se o pontapé for numa pedra, com força, e de pé descalço, então também recorremos à língua. Usando os palavrões. Palavras escondidas no subsolo do nosso cérebro.
São tabu, mas aliviam as dores.
As palavras contam.
As que dizemos. As que alguém entendeu, ou desentendeu.
Há palavras de que gosto.
Pode ser pelo significado ou pode ser, simplesmente, pelo som que se produz ao dizê-la.
A minha palavra preferida é “óbvio”
Gosto do som e do significado.
É simples, mas obriga a uma definição de sons. Uma dança entre o B e o V.
E é obviamente uma palavra aberta logo na primeira letra.
Olhem, obviamente volto para a semana.
E vocemessês também.
É óbvio.
E agora dai-me licença para fechar este parlatório.
Ou deveria dizer palratório?
Quem é Marco Neves?
Marco Neves nasceu em Peniche e vive em Lisboa. Tem sete ofícios, todos virados para as línguas: tradutor, revisor, professor, leitor, conversador e autor.
Não são sete? Falta este: é também pai, com o ofício de contar histórias. É professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e diretor do escritório de Lisboa da Eurologos. Escreve regularmente no blogue Certas Palavras. Já publicou os livros Doze Segredos da Língua Portuguesa, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e o romance A Baleia que Engoliu Um Espanhol. Publicou também um ensaio literário, José Cardoso Pires e o Leitor Desassossegado. Regressa às dúvidas e subtilezas da nossa língua com a Gramática para Todos: O Português na Ponta da Língua.
O que aprendi neste episódio*:
O Poder da Língua: Reflexões sobre Normas, Resistência Cultural e Transformações Linguísticas
A língua, mais do que um simples meio de comunicação, é um reflexo das complexas dinâmicas de poder, história e cultura de uma sociedade. No mais recente episódio de “Pergunta Simples”, explorei o papel da língua na criação de normas, no estímulo à resistência cultural e na adaptação às transformações modernas. Durante a conversa, muitos pontos interessantes surgiram, que nos ajudam a entender melhor o que está por trás da forma como falamos e como nos expressamos.
Um dos temas centrais da conversa foi a relação entre a padronização da língua e a insegurança que isso pode causar. Desde que os estados começaram a criar normas linguísticas e a impô-las através da educação, o sentimento de inadequação ou erro tornou-se comum. Isso é especialmente evidente quando falamos da língua portuguesa. A forma como falamos, as palavras que escolhemos, e até o sotaque, muitas vezes fazem-nos sentir fora da norma, como se estivéssemos constantemente a cometer erros. Na verdade, essa sensação de inadequação está enraizada numa longa história de imposição de padrões linguísticos.
“A língua também é sempre alguma fonte de insegurança, porque a forma como é que é dizer por usar um enquadramento histórico, a partir do momento em que cada Estado criou uma língua, criou uma língua padrão e começou a pô-la na escola e a usá-la oficialmente.”
Quando olhamos para exemplos históricos, como a França, vemos que o processo de padronização linguística foi violento e frequentemente resultou na supressão de línguas minoritárias, como o occitano. Essas línguas, que tinham tanto prestígio quanto o francês na Idade Média, foram gradualmente marginalizadas, até serem vistas como “falar mal”. É fascinante pensar que muitas das línguas que desapareceram ou quase desapareceram não foram vítimas da sua falta de relevância, mas sim de um processo deliberado de repressão e normalização.
“Na França, este processo foi bem-sucedido. […] Esta língua era uma língua tão antiga como o que nós chamamos francês, tão antiga como o português, uma língua de muito prestígio. De repente, por causa deste processo […] começou a ser vista como falar mal.”
Ao olharmos para mais perto de casa, percebemos que o mesmo tipo de processos aconteceu nas zonas fronteiriças entre Portugal e Galiza. A ideia de uma fronteira linguística clara é relativamente recente, e durante séculos as pessoas nas áreas fronteiriças falavam o que sempre tinham falado, sem se preocuparem com a distinção entre “português” e “galego”. O Couto Misto é um excelente exemplo de como essas fronteiras não são apenas políticas, mas também culturais. A imposição de uma norma, tanto em Portugal como na Espanha, veio a criar uma barreira linguística que antes não existia.
“Falavam aquilo que se falava de um lado e do outro. Ninguém tinha exatamente a ideia de que falar português, falar galego, isso não era uma escolha que a pessoa fazia. Falava aquilo que sempre se falou desde a Idade Média.”
Outro tema que abordámos foi a constante importação de palavras de outras línguas e a questão dos estrangeirismos. A língua portuguesa é rica em empréstimos linguísticos, e muitas das palavras que usamos diariamente entraram no nosso vocabulário quase sem nos darmos conta. A influência do francês, por exemplo, é um caso clássico. A expressão “tem a ver” em vez de “tem que ver” é um exemplo de como as línguas estrangeiras moldam subtilmente a forma como falamos.
“Quando algo está à deriva em francês tem a ver. Tradicionalmente nós dizíamos sempre ‘isto tem que ver com’. Com a grande influência francesa, começamos a dizer ‘tem a ver’.”
Os palavrões também desempenham um papel interessante na nossa linguagem. Apesar de muitas vezes serem relegados ao “mau uso” da língua, os palavrões são algumas das palavras mais antigas que conhecemos e têm um poder expressivo único. Curiosamente, o uso de palavrões revela muito sobre a relação que temos com o tabu e com a repressão linguística. O facto de serem “escondidos” no nosso cérebro e usados em momentos de emoção intensa mostra que eles mantêm uma função muito primitiva, quase visceral, na nossa comunicação.
“O palavrão em geral está, digamos, no cérebro num sítio mais primitivo. Está lá guardado no sítio mais primitivo.”
A resistência a normas linguísticas e a contínua adaptação das línguas são temas que continuam a ser relevantes hoje, especialmente com o avanço da globalização e o domínio do inglês como língua franca. Embora o inglês tenha muitos benefícios, como facilitar a comunicação internacional, ele também pode representar uma ameaça à diversidade linguística e cultural. No entanto, o problema não está apenas no uso de palavras estrangeiras, mas também no estilo de comunicação. Muitas vezes, quando fazemos apresentações públicas ou escrevemos para um público português, tendemos a misturar palavras em inglês, o que pode criar uma barreira de comunicação.
“Se eu sou um economista e não nada contra os economistas, não é um profissional de qualquer área, vou fazer uma apresentação pública em Portugal para portugueses e metade das minhas palavras são em inglês. Isto é uma questão de comunicação.”
No final, a língua é mais do que palavras e regras. Ela reflete as nossas identidades, as nossas lutas e as nossas histórias. Cada palavra que escolhemos, cada sotaque que adotamos, e cada estrangeirismo que incorporamos faz parte de uma narrativa maior, que nos conecta ao nosso passado e molda o nosso futuro.
Por isso, comunicar não é apenas falar ou escrever. É entender o context